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Ai No Kusabi – The Space Between

Capítulo 10

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🟡 Em breve

A brisa úmida e pesada soprava do mar e dos bosques emaranhados e verdejantes da faixa verde. Riki voou em sua moto a jato para a Orange Road, a linha divisória que separa Flare (Área 2) de Janus (Área 6).

Ele estacionou sua moto como sempre fazia em uma garagem especializada nos arredores da Cidade Roxa e caminhou sozinho pela calçada. As ruas estavam banhadas pela luz do sol, atravessada por sombras escuras. Ainda não era meio-dia e o tráfego de pedestres estava tranquilo. Como consequência, o jogo familiar de luz e sombra caindo dos aglomerados de edifícios lhe pareceu incomumente apático.

Com os turistas ainda se recuperando de suas noitadas, esta foi talvez a hora mais tranquila do dia. Observando tudo de relance, Riki continuou seu passeio.

Era também a melhor hora do dia para atravessar as fronteiras entre as zonas de Midas e ainda manter o limite de velocidade. E a melhor hora do dia para dar um passeio, apreciando as ruas limpas e sem lixo. No início, tudo isto lhe causou uma espécie de mal-estar, fazendo-o tropeçar um pouco. Mas agora já estava bem habituado.

Ele saiu da via principal para uma rua lateral. Riki aguçou seus sentidos despreocupadamente ao passar pela porta dos fundos de uma farmácia legalizada 24 horas. Era a entrada reservada aos correios. Um movimento da palma de sua mão direita abriu e fechou a porta.

O escritório de Katze ficava no subsolo.

Riki recebeu uma mensagem de Katze duas horas antes. Como não havia indicação de que era um trabalho urgente, Riki apareceu no horário normal, dez minutos antes do horário agendado.

O subsolo era acessado por meio de um elevador feito sob medida, sobre o qual parecia que todos tinham uma opinião:

“Ninguém mais usa uma porcaria velha como esta.”

“Cara, não consigo entender por que o chefe gosta dessas coisas antiquadas.”

“É sério, já deu o que tinha de dar. Está na hora de trocá-lo pelo modelo mais recente.”

Era impossível obter peças de substituição para o antigo elevador eléctrico, a não ser por encomenda especial.

A razão pela qual Katze — que era a encarnação da capacidade e da racionalidade —, se preocupava tanto com esta antiguidade era um mistério. Riki inseriu a chave do cartão que havia conseguido com Katze e as portas do elevador abriram. Ele pisou pesadamente na plataforma e a porta se fechou. A maneira como balançava para frente e para trás era familiar para ele agora, e provocou um leve bocejo.

Riki não sabia quantos andares abaixo do nível da rua ficava o escritório de Katze. Não havia painéis ou luzes indicadoras no elevador para especificar o andar. O elevador simplesmente parava onde Katze tinha construído sua fortaleza, e isso era tudo que Riki realmente precisava saber, então ele não deixou que isso o incomodasse.

O elevador não era o fim das esquisitices no escritório de Katze. Mais do que apenas simples, Katze baniu de seu ambiente tudo o que fosse frívolo, improdutivo ou inútil. Seu escritório era como uma caixa preta inorgânica. Não importa quantas vezes Riki viesse, isso ainda o abalava.

Katze lhe parecia uma aberração obsessivo-compulsiva. A vibração estranha do lugar fazia com que ele se sentisse constantemente desequilibrado. Por outro lado, por mais desconfortável que a sala fosse para Riki, que estava mergulhado no caos das favelas até à alma, a atmosfera claramente andrógina do escritório era um complemento perfeito para a personalidade de Katze.

Com as mesmas raízes, nas mesmas favelas, toda vez que Riki ia até ali, ele não conseguia deixar de sentir a distância entre eles. Esta devia ser a diferença entre um homem realizado e os seus subordinados.

Percebendo sua presença, Katze lançou-lhe um olhar de boas-vindas, como sempre. Mas, de maneira incomum, quando ele não afastou o computador em sua mesa, Riki percebeu que havia errado o timing. Ele olhou para o sofá no canto, o único objeto na sala que tornava o espaço mais confortável.

No lugar normalmente reservado para ele, encontrou duas crianças sentadas juntas. Eu não esperava isso, ele pensou. Acho que há uma primeira vez para tudo. Pelo que sabia, Katze nunca permitia que pessoas não relacionadas trabalhassem em seu escritório. Filhos estavam fora de questão.

As crianças não eram apenas fofas, mas também muito bonitas. Seus olhos e boca possuíam uma aparência angelical. Num exame superficial, não conseguia saber a idade delas. Era esse o tipo de atração que possuíam.

As duas sentavam-se tão perfeitamente juntas como um par de bonecas, a única ornamentação na sala mobiliada de maneira desolada. Riki teve que se perguntar se eles estavam lá simplesmente para adicionar diversão aos olhos. Ele se conteve para não rir da aparente piada.

Ambos estavam vestidos até os tornozelos em vestes luxuosas de uma era passada, adicionando às suas identidades uma aura misteriosa. Levando tudo isso em consideração, Riki começou a suspeitar que Katze — digitando no teclado sem uma palavra de explicação — estava de alguma forma testando-o.

