III
ODON
O solo era úmido, seu jeito brando consumia meus sapatos, tais que por ventura afundavam a cada segundo, mesmo cercado de dificuldades não conseguia para de correr, estava escuro, o vento havia cessado, porém, com o tempo surgira uma neblina descomunal, era densa, um tanto quanto azulada, de modo que era impossível ver até mesmo o gramado, mesmo que olhasse para cima não conseguiria distinguir o caminho, não havia céu que me guiasse naquela noite, meu coração batia fortemente, tive receio de olhar para trás, não muito tempo depois acabei escorregando em algo, deslizei sobre a grama molhada e caí de bruços, antes fosse uma simples queda como as anteriores que havia tomado por todo o trajeto, desta tive o azar de rolar uma colina.
Parei sobre o lamaçal, senti a lama gélida tocando o pulso de meu agasalho, meu corpo inteiro se arrepiou, minha face estava de frente para as folhas de cores verdes vividas, pude ver as pequenas gotículas de umidade escorrendo até a terra, tratei de me recompor, meu coração já não estava tão acelerado, olhei para cima, vi a colina da qual havia rolado, suspirei, olhei novamente para o meu corpo ainda ajoelhado sobre o prado, felizmente não havia me machucado, novamente olhando para cima podia ter uma visão mais clara, a neblina já não contornava-se ao meu redor, ela acabava no topo da colina, observei por um momento, depois me levantei, somente após ter a certeza de que não havia esquecido nada eu comecei a caminhar, já podia ver os dormitórios, mesmo assustado eu não corri, já não tinha mais forças para fazer aquilo, quando sinto o vento batendo contra a minha nuca subo o capuz, olho para trás, não há nada e nem ninguém ali, aquele homem não havia me seguido, não havia nada além do silêncio da noite, talvez eu tivesse imaginado coisas, não sei ao certo, não poderia me agarrar a certeza, talvez não tivesse ninguém ali, talvez eu tivesse imaginado aquilo, talvez fosse apenas a noite em questão me pregando peças.
A água escorre quente pela minha pele, tanto o piso quanto as paredes do banheiro são pálidos, vejo a espuma escorrendo pelo meu corpo nu, há um brilho azulado sobre a janela, a neblina já chegara ao alcance, assim que terminei enrolei a toalha pelo meu corpo, o bom de tomar banho tarde da noite era que ficava a mercê da solidão e da privacidade, me sequei ainda no banheiro e lá mesmo me vesti, sentia o vento frio batendo contra minha face, quando cheguei ao quarto tratei de fechar a porta e me deitar sobre a cama.
Não consegui dormir naquela noite, o medo era evidente, mesmo debaixo da coberta ainda podia sentir o frio percorrendo a minha espinha, de algum modo o silêncio se tornou infernal, naquele momento queria que algo caísse e se partisse no chão, queria ouvir o ronco de alguém, até queria ouvir o som do vento, porém, não havia nada, era ensurdecedor, como se eu fosse a última pessoa do mundo, queria ouvir algum som, queria não me sentir tão sozinho, a insônia é algo curioso, quanto mais você tenta lutar contra ela mais ela luta contra você, eu estava cansado, bem cansado, do tipo que não tem controle sobre as próprias pálpebras, elas se fecham levemente, você começa a sentir um calor confortável sobre a face, logo já não consegue fazer com que seu corpo te obedeça, sempre que meus olhos se fechavam eu os abria instantaneamente, sinto algo, no canto do quarto, não tão longe, talvez lá fora, sim, lá fora, na janela, algo me encara da janela, algo, não olho para trás, não ouso olhar, tenho medo de olhar e realmente encontrar algo, algo grande e perigoso com um olhar mortal, um homem, aquele homem, sim, é ele que me impede de dormir, é essa sensação perigosa de não saber se posso ou não confiar em minha mente.
