Doce Rendição

Doce Rendição

Prólogo

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A música era discreta, sofisticada, dessas que soam como porcelana batendo em cristal — parte do verniz inquebrável que revestia todos os eventos de alto escalão. Lucian cruzava o salão como quem dominava o espaço sem precisar se afirmar. O terno escuro, impecável até no vinco da manga, parecia menos uma peça de vestuário e mais uma extensão de sua presença.

Havia algo em sua postura — uma contenção elegante, uma ameaça sutil — que fazia as pessoas abrirem caminho sem perceber. Olhos se voltavam, não porque ele buscasse atenção, mas porque parecia sempre saber mais do que os outros estavam dispostos a revelar.

O evento, um encontro formal entre representantes de famílias sobrenaturais influentes e figuras importantes do mundo corporativo, reunia a nata da elite mística. Vampiros, demônios, humanos encantados — todos afundados em sedas escuras, perfumes frios e taças que brilhavam sob os lustres pendurados como constelações domesticadas.

Lucian mantinha o copo em mãos apenas por educação. O líquido âmbar pouco significava para ele. Seus olhos escaneavam o ambiente com a naturalidade de quem não procurava nada e, ainda assim, sempre achava o que precisava ver.

Foi quando a Família Vesper entrou.

A chegada deles não causou alarde — essas famílias treinavam desde cedo para parecerem imortais em tudo, até no andar. Os irmãos Vesper, todos altos, pálidos como mármore recém-polido, atravessaram o salão como um organismo bem ensaiado. Trajavam-se com sobriedade luxuosa: preto, cinza-prateado, veludo e alfaiataria meticulosa. Estavam acostumados a serem vistos, e pareciam se alimentar disso tanto quanto do sangue que os mantinha vivos.

Lucian observou, por mera cortesia analítica. Mais uma dinastia arcaica tentando manter relevância em um mundo que mudava a cada geração. Porém, um detalhe quebrou o fluxo de sua indiferença.

Ele o viu.

Um dos irmãos caminhava ligeiramente atrás dos demais. A semelhança genética era evidente, mas havia nele algo… desalinhado — não no vestuário, que era tão perfeito quanto o dos outros, mas no ritmo. Seus olhos não vasculhavam o ambiente como um caçador social. Pelo contrário, eles flutuavam de maneira desconectada, como se aquilo tudo fosse um papel que ele desempenhava apenas bem o suficiente para não ser notado. E, no entanto, era.

Lucian percebeu isso antes de entender por quê.

O vampiro se destacou quando a família começou a se dispersar entre os convidados. Enquanto os irmãos seguiam para as áreas de interesse — negócios, política, exibições triviais —, ele desviou, sutil, como se houvesse alguma urgência invisível empurrando seus passos. Instalou-se próximo ao bar, um pouco afastado da zona central do salão, e ali permaneceu, como um quadro cuidadosamente emoldurado à margem de uma galeria.

Mesmo à distância, havia um magnetismo em sua figura. Não era apenas a beleza evidente — a simetria dos traços, a pele translúcida sob a luz, o cabelo escuro perfeitamente penteado — mas a tensão contida na forma como segurava a taça. Os dedos longos envolviam o cristal com delicadeza controlada, como se estivesse sempre à beira de quebrar ou deixar cair, mas não fizesse nenhuma das duas coisas.

Nox, ouviu alguém dizer perto dele. Lucian não perguntou. Apenas memorizou o nome.

Aquele era Nox.

Uma presença serena, mas levemente deslocada, como um piano que, embora perfeitamente afinado, decidisse por capricho tocar notas fora da escala. Ainda assim, era procurado. Convidados se aproximavam com sorriso afiado, palavras ensaiadas, elogios disfarçados de curiosidade. Ele os recebia com gentileza, postura impecável, olhos educadamente atentos. Mas Lucian, que aprendeu a ver além das máscaras, notou a exaustão sutil no canto de sua boca, a pausa antes de responder — como se a cada interação ele estivesse negociando o quanto de si podia entregar sem se dissolver.

Havia um tipo específico de beleza em alguém que sustentava expectativas alheias com tamanho esmero, mas cujos olhos, por vezes, traíam a vontade de estar em outro lugar — ou com alguém que o visse de fato, e não apenas como mais uma peça de porcelana nobre.

Lucian ficou ali, observando. Não como um voyeur faminto, mas como um estrategista atento. Reconhecia em Nox a superfície polida de algo muito mais profundo — um lago espelhado que escondia correntezas violentas. E havia uma verdade silenciosa na maneira como ele se afastava da própria família, mantendo a distância segura, porém aceitável. Como se precisasse do calor deles, mas só o suficiente para não congelar por completo.

Em um determinado momento, Nox ergueu os olhos — sem procurar nada, apenas vagando — e os olhares se cruzaram.

