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A Maldição do Lobo Vermelho

Capítulo 10 - Olhos de serpente

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🟡 Em breve

— Comandante! — Uma das crianças levantou a mão. — Eu tenho uma dúvida.
 
— Tem é? — O grandalhão sorriu e acenou com a cabeça. — Pode perguntar.
 
Depois da longa história, a maioria dos pequeninos já havia dormido, aliás, com exceção de Dásos e da garotinha curiosa, não parecia haver viva alma dentro daquela caverna escura. O farto banquete que o guerreiro propiciou, serviu para aplacar os ânimos e acalentar o povo fragilizado, trazendo enfim, uma boa noite de descanso.
 
— Bem… não é que eu esteja duvidando da sua história, mas… — A jovem parecia escolher com cautela as palavras. — As crianças foram as primeiras a serem evacuadas, depois da queda do reino, certo?
 
— Certo.
 
— Mas… eu não estava no meio desse grupo…
 
Mesmo com a luz fraca que a fogueira quase extinta emitia, era possível ver o rubor nas bochechas rechonchudas. Os olhos brilhantes, fitavam atentos à expressão do comandante, praticamente pedindo permissão para continuar seu raciocínio.
 
Vendo a hesitação da menina Dásos encorajou:
 
— Hmmm… continue.
 
Ainda incerta sobre a possível reação do guerreiro, a criança pensou mais um pouco antes de externar sua inquietação:
 
— Bom, eu fui uma das últimas pessoas a chegar do outro lado da passagem e, tenho certeza, que Fídes ainda estava guerreando com seu arco e flechas quando entrei no túnel.
 
— Hmmm. — Dásos coçava o queixo enquanto encarava a garota ansiosa. — Interessante, mas… como você sabe que foi uma das últimas a passar e que a comandante ainda estava do outro lado quando você atravessou o túnel?
 
— É que… —  A menina abaixou os olhos e encarou o chão por algum tempo antes de continuar. — É que eu me perdi no meio da confusão e… bem… é uma longa história, mas o importante é que, se não fosse pela comandante, eu não estaria aqui. 
 
Um breve momento de silêncio se fez enquanto a garota parecia reviver aqueles momentos assustadores:
 
— As flechas dela pingavam sangue… ela estava muito ferida… mas mesmo assim, ela não parou de lutar para que eu pudesse chegar na passagem.
 
O homem estava com as sobrancelhas franzidas, relembrando os últimos minutos antes da Saída leste se fechar. Realmente essa história de traição não fazia sentido, se qualquer outra pessoa tivesse feito essa acusação teria a esmurrado até que admitisse a calúnia. O problema é que, não tinha sido qualquer um, o acusador de Fídes era uma das pessoas mais confiáveis do reino. Acima de Geros, apenas Ílios tinha  maior reputação.
 
Esse sentimento confuso martelava no coração do comandante desde a queda do reino dos Guarás, mas, como o desaparecimento de Ílios, o guerreiro ainda não tinha tido muito tempo para refletir sobre isso.
 
— Algo está muito errado… — Dásos pensou em voz alta.
 
— Não, senhor comandante! — a garota retrucou instintivamente — eu não contei nada errado, nem tão pouco inventei ou menti. Eu fiquei esperando, um pouco depois da entrada do túnel…  eu estava preocupada com a comandante e eu queria agradecer pela ajuda, mas ela não apareceu. 
 
O homem estava intrigado, então questionou:
 
— Mas eu não te vi quando cheguei na Saída leste e tenho certeza que meu grupo foi o último a passar.
 
— Sim senhor. Eu fiquei esperando até que vi um movimento estranho. Alguém entrou no túnel e eu achei que fosse Fídes, mas essa pessoa estava com uma espada e quando vi a comandante pela última vez ela estava apenas com o arco e flecha.
 
— Entendo… — O guerreiro abaixou seu tom de voz. — E você viu bem essa pessoa?
 
