Capítulo 78: Doces

Como já havia se mudado, Lu Ran não fez cerimônia e acabou passando a noite no segundo andar. Depois de resolver seus afazeres, relaxou e dormiu profundamente, como há tempos não fazia.

Já Shen Hongyuan e a Senhora Shen, ao saberem que ele havia subido para o segundo andar, ficaram apreensivos durante boa parte da noite. Tinham receio de, ao fechar os olhos, ouvirem de repente: “A vastidão do mundo é o meu amor…”

Na manhã seguinte, Lu Ran organizou sua mochila para ir à escola. Contou seus pertences e, ao puxar o zíper, franziu as sobrancelhas.

Ele pegou a marmita onde guardava sua lição de casa de nutrição e a tirou da mochila. Quando abriu, viu que estava vazia.

O semblante de Lu Ran escureceu imediatamente.

Embora a família Shen tivesse lá suas excentricidades, apenas uma pessoa seria capaz de algo como “roubar lição de casa”.

Lu Ran jogou o pote de volta na mochila, saiu do quarto e subiu direto para o terceiro andar. Ao chegar ao corredor, deu um chute na porta do quarto de Shen Xingran e perguntou sem rodeios:

“Onde está minha lição de casa?”

Dentro do quarto, a Senhora Shen estava ajudando Shen Xingran a escolher uma roupa. Ao ver Lu Ran entrar chutando a porta, deu um passo para trás instintivamente. Depois de ouvir o que ele disse, achou tudo absurdo:

“Você não consegue achar sua própria lição de casa e vem incomodar o Xingran? Já é universitário, quem é que roubaria sua lição de casa a essa altura?”

Lu Ran ignorou completamente o que ela disse, empurrando-a para o lado e revirando o quarto de Shen Xingran como um verdadeiro arruaceiro.

Shen Xingran, que já estava preparado para uma visita de Lu Ran, não conseguiu esconder o incômodo ao ver alguns de seus objetos de valor sendo jogados no chão como se fossem lixo.

“Irmão, o que você está fazendo?” perguntou Shen Xingran.

A Senhora Shen também resmungou: “Isso é um absurdo!”

Mas, embora murmurasse, não teve coragem de se aproximar.

Depois de procurar um pouco, Lu Ran encontrou uma caixa de doces ao lado da mochila de Shen Xingran. Ao abri-la, viu alguns doces amarelo-claros enfileirados. Observando atentamente, ele escolheu um doce específico com o desenho de um cachorrinho.

“Aqui está. Minha lição de casa,” afirmou.

Shen Xingran, com uma expressão entre o riso e a frustração, olhou para a Senhora Shen e disse: “Mãe, não é meu doce?”

Ele pegou um pedaço e deu uma mordida para mostrar a Lu Ran.

A Senhora Shen, igualmente confusa, comentou: “O que deu em você? Esses são os doces de feijão verde que comprei para o Xingran ontem, não têm nada a ver com sua lição de casa.”

E então ela revirou os olhos: “Se queria comer, era só pedir. Eu mandava a empregada comprar mais. Precisa armar toda essa confusão?”

“Cala a boca! Eu disse que é minha lição de casa,” insistiu Lu Ran.

Ao vê-lo prestes a sair com o doce, Shen Xingran se desesperou. Ele olhou para a Senhora Shen, fazendo uma cara de coitado:

“Mãe… você esperou na fila para comprar esses doces para mim.”

A Senhora Shen amoleceu na mesma hora. Como uma galinha protegendo o filhote, ela se colocou na frente de Lu Ran e apontou para ele, dizendo:

“Pare aí! Devolva os doces do Xingran!”

“De novo essa besteira! Esse é o projeto de nutrição que fiz no laboratório!” retrucou Lu Ran.

A Senhora Shen hesitou por um momento, dominada por uma leve sensação de temor. Não podia evitar; o histórico de Lu Ran havia deixado uma marca profunda em sua mente.

Mas então, lembrou-se de que estavam no terceiro andar. Tudo estava impecavelmente limpo, e Lu Ran não estava com o cachorro.

Sem armas à vista, por que ela deveria temer?

Nesse momento, um ruído veio do corredor.

Todos olharam para ver quem era.

Era Shen Xingyu.

Ele subia as escadas do segundo andar, com os cabelos um pouco bagunçados e um ar de cansaço ainda visível nos olhos. Sua camisa branca, normalmente impecável, estava com a gola aberta.

“O que está acontecendo?” perguntou ele, com a voz grave.

Shen Xingyu andava exausto ultimamente, e na noite anterior, após a mudança, passara a madrugada organizando tudo. Depois de finalmente ter um pouco de sossego, fora acordado pelo barulho vindo do andar de cima.

Ao ver Shen Xingyu se aproximar, a Senhora Shen pareceu recuperar toda a sua confiança.

