Capítulo 83: Encurralado
O grito da Sra. Shen foi tão alto que não apenas acordou Shen Hongyuan, mas também assustou Shen Xingyu no quarto ao lado.
Ele havia acabado de chegar em casa, exausto, e estava tomando banho para relaxar.
A mansão da família Shen tinha um excelente isolamento acústico, e ele estava no banheiro, então não deveria conseguir ouvir nada de lá de fora. O fato de ter ouvido aquele grito só indicava que foi realmente ensurdecedor.
Shen Xingyu pensou que algo grave havia acontecido.
Ele rapidamente desligou o chuveiro e estendeu a mão para pegar a toalha no suporte.
Mas sua mão congelou no ar.
Porque, bem ao lado da toalha, algo que sempre o fazia sentir tontura e enjoo…
Estava rastejando lentamente pela parede.
A criatura parecia totalmente à vontade.
Suas antenas balançavam enquanto avançava calmamente pela parede úmida, como se estivesse em um passeio matinal.
Mas Shen Xingyu ficou pálido só de olhar.
Ele tinha um trauma profundo com aquele bicho.
Afinal, qualquer pessoa que já tivesse comido metade de uma barata certamente teria um trauma.
Do quarto ao lado, a Sra. Shen continuava gritando, como se Shen Hongyuan tivesse morrido subitamente.
Shen Xingyu, com os dentes cerrados, decidiu superar a náusea que ameaçava dominá-lo.
Ele estendeu a mão com muito cuidado, tentando pegar a toalha sem assustar o “Sr. Barata”.
Com movimentos mínimos, ele conseguiu evitar o inseto e pegou a toalha.
Respirando aliviado, puxou a toalha rapidamente e ia se enrolar com ela.
Mas, ao sacudi-la, quatro ou cinco sombras negras saltaram de dentro da toalha.
E o caos se instalou no segundo andar da mansão.
O som de objetos caindo e batendo ecoou.
Shen Xingran, que estava no terceiro andar, também ouviu.
Ele estava acordado até tarde, cuidando dos peixes do seu aquário, e ao ouvir a confusão, saiu do quarto para ver o que acontecia.
Ao abrir a porta, ouviu a Sra. Shen gritar: “Baratas! São baratas!”
Shen Xingran, já familiarizado com a praga, recuou imediatamente e fechou a porta com força.
“Calma, calma,” murmurou para si mesmo.
Mesmo que tenha baratas, elas estão no segundo andar; o terceiro andar está seguro. A dedetização foi feita três vezes aqui em cima, está tudo bem.
Convencido disso, ele se recusou a abrir a porta novamente e voltou para a cama, fingindo não ouvir nada.
E assim, aquela noite foi tranquila para ele, exceto pelo leve desconforto com o travesseiro.
Na manhã seguinte, ele desceu para o café.
Apesar da confusão da noite anterior, os empregados haviam preparado o café da manhã com dedicação.
Quando Shen Xingran chegou à mesa, a Sra. Shen, Shen Hongyuan e Shen Xingyu já estavam lá.
Os três tinham a mesma expressão abatida.
Sentados juntos, pareciam três túmulos.
Shen Xingran fez uma cara de surpresa e perguntou: “Pai, mãe, e você, irmão… Por que vocês estão com essa cara?”
A Sra. Shen abriu a boca, mas parecia exausta demais para explicar.
Ela apenas disse: “Hoje teremos que chamar a dedetização de novo.”
Shen Hongyuan assentiu, em silêncio.
Shen Xingyu já tinha decidido que naquela noite dormiria no escritório.
Shen Xingran manteve a expressão curiosa enquanto começava a tomar seu café.
Entre uma mordida e outra, ele sugeriu à Sra. Shen: “Mãe, por que você não descansa um pouco no meu quarto?”
Enquanto falava, ele abaixou o olhar para o pãozinho cozido que segurava com os hashis.
Ele havia dado uma mordida, e agora uma linha preta e fina aparecia na borda.
Shen Xingran sentiu um leve enjoo.
Eca! Esses empregados… Deixar cabelo no recheio?