Seguindo a deixa, a garotinha respondeu diminuindo a altura de sua voz também:
 
— Não completamente, mas sei que não era uma das panteras, elas fedem de longe. 
 
O comandante respirou de forma profunda antes de perguntar:
 
— Então, era um dos nossos?
 
— Também não. Como eu disse, não consegui enxergar direito, mas… tenho certeza que nunca tinha visto aqueles “olhos de serpente” antes. Só de lembrar me dá arrepios.
 
A menina tremeu com as memórias.
 
— “Olhos de serpente”? — Dásos repetiu curioso.
 
— Sim! Eles brilhavam de uma forma assustadora e pareciam querer me hipnotizar. Aqueles olhos estreitos eram como os de uma cobra venenosa prestes a dar o bote.
 
Essa história estava cada vez mais interessante. Mesmo com a vasta experiência do comandante, nenhuma das criaturas com as quais havia encontrado possuía tal característica. Se esses “olhos de serpente” eram assim tão marcantes, não seria minimamente possível esquecê-los ou ignorá-los.
 
Assim, o guerreiro decidiu continuar confrontando a pequena:
 
— Compreendo, mas… se essa pessoa te viu, como você conseguiu fugir?
 
— Na verdade, eu achei que ia morrer ali mesmo. Eu não conseguia me mexer, mas antes que ele chegasse mais perto, alguma coisa do lado de fora chamou sua atenção e ele voltou para a entrada do túnel. Depois disso, eu ouvi um som de espada cortando e uma voz parecida com a do Geros. Acho que ele foi atacado, mas não sei ao certo… — A menina abaixou a cabeça envergonhada. — Eu fiquei tão assustada que sai correndo…
 
Acariciando os cabelos da garota, Dásos suavizou o tom:
 
— Você foi muito corajosa! É normal sentir medo nessas situações, o importante é como lidamos com ele e você se saiu muito bem! 
 
O rosto da criança se iluminou, parecia que um grande fardo havia sido tirado de suas costas.
 
— Agora me diga, qual é mesmo o seu nome? — O comandante sorriu enquanto oferecia sua mão para um cumprimento.
 
— Meu nome é Síma — respondeu animada enquanto retribuía o gesto do guerreiro.
 
— Muito prazer Síma! Não me esquecerei de sua coragem! Tenho certeza que Fídes ficará muito feliz em tê-la como parte de seu esquadrão.
 
A euforia do elogio foi rapidamente substituída por uma preocupação evidente:
 
— Mas… comandante… depois de todos esses dias… sabe? Fídes estava muito ferida quando a vi pela última vez e…
 
— Não se preocupe! Ela é muito forte. Não é qualquer ferimento que conseguiria  para-la. Tenho certeza que está apenas se recuperando da batalha e fazendo algum plano esquisito sobre alguma engenhoca, não concorda?
 
A menina abraçou o guerreiro:
 
— Concordo!
 
— Opa! — Dásos suspendeu a criança até a altura de seus olhos. — Agora você precisa me prometer que não irá contar essa história a mais ninguém, entendeu?
 
Com um aceno positivo de cabeça Síma respondeu com um tom sério:
 
— Entendido, comandante!
 
— Ótimo!! Esse será nosso segredo. — Colocando a menina no chão o homem continuou. — Agora você deve ir dormir, teremos dias cheios daqui para frente!
 
— Sim, senhor! — Antes de sair, sorriu desconcertada enquanto remexia em seus bolsos. — Comandante, caso encontre Fídes primeiro, poderia devolver isso a ela?
 
O guerreiro estendeu a mão para receber o delicado colar que pendia sob os dedos da garota.
 
— Como conseguiu isso?
 
— Fídes me entregou depois de me salvar e fez com que eu prometesse que viveria para devolver.
 
Apertando com força a jóia, o homem assentiu com a cabeça. Enquanto a silhueta da pequena desaparecia na escuridão da caverna, os pensamentos de Dásos acendiam inúmeras dúvidas sobre o que acabara de ouvir. 
 