Azul Cerúleo, esta era a cor do céu, o que era curioso dito a tempestade cor-de-prussia que havia tomado conta dos dias anteriores, quarenta e oito horas, 2.880 minutos, 172.800 segundos, todo esse tempo foi marcado pelo silêncio, nos meus dois dias de folga me tranquei em meu quarto, choveu o tempo inteiro, não tinha coragem de olhar pela janela, temia a todo momento o silêncio que me rodeava, era uma sensação agonizante, algo como uma mudança repentina de temperatura, fazendo meus cabelos arrepiares, eu sentia frio, porém quando tocava em minha pele notava que ela ardia, não era o cio, era uma sensação mais assustadora, suava frio, parecia que eu estava tomando banho com cubos de gelo em frente ao aquecedor, naqueles dois dias dormi como nunca havia feito antes, abria meus olhos em períodos distintos, sempre que me dava conta o céu ia escurecendo aos poucos, parecia ser eterno, uma noite eterna, uma noite de diferentes azuis pintando o céu e de ares gélidos sem fim.
A madeira era escura e áspera, ela formava a varanda da área dos funcionários, ela havia esquentado por conta da exposição ao sol, eu estava sobre ela, com um pano na mão e um balde cheio de água perfumada ao lado, esfregava a varanda com calma, a lama havia formado uma camada bruta sobre a madeira, a chuva havia trago, enquanto limpava sentia o sol batendo contra as minhas costas, me sentia mais seguro, haviam outras pessoas lá, trabalhavam varrendo a escadaria e o pátio, alguns se revezavam limpando as janelas, outros tratavam de cortar o gramado, ia lavando e lavando, esfregando e esfregando, o calor trouxera de volta minha confiança, foi quando olhei para cima, me aproximei para molhar o pano dentro do balde, foi quando ouvi uma voz; “Como você se chama?” Questionou-me, olhei ao redor e alcancei a vista, era uma mulher, sua pele era morena, os cabelos eram escuros, mal pude ver seus olhos, o brilho do sol ofuscava seu rosto; “Odon.” Respondi educadamente, ela me encarou e apontou para a direita; “O inspetor está te chamando.” Ela disse, me levanto, olho ao redor seguindo sua mão, ela aponta para a porta fechada, a porta que dava entrada para a direção do setor, eu agradeço e logo ela saí, passo a mão pela minha testa tentando me proteger do calor, começo a descer as escadas da varanda e me dirijo até a porta da diretoria.
“Uma caça à raposa.” Essas foram as palavras do inspetor, naquela tarde, logo após o almoço ocorreria um jogo que eles chamavam de caça à raposa, tradição inglesa que consiste na caça, acompanhada de cavalos e cães, à raposa, era por isso que todos estavam deixando seus afazeres de lado, o jogo começará às uma da tarde, irá terminar às seis e meia, logo em seguida da reunião dos jogadores haverá um jantar especial no restaurante interno, localizado este dentro do hotel, é a maior cozinha de todos os hectares que se estendem em campos e florestas.
Caminho a apenas alguns passos de distância do inspetor, ele é alto, de pele pálida e cabelos grisalhos, um alfa, anda sempre na frente, como tudo indica estou sendo redirecionado, como quase todos os empregados foram chamados para cuidar do campo e da preparação para a reunião a equipe da cozinha está terrivelmente desfalcada, precisam de um pessoal para preparar e posicionar a louça e a prataria para os jogadores, na realidade eu não me importo, é muito melhor do que ficar debaixo do sol tirando lama da varanda, o inspetor se chama Ambrose, Inspetor Ambrose, tem olhos azuis, e não é muito diferente de centenas de milhares de outros alfas que já conheci, caminhamos pela estrada de pedras lisas, o caminho mais rápido para se chegar ao hotel; “Sinto muito por isso.” Diz ele. “A lama consumiu a passagem.” Se refere a sujeira, eu murmuro em resposta; “Tudo bem.” Não quero falar com ele pois não gosto da forma que me olha de canto, a cada segundo ajeitando os óculos escuros e sorrindo.