A criança que usava brincos de rubi vermelho-sangue tinha cabelos loiros despretensiosamente penteados que, mesmo à distância, pareciam macios ao toque. A imagem dos magníficos cabelos dourados longos daquele Loiro surgiu na mente de Riki. Sentindo como se tivesse engolido dolorosamente um pequeno osso, ele limpou a garganta.

O lustroso cabelo preto da outra criança, reluzente e igual ao seu, caía sobre os ombros, bem penteado nas pontas.

Talvez para chamar mais atenção para seus traços esculpidos, uma grande safira foi incrustada em suas testas. Riki não era um conhecedor de joias e também não tinha muito interesse no valor delas, mas não tinha dúvidas de que os brincos de rubi e as safiras em suas testas eram genuínos.

Ao mesmo tempo, ele também poderia dizer que os dois fizeram um bom trabalho em esconder aquela essência etérea que possuíam. No entanto, os dois mantiveram os olhos bem fechados o tempo todo, sem lançar-lhe um único olhar.

Finalmente, Katze falou.

— Desculpe tê-lo feito esperar. Estou arrumando as coisas. Demorei um pouco mais do que esperava para encontrar um bom lugar para parar. — Esta explicação veio acompanhada pelo que soou muito como um suspiro de alívio.

— E Alec? — Ao mencionar o parceiro de Riki, Katze disse sucintamente:

— Armazém número três. — Katze estava se apressando em preparar o manifesto para o envio da carga.

Desde a primeira vez em que se juntaram, Alec colocou o novato sob sua proteção. “Talvez uma imagem valha mais que mil palavras, mas olhar não resolve. Tudo se resume a experiência.”

Essa era a frase favorita de Alec. Mais recentemente, ele passou a deixar todo o trabalho preliminar e vários biscates para Riki, para que pudesse se concentrar em obter os recursos para as remessas.

Tudo se resume a experiência.

E tudo isso era muito fácil para Riki. Mas, como um lacaio que estava trabalhando mais do que qualquer outro e vendo tudo isso ser creditado ao seu parceiro, Riki não podia deixar de imaginar que Alec só queria aliviar sua própria carga.

Mesmo tendo ouvido que o trabalho dessa vez envolvia o envio de um pacote para o distrito fronteiriço de Laocoon, Riki não ficou tão surpreso. Ele só levantou as sobrancelhas quando soube que o “pacote” consistia naquelas duas crianças.

O fato de não ter tomado a rota direta, mas ter passado por um navio de carga, também dizia muito sobre as origens dos dois.

Sim, mas eles ainda são apenas dois moleques, pensou Riki. A essa altura de sua vida, ele dificilmente se considerava um moralista quando confrontado com as predileções pessoais de outras pessoas. Mas quando se tratava de pervertidos e crianças pré-adolescentes, ele não tocava em nenhum deles.

Um mero mensageiro que se preocupasse com isso não mudaria nada, mas, por outro lado-

Dando aos dois outra boa olhada, Riki inquisitivamente inclinou a cabeça para o lado. Ele simplesmente não entendeu. Com os piercings nas orelhas e o bindi na testa, ele podia dizer de relance que elas não tinham sido criadas em um harém comum. Pelo pouco que ele podia ver de seus semblantes expostos, eles eram a mais alta classe de animais de estimação.

O tipo de animal de estimação também vendido por meio de canais alternativos. Considerando a regra rígida entre os comerciantes de que os itens de venda passem por uma verificação completa de controle de qualidade, era incompreensível que ambos fossem coincidentemente cegos. Mas esse não era o tipo de pergunta que ele iria fazer bem na frente deles.

Katze explicou os arranjos, e os dois foram empacotados por um de seus assistentes e levados para fora da sala. Riki não precisava ser avisado: Não há necessidade de revirar pedras. Apenas faça seu trabalho. Ainda assim, o desejo de saber superou a certeza de uma repreensão firme. Mas Katze foi direto ao ponto.

— Essa foi uma edição especial de Layana. — Riki momentaneamente prendeu a respiração.

— Ele não fechou a loja há muito tempo?

— Isso é o que o público foi levado a acreditar por enquanto. Mas há fanáticos por aí dispostos a colocar dinheiro em certos bolsos para colocar as mãos em bonecas como essas. Se você não consegue lidar com as inclinações com as quais nasceu de uma forma honesta, então você vai para a clandestinidade. Para o empresário, tudo começa com uma demanda não atendida e cresce a partir daí.

Katze relatou indiferentemente esses fatos da vida, deixando seus sentimentos pessoais fora da equação. Riki, ao contrário, não conseguia esconder a expressão de desgosto em seu rosto. Katze não deu um sorriso cínico ou irônico em resposta, mas no mesmo tom de voz neutro declarou categoricamente:

— Não cabe ao Mercado decidir o que é feio ou bonito. Sua única tarefa é fazer bem o seu trabalho. Pare de pensar tanto.

— É, eu sei disso, mas… — foi tudo que Riki conseguiu dizer, sufocando a bile que subia em sua garganta.

Layana Hugo. Somente o nome do lendário edifício havia sobrevivido ao que, para Riki, não passava de um mero boato. Antigamente, nas ruas de Midas, iluminadas por neon, era o único lugar que causava arrepios nas pessoas. Um nome muito sombrio para atender à simples satisfação de desejos pessoais, era uma loja de horrores que despertava repulsa visceral até mesmo nos mais perversos dos buscadores de prazer.