Por um lado, seria muito bom se essa história fosse verdadeira: Isso mostraria que Fídes não era mesmo uma traidora e que, possivelmente, foi essa pessoa com “olhos de serpente” quem sabotou os mecanismos que deveriam fechar a entrada do túnel e também atacou Géros.
 
Por outro, isso traria alguns questionamentos complicados, já que, para enganar o velho, esse “impostor” precisava ser extraordinariamente habilidoso e ainda poderia estar infiltrado no meio da alcateia.
 
Além disso, durante os dias em que procuravam por Ílios, nem mesmo um pequeno indício do paradeiro de Fídes foi encontrado. Se ela estava tão ferida quanto a garotinha disse e também não era a traidora, para onde a comandante tinha ido? E por que não havia tentado contato por todos esses dias?
 
Franzindo as sobrancelhas o homem tentava ordenar seus pensamentos:
 
“Será que quem atacou Fídes foi o mesmo que feriu Geros?”.
 
Olhando atentamente para todas aquelas pessoas dormindo, Dásos não conseguia parar de imaginar que poderia haver um “cão” em em meio aos lobos. Talvez por isso, uma sensação incômoda de estar sendo vigiado crescia no coração do comandante, deixando-o extremamente irritado.
 
“Preciso relatar isso a Ílios o quanto antes”.
 
Um movimento sorrateiro foi detectado por Dásos que, na mesma hora, saltou em direção ao vulto que se movia a suas costas.
 
— Com toda certeza você está passando muito tempo com o Mirrado. — Geros riu com as mãos para o alto.
 
— Você não deveria se esgueirar em silêncio por aí, você me assustou — explicou,  abaixando o machado.
 
— Claro, claro, eu deveria ter acordado a todos para comunicar que a bexiga dos velhos não funciona tão bem quanto a dos jovens e que eles devem aproveitar, enquanto podem dormir sem se preocupar em acordar com a cama molhada — gargalhou.
 
— Me desculpe, eu só… estava em alerta… eu acho.
 
Considerando as possibilidades, o guerreiro refletia em silêncio:
 
“Pensando nisso… eu deveria contar a ele toda essa história? Não… por enquanto é melhor entender o que está acontecendo…”.
 
— Dásos? Você está bem meu amigo? — Geros parecia preocupado com as reações pouco características do outro.
 
Saindo de seus devaneios o homem respondeu:
 
— Sim, sim. Só estou preocupado com Ílios. Agora que sei que está tudo bem com a alcateia, irei voltar para ver como ele está.
 
— Certo. Faça isso! Não digo que irei com você pois alguém precisa tomar conta desses anarquistas — Geros ria enquanto fazia um gesto abrangente com a mão. — Não esqueça de me mandar notícias, também estou preocupado com os garotos.
 
Aproveitando a deixa, o comandante perguntou de forma displicente:
 
— Claro, mas… se eles souberem que os chamou de garotos ficarão bem zangados, principalmente o Mirrado. Aliás, quantos anos eles tem mesmo? Minha memória é menor do que a paciência de Kardia.
 
Rindo da comparação, o velho respondeu:
 
— Verdade, apesar de não ser indicado, é sempre bom provocar aqueles dois. Mas, respondendo sua pergunta, se bem me lembro, a diferença de idade dos dois é de mais ou menos um ano. Então, se Ílios tem vinte e um, Kardia deve estar próximo de completar vinte.
 
Satisfeito com o resultado do teste, Dásos baixou a guarda:
 
— Você tem razão. Dá para acreditar que fazem quase dez anos desde a Batalha das Masmorras? Pensando nisso, foram poucos os dias de paz desde então. 
 
— Sim, Adamastos fez um bom trabalho treinando Ílios. Mesmo ele ainda sendo muito novo quando assumiu o comando, nunca mostrou fraqueza diante de nossos inimigos. Seja lá onde ele estiver, aposto que está muito orgulhoso do filho.
 
