Capítulo 33: Mal-entendido
Ji Min quase riu de raiva.
Ficou parado por um bom tempo, deixando o vento frio soprar em seu rosto.
O mordomo Chen saiu à sua procura. Ao ver a expressão de Ji Min, ele parou surpreso. “Por que você está aqui fora se esfriando desse jeito?”
Considerando que Ji Min geralmente não demonstrava suas emoções, vê-lo tão alterado era raro.
“Quem sabe,” Ji Min zombou, então manobrou sua cadeira de rodas para voltar para dentro.
Ele não se esqueceu de instruir o mordomo Chen: “Cancele aquele patrocínio particular.”
De volta à sala de reuniões, Lu Ran naturalmente prosseguiu com a assinatura do contrato com a família Shen.
Lu Ran sabia que a família Shen se tornaria hostil assim que o evento de patrocínio terminasse, então ele finalizou o contrato ali mesmo.
Aproveitando a oportunidade, ele reforçou os termos do patrocínio.
Ele até mencionou o assunto do aluguel.
O retorno foi imediato, e a expressão de Madame Shen ficou visivelmente desagradável.
Após o término do evento de patrocínio, Lu Ran vagou sozinho pelo campus.
Estava muito frio.
Todas as folhas tinham caído das árvores no campus, cobrindo os caminhos de pedra.
De repente, Lu Ran sentiu saudades de Da Huang.
Da Huang adoraria caminhar por esse caminho coberto de folhas.
Mas Da Huang não estava ali e nem poderia entrar na escola.
Lu Ran ficou parado, olhando fixamente para o KFC perto do portão da escola.
Checando o saldo no celular, ele entrou e esperou na fila.
Ele não pediu frango frito ou hambúrguer, apenas quatro casquinhas de sorvete – o tipo que eles raramente vendem nessa época do ano.
Quando o carro de Ji Min passou pelo portão da escola, ele avistou de imediato uma certa pessoa que havia mexido com ele mais cedo, segurando quatro casquinhas de sorvete em ambas as mãos e mordiscando-as.
Ultimamente, o tempo estava especialmente frio.
O vento noroeste era feroz.
Aquela pessoa tremia no vento gelado enquanto teimosamente mordia os sorvetes.
Lembrando-se de revezar, ele dava uma mordida em cada uma das quatro casquinhas.
Depois de cada mordida, ele estremecia com o frio.
Então, após uma pausa, estendia a cabeça e dava outra mordida.
Talvez fosse por satisfação, mas Ji Min, sem perceber, observou-o por um bom tempo.
Até que a voz divertida do mordomo Chen soou do assento da frente, “Devo encostar, senhor?”
“Para quê?” Ji Min respondeu com tom ríspido. “Se quer ser motorista de táxi, troque de carro você mesmo.”
O mordomo Chen suspirou. “Ah, estou velho demais para ser motorista de táxi. Não posso competir com alguns que ainda se inspiram em brincar de sequestrador como crianças.”
Ji Min: “…”
O mordomo Chen continuou, “E quase fez o outro lado… ah, já chamaram a polícia.”
“…Tio Chen!” Ji Min exclamou, impotente.
O mordomo Chen finalmente riu e deixou o assunto de lado.
O silêncio voltou ao carro.
A pessoa lá fora mordiscando o sorvete acabou entrando em uma loja para escapar do vento.
No final, ele passou ao lado daquele carro espaçoso, com o ar-condicionado bem ajustado.
Passou-se um bom tempo.
Dentro do carro, a voz de Ji Min rompeu o silêncio com um suspiro leve, “Qual é o sentido de ajudar alguém que não pode ser salvo?”
“Um bastardo com segundas intenções, só isso.”
Após o evento de patrocínio, a vida gradualmente voltou ao ritmo usual.
Lu Ran finalmente deu as boas-vindas ao início oficial das férias de inverno.
Ele começou uma nova rodada de trabalhos temporários.
Desta vez, ele realmente conseguiu enganar a família Shen; as pequenas artimanhas anteriores não se comparavam a essa.
Como resultado, Shen Hongyuan explodiu em um acesso de raiva genuíno.
Lu Ran, no entanto, seguiu como de costume, acrescentando silenciosamente aos seus modestos fundos.
Agora que ele tinha um contrato com a família Shen, a Corporação Shen cobriria sua mensalidade e despesas de subsistência pelos próximos quatro anos.
Claro, Madame Shen não era tola; ela não deixaria que ele bagunçasse a Corporação Shen após a formatura.
Ela incluiu diversas cláusulas restritivas para seu emprego pós-formatura.
Ainda assim, um peso significativo foi tirado dos ombros de Lu Ran.
Durante as férias de inverno, ele encontrou um emprego temporário em um café.
O café ficava perto de um prédio comercial, e o trabalho era bem tranquilo na maior parte do tempo, com horários específicos de movimento e sem turnos à noite.
Isso permitia a Lu Ran focar nos estudos.
Perto do horário de almoço, algumas jovens mulheres com roupas profissionais entraram no café para almoçar.