Senhores e senhoras. Homens de caráter elevado e os puros de coração. Homens e mulheres foram reduzidos a “macho” e “fêmea”, a racionalidade e os padrões morais foram eliminados à medida que o animal humano primordial foi trazido à luz.

As meninas e os meninos que Layana Hugo vendia para sexo por hora eram tão bonitos que atraíam olhares de espanto. Mas nenhum deles tinha o corpo totalmente saudável.

Mesmo quando as deformidades surgiam do processo hereditário natural, estas eram produzidas por mutação casual. Eles foram criados deliberadamente por meio de engenharia genética. Tudo na busca insensível do semblante perfeito. De forma patética.

(Nt/t: pra quem não entendeu, esses animais de estimação sofriam mutação genética para serem “perfeitos”, porém essa alteração genética acabava deformando eles de alguma forma, e às vezes essas deformidades eram passadas geneticamente de forma natural, porque os pais já haviam sofrido algum tipo de mutação).

Mas todo esse trabalho não era apenas para que pudessem mostrar suas criações ao mundo. Essas “fadas” não tinham outra finalidade a não ser servir como bonecas sexuais para os depravados.

Todos eles eram cegos, não para satisfazer o gosto do consumidor, mas para que o cliente ficasse menos constrangido com seus próprios gostos. Ao retirar a capacidade de ver, os sentidos restantes também poderiam ser aguçados.

Para evitar que o cliente sofresse uma mordida acidental e garantir o sexo oral sem riscos, em uma determinada idade os dentes eram removidos. Dessa forma, eles eram instruídos desde pequenos apenas a como satisfazer alguém no quarto. Bonecas sexuais mutantes que nunca sairiam do quarto que lhes foi fornecido.

Riki reagiu a esse pensamento da mesma forma que reagia ao sentir o mau cheiro das favelas. Irreversível, mas vivo. Um morto-vivo. Simplesmente o desespero de apodrecer em uma prisão chamada “liberdade”. Havia mais pervertidos no mundo — os chamados “diletantes” insatisfeitos com o sexo “normal” —, do que ele gostaria de pensar.

A carga psicológica dos desvios sexuais de uma pessoa se tornou muito pesada para ele conseguir lidar. O motivo de existir o Distrito do Prazer em Midas era tolerar e aceitar todos esses desejos carnais frustrados e autoindulgentes, incorporá-los e torná-los reais.

Além disso, não havia o medo de que a peculiaridade de um desejo particular pudesse se tornar público. Ninguém iria contar nenhum desses segredos. Um cliente não precisa correr riscos. Este era um Paraíso, onde as pessoas podiam fazer o que quisessem à vontade.

Os visitantes encantados com as possibilidades podiam contar com a repetição de negócios, daí a razão pela qual a noite imortal nunca terminava em Midas.

Então, um empresário bem-sucedido, descendente de uma família aristocrática famosa entre os sistemas estelares da Comunidade, se apaixonou por uma dessas bonecas sexuais mutantes que, sofrendo muito de corpo e alma, acabou explodindo os dois em um atentado suicida.

O nobre que se matou tinha a reputação de ser um pacifista digno e de mente elevada. Como consequência do escândalo que se seguiu, Layana Hugo, a campeã dos perversos da cidade, desapareceu das ruas.

Embora não tivesse dinheiro nem posição social à sua disposição, o nome de Layana Hugo tornou-se conhecido nos confins dos sistemas estelares, falado até entre aqueles que não tinham qualquer ligação com Midas.

Se eles tivessem se suicidado silenciosamente em vez de saírem em uma explosão de glória violenta cuidadosamente planejada, a magnitude do escândalo teria sido consideravelmente reduzida. Se o homem tivesse considerado apenas sua própria reputação e a de sua família, ele teria morrido na escuridão e deixado a verdade de suas mortes no esquecimento.

Mas, em vez disso, ele optou por levar sua boneca sexual mutante para uma morte muito pública com ele, deixando sem resposta o enigma intratável do que levou sua mente doente a acabar com sua vida de maneira tão espetacular. Seus parentes, a princípio, estavam convencidos de que havia sido apenas um acidente, que ele havia sido envolvido em alguma conspiração ou que havia sido vítima de um ato de terrorismo. A atenção da mídia em massa se concentrou em Midas.

Temendo que a repercussão prejudicasse a imagem lendária e “livre de riscos” do Distrito do Prazer, os altos executivos de Midas começaram a trabalhar discreta e rapidamente no encobrimento.

A morte assustadora e escandalosa desse homem, que se dizia ser um “verdadeiro outdoor para os sistemas estelares da Comunidade”, colocou em risco todos aqueles cuja reputação também estava ligada à Comunidade. Ela poderia provocar a faísca que queimaria até mesmo aqueles que viviam e trabalhavam à sombra de Tanagura.

Ou assim eles temiam.

Contrariando esse sentimento de consternação, a família do homem — ainda sem saber sobre o incidente — exigiu que as autoridades realizassem uma investigação completa. Eles tinham dinheiro e influência mais do que suficientes para se fazerem ouvir e, assim, levaram a mídia a um frenesi. Por fim, eles se cansaram da conversa fiada e da indecisão dos oficiais da Comunidade que serviam como seus intermediários. Tomando as coisas em suas próprias mãos, toda a família se reuniu e se mudou para Midas.

