Capítulo 65: Mas
As palavras de Madame Shen foram ditas.
Lu Ran não respondeu, nem pareceu irritado. Apenas um silêncio pesado tomou conta da sala.
Madame Shen observava Lu Ran à sua frente, sentindo-se um tanto desconfortável.
Nos últimos dias, ela experimentava sentimentos mistos em relação a ele. Por um lado, jamais imaginara que aquele filho, que tanto desprezava, realmente tivesse alguma ligação com a família Ji. E, mesmo que relutasse em admitir, aquele rapaz parecia não ser tão medíocre quanto ela pensava.
Por outro lado, a reação das outras mulheres ricas no dia anterior a deixara impactada. Algumas a criticaram por não dar a devida atenção a Lu Ran. Outras, que desconheciam o vínculo familiar deles, mostraram uma preocupação afetuosa, parabenizando-a por, enfim, ter reencontrado o filho perdido.
Esses parabéns soavam formais e sinceros, chegando a parecer um tanto exagerados aos olhos de Madame Shen. Enquanto lidava com essas reações com o rosto rígido, uma leve sensação de autocrítica surgia em seu íntimo…
Será… será que realmente fui tão negligente com Lu Ran?
No entanto, agora que fazia uma exigência a ele, sentia-se incomodada. Parte de si culpava Lu Ran por não saber valorizar a situação, por se recusar a concordar. Outra parte culpava Shen Xingran por ser tão insensível, a ponto de deixá-la, como mãe, fazer um pedido tão absurdo ao filho.
Nesse momento, Shen Hongyuan também desceu as escadas.
Ele ouvira as palavras de Madame Shen e, com uma voz séria, endossou a opinião dela:
“Sua mãe está certa. Agora que está de volta, deve considerar o que é melhor para a família. Em outra ocasião, leve o senhor Ji para uma visita em casa, ou então leve Xingran para visitá-lo.”
Enquanto falava, ele se aproximou do sofá, sentando-se e acendendo um cigarro.
Lu Ran lançou um olhar para eles e, segurando o cachorro, seguiu em direção ao banheiro.
Ao chegar em casa, sua primeira tarefa sempre era pegar uma toalha para limpar as patas do cachorro.
Shen Hongyuan e os outros não se importaram com a atitude dele, nem prestaram atenção à sua reação.
Shen Hongyuan até virou-se para Shen Xingran e disse:
“Ele não vai aceitar de primeira, mas com insistência ele acaba cedendo.”
Mal terminou de falar, e Lu Ran surgiu do banheiro com uma lixeira nas mãos.
O banheiro do primeiro andar era usado basicamente pelos empregados, então não tinha um vaso sanitário inteligente. Por isso, o cesto de lixo precisava ser esvaziado diariamente.
Madame Shen e os demais assumiram que ele estava indo jogar o lixo fora. Contudo, viram-no caminhar em sua direção, segurando a lixeira.
E então, com um movimento rápido, despejou o conteúdo do cesto sobre os três.
“Ah!” Madame Shen gritou imediatamente, pulando do sofá.
Shen Hongyuan, que fumava, tentou afastar o papel com a mão, mas acabou incendiando um pedaço. O papel em chamas caiu em sua calça, fazendo-o pular de dor enquanto se debatia para apagar o fogo.
Shen Xingran, que tentou escapar, acabou com vários papéis sujos caindo sobre si, encontrando até alguns no capuz de sua blusa.
Os empregados ao redor ficaram chocados.
Hum… aquele papel… não era o mesmo que eles usavam no banheiro?
A sala de estar virou um caos.
Lu Ran observava a cena com um cesto vazio em mãos. Desta vez, ele foi esperto, colocando uma sacola nova em volta das mãos para não se sujar.
Ele ria enquanto assistia aos três em meio à confusão.
Como se tivesse se lembrado de algo, exclamou:
“Ah! Agora que você mencionou “justiça”, lembrei que vocês ainda me devem dez bilhões.”
E quanto ao senhor Ji…
Lu Ran balançou o cesto de lixo e sorriu:
“Se quiserem ir, vão. Vou recebê-los muito bem quando encontrá-los.”
O tom de “muito bem” deixou os três pálidos de medo.
