Capítulo 66: Um Grupo Especial

Ji Min manteve uma expressão indiferente. Pegou o celular e girou a cadeira de rodas, virando-se para a janela de vidro enquanto falava algumas palavras.

Lu Ran observou e viu que o mordomo Chen também havia entrado. Ele estava sentado no sofá, brincando com o cachorro Da Huang. O assistente também não saiu, permanecendo de pé ao lado em silêncio.

Ninguém falava no escritório. No entanto, Lu Ran sentiu, inexplicavelmente, que todos estavam discretamente atentos ao resultado da ligação de Ji Min. Inclusive ele mesmo.

Para Lu Ran, Ji Min sempre estivera em uma cadeira de rodas. 【Pensando bem, nas informações que ele tinha do passado, havia muito pouco sobre Ji Min】. Só mencionavam que seu irmão mais velho, Shen Xingyu, conhecia Ji Min. Parecia apenas um detalhe de fundo em um drama sobre uma família rica.

Onde quer que Ji Min estivesse, as palavras “deficiente” e “cadeira de rodas” sempre surgiam ao lado de sua identidade e fortuna, como se fossem uma marca indissociável. Mas agora, pelas palavras do assistente, parecia haver a chance de ele se recuperar?

Lu Ran não conseguiu evitar e prestou mais atenção.

O Dr. Kemiller, com quem Ji Min conversava, parecia um homem de meia-idade, com uma fala rápida, e sua voz estava um pouco abafada para ser ouvida claramente. Ji Min falava pouco, respondendo de vez em quando com poucas palavras.

A julgar pelas respostas dele, parecia que Ji Min tinha uma postura completamente oposta à do médico. O doutor parecia entusiasmado e insistente, tentando persuadir Ji Min a continuar com a cirurgia. Mas Ji Min demonstrava uma frieza um tanto ambígua, lançando a velha desculpa de “não tenho tempo”.

Lu Ran achava que esse “não tenho tempo” era uma desculpa. Embora Ji Min estivesse realmente ocupado, o problema físico claramente deveria ser mais importante que o trabalho. Se ele realmente pudesse voltar a andar, por que não tentar?

Ji Min logo encerrou a chamada e entregou o celular ao assistente.

Lu Ran ainda estava confuso e não conseguiu se conter. Perguntou ao mordomo Chen, que estava sentado no sofá: “As pernas dele podem ser curadas?”

O mordomo Chen respondeu a Lu Ran com bastante clareza: “Há uma grande chance. O senhor já passou por duas cirurgias; a última é que está sendo adiada.”

“Por que ele está adiando?” Lu Ran perguntou.

O mordomo parecia prestes a responder, mas foi interrompido por Ji Min, que interveio: “Tio Chen, a família Li vai voltar para Beijing em breve. Cuide dos preparativos.”

Tio Chen apenas sorriu para Lu Ran, levantou-se e saiu do escritório, sem responder à sua pergunta.

Lu Ran ficou sem resposta. Até descer para almoçar, continuava pensando sobre isso. Ji Min claramente evitava a última cirurgia. Lu Ran não conseguia entender sua atitude.

Em sua vida passada, quando ele se viu pela primeira vez preso a uma cama, além da completa incapacidade de aceitar a própria condição, havia um desejo absurdo e quase patético dentro dele. Ele esperava que a família Shen realmente procurasse um médico para curá-lo. Afinal, eram parentes de sangue. Sua mãe, seu pai e seus irmãos.

Mesmo que tivessem desprezo por ele, mesmo que tivessem um problema com ele por causa de Shen Xingran, eles realmente queriam vê-lo incapacitado pelo resto da vida?

Mas, com o tempo, essa esperança desapareceu por completo. Lu Ran percebeu que havia sido ingênuo. Provavelmente, a incapacidade de se mover, de falar, de ficar completamente à mercê dos outros era o que a família Shen mais desejava para ele.