Denunciando uma Midas que havia envolto todos os detalhes do incidente em um véu de sigilo, e possuídos pela convicção de que estavam ali para falar a verdade ao poder, ninguém poderia ficar em seu caminho.

Ou talvez esta família, cuja autoridade dominava todos os outros planetas da galáxia, aproveitou uma oportunidade enviada pelos céus para fazer Amoï se ajoelhar diante deles. Com esse objetivo, eles tomaram a medida sem precedentes de processar Tanagura, fazendo exigências exorbitantes e inéditas de indenização.

Midas, que até então vinha mantendo fervorosamente seu silêncio, cansou-se dos protestos da família e divulgou todos os detalhes do ocorrido. Pega de surpresa, a família ficou chocada e em silêncio. Os membros da família, perturbados, desmaiaram no local.

Depois disso, eles informaram à mídia que todo o incidente havia sido, na verdade, uma conspiração para prejudicar suas reputações. Repetir essas alegações histéricas em todas as oportunidades que tiveram levantou muita poeira, mas pouco adiantou, pois seus nomes afundaram na fossa, sem que a esperada restituição de sua honra chegasse.

Na sequência do escândalo sem precedentes, as portas do pavilhão assombrado por demônios de Layana Hugo foram fechadas com correntes. No entanto, essa foi, na melhor das hipóteses, uma dura vitória para essa família outrora nobre, agora uma pálida sombra de seu passado glorioso. As confusões em que os turistas regularmente se metiam raramente chegavam aos noticiários, e nunca chegavam ao nível daquele escândalo.

Tudo isso realmente aconteceu, afirmou Katze alegremente.

Nesse meio tempo, Layana Hugo havia entrado na clandestinidade e estava planejando um retorno. Ele reviveu a operação o suficiente para começar a receber pedidos de bonecas sexuais feitas sob medida.

A família do homem havia usado seu status, dinheiro e poder para enganar os oficiais da Comunidade. Sua queda repentina resultou em uma luta desesperada pelo poder entre as elites governamentais. As acusações estridentes de “conspiração” acabaram soando vazias.

Será? Os homens maus não continuaram a tecer suas teias nas sombras? Alguém poderia provar que não?

— Não importa quão rico seja, o sangue sempre pode estragar. Uma organização gigantesca esmagará o homem pequeno, mas um único elo fraco pode fazer com que todo o edifício desabe. — Katze continuou.

— Ele era realmente tão ruim e estragou tudo, ou era um herói? Isso não deveria ser decidido pelas pessoas envolvidas e não por estranhos?

— Você acha tudo isso muito irracional?

— Para mim, é tudo a mesma coisa. Acho que o que os outros chamam de justo e certo é apenas uma versão da verdade. De qualquer forma, farei o que eu achar melhor.

— Mesmo sabendo que você será desprezado pela pessoa que está à sua frente? — Katze lançou um olhar duro a Riki com seus olhos cinzas.

Por alguma razão, a respiração de Riki ficou presa na garganta. Ele não conseguia desviar o olhar. Ele não entendia por que Katze diria tal coisa, mas tinha que acreditar que isso era motivado por algo diferente da história do homem que havia levado sua família à destruição.

Isso não era típico de Katze. Riki teve a sensação de ter vislumbrado o verdadeiro Katze através de uma rachadura em sua máscara fria e imperturbável.

— Talvez, se estiver além do compromisso, você simplesmente aprenda a lidar com isso? — Riki disse, sentindo a necessidade de falar sob o olhar pesado de Katze. — Quando você percebe que nunca será aceito por algumas pessoas e que, na verdade, não liga pra isso, você desiste de tentar ser uma espécie de santo, não acha?

Riki estava dizendo coisas que ele raramente expressava.

— Se você tiver apenas duas mãos para segurar as coisas mais importantes da vida, não importa o quanto você não queira, tem que soltar a terceira.

Era uma verdade universal que nenhum ser humano jamais conseguiria ter tudo no mundo. E as mãos dos favelados estavam vazias de esperanças e sonhos. Mas, no entanto, Riki manteve o pensamento de que: você só tem duas mãos para segurar as coisas mais importantes da vida.

O peso dessa sentença estava até agora profundamente gravado no rosto da pessoa que o dizia.

— Então, tudo o que você não consegue segurar com suas próprias mãos, você solta? — Katze disse para si mesmo, sua bochecha se contorceu ao refletir sobre o significado dessas palavras. E quando o fez, a cicatriz que corria como uma fenda no atraente rosto de seu semblante fixo e sem emoção pareceu tremer. Essa cicatriz rendeu a Katze o apelido de “Subzero Scarface”.

Riki se assustou com a vivacidade inesperada da reação. Katze tirou um cigarro de sua carteira favorita e o acendeu com facilidade. Ele deu uma tragada profunda e expirou lentamente, uma cena que também se tornou bastante familiar para Riki.

— Entendo. Isso constitui sua política inabalável, então. — Katze voltou à sua forma habitual — Não me lembro de ter aprendido nada desse tipo quando estive no Guardian. Você chegou a essa conclusão sozinho? Ou aprendeu com outra pessoa?