Quando Lu Ran finalmente saiu, Madame Shen sentiu algo desconfortável em suas costas. Ao puxar, descobriu que havia um absorvente sujo preso em sua roupa.
Madame Shen desabou em frustração. Apontando para Shen Xingran e Shen Hongyuan, ela gritou:
“Eu disse para não provocarem ele! Esqueceram do que ele é capaz?”
Lu Ran não guardou aquilo no coração. Não se sentia sequer irritado. Conhecia bem a natureza da família Shen.
Era mesmo uma justiça ao estilo de Schrödinger.
No dia seguinte, quando foi ao escritório de Ji Min, lembrando-se do ocorrido, pensou em alertá-lo de que Shen Xingran provavelmente apareceria para procurá-lo em breve.
Contudo, ao abrir a boca para falar, a ideia parecia estranha. Ji Min sabia que ele e Shen Xingran não se davam bem. O que exatamente ele esperava que Ji Min fizesse?
Evitar Shen Xingran?
Fazer esse tipo de pedido parecia ainda mais esquisito.
Ji Min era apenas seu chefe. Não fazia sentido um funcionário exigir que o chefe evitasse certas pessoas.
Ji Min levantou os olhos, percebendo Lu Ran parado ali, franzindo as sobrancelhas, imóvel por um momento.
Ele comentou, com um tom indiferente:
“Depois peça para alguém trazer um pedaço de vidro para cobrir você.”
“Hã?” Lu Ran não entendeu de imediato o que ele quis dizer.
Vendo que Lu Ran finalmente reagira, Ji Min fez um gesto com a cabeça em direção ao batente da porta:
“Ficar aí parado desse jeito, achei que queria virar um quadro decorativo.”
Lu Ran: “…”
De repente, tudo pareceu mais claro para ele.
Se Shen Xingran queria vir, então que viesse. Com o péssimo temperamento de Ji Min, nem se sabia como as coisas acabariam.
Mas ele lembrou-se de outro detalhe e avisou:
“Estou prestes a voltar às aulas.”
Se não estava enganado, o trabalho que Ji Min lhe oferecera era apenas um emprego temporário de férias. Quando as aulas começassem, ele precisaria parar, e mesmo que continuasse, não teria tempo para acompanhar Ji Min tão de perto.
Ao ouvir isso, Ji Min também pareceu surpreso, percebendo que o período de férias de Lu Ran estava chegando ao fim.
Um silêncio tomou conta do escritório.
O cãozinho Dahuang permanecia deitado calmamente em seu cantinho.
Lu Ran caminhou devagar até a pequena mesa e, com um gesto lento, tirou os livros da mochila. O ar quente soprava do aquecedor, enquanto o umidificador trabalhava suavemente.
Os sons sutis dos aparelhos pareciam repentinamente altos naquele ambiente silencioso.
Lu Ran folheava as páginas do livro sem pressa. Seu orientador do laboratório era implacável, exigindo uma prova de conhecimentos logo no início do semestre.
Agora, ele precisava começar a estudar.
Mas, naquele momento, Lu Ran estava um pouco distraído.
Ele pensava em seu “trabalho”.
Ji Min, seu chefe, era, de fato, uma pessoa peculiar — de temperamento estranho, muitas vezes com falas sarcásticas e zombando dele com frequência, além de demonstrar segundas intenções.
Mas, justiça seja feita, o homem era generoso.
Ainda por cima, tinha o ajudado com várias questões.
E o trabalho não era nem muito exigente, apenas requeria um pouco de atuação.
E coragem.
Lu Ran, de repente, começou a se preocupar com a “reputação” de Ji Min quando ele saísse.
Afinal, todo esse “império” havia sido construído por ele, Lu Ran, recentemente!
Por outro lado, ao refletir mais, ele concluiu que, com a posição social de Ji Min, certamente haveria muitas pessoas dispostas a assumir o papel de “ex-namorado” depois de sua saída.
Só restava saber se fariam o papel tão bem quanto ele.
E se elogiariam com a mesma sinceridade.
Lu Ran estava imerso em uma enxurrada de pensamentos sem sentido.
Não havia lido uma única palavra do livro em suas mãos.