Contudo, a decepção de Lu Ran era só em relação à família Shen. Mesmo sem saída, ele não se conformava em ficar assim para sempre. Naquela época, se alguém tivesse dito a ele que havia uma chance de cura, por menor que fosse, ele jamais a teria recusado.

Por isso, não conseguia entender: se havia uma possibilidade, por que Ji Min a estava evitando?

Desde o escritório de Ji Min, até o elevador e, depois, até o refeitório dos funcionários no subsolo, Ji Min sentiu claramente que alguém o observava atentamente o tempo todo. De vez em quando, ele olhava para baixo e encarava suas pernas.

Ji Min, racionalmente, sabia que aquele garoto provavelmente estava refletindo sobre sua condição depois de ouvir a ligação. Mas, considerando o jeito irritante do rapaz e as coisas que ele vinha fazendo ultimamente…

Ji Min, por um momento, não teve certeza sobre qual das pernas Lu Ran estava realmente interessado em observar.

Após ser encarado por mais um tempo, o homem finalmente perdeu a paciência e perguntou, rangendo os dentes: “Você já terminou de olhar?”

Se fosse qualquer outra pessoa, já teria desviado o olhar, envergonhada. Mas aquele era Lu Ran. Após a pergunta de Ji Min, ele simplesmente parou de olhar discretamente e passou a encarar abertamente, aproveitando a deixa para perguntar:

“Por que você não trata suas pernas? Não é possível se curar?”

A pergunta do jovem foi extremamente direta. Tão direta que deixou Ji Min momentaneamente atônito.

Direto demais, deixando Ji Min momentaneamente perplexo.

Com sua posição, eram poucos os que falavam com ele de maneira tão direta. Especialmente sobre questões relacionadas ao seu corpo. Até o mordomo Chen, que cuidava de suas necessidades diárias, preferia evitar o assunto. Mas aquele garoto… Ji Min não sabia se ele era destemido por natureza ou se estava ficando mimado demais ultimamente. De qualquer forma, ousou perguntar aquilo sem hesitar.

E, de fato, pegou-o desprevenido.

Ao lado, o mordomo Chen olhava fixamente para baixo, mas o sorriso contido deixava claro que ele estava se divertindo.

Ji Min ficou sem palavras por um momento, até que, com uma ponta de irritação, disparou: “Por que você quer saber disso?”

Lu Ran apenas lançou-lhe um olhar e respondeu com um simples “Oh.”

E, como prometido, não perguntou mais nada.

O discurso que Ji Min havia preparado mentalmente ficou preso, suspenso, deixando-o desconfortável. Como assim, a conversa terminou ali? Pelo que conhecia do garoto, isso não fazia sentido.

Mas, surpreendentemente, dessa vez Lu Ran realmente não disse mais nada. Comportou-se até o final do almoço, comendo com rapidez e concentração. Quando terminou, enquanto tomava seu suco, estava mexendo no celular. De repente, algo na tela pareceu chamar sua atenção, e seus olhos voltaram-se para Ji Min novamente.

Ji Min parou os hashis e sentiu aquele olhar intenso recaindo sobre suas pernas, como se a mesa entre eles não oferecesse proteção alguma. Ele ergueu o olhar e encontrou Lu Ran encarando-o com seus grandes olhos escuros.

Lu Ran ainda mordia o canudo. O canudo era preto, e seus dentes brancos o mordiscavam de forma inquietante. Ele ficava assim, mastigando o canudo enquanto olhava… suas pernas.

Involuntariamente, Ji Min apertou os hashis na mão. Depois de um momento, com um estalo, colocou-os na mesa e perguntou:

“O que você está olhando agora?”

“Hã?” Desta vez, o garoto pareceu pego no flagra, erguendo a cabeça com uma expressão inocente e acenando rapidamente com as mãos, justificando: “Nada!”

Ele então lançou outra olhadela para o celular, mas, como se não resistisse, olhou novamente para Ji Min. A atitude do garoto fez Ji Min estreitar os olhos.

Ainda agora ele estava tão confiante, e agora agia como se tivesse sido apanhado em flagrante.