A menção do Guardian pegou Riki desprevenido. Normalmente, quando Katze estava cara a cara com Riki, ele não falava uma palavra sobre as favelas. Em primeiro lugar, ele nunca se envolveu em longas conversas sobre assuntos não relacionados ao trabalho.

Riki não conseguia entender exatamente os motivos, mas Katze estava agindo diferente do normal hoje. Recentemente, Riki havia sentido um vento curioso soprando pelo local, um quebra-cabeça que ele não conseguia decifrar. Era uma sensação estranha, embora não fosse repulsiva, de modo que ele a considerou apenas sua imaginação.

No mercado negro, havia uma única pessoa, um irmão da favela, que compartilhava seu passado. Ele não tinha a intenção de se apoiar totalmente nesse fato, mas a dura realidade da existência de Katze tornou-se uma espécie de bússola para ele. Não havia como negar que isso o tranquilizava.

— Quando saí do Guardian, Aire me disse isso.

— Aire? Ah, você quer dizer a irmã mais velha do seu bloco de celas?

— Ela não era minha irmã mais velha. Ela era uma amiga.

— Então, uma companheira de bloco?

— Não é bem assim. Ela não era uma Donny. —  Riki afirmou em termos claros, usando a gíria da favela para um amigo colorido. — Ela era uma Mary. — Ele quis dizer uma colega próxima ou associada.

Ao ouvir as palavras usadas nesse contexto, Katze hesitou brevemente.  Com um movimento semelhante ao de um pescador puxando uma linha, ele bateu na cinza da ponta do cigarro.

— Não uma Donny, mas uma Mary, eh? Você está dividindo bem as coisas aí, em?!

— Não fui eu que dividi. — Riki disse com uma expressão um pouco desamparada em seu rosto. — Foram eles. — Não importa quantos anos tenham se passado desde a saída do Guardian, algumas coisas nunca mudaram.

Katze não sorriu nem fez uma careta cínica, apenas voltou seu olhar tranquilo para ele.

Riki não tinha “amigos” no Guardian. O que ele tinha eram tímidos espectadores e observadores que mantinham distância, e inimigos que, mais cedo ou mais tarde, estenderiam suas garras e mostrariam suas presas. No entanto, havia uma presença de cura que o compreendia.

Ele havia compartilhado seu passado e sua infância apenas com colegas e associados. Um relacionamento que ele poderia honestamente chamar de “amizade” era praticamente inexistente. O único orfanato de Ceres, Guardian, não era para Riki nem um lar nem um inferno, mas um asilo fechado.

— Claro que sim. E? Presumo que Aire era sua veterana?

—Três anos mais velha, para ser preciso.

— Três anos é praticamente uma vida inteira no Guardian. E as mulheres são tão persuasivas. Ela deve ter sido uma garota muito precoce para estar distribuindo tanta sabedoria nessa idade.

— Acho que sim. Tudo que eu sei é que ela era linda. Todos a chamavam de Santa de Langeais. O anjo.

Uma loira platinada cintilante com cabelos cacheados e olhos como duas grandes esmeraldas. As babás, como eram chamadas, costumavam enfeitá-la e vesti-la da cabeça aos pés. Aire brilhava como um dos anjos decorativos pintados no teto.

“Não saia vagando por aí, está bem, Riki? Você é o meu amuleto da sorte. Promete que vai ficar comigo para sempre?”

Nada neste mundo poderia ser tão agradável quanto as doces palavras que Aire pronunciava com seus lábios rosa-cereja ou o beijo de boa noite que ela dava com sua boca encantadora. Fazia tanto tempo e, ainda assim, a lembrança permanecia fresca em sua mente. Aire tinha sido a totalidade de seu mundo.

E então naquele dia, os gritos e berros ecoando em um alvoroço. O resultado final foi um enxame de adultos que ninguém tinha visto antes, caindo sobre eles e destruindo seu mundo. Quando Riki pensava nisso agora, era quando o sonho terminava e todo o resto começava.

Naquela época, Riki não entendia nada. Tudo o que ele sabia era que havia sido preso à roda cruel do destino e que, como criança, não tinha poder para fazer nada a respeito.

Mas as memórias sentimentais de Riki pouco comoveram Katze.

— Huh. Me parece uma exceção à regra. Naquele lugar, a regra era que todas as crianças eram iguais. Ninguém recebia tratamento especial. As coisas mudaram muito durante seu tempo lá?

A despreocupação com as palavras de Katze deu um nó nas entranhas de Riki. Ele e Katze estavam se referindo a dois lugares completamente diferentes. Riki reforçou seus pensamentos e não perdeu a calma.

— A ideia de que todas as crianças são iguais e igualmente adoráveis não é apenas uma mentira? As crianças que fazem o que lhes é pedido e são fáceis de lidar são rotuladas como adoráveis. Os teimosos que provam ser um problema não são. E mesmo assim, os safadinhos que insistem em fazer as coisas do jeito deles são os piores. Todo mundo sabe, mesmo que ninguém queira dizer isso. Até mesmo a mãe do meu bloco de celas disse que eu era uma criança problemática. — Ele franziu os lábios em um beicinho azedo.

Aparentemente para entender a essência do que ele estava dizendo, Katze apagou o cigarro e disse:

— Bem, mãe ou irmã, afinal, são todos seres humanos, não são? Sejam filhos ou parceiros, deve haver algum tipo de química entre eles.

