Capítulo 1: Chá verde

Um som estrondoso veio de fora.

“Não tenha medo, Ranran, a mamãe vai te levar para o hospital agora mesmo!”

“Não precisa, mamãe. Mesmo que o cachorro do meu irmão seja feroz e o machucado esteja doendo, eu sei que meu irmão não trouxe o cachorro de propósito.”

Lu Ran estava se sentindo sonolento, mas ao ouvir essa voz com um tom nitidamente carregado de algo amargo, de repente ficou alerta.

No entanto, sua mente estava enevoada, dificultando acordar por completo.

Nesse momento, a voz da mulher que havia falado primeiro voltou a soar, carregada e séria.

“Por que você traz tudo para casa? Esse tipo de cachorro de rua já devia ter sido jogado fora há muito tempo.”

Era claro que aquilo era direcionado a Lu Ran.

Em um tom baixo, cheio de desprezo, ela acrescentou: “Não traga seus velhos hábitos de volta.”

Lu Ran ouviu sua própria voz tentando explicar: “Da Huang não é um cachorro de rua. Você concordou em deixá-lo ficar. Ele é muito velho e não tem dentes, então não morde…”

Antes que pudesse terminar, a voz da mulher se elevou repentinamente: “Você está se atrevendo a responder? Acha que o machucado do seu irmão é falso?”

Lu Ran continuou a se explicar: “Da Huang não tem caninos; ele não poderia causar um ferimento assim.”

“O que você quer dizer? Está insinuando que seu irmão está fingindo?”

“Lu Ran, já te disse várias vezes, não pense em se livrar do seu irmão, está bem?”

Assim que a mulher terminou de falar, a pessoa chamada “Ranran” soltou um choro abafado.

É esse sonho de novo!

Lu Ran estava tão irritado que quase cuspiu sangue.

Com sua raiva fervendo, sua consciência parecia romper uma barreira, gradualmente ficando um pouco mais clara.

Diante dele havia uma luz ofuscante — não era luz natural do sol, mas o brilho opulento de uma iluminação extravagante.

O lustre de cristal refratava raios brilhantes, refletindo nos azulejos foscos de cor branca.

Era claramente noite, mas brilhava tão intensamente como se fosse dia.

O salão inteiro da mansão estava repleto do cheiro de dinheiro, exalando uma radiância quase onírica.

Lu Ran respirou fundo.

Fazia muito tempo desde que ele sonhara com a decoração da família Shen de forma tão vívida.

Seu corpo ainda parecia um pouco lento.

Lu Ran levantou os olhos para olhar as duas pessoas sentadas no sofá.

Primeiro, a mulher de tom severo.

Ela era jovem e aparentava certa graça. Embora tivesse idade para estar na menopausa, ela se mantinha bem, diferente de mulheres comuns desgastadas pela vida e pelos hormônios.

Por um breve instante, parecia até ser alguém com quem seria fácil conversar.

A mulher segurava cuidadosamente o pulso da pessoa ao seu lado.

Ao lado dela estava um jovem que parecia ter acabado de entrar na faculdade.

Ele tinha cabelos negros lisos e pele clara, vestindo uma camisa xadrez de cor clara. À primeira vista, parecia algo simples, sem marca ou material refinado, mas a costura dos punhos e os detalhes dos acabamentos exalavam nada além de delicadeza e sofisticação.

O peito de Lu Ran subiu e desceu novamente.

Essas duas pessoas.

Uma era a mãe biológica de Lu Ran.

O outro era o filho adotivo que havia tomado seu lugar.

Quando tinha quatro anos, Lu Ran se perdeu durante uma pequena enchente.

Ao ser resgatado, ele teve febre e esqueceu completamente as informações sobre sua família, acabando em um orfanato.

Embora não se lembrasse de sua família, Lu Ran sempre acreditou profundamente que eles o amavam e certamente o encontrariam.

Finalmente, depois de muito esforço, ele entrou na faculdade e se reuniu com sua família.

Foi então que descobriu que no primeiro ano em que desapareceu, sua família adotou um filho.

Esse filho adotivo tinha idade semelhante, era alegre e inocente.

Ninguém queria lidar com a dor de perder um filho. Ninguém queria investir tempo e esforço para procurar um órfão, como procurar uma agulha num palheiro.

Como alguém já havia preenchido seu lugar em casa, a família Shen rapidamente esqueceu seu pequeno filho perdido.

Eles até deram seu nome — “Shen Xingran” — para o filho adotivo.

O filho adotivo não apenas ocupou seu lugar, mas também reivindicou o nome que lhe pertencia.

Assim, as pessoas mais próximas do mundo de Lu Ran o abandonaram com facilidade.

Somente Lu Ran teimosamente agarrou-se a esse nome.

Quando inicialmente se perdeu, ele não sabia escrever.