Lucian não desviou. Também não sorriu. Apenas sustentou o contato com a mesma neutralidade impassível de quem sabe que a presença pode ser tão provocativa quanto qualquer palavra.

Nox, por sua vez, pareceu não se alarmar. Tampouco se mostrou especialmente curioso. Havia uma leveza calculada em seu rosto, como se o olhar do estranho — Lucian — fosse apenas mais um a ser catalogado, analisado e deixado de lado. Mas o ligeiro arquear de sua sobrancelha, quase imperceptível, revelou algo próximo de reconhecimento. Não de quem ele era, mas do tipo de olhar que o observava.

E então, como se o momento nunca tivesse existido, Nox desviou o olhar e voltou à conversa com uma mulher que sorria demais.

Lucian tomou um gole de seu uísque, agora apenas por hábito.

Ele ainda não sabia exatamente por que aquele jovem vampiro o intrigava. Talvez fosse a contradição entre sua postura impecável e o desconforto invisível em seus ombros. Ou a forma como se deixava ser observado, mesmo sem oferecer nada. Como se dissesse: “Veja, se quiser. Mas não me toque.”

Era o fato de que Nox, mesmo sem dizer uma palavra, havia deixado um espaço — uma fresta — onde antes só havia paredes.

E Lucian era excelente em encontrar frestas.
Principalmente nas muralhas dos outros.

 

—–

 

Mais tarde, quando o salão já perdera parte do calor das chegadas — quando o vinho já dissolvera parte da rigidez das palavras —, Lucian o viu sair discretamente por uma das portas laterais, aquelas que levavam a um dos jardins suspensos do salão.

Ele esperou. Não muito, apenas o tempo suficiente para que a ausência de Nox não parecesse relevante para os demais. E então, com a naturalidade de quem apenas muda de ambiente, seguiu.

A noite lá fora era de um azul escuro opaco, salpicada de luzes artificiais e silêncios bem-comportados. O jardim, elegante e enclausurado, parecia existir à parte do mundo — e talvez fosse exatamente por isso que Nox estivesse ali. Ele estava de costas, encostado no parapeito de pedra, observando a cidade lá embaixo como se tentasse se convencer de que havia algo lá que o tocava.

Lucian se aproximou devagar, mas não o suficiente para ser notado.

Ali, naquela semipenumbra, com o som amortecido do salão vindo de longe, ele parou.

Por um instante, apenas observou.

A forma como o casaco caía dos ombros de Nox. O perfil desenhado à meia-luz. Os dedos tocando o corrimão com uma leve tensão, como se segurassem uma ideia incômoda. O ar em torno dele parecia mais frio, mas Lucian sabia que era só impressão — era o silêncio que o fazia parecer mais denso.

E então, movido por algo primitivo e preciso, Lucian deu dois passos.

Então deu mais dois passos e, antes que Nox percebesse sua chegada, tocou-lhe o rosto com uma das mãos e, com a outra, cobriu-lhe os olhos num gesto firme e preciso. Nox sobressaltou-se, mas não lutou para escapar. Não era medo — era expectativa.

Foi assim, no escuro imposto por Lucian, que o beijo nasceu.

Não houve apresentação. Nenhuma palavra. Apenas a aproximação de dois corpos que, por uma fração de tempo, entenderam algo que o mundo inteiro levaria anos para traduzir.

O beijo foi lento, calculado como um sussurro. Não havia urgência, apenas intenção. A mão de Lucian na nuca de Nox, guiando-o com firmeza, mas sem impor. A boca de Nox, surpreendida no primeiro segundo, logo se abriu sob a dele — como se algo adormecido reconhecesse a língua que o buscava. E, no entanto, havia hesitação nos dedos de Nox, que não chegaram a tocar o outro — ficaram ali, suspensos, como se o medo de saber quem era maior do que o desejo de descobrir.

Então Lucian interrompeu o beijo tão subitamente quanto o iniciara. Não houve palavra, não houve explicação. A mão retirou-se dos olhos de Nox, e quando este os abriu, não encontrou mais que a noite e a memória quente do contato recém-roubado.

Não houve palavras. Apenas o som da respiração entrecortada de Nox, que permanecia parado, como se o gesto o tivesse transfigurado em estátua. Os olhos abertos, buscando em vão um rosto que já havia se afastado na escuridão.

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Doce Rendição

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Nox sempre viveu cercado de privilégios — herdeiro de uma família nobre, bonito, desejado e com o mundo a seus pés. Mas sob a superfície impecável, havia um...

Chapters

  • Vol 1
      • Doce Rendição
        Prólogo
      • Doce Rendição
        Capítulo 2 Olhar de Predador
      • Doce Rendição
        Capítulo 1 Desejo Incompleto

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