Dragão de Prata

Dragão de Prata: 不道德的修炼之路

Capítulo 07

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No passado, na China que Jiang Lu conhecia, o número quatro era sinal de mau agouro¹. Essa crença popular não era tão forte entre as pessoas mais jovens, mas os mais velhos se prendiam às tradições e não davam brecha para o azar.

No entanto, em retrospectiva a todas as coisas que viveu desde que transmigrou para o universo de “Príncipe Sombrio”, Lu encarava os últimos quatro anos como sinais de esperança. Foram quatro ciclos que se arrastaram lentamente, como uma lesma atordoada que de repente encontra um bom caminho entre as rochas.

Seu primeiro ano no continente Mu foi marcado por muitas adversidades, é claro. Após Mei Ting largá-lo na Costa Leste por quase ter sido estuprado por seu sequestrador, Lu limpou as lágrimas do rosto e desceu até a cidade mais próxima, Haiji Guan, onde mentiu sobre cada coisinha a seu respeito. Inventou um personagem, rolou na sujeira e vestiu trapos, abandonou o próprio sobrenome para não ser ainda mais discriminado e abafou seus feromônios com a sujeira das ruas que ele tanto odiava.

Fingiu ser um mendigo qualquer, narrou que os itens que recebeu de Mei Ting tinham sido roubados e os vendeu em troca de um pouco de dinheiro, depois comprou uma faca, sapatos e um tapa-olho para fingir uma deficiência que não tinha. Ficou em Haiji Guan por algumas semanas, trabalhando nos portos carregando pequenas cargas para os pescadores e barcos de transporte. Observou a dinâmica local, aprendeu mais sobre como era aquele povo, ouviu o que os turistas diziam sobre a cidade flutuante que ficava a alguns quilômetros do litoral, e fugiu dos furtos e brigas de outros moradores de rua.

Apenas sobreviveu.

Ele não poderia dizer o quanto de dignidade lhe sobrou enquanto morava na rua, mas conseguir manter a integridade de seu corpo era o bastante naquela época.

O inverno chegou logo depois, os ventos frios se tornaram congelantes e as noites começaram a ser mais longas e sombrias. Àquela altura, já tinha pensado em muitas alternativas do que fazer a seguir, mas hesitou até o último momento porque tinha medo. Apesar de viver na miséria em Haiji Guan, Lu sabia tudo sobre ela: cada beco, viela, alpendre, comércio, bar e restaurante. Ninguém perguntava sobre ele, porque ninguém queria saber. E desde que não fosse pego roubando, podia dormir nos depósitos dos carroceiros quando estava muito chuvoso ou frio durante a noite.

Contudo, conforme ouvia mais sobre a admirada cidade de Chaosheng Tai, mais interessado ficava em conhecê-la.

Chaosheng Tai era a cidade-estado fundada sobre uma pequena ilha a vinte quilômetros da costa leste. Os boatos a descreviam como a fantasia utópica materializada diante de seus olhos, distante da realidade do continente, ela se erguia acima deles com um modelo de civilização que prezava o equilíbrio e a paz entre as espécies. Também era chamada de “recanto das feras mágicas”, pela forte crença de que feras mágicas e seus descendentes viviam em Chaosheng Tai para se livrar da perseguição que ocorria em MuYin.

“Príncipe Sombrio” havia descrito a história do continente como desafortunada para as feras mágicas que eram as moradoras nativas dessas terras. Após a chegada dos humanos no Ano Primeiro, houve um tempo de tensão entre eles e as feras mágicas, contudo, encontraram uma maneira de coexistir sem prejudicar uns aos outros.

O continente Mu era rico em energia espiritual, por isso havia uma grande diversidade de feras mágicas poderosas e sencientes, com cultura individual e adoração aos próprios deuses. Os humanos levaram seus deuses aos poucos, houve paz ao ponto de ocorrer miscigenação entre espécies, o que desencadeou, no Tricentésimo Sétimo Ano, o início da “Guerra Divina”. Nesse período, houve uma enorme batalha entre os deuses mágicos, adorados pelas feras, e os deuses marciais, cultuados pelos humanos. Isso recaiu sobre os habitantes, que foram atingidos por pragas e maldições que passaram a segregá-los.