Estava prestes a chamar um deles para reclamar, mas se lembrou que aquele pãozinho havia sido feito pela própria Sra. Shen na tarde anterior.
Engolindo a repulsa, ele tentou remover o “cabelo” com os hashis.
Mas, ao puxá-lo, algo resistiu.
Puxou de novo, e o que veio foi metade do corpo de uma barata, presa dentro do pãozinho.
Não era cabelo algum.
Eram as antenas da barata!
Shen Xingran: “…”
Antes que pudesse soltar um grito, sua mente se encheu de uma única pergunta.
Como essa barata está só pela metade?
Onde está a outra metade?!
A mesa de café da manhã virou um pandemônio.
Nojento ao extremo, Shen Xingran ficou tão enjoado que nem foi à escola naquele dia, passando o dia inteiro trancado no próprio quarto.
Apesar da horrível descoberta, ele ainda encontrava consolo no fato de que o terceiro andar permanecia seguro.
Ele se tranquilizava com isso.
Até que, uma noite, acordou com sede.
Foi até a cozinha e encheu um copo d’água, tomando um gole rapidamente.
De repente, sentiu algo estranho tocar seus lábios.
Rapidamente acendeu a luz.
Ao olhar para o copo, viu uma barata enorme flutuando na água.
E não era só no copo.
À sua esquerda, à direita, e até no teto…
Então, a maior delas avançou diretamente para o seu rosto.
Shen Xingran soltou um grito desesperado, um grito tão alto que até perdeu o tom usual de charme.
Sem hesitar, correu para o quarto, pegou o travesseiro e começou a golpeá-lo freneticamente.
Foi quando ouviu um rasgo.
Nos últimos dias, ele havia sentido um desconforto com o travesseiro, que parecia estar afundando.
Agora, o travesseiro havia rasgado, e uma onda de larvas de baratas começou a sair.
O látex do travesseiro estava todo perfurado e corroído.
Por todos esses dias…
Eu estive dormindo sobre essas coisas?
Shen Xingran revirou os olhos, quase desmaiando de nojo.
Lu Ran! Só pode ser coisa dele!
Completamente alheio ao inferno que tinha transformado a vida na casa Shen, Lu Ran andava aproveitando seus dias de paz e tranquilidade.
Nos últimos dias, Ji Min parecia estar bravo e não falava muito com ele.
Apesar disso, o colchão do quarto de Lu Ran havia sido trocado por um modelo mais firme, e suas roupas de cama, que ele insistia em manter no chão, foram recolocadas no colchão.
Agora, ele voltava direto para a casa de Ji Min após as aulas.
A mansão estava quase sempre vazia, apenas com ele, Ji Min e o mordomo Chen.
Sem as constantes intrigas que enfrentava ao voltar para casa, Lu Ran sentiu uma estranha falta de algo. Mas, aos poucos, ele começou a perceber uma tranquilidade que lhe era incomum, como se, pela primeira vez, estivesse vivendo como seus colegas.
Sem a ansiedade de voltar para casa e ser recebido por gritos ou de ter seus pertences jogados fora sem motivo.
Pela primeira vez, sentia-se como um estudante universitário despreocupado.
Bastava se dedicar aos estudos e à vida social.
Ao voltar para casa, a refeição já estava pronta.
De certo modo, sua vida era ainda melhor do que a de um estudante comum, já que, além de tudo, ele tinha Da Huang, o cachorro que podia acariciar.
Naquele final de semana, Ji Min estava em casa, algo raro, e não foi ao escritório. Ele relaxava na sala de sol da mansão.
Era uma tarde ensolarada de primavera.
Na mesa redonda, um bule de chá fumegava.
Da Huang se esticava no chão, aproveitando o sol.
O mordomo Chen cuidava das plantas do jardim, aparando os galhos.
Lu Ran, ao seu lado, também segurava uma tesoura de jardinagem, ouvindo atentamente as explicações do velho mordomo sobre como podar as plantas.
Ji Min, observando o velho e o jovem no jardim, ficou um tanto surpreso.
Com a personalidade de Lu Ran, ele já havia se preparado para uma vida cheia de confusão e dramas.
Mas, após alguns dias na mansão Ji, aquela aura perturbadora de Lu Ran parecia ter suavizado, e ele se mostrava cada vez mais obediente.