Outro barista, Xiao Wang, recostou-se no balcão, observando-as com um toque de inveja.
Ele comentou com Lu Ran, “Elas todas trabalham para a Corporação Ji. Ouvi dizer que a empresa oferece benefícios incríveis. Mas parece que as avaliações são difíceis e rigorosas.”
“Os benefícios devem ser ótimos…” Lu Ran respondeu, enquanto revisava mentalmente vocabulário em inglês.
“Oh, com certeza.” Xiao Wang suspirou um pouco arrependido. “Se eu tivesse tirado notas melhores na faculdade, talvez tivesse conseguido entrar na Corporação Ji.”
Dizendo isso, ele deu um tapinha no ombro de Lu Ran. “Você tem uma chance – continue assim!”
Lu Ran deu uma risada.
Nesse momento, chegou um pedido de entrega e os dois voltaram ao trabalho.
Enquanto isso, duas das funcionárias da Corporação Ji conversavam em uma mesa próxima.
Uma delas gesticulou discretamente para cima e perguntou curiosa, “Você não está alocada lá agora? Então, como tem sido? Ele é tão severo quanto dizem?”
Ao ouvir isso, a garota à sua frente inclinou-se na direção dela.
“Nem me fale. Cometi um erro logo que comecei – fiquei apavorada!”
“O que aconteceu? O que aconteceu?”
“Bem, você sabe que o presidente usa uma cadeira de rodas, certo? Eu o vi saindo do elevador e, instintivamente, fui ajudá-lo a empurrar…”
“Hã? E daí? Qual o problema?”
“Sim!” A garota que estava falando parecia um pouco confusa também.
“Então, o que aconteceu?”
“Nada demais, na verdade. O presidente só me olhou e disse: ‘Cuide dos seus próprios assuntos’.”
Ela tomou um gole de água para se acalmar, “Mas você sabe daquele olhar frio e tom que ele tem, né?”
“Meu Deus, achei que estava acabada naquele momento. Mais tarde, perguntei por aí e descobri que ele absolutamente odeia que toquem na cadeira de rodas dele.”
“Que peculiaridade… embora, com as pernas naquela condição, dá pra entender que ele seja meio temperamental.”
“Aqui está sua massa,” a voz de Lu Ran interrompeu.
Ele colocou a massa e os talheres na mesa.
A garota que estava reclamando até agora, talvez sentindo o peso de falar pelas costas do chefe, acenou as mãos nervosamente. “Na verdade, ele é bem decente; diferente do meu chefe anterior, ele não explode com os funcionários do nada. O humor do nosso presidente é até bem estável…”
Estável, no sentido de sempre infeliz?
Lu Ran zombou silenciosamente para si mesmo.
No começo, ele não tinha percebido que o café ficava tão próximo do prédio da Corporação Ji.
Mas depois de alguns dias, começou a ouvir o nome de Ji Min regularmente.
Uma nuvem sombria constante.
Não exatamente mal-humorado, mas distante e frio. E com a deficiência, isso só o tornava ainda mais excêntrico.
Enquanto Lu Ran se afastava com sua bandeja, ouviu as duas continuarem a conversa.
“Se não fosse pelas pernas, o chefe seria um solteiro dos mais cobiçados.”
“O que exatamente aconteceu com as pernas dele? Foi algo de nascença?”
“…Ouvi dizer que foi um acidente de carro.”
Quando Lu Ran voltou ao balcão, Xiao Wang chamou-o. “Esses pedidos estão todos prontos e vão para o mesmo endereço.”
Lu Ran assentiu, pegou as sacolas e saiu do café.
Na Corporação Ji, na sala de reuniões.
Era hora do almoço e uma negociação sobre um acordo de aquisição estava em pausa.
Um homem correu atrás dele, “Presidente Ji!”
A cadeira de rodas de Ji Min não parou.
O homem, afastado da mesa de negociações, perdeu muito da sua postura de homem de negócios polido.
Claramente, ele não estava familiarizado com os hábitos de Ji Min.
Deu alguns passos para alcançá-lo e continuou negociando, “Presidente Ji, não acha que seus termos são irrealistas? Não existe almoço grátis!”
A cadeira de rodas de Ji Min finalmente parou, e ele ergueu o olhar para aquele cliente insistente.
Ele estava cercado por um grupo de funcionários famintos.
Sua expressão era sombria como sempre, a pele pálida a ponto de parecer translúcida.
Não havia o menor sinal de fome ou impaciência em seu rosto.
Ele era frio como um imortal, mas também lembrava um fantasma.
Ji Min disse, “Você conhece o estado da sua própria empresa. Não tenho o costume de gastar dinheiro em lixo.”
O rosto do homem congelou, oscilando entre raiva e vergonha.
As palavras de Ji Min eram brutalmente diretas.
Os funcionários ao redor que estavam a caminho do almoço não puderam deixar de parar.
Alguns dos novos contratados que trabalharam nesse processo de aquisição no último mês sentiram o coração apertar, preocupados que todos os seus esforços tivessem sido em vão.