A novel de “Príncipe Sombrio” narrou esses acontecimentos como se fosse parte do folclore local, mas de fato houve um período de muitas mortes e conflitos armados entre humanos e feras mágicas do ano 307º ao 507º do Primeiro Milênio. A existência de feras mágicas era encarada como um tabu entre as pessoas pelo que observou nas poucas conversas que tocaram nesse assunto, pois se acredita que a relação entre espécies gerou criaturas especiais como os gers.

Jiang Lu não poderia afirmar nada sobre a história de MuYin, porque nas ruas as pessoas queriam saber do agora, não do passado. O que realmente interessava em tudo isso era que Chaosheng Tai era um ponto turístico muito desejado, mas nem todos podiam visitá-la. A entrada para a cidade era extremamente criteriosa, com forte fiscalização nos portos e principalmente na entrada e saída de pessoas. 

Cultivadores estavam proibidos, apenas nobres sem nenhum traço mágico-espiritual podiam entrar, e homens no geral entravam apenas de maneira temporária e fiscalizada pelas autoridades locais. Alguns dos turistas que passaram por Haiji Guan para pegar um barco à Chaosheng Tai reclamaram da mesma coisa, que na cidade os forasteiros eram tratados como criminosos.

Só havia uma exceção a essa regra e era por isso que Lu desejava tanto quanto temia ir até a cidade.

Algo nela o chamava, principalmente a curiosidade, mas ainda temia ter uma surpresa negativa quando chegasse lá.

Ele teve um pesadelo durante uma noite febril onde visualizou o momento em que Bing Dao o encontraria novamente. Quando acordou, olhou para si mesmo e percebeu que estava tão vulnerável quanto antes, pegou o primeiro navio para Chaosheng Tai de maneira clandestina e torceu para não estar tomando a decisão errada.

Quatro anos mais tarde, ele estava sentado sobre a mureta que cercava o farol às margens da cidade, balançando os pés enquanto encarava as ondas quebrando contra as falésias. Era fim de tarde, o sol se punha lindamente no horizonte e, embora a brisa do início da primavera fosse fria, não havia nada mais agradável do que senti-la, cheia de maresia, arrepiando sua pele.

— O tempo é amigo íntimo daquele que tem paciência — uma voz suave veio de trás de si, acompanhada dos passos cuidadosos daquele que se aproximava. — O amor que ele tem por seus amigos é inigualável, e é através desse sentimento que o tempo torna eternos aqueles que guarda no fundo do coração.

A figura masculina que caminhou até parar à sua frente era familiar como o ritmo das batidas de seu coração, uma constante que o acompanhava tão intimamente que às vezes esquecia o quão necessária ela era.

— Citando Lao Hu novamente? Você não se cansa?

Uma risada melodiosa encheu seus ouvidos.

— Não tenho culpa se ela tem frases excelentes para todas as ocasiões!

Dando a volta na mureta ao redor do farol, o recém chegado aproximou-se do lugar onde Jiang Lu estava sentado, carregando uma caixa de cartão nas mãos. Lu sorriu assim que seus olhares se encontraram.

— Você não precisava fazer isso… — começou a dizer, mas parou ao notar as sobrancelhas franzidas do outro.

— Fiz isso porque eu quis, não porque eu precisava — ele disse firme, mas com ternura. — Apenas seja grato, A-Lu². E, ah, feliz aniversário!

Estendendo as mãos, ele entregou a caixa com cuidado. Dentro dela, havia uma pequena torta de morango com desenhos de leite em pó em formato de flores e, ao lado dela, um saquinho vermelho de papel. Jiang Lu apoiou a caixa sobre as coxas e abriu o saquinho primeiro, cheio de curiosidade, e encontrou dentro dele um adereço de cabelo que parecia ser de algum metal prateado, a julgar pelo brilho. Tinha pontas duplas em formato de V numa extremidade e uma flor ornamental na outra, feita de jade vermelho.