Era um garoto quieto, exceto por quando implicava com Ji Min à mesa; o resto do tempo passava entre os livros, os deveres ou brincando com Da Huang no gramado.
Era evidente que ele gostava do mordomo Chen.
Andava por aí grudado nele, como uma sombra, acompanhando-o de perto.
Naquele momento, Lu Ran, prestando atenção nas orientações do mordomo, cuidadosamente manuseou a tesoura e cortou um pequeno galho do pinheiro.
O mordomo Chen sorriu e o elogiou: “Muito bem, é assim mesmo.”
Mas, ao virar de costas, o rapaz perdeu o controle da tesoura e cortou metade do topo do pinheiro.
Lu Ran ficou chocado, seus olhos se arregalaram.
Apavorado, segurou o galho cortado e tentou, em vão, recolocá-lo no lugar, como se quisesse que a planta milagrosamente se reconstituísse.
Mas, obviamente, isso era impossível.
Quando o mordomo se virou, ele escondeu o galho atrás das costas, com pressa.
Ji Min, que tinha visto tudo de longe, não conseguiu segurar o riso e o provocou:
“Escondendo, é? Já deixou o pinheiro careca.”
Lu Ran: “…”
Ele quis atirar o galho no rosto de Ji Min.
O mordomo Chen lançou um olhar de reprovação a Ji Min e, virando-se para Lu Ran, o tranquilizou: “É normal que um iniciante cometa erros.”
Nesse momento, o assistente pessoal de Ji Min entrou e entregou-lhe uma lista:
“A lista de convidados para o seu aniversário já está pronta, senhor. Veja se há algo que precisa ser ajustado.”
Ao ouvir isso, Lu Ran imediatamente ergueu as orelhas, curioso.
Largando a tesoura de jardinagem, ele se aproximou: “Patrão, então seu aniversário está chegando?”
Ji Min lançou-lhe um olhar, mas não respondeu, apenas disse: “Olhe só o barro nos seus sapatos.”
Embora a fala estivesse carregada de desprezo, ele não fez menção de impedi-lo de se aproximar.
Lu Ran tirou os sapatos e correu até ele: “Quando é, exatamente?”
Ji Min não respondeu.
Lu Ran tentou dar uma espiada na lista para ver a data.
Mas Ji Min segurou a folha fora do alcance dele, impedindo-o de ver.
Lu Ran: “…”
Ele olhou para Ji Min e suspirou, dizendo: “Patrão, você é tão infantil.”
Ji Min: “?”
Um garoto dez anos mais novo o chamando de infantil.
Lu Ran suspirou de novo: “Tudo isso porque eu te rejeitei? Ainda está bravo?”
O assistente ouviu a frase e abriu um sorriso cheio de curiosidade.
Ji Min: “…Fique quieto.”
Aproveitando a distração, Lu Ran espiou rapidamente a data do evento e, rindo, correu para longe.
Ji Min decidiu ignorar a provocação e voltou-se para o assistente, dizendo: “Inclua a família Li. Eles vão voltar este ano.”
“Sim, senhor.”
Lu Ran olhou para o mordomo Chen.
O mordomo, em voz baixa, explicou: “A família Li é da tia de Ji Min e do seu marido, que estão voltando ao país este ano.”
Lu Ran teve vontade de perguntar sobre o relacionamento de Ji Min com sua tia.
Mas, pensando melhor, concluiu que isso não era de sua conta e decidiu não perguntar.
Com a primavera, a natureza parecia reviver, e a proliferação de vida estava em pleno vigor.
A casa dos Shen estava à beira de um verdadeiro colapso. Mesmo que Shen Xingyu se refugiasse na empresa, não conseguiu escapar.
Ao contrário, a praga se espalhou por lá, exigindo várias dedetizações.
Mas, apesar de tudo, havia obrigações que precisavam ser cumpridas.
Já fazia meio mês desde que Lu Ran saíra da casa dos Shen.
Shen Hongyuan, não suportando mais a situação, deu ordens para que Shen Xingyu trouxesse Lu Ran de volta.