“O que tem no celular?” Ji Min perguntou, em um tom firme.

“Ah… nada de mais.” Lu Ran respondeu.

Ji Min arqueou as sobrancelhas, claramente não acreditando na resposta, e estendeu a mão: “Dá isso aqui.”

Com o rosto sério, Ji Min parecia um professor. Lu Ran, instintivamente, passou-lhe o celular.

Ji Min pegou o aparelho, lançou um último olhar ao garoto e então verificou a tela.

Na tela, havia uma notícia em uma conta de Weibo. 【Surpresa! Alguns grupos homossexuais estariam, supostamente, se infectando voluntariamente para buscar emoção…】

Ji Min leu o título repetidamente, sem entender qual era a conexão com ele. Levantou a cabeça e olhou para Lu Ran.

O garoto parecia tão culpado quanto uma criança apanhada falando mal do professor, com os cílios praticamente tremendo de nervoso.

Sem entender o motivo daquela culpa, Ji Min perguntou: “Qual o problema com essa notícia?”

“Ah, nada de mais.” Lu Ran disse, enquanto mexia no canudo dentro do copo.

Ji Min não estava satisfeito: “Explique.”

“Foi você quem pediu.” Ele disse, sem jeito, ainda cutucando o copo.

Se Ji Min tivesse presenciado o “espetáculo” recente de Gu Ningqi, provavelmente teria feito Lu Ran parar imediatamente. Mas, por azar, ele não estava lá naquele momento, então insistiu, intrigado: “Fala logo.”

Com o incentivo, Lu Ran não se segurou mais. Ele olhou ao redor, espiando os outros que estavam no refeitório, inclinou-se para frente, tampou a boca com a mão e, num tom de mistério, disse:

“Olha, segundo a notícia, tem gente que busca… emoções especiais e, por isso, se infecta voluntariamente.”

“E daí?” Ji Min ainda não entendia a conexão. Mas… “gente como vocês”?

Ji Min estava prestes a corrigir isso quando viu Lu Ran olhando de novo para suas pernas.

Desta vez, o olhar carregava uma surpresa intensa, diferente de antes.

“Bom, eu sei que isso soa estranho.” Lu Ran, com uma expressão constrangida no rosto, perguntou, curioso: “Então você, mesmo com a oportunidade de tratar suas pernas, prefere manter a situação como está. Será que isso é, tipo… uma preferência especial?”

Ao ouvir toda essa explicação, o primeiro pensamento de Ji Min foi que agora entendia por que Lu Ran tinha se comportado tão bem até então. Estava preparando o terreno para isso.

Depois de compreender o que Lu Ran insinuava, Ji Min sentiu o sangue subir. Até suas têmporas pulsaram.

“Lu Ran!” Ele disse, entre dentes.

Do outro lado, o garoto pareceu lembrar que aquele ainda era seu chefe. Com pressa, tentou amenizar: “Eu entendo! Todo mundo tem suas preferências.”

Mas o rosto do homem continuava sombrio, e Lu Ran tentou de novo:

“Hum… vocês, desse grupo especial, provavelmente acham que isso é, ah… uma espécie de beleza imperfeita?”

O garoto realmente não tinha o menor talento para elogiar. Tentava se esforçar para fazer um “elogio”, mas, mesmo assim, suas palavras transpareciam um choque absoluto, como se estivesse diante de uma bizarrice.

Ji Min quase explodiu de raiva.

Toda a indecisão e frustração que ele sentia desde o telefonema do médico sumiram na mesma hora.

Ele apertou os dentes e praticamente cuspiu as palavras: “Primeiro, eu não sou gay…”

Mas antes que conseguisse continuar, o garoto do outro lado da mesa já rebateu sem pestanejar: “E tudo que você fez com o Zhang Lin? Ainda vai dizer que não é gay?”