Apontando para Lu Ran, ela exclamou: “Ele ficou louco logo cedo, tentando roubar os doces do Xingran, dizendo que é a lição de casa dele!”

As sobrancelhas de Shen Xingyu se franziram profundamente.

“Ele fica assim, humilhando o Xingran, e você não faz nada? Vai deixar ele agir como se mandasse na casa dos Shen?” A Senhora Shen falava em um tom agressivo.

“Essa é a minha lição de casa de nutrição, e tenho que entregar hoje de manhã,” respondeu Lu Ran de cabeça baixa.

Shen Xingyu olhou para o que Lu Ran segurava nas mãos e, em seguida, lançou um olhar para Shen Xingran. Seus olhos permaneciam serenos, sem esboçar a mesma expressão de surpresa da Senhora Shen ao ver Lu Ran segurando o que parecia ser um doce.

Diante do olhar atento de Shen Xingyu, Shen Xingran não conseguiu evitar engolir em seco. Ele, na verdade, não tinha certeza de qual lado Shen Xingyu escolheria. Mas, ao desviar os olhos para a Senhora Shen, Shen Xingyu suspirou levemente, como se decidisse a questão.

A expressão pensativa sumiu de seu rosto. Ele olhou para Lu Ran e disse, com a voz tranquila:

“Devolva. É só um doce, não precisa brigar por isso.”

A Senhora Shen imediatamente exibiu uma expressão de triunfo. Shen Xingran também abaixou os olhos, segurando o sorriso. Lu Ran provavelmente não sabia que o irmão mais velho nunca se importava de fato com a verdade.

Contudo, justo quando a Senhora Shen e Shen Xingran achavam que Lu Ran estava à beira de explodir, ele apenas ergueu o doce decorado com um cachorrinho, encarou Shen Xingyu com um olhar frio e questionou:

“Você está dizendo que isso é um doce?”

“Para com isso. Daqui a pouco eu—”

Antes que terminasse a frase, Shen Xingyu ficou atônito ao ver Lu Ran aproximar o doce de sua boca.

“Então morde,” disse Lu Ran.

Shen Xingyu parou. Ele ergueu os olhos para encarar Lu Ran. Esperava ver indignação ou raiva, mas encontrou apenas um par de olhos negros, calmos e resolutos, que pareciam ver tudo com clareza.

Aquela voz jovem, firme e determinada, declarou friamente:

“Você sabe que, seja um doce do Xingran ou minha lição de casa, você não se importa de verdade. O que você quer é encerrar o assunto o mais rápido possível, para não atrapalhar o seu trabalho e o seu descanso.”

“Você pensa que é mais conveniente ficar ao lado da Senhora Shen e do Xingran e fazer com que eu devolva, porque acha que eu sou mais fácil de acalmar, e pode me compensar depois à sua maneira.”

“Mesmo sabendo que, provavelmente, o que eu estou segurando é minha lição de casa.”

“Assim como naquele jantar, quando você sabia que não fui eu quem empurrou o jovem mestre Fang.”

O rapaz falou de forma clara e objetiva. Shen Xingyu ficou surpreso ao ouvi-lo chamar a Senhora Shen dessa maneira. Pela primeira vez, ele olhou para Lu Ran com seriedade, deixando de lado aquele olhar indulgente de quem trata com um jovem imaturo.

Apertando os lábios, ele começou a falar: “Você…”

Mas, assim que abriu a boca, o “doce” foi novamente aproximado de sua boca por Lu Ran.

Shen Xingyu abaixou o olhar, como se visse um antigo pequeno companheiro que, ainda risonho, lhe dizia:

“Mas, caro Senhor Shen, toda ação tem um preço. Não pode esperar que eu siga quieto sem que você faça nada.”

“É o seguinte,” suspirou Lu Ran. “Eu nem vou mais entregar essa lição de casa. Se você realmente acha que é um doce, morde ele. Se morder, eu saio daqui sem mais nem menos.”

Shen Xingyu finalmente abaixou os olhos para o “doce” que segurava. A aparência era bem trabalhada, com uma delicada estampa. Parecia com um daqueles docinhos da confeitaria fina.

A Senhora Shen e Shen Xingran observavam com dúvida. Contudo, conhecendo Lu Ran, um desconforto inexplicável se instalou.

Ainda assim, Shen Xingyu, lembrando que era supostamente um trabalho de nutrição, imaginou que não poderia ser nada anormal.

Com uma leve hesitação, ele se inclinou e deu uma mordida.

No instante em que mordeu, Lu Ran suspirou e começou a lamentar: “Meu professor de optativa é desumano! Ele exige níveis absurdos de nutrientes. Como este aqui, que tem uma necessidade altíssima de proteínas.”

“E, para piorar, o orçamento do laboratório é pequeno… Trabalhei quase duas semanas testando ingredientes adequados.”

Shen Xingran mal podia conter o riso. Lu Ran devia estar fora de si para estar falando essas coisas.