Tomando isso como a palavra final, Riki falou.

— Estou indo para o armazém número três. Então, te vejo por aí.

Ele se virou para sair e começar a trabalhar e, como esperava, Katze não tentou impedi-lo. Riki entrou no elevador, soltando um suspiro pesado quando as portas se fecharam.

Uma Mary, huh?

Era inacreditável pensar que ele tinha conseguido se lembrar de uma palavra como essa nessa época de sua vida. Apenas oito outras pessoas — seus companheiros — compartilhavam um passado com ele fora do Guardian. Ele não sabia dizer ao certo de onde eles vieram, exceto que, desde que se lembrava, parecia natural que eles estivessem juntos.

Seu quarto decorado com cores vivas, anjos, fadas e dragões — sua cama de plumas — que o levava a ter doces sonhos — os sorrisos despreocupados e os aromas perfumados — Riki não sabia o que era aquele lugar e achava que não queria saber. Porque, de certa forma, aquele mundo tinha sido tudo o que ele precisava que fosse.

“Bombons” era como os homens que visitavam o local de vez em quando chamavam Riki e os outros. Ninguém tinha permissão para sair de seu quarto naqueles dias. Ninguém podia sair para brincar. E o que era pior, o suco que as babás os faziam beber tinha gosto de mijo. Isso sempre o fazia se sentir péssimo.

O que diabos tudo isso significava? O mundo dos sonhos em que estavam vivendo de repente se desfez e Riki soube pela primeira vez. A verdade foi imposta a eles, quer gostassem ou não. De acordo com os adultos compassivos do Guardian, eles eram crianças adoráveis sacrificadas para atender aos desejos dos adultos.

O choque de sua razão de viver, a total avaliação de seu valor próprio sendo rejeitada completamente. Este choque os petrificou profundamente.

Essa é sua nova família agora.

Você não tem mais com o que se preocupar.

Escondidos sob essas palavras, os olhares de pena lhes diziam: O que foi, foi, e você não pode fazer com que isso desapareça, pois eles os trouxeram para a teia de sua influência.

Talvez porque Riki fosse o mais novo, ou como consequência de rodadas de tratamentos médicos chamados de “aconselhamento”, as memórias que ele trazia aqui e ali pareciam nebulosas e desbotadas na névoa do tempo. No entanto, se ele mal conseguia se lembrar dos rostos dos colegas de quarto com quem morou entre os seis e os onze anos de idade, então por que ele se lembrava tão claramente dos nomes e rostos de seus amigos de lá?

A loira platinada Aire. O cabelo preto-azulado de Lean e os olhos azuis-gelo. Os cabelos ruivos e as íris âmbar de Sheila. O cabelo branco imaculado e os olhos escarlates de Ghil. O cabelo liso loiro-mel e os olhos castanhos de Heath. O cabelo prateado e os olhos cinzentos de Raven. Não importava quantos anos se passassem, cada rosto permanecia eternamente jovem em sua mente.

Quando Riki deixou o Guardian, aos treze anos, o número deles havia caído para cinco.

As mulheres que um dia poderiam ter filhos se tornaram propriedade comunitária do Guardian. Elas não precisavam de nada. Não importa qual tenha sido o distúrbio no coração ou na mente, de uma forma ou de outra, o caminho foi suavizado para se tornar membro da nova família que era o Guardian.

Como disse Raven, “os garotos que não servem para nada vão na cola das garotas”. No final, o único sobrevivente entre eles foi Riki.

Heath, Ghil e Raven – a pressão e o estresse que acompanhavam as violentas mudanças em seu ambiente os esmagaram com muita facilidade. Eles eram heterodoxos demais para um lugar como o Guardian, de pés e mãos amarrados por decreto de que tudo seria “igual”.

“Não se torne como eu. Me prometa.” Heath tinha a mesma idade de Aire. Lágrimas brotaram em seus olhos quando ele segurou a mão de Riki.

“Eu também estou muito cansado”, foram as palavras de despedida de Raven, com os olhos vidrados e a voz trêmula.

“Eu definitivamente não serei como eles!” Ghil declarou. Com uma expressão desgastada e terrivelmente contorcida em seu rosto, “Sinto muito, sinto muito, Riki. Eu tentei, eu tentei, mas…”

Sua voz sumiu. Riki segurou sua mão. Ghil chorou enquanto se agarrava a ele. Gemendo, com a voz embargada, agarrado a ele, soluçando, seus braços pareciam gravetos finos, uma visão lamentável.

Mas ele tinha que dizer alguma coisa. “Está tudo bem. Está tudo bem. Você não precisa continuar tentando…” Riki deu um tapinha em seu cabelo sem brilho e ressecado.

No dia seguinte, ele soube que Ghil havia partido silenciosamente enquanto dormia. Riki chorou baixinho. Ele havia lhe dito para parar de tentar — não foi por isso que a vontade de viver de Ghil se esgotou e o fio de sua vida se rompeu…?

A ideia fez seu coração se apertar como um torno. A dor se tornou insuportável. Guy o abraçou. “Você está errado, Riki. Você só deu um beijo de boa noite em Ghil. Ele queria que você dissesse a ele que estava tudo bem para ele finalmente adormecer. No final, ele ficou feliz.”