Naquele momento, ele não conseguia distinguir se lamentava perder um trabalho com um salário tão alto…
…ou se se preocupava com a reputação futura de Ji Min.
Enquanto refletia, Lu Ran ouviu um suspiro do outro lado da mesa.
Ao levantar a cabeça, viu o homem do outro lado da mesa, com os dedos pressionando a têmpora e a sobrancelha arqueada, observando-o com um suspiro:
“Ainda por cima, o livro está de cabeça para baixo.”
Lu Ran olhou para baixo e confirmou que era verdade.
Ele, no entanto, não se mostrou constrangido e apenas murmurou um “oh”, virando o livro na posição correta.
“Estude direito,” disse Ji Min.
Essa era uma frase que Lu Ran ouvira muitas vezes de Ji Min, e no início ele achara interessante que esse chefe fosse tão peculiar ao ponto de exigir que ele estudasse.
Mais tarde, ao descobrir as intenções “obscuras” de Ji Min, não pôde evitar pensar o quão especial era a maneira dele de expressar esses sentimentos.
Dessa vez, ao ouvir a mesma frase, Lu Ran, curiosamente, alinhou seu pensamento com o de outros jovens de sua idade, sentindo-se ligeiramente irritado.
Estudo, estudo, o tempo todo, só estudo.
Ji Min desviou o olhar do jovem sentado à sua frente e fixou-se no armário cinza e comum ao seu lado.
Após um momento de silêncio, ele suspirou e cedeu:
“Se não estudar bem e acabar reprovando, terei que te demitir.”
“O quê?” Lu Ran ergueu o rosto para encará-lo.
Captando o sentido das palavras, ele argumentou: “Eu tenho aulas e experimentos para fazer, o tempo é apertado…”
Ele mal havia terminado a frase quando o homem na cadeira de rodas virou-se abruptamente para ele.
Inicialmente, Ji Min não pretendia manter Lu Ran nesse “trabalho”.
Afinal, com o início das aulas, isso se tornaria ainda mais inconveniente.
Mas, ao ver o jovem distraído mexendo nos dedos, foi inexplicavelmente tomado por um súbito sentimento de indulgência.
E acabou cedendo.
Há poucos minutos, ele lamentava essa decisão.
Mas, ao ouvir a tentativa de Lu Ran de se esquivar, sentiu uma pontada de irritação crescente.
Seus olhos frios fixaram-se no rapaz, e ele deu um sorriso sarcástico:
“Você tem tempo para outros trabalhos temporários, mas não para o meu?”
Lu Ran: “…”
Ao dizer isso, Ji Min também percebeu o tom errado de suas palavras.
Como era de se esperar, ele viu Lu Ran o observando com aquele olhar familiar e suspirando.
Ji Min: “…”
E então o rapaz pareceu se lembrar de algo, inclinando-se para pegar sua bolsa.
De dentro, tirou uma muda de roupas.
Era a mesma que ele havia usado na mansão de Ji Min na noite anterior.
Agora, lavada e cuidadosamente dobrada.
Lu Ran segurava as roupas enquanto se levantava da cadeira, indo até a mesa de Ji Min e depositando-as ali.
Com uma expressão de quem “entendeu tudo”, ele lançou um olhar a Ji Min e disse:
“Não precisa mais me comprar roupas.”
Ao ouvir isso, Ji Min teve uma epifania.
Ele semicerrando os olhos, perguntou:
“Então, ontem você achou que eu gostava de você por causa daquele armário cheio de roupas?”
Lu Ran assentiu calmamente e ainda acrescentou:
“E dos sapatos.”
Ji Min, que passara o dia inteiro se remoendo, finalmente sentiu que estava revertendo a situação.
Ele soltou uma risada curta:
“Hã? Só isso?”
Lu Ran piscou os olhos, confuso, olhando para ele.
Ji Min, então, esclareceu a situação:
“Não vá pensando coisas à toa. Comprar roupas não tem nada a ver com gostar de você, mas sim…”
A explicação travou exatamente nesse “mas sim”.
Ji Min ficou preso nesse “mas sim” por um bom tempo, sem encontrar um motivo adequado.
Na verdade, não havia razão alguma.
Originalmente, ele não havia separado roupas propositalmente.