Ji Min: “…”

Naquele instante, ele quase acreditou que poderia se levantar e correr atrás de Lu Ran por uns oitocentos metros, de tão irritado. Mesmo na cadeira de rodas, ele teria força para persegui-lo e acertá-lo.

Percebendo o perigo, Lu Ran se levantou com um pulo, pegou a bandeja e começou a correr.

Enquanto corria, ainda resmungava baixinho: “Mas que pessoa complicada!”

“Eu nem queria falar sobre isso, mas foi você que insistiu.”

“Agora que eu falei, ainda fica bravo!”

“Volta aqui! Prometo que não vou bater em você.”

Ji Min rugiu em voz alta.

Assim que o fez, lembrou-se de que estavam no refeitório.

Embora os poucos funcionários que restavam não tivessem ouvido a conversa, a perseguição atraiu olhares de espanto. Até a funcionária que servia comida alongava o pescoço, curiosa.

Ji Min respirou fundo várias vezes, tentando manter a calma, e engoliu sua irritação.

Pensou: Não dá mais!

Ele precisava contatar o Dr. Kemiller agora mesmo.

Não importava como, ele precisava fazer algo a respeito. Aquela reputação de “grupo especial” não podia de jeito nenhum recair sobre ele!

Shen Xingran também achava inaceitável.

Precisava dar um jeito de estabelecer contato com a família Ji.

No último evento, Lu Ran saíra ao lado de Ji Min e chamara bastante atenção. Só depois Shen Xingran soube, por outras pessoas, que a posição de herdeiro de Gu Ningqi ainda estava em avaliação.

Ji Min tinha influência suficiente para moldar os desejos do velho Gu.

De uma forma ou de outra, Shen Xingran não podia permitir que o chefe da família Ji fosse “dominado” por Lu Ran.

Ele havia planejado que sua mãe, Madame Shen, pressionasse Lu Ran novamente. Mas, da última vez, depois de quase ter sido soterrada por um monte de papéis inúteis, ela estava assustada e se recusou terminantemente a ajudar.

Pediu a ele, inclusive, que deixasse Lu Ran em paz, e que, pelo menos por alguns dias, houvesse um pouco de paz na família.

Shen Xingran jamais esperava por esse resultado.

Mas ele não estava disposto a desistir. Se não podia agir abertamente, faria por baixo dos panos.

As atividades pessoais de Ji Min eram extremamente discretas, e, apesar de Shen Xingran ter muitos amigos, ao ouvirem o nome de Ji Min, até eles demonstravam certa hesitação.

Mas, como diz o ditado, quem procura acha!

Depois de muito esforço, Shen Xingran conseguiu descobrir que Ji Min participaria de um leilão beneficente de pequeno porte.

Para melhorar, naquela data era o primeiro dia de aula na Universidade Y.

Ou seja, Lu Ran não estaria com Ji Min. Nenhuma interrupção!

No dia do leilão, Ji Min entrou no salão com uma expressão fechada.

Parecia estar de péssimo humor.

Atrás da cadeira de rodas, o lugar que usualmente ocupava uma figura familiar estava vazio.

O espaço vazio, de algum modo, acentuava a melancolia de seu semblante.

Ele não parecia estar bravo, mas, em comparação com antes, havia uma certa apatia em seu olhar, como se nada ao redor realmente o interessasse.

Foi só quando seu assistente entrou com um cãozinho amarelo que Ji Min esboçou uma melhora.

“Dahuang já se familiarizou com o ambiente,” disse o assistente, entregando-lhe a guia.

Ji Min segurou a guia, e seu semblante relaxou um pouco.

Dahuang já era um cachorro idoso e, ao contrário dos filhotes, tinha mais dificuldade em se adaptar a novos ambientes. Por isso, sempre que iam a um lugar novo, Ji Min pedia que o assistente o deixasse explorar a área antes de trazê-lo.

No palco, uma a uma, as peças do leilão eram apresentadas.

Ji Min relaxou-se na cadeira de rodas, segurando o pequeno brinquedo de coelho que enfeitava a guia de Dahuang.