Os funcionários mais experientes, no entanto, permaneceram impassíveis.
Após sair da sala de reuniões, Ji Min não desceu para comer; ele voltou primeiro ao seu escritório.
Ele acabara de retornar quando seu assistente bateu na porta e entrou, dizendo: “Presidente, eles concordaram em assinar o contrato.”
Ji Min assentiu.
O assistente, no entanto, não saiu depois disso.
“Algo mais?” Ji Min parou a cadeira de rodas para perguntar.
O assistente mostrou-lhe o telefone que vibrava incessantemente desde metade da reunião e hesitou, “É uma ligação da prisão.”
Ji Min olhou para ele em silêncio.
O assistente fez uma careta, mas continuou, tocando num assunto quase proibido, “Disseram que… seu irmão não está bem ultimamente e insistiu em vê-lo.”
Ji Min não reagiu com a raiva que o assistente esperava.
Ele até soltou uma risada leve.
Seus lábios se curvaram ligeiramente e toda sua expressão foi marcada por uma indiferença gelada.
“Diga a ele,” ele disse, “se quer me ver, que quebre as próprias pernas e rasteje até aqui.”
“E além do mais, ele não é meu irmão – só um bastardo da família Ji. Se ele tem algum problema, que vá procurar os verdadeiros pais.”
O tom de Ji Min era tão calmo que até o assistente, antes nervoso, se sentiu aliviado. “Entendido, vou informá-los.”
Após resolver mais algumas tarefas, Ji Min controlou sua cadeira de rodas e deixou o escritório.
Lá fora, os funcionários aproveitavam o intervalo para o almoço.
Alguns conversavam, enquanto outros comiam devagar, relaxados.
Ao notarem sua presença, as conversas cessaram momentaneamente antes de retomarem, mas todos mantinham um olho em Ji Min, como se preocupados que ele pudesse subitamente cair da cadeira de rodas.
Ignorando os olhares, Ji Min moveu-se sozinho até o elevador.
Ele apertou o botão e observou o indicador do elevador descer.
O escritório do presidente ficava sempre no andar mais alto da Corporação Ji.
Mas após Ji Min assumir, devido à sua condição física, ele o transferiu para um andar intermediário, onde seria mais fácil lidar com emergências.
“Ding.”
O elevador chegou. Assim que as portas abriram, Ji Min manobrou sua cadeira de rodas para dentro.
Ao olhar para cima, ele viu um jovem usando o uniforme de um café.
O rapaz equilibrava pelo menos oito ou nove grandes sacolas.
As sacolas de papel exageradamente grandes faziam sua estrutura esguia parecer ainda mais frágil, e seu uniforme leve parecia ainda menos adequado para o frio do que as sacolas térmicas que ele carregava.
Ele mexia no celular, tentando verificar os detalhes do pedido.
Suas franjas levemente longas caíam para a frente, os fios negros refletindo a luz do elevador, brilhando como um tom de caramelo aquecido.
Ji Min congelou por um momento.
Sem pensar, ele pressionou o botão de parada.
Mas sua cadeira de rodas já havia cruzado o limite do elevador e agora parava bem no centro.
Após uma breve pausa, ele ainda assim manobrou a cadeira para dentro.
Lu Ran também notou Ji Min.
Ele não esperava que sua sorte fosse tão ruim – ir até a Corporação Ji e, por pura coincidência, dar de cara com ele.
O homem, junto com sua imponente cadeira de rodas preta e larga, entrou no elevador.
O espaço espaçoso do elevador imediatamente pareceu um pouco apertado.
O homem na cadeira de rodas não correspondia à imagem estereotipada de fragilidade.
Com ombros largos e uma presença imponente, ele exalava a autoridade natural de alguém no poder.
Seus traços eram marcantes, sua expressão calma.
A sensação de pressão aumentou.
Com as portas do elevador fechadas completamente, o ambiente tornou-se ainda mais opressivo.
Lu Ran olhou para ele, mas não disse nada.
Lembrando-se das fofocas que ouvira no café, ele olhou para as sacolas desajeitadas em suas mãos.
Silenciosamente, ele se apertou para o lado, tentando evitar ao máximo que qualquer canto das sacolas roçasse na cadeira de rodas.
Mas naquele espaço confinado, era praticamente impossível.
Depois de muito esforço, Lu Ran finalmente conseguiu se acomodar no seu canto.
Ji Min estava sentado em sua cadeira de rodas, olhos fixos à frente.
Então, de repente, o homem falou friamente, “Quer que eu cave um buraco para você sair rastejando?”
Lu Ran: “…”
A voz de Ji Min era baixa e profunda, carregando seu característico sarcasmo sombrio.
Por algum motivo, isso fez Lu Ran sentir uma onda de irritação.
Ele revirou os olhos e parou de se segurar, deixando os braços relaxarem livremente.
Com um “vuuush”, quatro ou cinco sacolas tombaram ao lado de Ji Min.
Algumas até ousadamente foram parar sobre o braço da cadeira e em cima de suas pernas.