De repente, o tom de Lu Ran ficou animado: “Mas eu descobri a solução! Pude usar larvas de tenébrio e baratas Dubia!”

Inseto o quê? Barata Dubia o quê?

Os três no quarto ficaram paralisados. Shen Xingyu também estava atônito.

Ele já havia mordido, e seus dentes, impulsionados pela inércia, comprimiram o doce.

Assim que mordeu, sentiu uma leve resistência, seguida de um estalo crocante. Então, um líquido viscoso e levemente adocicado preencheu sua boca.

Lu Ran continuava a lamentar: “Claro que as baratas Dubia são caras! Mas nada me impediu, porque as baratas americanas, que são parentes próximas, são bem baratas, praticamente estão por todo lado.”

“Então, capturei um monte delas.”

Baratas americanas?

Shen Xingyu ficou sem ação por um instante. Lentamente, ele se perguntou se “barata americana” era algum termo técnico. Depois, num processo gradual, ele abaixou os olhos e olhou para o doce que mordera.

A superfície amarela e bonita estava rachada, mas o recheio não era de doce de feijão verde.

No pedaço mordido, uma barata partida ao meio começava a vazar um líquido. Ao lado dessa metade, uma barata quase inteira tentava sair do doce, movendo suas antenas como se estivesse encontrando uma rota de fuga.

Ao redor das duas baratas, inúmeros tenébrios vermelhos contorciam-se freneticamente.

Shen Xingyu ficou parado, encarando o doce partido e os insetos com uma expressão estupefata.

Só voltou a si quando uma das baratas, libertando-se da cobertura, subiu em seu dedo.

Shen Xingyu, quase em estado de choque, jogou o doce para longe!

Lu Ran, preparado, pegou-o rapidamente, ainda com um olhar empolgado sobre seu experimento:

“Com alta temperatura, as proteínas são facilmente perdidas, então usei um processo de baixa temperatura. Olha só! As baratinhas ainda estão vivas!”

Ao perceber o sabor na boca, o rosto de Shen Xingyu empalideceu. Ele se curvou, desesperado para cuspir o que estava na boca.

Lu Ran, entretanto, levantou o doce na frente dele e falou com firmeza:

“Cuspir? Nem pensar! Sabe quantas semanas eu passei desenvolvendo essa fórmula? Acha que eu deixaria passar como se fosse só um doce?”

“Um doce é o caramba! Engole tudo!”

Shen Xingyu mal teve tempo de reagir antes que o doce fosse empurrado novamente contra sua boca. A casca quebrou, e tenébrios caíram pelo chão enquanto duas baratas escaparam.

Uma pousou no chão e começou a correr de um lado para o outro. A outra caiu dentro da gola da camisa de Shen Xingyu.

A Senhora Shen gritou. Shen Xingran estava lívido.

Pensar que ele havia guardado isso em sua caixa de doces? E que ele mesmo comera um pedaço antes?

Ambos, percebendo o desastre iminente, tentaram sair dali. Mas Lu Ran, com uma mão, sujou a camisa de Shen Xingyu e, em um movimento rápido, chutou a porta, fechando-a.

“Querem fugir? Não vão a lugar nenhum!”

Ele tirou duas outras “porções” de doce do bolso e lançou-lhes um sorriso gélido:

“Como é que vou comer sem incluir vocês? As porções de vocês estão aqui!”

Sem hesitar, Lu Ran esmagou a casca de um dos doces e empurrou na boca da Senhora Shen. Em seguida, rapidamente virou-se e puxou Shen Xingran pelos cabelos:

“O doce que sua mãe comprou pra você? Tô te esperando há um bom tempo, seu otário!”

Shen Xingran, atônito, gaguejou: “Você… já sabia?”

“Idiota! Achou que passei semanas no laboratório pra fazer só um? Estava esperando você roubar!”

Os olhos de Lu Ran brilharam com uma expressão travessa:

“Ah, e esqueci de contar! Para manter a proteína da cobertura alta, mas com orçamento limitado, tive que usar bactérias de fezes de animais, que congelei e transformei em pó para fazer a casca.”

Antes que terminasse, um som de náusea ecoou. Ao lado, Shen Xingyu finalmente vomitava.

Agora, o quarto de Shen Xingran estava tomado por tenébrios contorcendo-se pelo chão e baratas voando de um lado para o outro. Uma delas, ao voar, soltou uma enorme bolsa de ovos.

Do lado de fora.

Shen Xinzhuo, que passava para uma visita e ouvira o alvoroço do terceiro andar, abriu a porta para ver o que estava acontecendo.

Diante de um cenário caótico, com seu brilhante irmão mais velho sacudindo baratas para fora da camisa, Shen Xinzhuo silenciosamente fechou a porta.

E, com a maior rapidez de sua vida, desceu as escadas, saiu da mansão Shen, e não olhou para trás.