Ele não demonstrava grande interesse pelas peças em exibição.

Até que, finalmente, uma pintura em aquarela chamou sua atenção.

Na tela, um cachorro amarelo brincava na grama, com a língua para fora, rolando alegremente.

Ele fixou o olhar na pintura por um momento e pediu ao assistente que anotasse o número.

Então, olhou para Dahuang, que estava deitado tranquilamente ao seu lado.

Consigo imaginar como ele reagiria ao ver isso, pensou Ji Min, quase ouvindo a voz animada de alguém ao seu lado.

Ele com certeza apontaria para a pintura com o entusiasmo de uma criança e diria: “Dahuang, olha só, esse cachorrinho parece com você!”

Um leve sorriso apareceu no canto de seus lábios.

O mordomo Chen, observando-o, perguntou com um sorriso: “O senhor não está se sentindo bem hoje?”

Desde a manhã, o humor de Ji Min parecia sombrio.

O homem conteve o sorriso, respondeu com um frio “Heh” e disse:

“Tô é irritado.”

O mordomo Chen não conseguiu segurar uma risada discreta.

Na noite anterior, Ji Min, surpreendentemente, ligara para o Dr. Kemiller.

Embora não tivesse agendado a cirurgia, ele fez questão de perguntar, com detalhes, sobre o procedimento.

Para alguém que geralmente evitava o assunto, só o fato de ter buscado informações já era um avanço considerável, o que deixou tanto o médico quanto o mordomo animados.

Chen pensou: De fato, o jovem sabe mexer com ele.

Bastaram algumas palavras no refeitório para instigar Ji Min a ponto de ele quase querer fazer a cirurgia imediatamente.

E tudo começou com aquela invenção de “contágio voluntário” e “beleza na imperfeição”.

Pensando nas palavras de Lu Ran no dia anterior, Ji Min não pôde deixar de esboçar uma expressão desconcertada.

Que grupo especial?

Eu não tenho nada a ver com isso.

Nesse momento, uma voz surgiu a uma curta distância: “Com licença, o senhor é o Sr. Ji?”

Ji Min franziu as sobrancelhas.

Ao olhar naquela direção, viu o filho adotivo da família Shen parado não muito longe.

Shen Xingran havia conseguido um convite e, com dificuldade, infiltrou-se no leilão.

Com os assentos organizados de maneira dispersa, ele demorou um pouco para encontrar onde Ji Min estava.

Assim que estava prestes a pensar em uma maneira de abordá-lo, percebeu a presença de Dahuang.

Ficou surpreso que Ji Min realmente estivesse cuidando do cachorro de Lu Ran.

Mas isso lhe proporcionava, sem dúvida, uma abertura para iniciar uma conversa.

Shen Xingran abaixou-se e, fingindo entusiasmo, bateu palmas para o cachorro: “Dahuang, sou eu!”

Logo, porém, seu sorriso ficou congelado.

O cachorro, que antes estava deitado calmamente ao lado da cadeira de rodas, olhou para ele, encolheu-se de medo e se escondeu debaixo de Ji Min.

Ji Min inclinou-se para dar uma olhada em Dahuang e, em seguida, lançou um olhar de estranheza para Shen Xingran.

Ele franziu a testa.

Lu Ran raramente mencionava as pessoas da família Shen e, quando o fazia, nunca emitia qualquer opinião. Ji Min, por sua vez, sempre ignorara aquele filho adotivo.

Mas agora, aquilo o intrigava.

Dahuang era um cachorro muito amigável; mesmo quando alguém o pisava acidentalmente na empresa, ele não reagia com medo. Esta era a primeira vez que Ji Min o via evitando alguém dessa maneira.

Passou a guia ao assistente, pedindo-lhe que usasse petiscos para tranquilizar o cão, e só então olhou mais atentamente para Shen Xingran.

A expressão de desconforto passou rapidamente pelo rosto de Shen Xingran, mas ele logo aproveitou o momento, dizendo: “Dahuang sempre teve um pouco de medo de mim em casa… Toda vez que ele tenta se aproximar, meu irmão acaba…”

Ele deixou a frase no ar, criando espaço para qualquer interpretação.