Lembrava-se vagamente de ser chamado de “Ranran”, o que foi registrado como “Ran”.

Foi só quando foi encontrado que Lu Ran percebeu que, de repente, ele havia se tornado o impostor Shen Xingran.

No início, Lu Ran ficou feliz e disposto a aceitar essa identidade.

Tendo crescido sem parentes, ele teria acolhido qualquer família que pudesse ter, e nunca rejeitou o filho adotivo da família Shen.

No entanto, o tratamento diferenciado da família Shen deixou Lu Ran confuso.

Como achavam que ele tinha crescido na pobreza e temiam que causasse problemas se tivesse dinheiro, os Shen não apenas recusaram-se a lhe dar mesada, mas também fizeram com que ele usasse empréstimos estudantis para pagar sua faculdade.

Em contraste, Shen Xingran recebia dezenas de milhares em mesada todo mês.

Para evitar que Shen Xingran se sentisse excluído e magoado, eles nunca transferiram sua inscrição para o registro familiar da família Shen ou reconheceram publicamente sua identidade.

Shen Xingran continuou sendo o jovem mestre querido da família Shen, enquanto Lu Ran era um nada.

Após quinze anos perdido, Lu Ran voltou para o que deveria ter sido seu lar.

No entanto, todos na família — pai, mãe, irmão mais velho, segundo irmão — estavam mais preocupados se Shen Xingran ficaria triste com seu retorno.

Lu Ran até sentia que, se Shen Xingran franzisse o cenho, ele se tornaria o pecador.

Desde que voltou à família Shen, Shen Xingran inexplicavelmente passou a sofrer uma série de pequenos infortúnios.

Seja tropeçando ou se queimando com água quente, claramente nada disso estava relacionado a Lu Ran.

Mas sempre que a família se apressava em confortá-lo, tudo que Shen Xingran precisava fazer era lançar um olhar cauteloso para Lu Ran, e ele imediatamente era alvo de várias acusações.

Lu Ran passou da confusão inicial para uma crescente raiva e obsessão.

Ele tentou explicar à sua família repetidas vezes, mas era sempre ignorado.

Contudo, ao perceber o quanto sua família valorizava Shen Xingran, Lu Ran nunca o confrontou diretamente.

Após testemunhar o favoritismo irracional de sua família, ele começou a imitar Shen Xingran de forma inconsciente.

Tentou adotar o estilo de roupas de Shen Xingran.

Mas enquanto Shen Xingran vestia uma lã de lhama dourada e macia, Lu Ran não conseguia nem mesmo comprar um cashmere comum.

Ele tentou imitar a natureza gentil e o comportamento de Shen Xingran.

Mas a personalidade de Shen Xingran tinha sido moldada ao longo dos anos através da riqueza, enquanto Lu Ran era apenas um órfão que crescera em um orfanato.

O resultado final foi que Lu Ran só se tornou uma imitação pobre.

Finalmente, durante um conflito, Lu Ran foi empurrado para dentro da piscina por Shen Xingran, em pleno inverno.

Todos viram a cena.

Mas, no fim, as pessoas mais próximas dele apenas lançaram um comentário displicente: “Por que você não foi mais cuidadoso? Pelo menos isso não afetou Xingran.”

Lutando desesperadamente pelo afeto da família, Lu Ran de repente teve uma revelação.

Ele entendeu que todos os seus esforços eram em vão.

Ele jamais superaria Shen Xingran.

Lu Ran desistiu completamente e deixou a família Shen para viver por conta própria.

Ele voltou para sua vida quieta e solitária de antes.

Mas os bons tempos duraram apenas seis meses.

Antes que Lu Ran pudesse se formar, a família Shen apareceu de repente, usando os métodos mais duros para obrigá-lo e persuadi-lo a voltar.

Determinado a manter seu orgulho, Lu Ran recusou obstinadamente.

Foi durante essa luta que Lu Ran percebeu pela primeira vez o verdadeiro poder da família Shen.

À medida que a formatura se aproximava, Lu Ran foi inexplicavelmente expulso da faculdade.

Ele se mudou para várias cidades e trabalhou em vários empregos, todos sabotados pela família Shen.

No último incidente, o filho mais velho da família Shen, o irmão mais velho de Lu Ran, pessoalmente trouxe pessoas para confrontá-lo.

Enquanto tentava escapar em pânico, Lu Ran foi atropelado por um carro que ultrapassou o sinal vermelho.

O acidente foi grave; Lu Ran ficou paralisado do pescoço para baixo, e suas cordas vocais foram danificadas.

O momento de verdadeiro sofrimento havia chegado.

Com pouco mais de vinte anos, Lu Ran ficou deitado em uma cama de hospital, plenamente consciente, enquanto tubos preenchiam seu corpo.

Talvez fosse a “bondade” de Shen Xingran que levou a família Shen a apoiá-lo, uma pessoa incapacitada.