De repente algo, ouço um som, um latido, eu me viro, o cachorro saí da mata bruscamente e se posiciona diante de meus olhos, ele late, sem parar, cada vez mais rápido e mais alto, é ele, Astor, o cão, e se ele está aqui o seu dono não deve estar muito longe, não é por falta de suspeitas, logo o homem surge, Bogart, cabelos grisalhos, assim como o inspetor belo até mesmo para a velhice, ele olha para Ambrose acena abrindo um leve sorriso, vem se aproximando calmamente com um tom despreocupado; “Ele esta animado.” Comentou o inspetor olhando para o animal, desta vez o cão; “Sim.” Exclamou Bogart sorridente “Tem treinado bastante para pegar aquela raposa.” Logo volto a minha atenção ao cachorro que late loucamente, dou um passo para trás, percebo no mesmo instante que cometi um erro pois neste momento parece que os dois alfas finalmente me notaram ali, o cachorro continua latindo, seus latidos são altos e incômodos, me sinto estranho, até irritado, é quando ouço murmúrios, o alfa dominante olha para mim, o seu sorriso se foi, seus olhos me fitam, o ignorante então chama o seu cachorro para perto e acaricia a sua cabeça, o ouço sussurrando; “Bom garoto Astor.”
O silêncio pesa sobre nós, a atmosfera se torna constrangedora, vejo o inspetor sorrindo sem jeito e passando a mão na cabeça, ele se vira e segue caminhando, o homem faz o mesmo enquanto me encara de canto, eu começo a caminhar bem atrás, mantendo distância daqueles dois, mesmo assim não longe o suficiente para ultrapassar a barreira de suas vozes; “É de qual setor?” Questiona o velho. “Não sei ao certo.” Responde Ambrose. “Ele é novo.” Diz. “Novo até demais.” Completa Bogart com risinhos, dou dois passos para trás; “Viu os olhos dele?” Ironiza “Com certeza veio de longe.” De certa forma eles nem fazem questão de disfarçar, isso é o que mais me assusta, dou um passo para trás e sigo caminhando; “São escuros.” Diz o inspetor “Como dois abismos.” Vejo alfa dominante virar a cabeça por alguns segundos; “Mas são brilhantes como duas pérolas negras.” Ele sorri de canto, eu paro de andar, sinto algo muito ruim, transborda pele meu coração, estala na minha garganta e começa a arder; “Olha só pra essa pele escurinha…” Ele diz, no mesmo segundo sinto uma ardência na saliva, eles estão bem a frente, o cachorro se vira, ele me encara, logo se posiciona e começa a latir.
“Porquê esta tão distante?” Questiona o inspetor, por um momento ele olha para baixo; “Não tenha medo.” Ele diz sorrindo. “Ele não vai te morder Odon.” Logo o alfa dominante se vira para mim por completo. “O que foi que aconteceu?” Questiona ele, o que me assusta é o fato dele não ter pensado que eu estaria ouvindo; “Nós chegamos.” Digo, logo aponto para a porta dos fundos do hotel, há uma placa grande de fundo preto e letreiro branco que diz: “Área dos funcionários.” Os dois alfas se entreolham confusos, logo o inspetor se dá conta e se aproxima, vendo isso dou um passo para trás, ele percebe, noto uma movimentação desajeitada com suas mãos, ele me olha, logo olha para a porta; “Precisa de ajuda para achar a cozinha?” Ele me questiona. “Não senhor, obrigado.” Respondo me virando e caminhando em direção a porta, não faço questão de me despedir, é quando noto o olhar do velho Bogart, no mesmo momento em que vejo seu sorriso ignorante e o seu cachorro problemático fecho a cara, ele percebe e então sumo de sua vista diante da porta o lançando um olhar de desprezo, isso de alguma forma me faz sentir-me completo, tudo melhora quando entro no corredor aonde o sol não bate. “Velhos desprezíveis!” Xingo, logo sigo caminhando.