Shen Xingyu, ocupado com a proposta para o projeto da HZ, recebeu a tarefa sem reclamar.
Ele sabia que Lu Ran era uma parte fundamental da família Shen e precisava voltar.
Trazer Lu Ran de volta era uma tarefa simultaneamente difícil e simples.
Difícil porque Lu Ran estava sob a proteção de Ji Min.
Mas simples porque Lu Ran ainda ia para a faculdade todos os dias.
E, de qualquer forma, oficialmente, a família Shen ainda era sua tutora.
Shen Xingyu conhecia bem Ji Min.
Sabia que, uma vez que Ji Min decidia algo, era quase impossível persuadi-lo.
E tentar exercer pressão sobre ele era praticamente inviável.
Naquele dia, Shen Xingyu foi pessoalmente até a universidade de Lu Ran, postando pessoas em cada um dos três portões.
Se ele pudesse levar Lu Ran diretamente da escola, não precisaria comunicar Ji Min.
A espera era tediosa, mas Shen Xingyu tinha paciência. Permaneceu no carro e, enquanto aguardava, aproveitou para adiantar o trabalho.
Já era tarde quando alguém o cutucou, alertando: “Sr. Shen, ele chegou.”
Shen Xingyu olhou pela janela e viu um grupo de estudantes de jalecos brancos descendo do ônibus escolar e entrando na universidade em fila.
Os alunos de veterinária frequentemente tinham aulas práticas e estágios externos. Muitas vezes, voltavam do campo direto para a próxima aula.
Ele não saiu do carro de imediato, preferindo observar.
No meio do grupo de quase trinta pessoas, rapidamente localizou Lu Ran.
Enquanto os demais conversavam em pequenos grupos, Lu Ran caminhava sozinho, tirando calmamente o jaleco e dobrando-o com cuidado.
Ele fazia tudo em silêncio.
Um silêncio que o tornava completamente alheio ao resto dos colegas, como se nos últimos anos tivesse sido sempre assim, sozinho e tranquilo.
Sem se misturar com aqueles que viviam em lares amorosos, rodeados pelo carinho dos pais.
De repente, Shen Xingyu lembrou-se de uma ocasião em que foram buscar Shen Xingran na escola.
Na época, toda a família Shen estava presente: Shen Hongyuan, a Sra. Shen, ele e Shen Xingzhuo.
Eles observaram Shen Xingran ser recebido com entusiasmo pelos amigos.
Shen Hongyuan e a Sra. Shen estavam cheios de orgulho.
Shen Xingyu já estava com a mão na maçaneta, mas hesitou por um segundo.
“Tudo bem, Sr. Shen?” perguntou o acompanhante.
“Não é nada.” Shen Xingyu abriu a porta.
Como filho da família Shen, ele sabia bem.
Lu Ran não teria vida fácil ao voltar.
Seu pai só demonstraria ainda mais hostilidade.
Mas Lu Ran precisava voltar.
Para a família Shen e para a Shen Corporation, isso não era negociável.
Portanto, Shen Xingyu também não negociaria.
Shen Xingyu saiu do carro e caminhou diretamente na direção do grupo de estudantes de veterinária.
Alto e de feições marcantes, ele logo chamou a atenção de alguns.
Lu Ran o notou rapidamente.
Do outro lado da multidão, Shen Xingyu se aproximava com um olhar sério e frio.
Na rua ao lado, o som dos carros rugia.
A cena era assustadoramente semelhante à de sua vida passada, quando Shen Xingyu veio buscá-lo.
Lu Ran deu dois passos para trás, instintivamente querendo correr.
Mas, logo, conteve o impulso, apertou os lábios e foi ele mesmo ao encontro de Shen Xingyu.
Shen Xingyu também se aproximava.
Tudo parecia destinado a se repetir como antes.
Mas, então, um homem corpulento, usando boné e segurando um cigarro, se colocou entre eles.
O homem estendeu o braço, bloqueando o caminho de Shen Xingyu.
Shen Xingyu franziu o cenho, encarando-o.
Com um tom educado, o homem disse: “Sr. Shen, o Sr. Ji pediu especificamente que ninguém da família Shen se aproxime de Lu Ran a menos de dois metros.”