— Eu sei que foi necessário, mas… — o guerreiro suspirou antes de continuar — ainda não consigo me perdoar pelas coisas que deixamos que os garotos passassem.  Eles eram apenas crianças…
 
— Já tivemos essa conversa, meu amigo. — Passando o braço pelas costas do comandante, Geros falou em um tom cansado. — O passado e o futuro não nos pertencem. O que está sob nosso domínio é apenas a possibilidade de moldar o presente.
 
Ainda atormentado pelas lembranças dolorosas, Dásos balançou a cabeça em sinal afirmativo:
 
— Você tem razão, mas…
 
Compreendendo a frase incompleta, o velho assentiu:
 
— Eu sei… eu sei…
 
Os primeiros raios de sol desbotavam o negro véu da noite, pintando em tons de azul, vermelho e amarelo a entrada da caverna. A refrescante brisa matinal anunciava o novo dia, e com ele, uma nova chance de compensar os erros de outrora. Caminhando em direção a saída, Dásos parou antes de atravessar a fenda:
 
— Foi bom revê-lo, Geros. Agora, tenho que partir. Mantenha-se atento, nunca se sabe quando um “cuco vai aparecer no ninho”.
 
— Um impostor? — O velho parecia curioso. — Você desconfia de alguém em específico?
 
— Não é uma desconfiança, é apenas um alerta, companheiro. Nesses próximos dias é melhor redobrar a atenção.
 
— Entendo. — Geros penteava com a barba com os dedos de forma distraída. — Obrigado pelo conselho. Leve-o consigo também e faça uma boa viagem.
 
Cruzando o limiar, que separava a gruta do mundo exterior, assentiu com a cabeça antes de iniciar sua jornada. O calor do novo dia já beijava a pele do guerreiro mas, o sol que aquecia o rosto, não era o suficiente para espantar o frio agourento que rondava seus pensamentos.
 
“Espero que tenha se recuperado Ílios, parece que não teremos muito tempo de trégua desta vez”.

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A Maldição do Lobo Vermelho

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          O ódio entre panteras e lobos era antigo. Algumas lendas afirmam que remonta a eras mitológicas, quando um lobo prateado...

Chapters

  • Personagens**
  • Capítulo 30 - Cinzas no ar
  • Capítulo 29 - A besta vermelha
  • Capítulo 28 - A oitava casa
  • Capítulo 27 - Corpo, alma e espírito.
  • Capítulo 26 - Ovo, mel e resina
  • Capítulo 25 - A rainha de mármore
  • Capítulo 24 - As garras do inconsciente
  • Capítulo 23 - Descobertas dolorosas
  • Capítulo 22 - Cacos de vidro
  • Capítulo 21 - A noiva de vermelho
  • Capítulo 20 - Propostas indecorosas
  • Capítulo 19 - A toca do Boto
  • Capítulo 18 - Novas sensações
  • Capítulo 17 - O calor que aquece a alma
  • Capítulo 16 - O gosto do passado
  • Capítulo 15 - Instintos incontroláveis
  • Capítulo 14 - O ritual
  • Capítulo 13 - Allagí
  • Capítulo 12 - A floresta do Urutau
  • Capítulo 11 - Sentimentos agridoces
  • Capítulo 10 - Olhos de serpente
  • Capítulo 09 - Cicatrizes da alma
  • Capítulo 08 - As brasas da liberdade - Parte III
  • Capítulo 07,5 - Nota 12/06
  • Capítulo 07 - As brasas da liberdade - Parte II
  • Capítulo 06 - As brasas da liberdade - Parte I
  • Capítulo 05 - Opiniões divergentes
  • Capítulo 04 - Reencontro
  • Capítulo 03 - Desejos e promessas
  • Capítulo 02 - A revoada dos abutres
  • Capítulo 01 - Entre tons de vermelho
  • 0 Prólogo - Uma história de ninar

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