Há muitas portas fechadas pelas paredes, vejo-as, entre todas há uma que esta aberta, escancarada, de lá vem a luz, o corredor é escurecido, só no seu fim que eu posso ver ver as grades do que eu acredito ser a horta particular, tudo lá brilha em diversos tons de verde, é belo e tentador, porém caminho na direção da porta, a medida que me aproximo posso ouvir o som da água corrente ficando mais alto, vejo também a fumaça, ela saí pela porta, eu me aproximo calmamente, não ouso entrar, olho, é então que em meio a fumaça se materializa a figura de uma pessoa, uma mulher, ela me olha, sorri, eu sorrio de volta educadamente, só assim eu me sinto a vontade para entrar.
Amaia Huaman Condori Ramírez, seus cabelos eram negros, seus olhos castanhos, seu sorriso ia de ponta a ponta, aquela foi a primeira vez que eu a vi, éramos dois ômegas sozinhos na enorme cozinha do hotel, nosso trabalho era lavar toda a louça e posicionar a mesa toda a louça que seria utilizada na reunião dos jogadores, doze pessoas, doze taças, doze pratos, doze garfos, doze facas, poderia ser bem pior, uma coisa que aprendi sobre Amaia no minuto em que adentrei a cozinha é que ela gosta de falar, gosto disso, pela segunda vez durante todo esse tempo trabalhando no hotel consigo fazer outra amizade; “Não vejo sentido neste jogo cruel.” Declarou. “Eu também não.” Respondi, tudo isso enquanto lavamos os pratos.
A água corrente era uma das nossas maiores inimigas no momento, a sua temperatura mudava em questão de segundos, logo em meio a conversas podiam sair de risinhos para pequenos gritos, pensei que o final do dia se basearia nisso, porém, chegou por fim a hora de secar a louça e se preparar para levar tudo ao salão de reuniões, se terminássemos aquilo antes das dez horas da manhã teríamos um bom tempo de folga, estávamos obstinados, foi em meio a secagem da prataria que ouvi a voz de Amaia saindo em meio a um sussurro, sussurro de quem teme ser ouvido; “Não acho que estejamos seguros.” Ela diz, neste momento eu me viro e a encaro, ela olha nos meus olhos, o tom da nossa conversa estava prestes a mudar; “É por conta daquele corpo?” Questiono, ela olha para os lados. “Não só por isso.” Diz. “O perigo neste hotel vai além daquele homem morto.” Neste exato momento alcanço uma faca de prata e começo a seca-la. “Você sabe o que dizem?” Questionou ela. “Sobre o corpo?” E me aprumei; “Não.” Respondo curioso. “Bem.” Ela murmura. “O morto era um alfa dominante, alto e forte.” Ela diz. “O que pode matar um alfa dominante alto, forte e muito bem treinado?” Perguntou-me. “Outro alfa dominante.” Respondi como se fosse uma pequena criança querendo receber elogios de sua professora. “Exato!” Ela exclamou. “Seria a resposta correta se não fosse uma coisa…” Ela diz, neste momento alcanço uma taça e a seco delicadamente; “Disseram que o estado do corpo era brutal, a barriga havia sido aberta, alguns órgãos estavam expostos e ele estava todo arranhado.” Ela detalha a medida que vai abaixando o seu tom de voz. “Acham que há um animal selvagem solto por aqui.” Ela diz, no mesmo instante me vem um aperto no coração, uma animal selvagem e violento, ele poderio ter vindo da floresta, poderia ter se escondido em meio a mata e esperado até aquele homem passar, mas que animal seria capaz de fazer o que fez, especialmente com um alfa dominante?
Foi esta exata pergunta que fiz a ela, primeiro ela me olhou, depois olhou para o chão; “Eu sinceramente não faço a mínima ideia, mas eu sei que seja lá o que for esse animal ele é perigoso e vai matar novamente.”
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III
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* Os erros ortográficos estão passando por revisão.*
Aviso: Este é um rascunho da obra original, obra esta que pretendo postar futuramente.
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