Primeiro um, depois dois, depois três de seus amigos se foram. Riki foi o último que restou. Ele não sabia se deveria se considerar sortudo ou não. De qualquer forma, o Guardian nunca tinha visto um causador de problemas tão grande em toda a sua história. O verdadeiro pé no saco de todas as “mães” e “irmãs”

No entanto, de certa forma, Riki era abençoado. Apesar de estar confinado a este “jardim” cheio de mentiras e enganos, tinha tido a sorte de encontrar a única pessoa que conseguia lhe entender — Guy.

Um dia antes de deixarem o Guardian, Aire veio vê-los. “Riki”, disse ela. “Lembre-se disso: você só tem duas mãos para segurar as coisas realmente importantes da vida. Não importa o quão querido você possa acreditar que uma terceira coisa possa ser, ela terá que ser deixada para trás. Nunca abra mão do que é mais importante. Não cometa erros. Depois de deixar ir, não há como recuperar novamente.”

As meninas eram transferidas para um prédio diferente quando começavam a menstruar e, depois disso, raramente eram vistas. Mas como era o dia da partida, Aire conseguiu permissão para ir vê-lo.

Como não a via há muito tempo, Aire parecia muito crescida. Por um momento, Riki ficou olhando para ela. A garota havia se tornado uma jovem quase irreconhecível e radiante.

Sua aura infantilmente feminina inicial e crua não fora de todo rejeitada, mas parecia polida como se o belo anjo que era houvesse subido ao céu e se tornado uma deusa.

Talvez um dia ela criasse asas em suas costas e voasse para o céu junto com Ghil e os outros. Essa era a visão que assombrava seus pensamentos.

Aire o abraçou gentilmente da mesma forma que antes. Lembre-se sempre — segure firme — não se engane — A sinceridade das palavras dela penetrou nas profundezas da alma dele e as emoções encheram seu coração, deixando-o sem palavras.

E, com esse abraço apertado de urso, Aire saiu de sua vida para sempre.

***

Seguindo a rota autorizada até o portal de salto oficial em velocidade máxima, foi um voo de três dias até o distrito fronteiriço de Laocoon, no sistema estelar de Veran.

Durante esse tempo, como sempre, Riki tratou as duas bonecas como se fossem mercadorias. Ele não poupou tempo para conversas inúteis e fez tudo de acordo com as regras, de maneira profissional e sem problemas.

Eles eram acompanhados por andróides que costuravam como guardiões e babás em tempo integral, e assim a vida cotidiana a bordo da nave era relativamente livre de problemas. Mas Riki não conseguia tirar o desagrado de sua mente. Seu único recurso diante de uma feiúra tão enganosa era manter a fachada de uma expressão sempre fria.

A origem da evolução das espécies e os mistérios da vida já haviam passado do domínio dos deuses. Mesmo assim, o peso do destino não nasceu igualmente.  As ovelhas que não conheciam nada além do que era necessário para viver os anos dentro das paredes de sua prisão só tinham que fazer o que lhes era dito e aceitar o que quer que a vida lhes oferecesse.

Em outras palavras, um homem sem arrependimentos que não nutria sonhos.

 

 

Uma semana depois.

Depois que a mercadoria foi entregue sem incidentes e Riki retornou à Midas, Alec o convidou para uma rodada de bebidas fortes para animá-lo. Dessa vez sozinho, Riki estava ficando deprimido e precisava de algum tipo de distração.

Aproveitando esse impulso, ele foi ver Guy pela primeira vez em muito tempo. Embora sem uma boa dose de bebida alcoólica, era justo dizer que ele nunca teria coragem de encará-lo cara a cara.

Riki deixou a Bison pouco depois de decidir ser mensageiro de Katze. Embora tivesse começado como um mero garoto de recados, e mesmo que acabasse como cachorrinho de Katze, ele não achava que conseguiria fazer as duas coisas. Os outros mensageiros e Katze também não. Ninguém sabia até onde isso os levaria, mas uma vez que eles partiram naquele curso, traçaram a linha claramente.

Cada um queria algo para mostrar. Esse também era o objetivo imediato de Riki. Ele não temia o fracasso. Um mestiço da favela não tinha mais nada a perder. Seus olhos míopes cegos para o futuro, o presente fumegante nas favelas era uma maré baixa que nunca chegava. Não havia para onde ir senão para cima

Ou assim ele pensava. A realidade era que Riki tinha seus próprios vínculos com a Bison, mas não tinha nenhuma afeição especial por ela, e nenhuma lealdade especial ao seu título de maior delinquente do Hot Crack.

A única coisa que ele não podia se dar ao luxo de perder era o seu próprio respeito. O que ele queria preservar era a conexão entre ele e Guy. Quando ele realmente parou para pensar, era basicamente isso.

Ele não se envolveu nas lutas pelo poder por sua própria iniciativa. Ele não saiu procurando sobras ou procurando chances de se esgueirar para o lado de fora e pegar algo para si mesmo.

À sua maneira, ele simplesmente afastou as faíscas e as brasas que caíram sobre ele. Tendo construído a reputação da Bison, essa era a última coisa que esperavam dele.

Desde o início, Riki detestava “aparecer”. Mesmo que isso significasse nadar contra a maré, não era sua intenção se exibir. Ele não era bom em passar por cima de seu próprio ego e cooperar com os outros, e também odiava que lhe exigissem favores.