Ji Min arqueou uma sobrancelha, curioso.

Lu Ran faria alguma coisa com Dahuang? Se o cachorro um dia fizesse algo tão extremo como fazer cocô no travesseiro de Lu Ran, Ji Min podia imaginar que ele só o abraçaria, dizendo algo como: “Meu filho é um gênio em escolher lugar!”

Sentindo sua paciência se esgotar, Ji Min acenou para o assistente, pedindo que chamasse o responsável pelo leilão.

Nesse momento, contudo, Shen Xingran interveio: “Meu irmão fala sobre o senhor com frequência…”

Ao ouvir isso, Ji Min fez sinal para o assistente parar.

Então Lu Ran falava sobre ele em casa? Ele ficou interessado em saber o que era dito.

Percebendo a mudança na atitude de Ji Min, Shen Xingran viu ali uma oportunidade e rapidamente adotou uma postura mais amável.

“Eu soube que o senhor cuida muito bem do meu irmão e que conhece meu irmão mais velho. Meu pai e eu sempre quisemos fazer uma visita para agradecer. Mas meu irmão disse que o senhor…”

Shen Xingran lançou um olhar tímido a Ji Min, depois mordeu os lábios, hesitante, como se estivesse enfrentando um grande dilema, e continuou:

“Ele disse que o senhor tem um temperamento difícil… e que, se fôssemos procurar pelo senhor, ele… nos expulsaria…”

Enquanto falava, Shen Xingran abaixou a cabeça, mordendo os lábios.

Ji Min ficou em silêncio por um momento, quase com vontade de rir.

Shen Xingran parecia o tipo que não dizia uma palavra verdadeira. Ainda assim, aquelas frases pareciam exatamente o tipo de coisa que Lu Ran diria…

Era um talento raro combinar com tanta perfeição as próprias ações com uma imagem desagradável, talvez até exagerando.

Shen Xingran continuou falando, sem obter resposta.

Incomodado, ele franziu levemente o cenho, irritado. Não é que ele tivesse grande interesse por Ji Min; saber da posição social e da influência dele não o impressionava tanto, especialmente desde que soubera que o homem era deficiente.

Se pudesse, talvez não fosse má ideia atrair Ji Min para o seu círculo. Mas alguém do nível dele, e com uma deficiência, era arriscado demais.

Tendo ponderado os prós e os contras anteriormente, Shen Xingran não deu tanta importância a Ji Min.

Agora, porém, já que resolvera agir, passara a noite fazendo um planejamento minucioso.

O que mais uma pessoa com deficiência como Ji Min precisaria? Certamente um pouco de calor e conforto emocional.

E isso era algo que Shen Xingran sabia oferecer muito bem.

Se ele se dedicasse a isso, não seria difícil conquistar esse Ji Min…

Shen Xingran aproximou-se da cadeira de rodas, fitando o homem ali sentado. Olhando para as pernas cobertas pelo cobertor, lançou-lhe um olhar que misturava ternura e compaixão.

“Bem,” disse ele com suavidade, “essas são as opiniões do meu irmão, mas eu, pessoalmente, não concordo com ele.”

Ele ergueu o olhar, tentando se conectar com Ji Min, desejando que o homem percebesse a sinceridade em seus olhos.

Então, com uma voz cheia de reverência, continuou:

“Para mim, sua deficiência não é uma fraqueza.”

“A imperfeição é uma beleza incomparável!”

Enquanto falava, Shen Xingran estendeu a mão na direção do joelho de Ji Min, como se fosse tocá-lo para consolar.

Mas, antes que pudesse sequer chegar perto, viu o homem e seu mordomo recuando com uma rapidez surpreendente. Num instante, a cadeira de rodas de Ji Min e o mordomo haviam se afastado mais de um metro.

Ambos o olhavam com expressões de puro horror.