Lu Ran permaneceu naquela cama de hospital por dez anos inteiros.

O quarto era fechado, sem janelas, sem pássaros, sem pessoas.

Ele estava deitado ali, completamente só, acompanhado apenas pelo zumbido das máquinas.

Até as enfermeiras só entravam depois que ele adormecia.

Ocasionalmente, Shen Xingran vinha visitá-lo com a família.

Ele assistia sua família vivendo feliz com a pessoa que havia tomado seu lugar, desfrutando de uma vida harmoniosa.

Mas Lu Ran sequer tinha a capacidade de amaldiçoá-los.

Naquela absoluta solidão de dez anos, Lu Ran desmoronou pela primeira vez.

Ele sentiu que sua experiência era absurdamente trágica e totalmente inaceitável.

Então, tudo o que pôde fazer foi ruminar infinitamente sobre fragmentos de seu passado.

Ele recordava o momento de dor do acidente.

Ele lembrava o frio cortante de quando caiu na piscina no inverno.

Lembrava-se de cada explicação inútil do passado, cada colapso por ser desacreditado.

Lu Ran continuava se perguntando por quê.

Por que eu tinha que passar por tudo isso?

Por que cheguei a esse ponto tão baixo?

Ele claramente havia desistido. Não estava competindo mais com Shen Xingran; estava tentando evitar conflitos.

Mas parecia que o destino lhe dizia que isso não bastava.

Nesse instante, algo de repente fez sentido para Lu Ran.

Afinal, todas essas experiências absurdas eram apenas uma história.

Shen Xingran era o protagonista de um romance de mimado de uma família rica, enquanto Lu Ran era apenas uma cópia barata, um personagem secundário fabricado pelo autor para destacar o personagem principal.

O autor chegou a explicar solenemente que criar o personagem de Lu Ran era uma maneira de mostrar a todos que laços de sangue não importavam!

Lu Ran: …

Depois de processar essa informação, Lu Ran teve apenas um pensamento.

Que todos morram!

Ele olhou novamente para as duas pessoas à sua frente.

Com uma memória clara de seu passado antes da paralisia, Lu Ran rapidamente avaliou a situação atual.

Esse era o momento logo depois de seu retorno à família Shen.

Ansiando por uma família, ele havia criado secretamente um cachorrinho no orfanato, chamado Da Huang.

Após voltar para a família Shen, ele pediu permissão à mãe e trouxe Da Huang com ele.

Mas, ao voltar da escola desta vez, encontrou essa cena.

Shen Xingran estava sentado no sofá com duas marcas vermelhas fracas na mão.

A mãe Shen o acusou, dizendo que Da Huang havia mordido Shen Xingran e que ela o jogara para fora.

Que absurdo.

Nem vale a pena mencionar que Da Huang era um cachorro de nove anos, sem dentes; ele jamais conseguiria causar uma ferida dessas.

Lu Ran sabia muito bem que Da Huang não era um cão de raça adorável e temia causar problemas para a família que finalmente conquistara. Por isso, sempre que não saía com Da Huang, ele o mantinha trancado em seu quarto.

O que Da Huang poderia fazer? Arrombar uma porta trancada e morder Shen Xingran?

Em sua vida anterior, Lu Ran não tinha como se defender.

Não importava o quanto explicasse, a mãe Shen não o escutava.

No fim, pelo bem da família, ele desistiu do cachorro que o acompanhara por nove anos.

Assistindo a família Shen jogar Da Huang fora, o Lu Ran original teria escolhido engolir sua raiva.

Mais tarde, ao reconhecer a realidade, ele sairia discretamente.

Mas agora, neste corpo, quem estava ali era Lu Ran, a pessoa que havia sido confinada em um quarto escuro, cheio de tubos, por dez anos.

Ele estava à beira da loucura.

“Mãe, perdoe meu irmão; o ferimento só dói um pouco”, disse Shen Xingran, abaixando a cabeça para esconder o sorriso no canto da boca.

Claro, a ferida não havia sido causada por aquele cachorro.

Ele abrira a porta de Lu Ran, e aquele cachorro inútil apenas se encolhera no canto, sem demonstrar qualquer agressividade.

Ele até teve que criar algumas marcas sozinho.

Mas foi suficiente para seus propósitos.

Ao dizer isso, Shen Xingran pensou que Lu Ran protestaria fortemente ou até mesmo o insultaria.

Isso pioraria ainda mais a imagem de Lu Ran aos olhos da família Shen.

Mas, inesperadamente, Lu Ran não tentou se explicar.

De repente, ele estendeu a mão e agarrou o cabelo de Shen Xingran.

Sem dizer uma palavra, deu-lhe dois tapas.

“Pá!”

“Pá!”

Os dois sons nítidos ecoaram pela ampla sala de estar, cada um mais alto que o outro.