Riki assumiu o comando da Bison conforme a situação exigia, e fez o que tinha que fazer da maneira que queria fazer. Ele não poderia ter feito isso sozinho. Onde ele estava faltando, Guy preenchia as lacunas. Luke o apoiou. Sid amarrou as pontas soltas e Norris alisou as bordas. Riki acreditava que fora isso que transformou a Bison no que ela se tornou.

Mas Riki não queria se apegar tanto ao nome da Bison a ponto de fazer apenas o que as outras pessoas queriam. Isso não significava que ele queria destruir a Bison. Isso apenas fez com que Riki tivesse que aproveitar aquele momento.

Melhor ainda se ele se afastasse e alguém novo assumisse seu lugar no topo. Ou se eles aproveitassem a oportunidade para encontrar novos lares para chamar de seus. Riki não estava particularmente preocupado com o fato da Bison continuar como Bison. Sua determinação de sair não mudou.

Mas ele teria que ser louco para imaginar que Guy e os outros cortariam seus laços com Bison assim. Mesmo que Bison se dissolvesse, Riki não desistiria de Guy como seu parceiro. Mesmo que o estado atual do relacionamento deles beirasse o distanciamento, Guy continuava sendo o alicerce do coração de Riki. Isso não iria mudar tão cedo.

“Nunca deixe de lado o que é mais importante.” As palavras de Aire ecoaram em seus ouvidos.

Ele havia se tornado um mensageiro sem antes pedir o conselho de Guy. Já era muito tarde, ele não pretendia começar a se arrepender daquele ato de egoísmo, mas Riki não queria perder o calor da presença de Guy.

Mas ele tinha apenas duas mãos para segurar as coisas mais importantes de sua vida.

Seu próprio orgulho pelo que podia fazer — os laços que o uniam a Guy — um trabalho dos sonhos que valia a pena fazer — qual dessas coisas ele poderia se dar ao luxo de jogar fora?

Embora Katze tenha feito uma pose convincente, quanto mais Riki pensava no assunto, mais sua cabeça doía. Uma resposta satisfatória não vinha sendo dada há muito tempo.

“Não se engane, Riki. Se você o deixar de ir, nunca mais o terá de volta.” As palavras de Aire o apunhalaram. Riki se viu ferido pelos chifres desse dilema.

Seria melhor abandonar essa política arraigada em sua mente? Nesse caso, ele não teria que abandonar mais nada. Mas se ele se permitisse ser empurrado tão longe, Riki pensou ironicamente consigo mesmo, que sobraria de sua alma?

— Riki? Qual o problema? O que está acontecendo? — disse Guy, vendo Riki cambaleando inesperadamente em sua direção.

Sua testa estava franzida, mas não para criticar ou condenar a presunção de Riki enquanto ele deitava na cama confortável. Guy o cumprimentou com seu jeito sempre agradável.

— Você certamente parece estar de bom humor. As coisas estão indo bem para você?

Se as coisas estavam indo bem para ele?

Bem, ele tinha seu trabalho sob controle e o dinheiro estava entrando. Por isso, ele presenteou Guy com uma cerveja preta de alta qualidade, algo raro nas favelas. Provavelmente era a isso que ele se referia quando falava que as coisas “estavam indo bem“.

Seu humor estava equilibrado. Sua mente estava estranhamente desperta, embora seu coração doesse. Uma sensação de mal-estar que ele não conseguia identificar pode ter sido o que o levou a dizer: “Me assista abrindo caminho para fora desse lugar, Guy.”

Não, fazer uma declaração tão clara para Guy deve ter sido sua maneira de se colocar em um lugar onde não havia como voltar atrás. Qual dos três? A indecisão tomou conta de seus pensamentos. Ele estava começando a se odiar.

Ele tinha apenas duas mãos para segurar as coisas mais importantes de sua vida. Se assim fosse, em vez de ser forçado a abandonar a terceira, ele se agarraria a ela com firmeza, mesmo que isso significasse levá-la com ele na boca, segurando-a com os dentes.

Por um momento, Guy olhou para ele, como se procurasse as palavras para responder. “Sim, claro-” ele disse com a voz gentil que Riki estava tão acostumado, seus lábios se curvando ironicamente nos cantos…

Mesmo assim, Riki não percebeu. Ele não tinha como saber como suas palavras penetravam como espinhos venenosos no coração de Guy.

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Ai No Kusabi – The Space Between

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No futuro, em uma estrela distante vive uma nova sociedade. Governados por um sistema de computador chamado Júpiter, os homens são divididos em classes com base na cor do cabelo. Os Loiros,...

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  • Capítulo 19 Fim da 3ª Temporada
  • Capítulo 18
  • Capítulo 17
  • Capítulo 16
  • Capítulo 15
  • Capítulo 14 vol 3 - Nightmare
  • Capítulo 13 Fim da 2ª Temporada
  • Capítulo 12
  • Capítulo 11
  • Capítulo 10
  • Capítulo 9
  • Capítulo 8
  • Capítulo 7
  • Capítulo 6.1 - Prefácio vol 2 - Destiny
  • Capítulo 6 Fim da 1ª Temporada
  • Capítulo 5
  • Capítulo 4
  • Capítulo 3
  • Capítulo 2
  • Capítulo 1 vol. 1 - Stranger
  • Capítulo 0 - Explicativo

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