— Xuan-Ge, isso deve ter sido tão caro, não precisava ter…

— Você gostou? — ele interrompeu, dando um peteleco no meio de sua testa. — Apenas me diga se é do seu agrado.

Ainda hesitante, Lu suspirou antes de responder.

— Ele é lindo, não há como negar — comentou com carinho, segurando o adereço com cuidado, mesmo que ele parecesse pesado e inquebrável em sua mão.

— Para combinar com você — as pontas dos dedos dele tocaram os cabelos de Lu que escapavam do coque bagunçado no topo de sua cabeça, penteando os fios com tamanha delicadeza que sequer parecia real. — Tão lindo que é impossível discordar.

Jiang Lu não pôde evitar estremecer ao ouvir isso, envergonhado, mas o sorriso alheio acalmou seu nervosismo num instante. Encarando-o novamente, perdido na cor elétrica de seus olhos azuis, sentiu-se indigno de todo afeto que recebia dele.

— Muito obrigado por tudo, Xuan-Ge — falou após alguns segundos de confortável silêncio e, em troca de sua sinceridade, o outro sorriu tão amplamente que, se fosse possível, os cantos dos lábios chegariam nas orelhas.

— Sua alegria é a minha felicidade, A-Lu — este se aproximou e deu um beijo na testa de Jiang Lu após se erguer um pouco para romper a diferença de altura, foi breve, mas significativo. Familiar. — Espero te ver usando-o em breve, mas primeiro, que tal comermos essa torta?

Ele se afastou e, saindo do torpor, Lu encarou a torta e pescou um pouco da cobertura com o indicador.

— Hum… Que delícia! Foi você que fez?

Ele gargalhou tão forte e tão alto que algumas gaivotas que estavam pousadas a alguns metros de distância, se assustaram e voaram para longe.

— É claro que não! — balançou a cabeça com uma expressão de incredulidade, como se isso fosse algo impossível. — Desculpa te decepcionar, A-Lu, mas eu não cozinharia algo decente nem para salvar a minha vida.

Ele se apoiou na mureta e pulou para sentar no espaço ao seu lado, balançando as pernas distraidamente enquanto Lu comia a torta usando os dedos, lançou-lhe um olhar divertido, mas não o repreendeu. Era seu aniversário de vinte e dois anos, merecia um dia sem pressões externas. Então, para preencher o silêncio, começou a fofocar sobre seus colegas de trabalho, como sempre fazia.

Jiang Lu, que costumava ficar contemplativo e melancólico em seus aniversários, escutou tudo de maneira ausente, sem de fato prestar atenção no conteúdo do assunto. Vendo de fora a tranquilidade do momento, sentiu-se mal por não compartilhar da excessiva animação da outra pessoa.

Xuan Yehao era bom demais para ele.

Desde que chegou em Chaosheng Tai, Jiang Lu conheceu muitas pessoas que o ajudaram e foram caridosas consigo. A cidade tinha uma política própria de acolhimento para pessoas marginalizadas pelo povo continental, então quando revelou ser um ger após pôr os pés na ilha, foi rapidamente incorporado à dinâmica local como se fosse um nativo.

Ganhou roupas novas, sapatos, hospedagem temporária e de acordo com suas capacidades, foi direcionado para um trabalho que o auxiliaria a ter algum dinheiro para se virar sozinho. Aconteceu muito rápido, como se o governo local ansiasse por acolher pessoas como ele, pois foi tão fácil se estabelecer que parecia uma armadilha muito bem elaborada.

 O tempo foi passando, esperou para ver em que momento as pessoas revelariam que tudo aquilo era um esquema de tráfico humano com escravidão por dívida, mas nada nunca aconteceu. Obviamente, o governo ofereceu apenas o básico para ele ter onde começar, o resto precisava ser construído por ele.

Foi assim que ele conheceu Xuan Yehao, em um dos trabalhos que exerceu quando chegou a Chaosheng Tai, em uma fábrica de tecidos. Estava executando algumas tarefas de auxiliar, pois demonstrou habilidades com as mãos, mas tinha muitas dificuldades ao se comunicar com as pessoas ao seu redor.