Foi apenas na noite anterior, ao ouvir o garoto dizer “Não quero sujar a roupa”, que ele se lembrou da imagem de Lu Ran no evento, vestindo um traje feito sob medida, parecendo um pavãozinho com a cauda empinada.
Naquele instante de impulso, Ji Min fizera um telefonema, pedindo que enviassem um guarda-roupa completo de roupas, acessórios e sapatos.
O pedido havia sido feito com urgência.
Quando eles chegaram na mansão, o pedido acabara de ser entregue.
Conforme o tempo passava, o olhar do jovem à sua frente tornava-se cada vez mais expressivo.
Era como se dissesse: “Pare de inventar desculpas. Admita, você gosta de mim.”
Finalmente, Ji Min conseguiu responder, com esforço:
“São… apenas uniformes de trabalho.”
“Hã?” Lu Ran pareceu surpreso.
Ji Min, então, entendeu o motivo pelo qual Lu Ran era tão bom em mentir descaradamente em público.
Uma vez que começava a inventar, o restante das falas fluía naturalmente:
“Você é meu ‘ex-namorado’, precisa se vestir de acordo com o papel.”
“Ah!” Lu Ran finalmente compreendeu.
De fato, parecia fazer todo sentido.
Ji Min: “…”
Ele pensou que, apesar de difícil de lidar, esse garoto era surpreendentemente fácil de enganar.
E continuou:
“As aulas vão começar, então vamos renovar o contrato pelo mesmo motivo. Esse ‘cargo’ de ex-namorado não pode ser preenchido por qualquer um.”
Lu Ran pensou um pouco e concordou.
Afinal, substituir a pessoa o tempo todo só faria a farsa desmoronar, certo?
Ji Min achava que sua rejeição fora clara o suficiente para que o jovem se sentisse, ao menos, um pouco constrangido.
A mentira estava tão forçada que qualquer pessoa sensata desconfiaria.
Mas, contra todas as expectativas, Lu Ran não demonstrou nenhum sinal de dúvida.
Ele simplesmente retornou para seu lugar, parecendo até aliviado.
Depois de um instante, virou-se para Ji Min e disse:
“Eu tinha uma razão válida para achar que você gostava de mim, afinal.”
“Qual outra razão?” Ji Min franziu as sobrancelhas e perguntou.
E então viu Lu Ran erguer os olhos para ele e responder:
“Você até gostou de alguém como o Zhang Lin. Gostar de mim não seria mais normal?”
Ji Min ficou completamente estupefato por um momento.
Após refletir, perguntou:
“Quem é Zhang Lin?”
Mas, assim que terminou a pergunta, viu o garoto à sua frente lançá-lo um olhar enigmático:
“Não se faça de desentendido. Você até se aproveitou dele enquanto ele dormia e ainda finge que não se lembra.”
Ji Min: “…”
Foi só então que ele se lembrou de um de seus momentos mais embaraçosos.
Ele respirou fundo, prestes a pedir que o garoto parasse de falar besteiras.
Mas, de repente, a porta do escritório foi batida.
Ambos interromperam a conversa imediatamente.
Ji Min pausou um instante antes de responder:
“Entre.”
A porta se abriu, e o assistente entrou segurando um telefone:
“É uma ligação do Dr. Kaimiller.”
“Sim.” Ji Min respondeu, estendendo a mão para pegar o telefone.
Enquanto fazia o movimento, ele lançou um olhar discreto para o jovem do outro lado.
Lu Ran já havia baixado o olhar para o livro.
Desde o momento em que o assistente entrou e usou um tom profissional, a atmosfera descontraída e um tanto absurda do escritório dissipou-se rapidamente, como uma onda recuando.
O ambiente voltou a seu usual clima de formalidade.
Comparando os dois momentos, Ji Min de repente percebeu.
Ele estava, no ambiente de trabalho, debatendo com um garoto se “gostava ou não dele”.
Esse pensamento deixou Ji Min um pouco desconfortável.
O assistente o lembrou:
“O médico quer saber quando o senhor terá disponibilidade para realizar a cirurgia.”
Ao ouvir isso, as orelhas de Lu Ran imediatamente se aguçaram.
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Capítulo 65: Mas
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