Por abrigar pessoas de vários lugares, Chaosheng Tai tinha mais de um idioma oficial e apenas um deles era como o mandarim, o que quebrou sua crença de que conseguiria entender todos os idiomas desse mundo.

O mandarim, na verdade, era falado pela menor parte da população, tratando-se de um idioma tão antigo e elitizado que poucas pessoas têm o conhecimento pleno do mesmo. Além do dialeto local, a língua predominante era o Aruqen, que mais tarde descobriu ser o idioma oficial de MuYin. Os caracteres estranhos que havia visto no passado, nas coisas de seus sequestradores, faziam parte desse alfabeto e tinham um sistema linguístico parecido com o coreano, que incorporava caracteres que representavam os sons, para criar uma palavra.

Incapaz de entender as pessoas e de ser entendido por elas, comunicava-se através de gestos para tirar as dúvidas que tinha sobre o trabalho.

Eventualmente, notando o quão difícil estava sendo para ele, seus colegas notificaram os superiores e algum tempo depois, enviaram uma pessoa que sabia mandarim para lhe ensinar o aruqen. Esta pessoa era Xuan Yehao, um professor de literatura não-humano, descendente distante de um híbrido de fera mágica.

Era um homem da altura de Jiang Lu na época, pouco mais de um metro e sessenta, cabelo comprido de um roxo tão escuro que parecia preto, pele cor de caramelo, olhos azuis elétricos e corpo macio e rechonchudo como tofu. Não era muito mais velho, mas falava e se comportava como se fosse, paternalizando Jiang Lu até este perder a paciência e xingá-lo.

De aruqen, Lu aprendeu primeiro os palavrões, reproduzindo com facilidade as ofensas que seus colegas proferiam de vez em quando. Xuan Yehao ensinava o idioma formal e polido, enquanto seus colegas de trabalho ensinavam o dialeto das ruas. Por esse ar paternalista, mesmo com a pouca diferença de idade entre eles, o professor costumava ser muito rigoroso, o que irritava Jiang Lu.

Quando aprendeu a se comunicar melhor, a primeira frase completa que proferiu foi:

— Você é chato pra caralho!

Apesar da discussão que tiveram naquele dia, misturando os dois idiomas, acabaram se tornando amigos.

Jiang Lu foi devidamente alfabetizado em aruqen e sem a barreira linguística, conseguiu vislumbrar novos horizontes. Devido à educação que teve em sua vida anterior, tinha muitos conhecimentos teóricos que poderiam ser úteis, então fez alguns testes para outros cargos, claro, com as orientações de Xuan Yehao.

No terceiro ano de sua estadia em Chaosheng Tai, Jiang Lu já havia aprendido tantas coisas novas que sequer poderia descrevê-las sem esquecer algumas pelo caminho. Tanto sobre o mundo quanto sobre si mesmo.

Sendo um ger, ele esperava conhecer alguém da sua espécie com quem pudesse conversar, mas só haviam dois em toda Chaosheng Tai, ele mesmo e um dos chanceleres da cúpula política. Era um homem descrito como “assustadoramente belo e impossivelmente acessível”, era difícil até vê-lo na rua, coisa que era comum para outros chanceleres e até mesmo a fundadora da cidade, uma híbrida de humano com raposa espiritual, tão velha quanto o tempo.

Por um tempo, as pessoas ficaram muito curiosas com o fato de Jiang Lu ser um ger, mas perderam o interesse quando perceberam que ele era só uma pessoa comum com a beleza acima da média. Ele ainda usava o tapa olho, mas mudou para uma máscara estilizada que cobria metade do rosto. Havia visto ela no mercado uma vez e por ser parecida com a do Fantasma da Ópera, acabou comprando.

Havia deixado o cabelo crescer de maneira irregular por causa do corte que usava no passado, mas após testar várias vezes sua habilidade com a tesoura e usar penteados estranhos para cobrir as brechas que ficavam, aprendeu a cortar o próprio cabelo de várias formas diferentes. Usava-o em camadas, como um wolfcut alongado que chegava até o meio das costas, mas sempre que descrevia isso para Xuan Yehao, que não entendia nada de moda, ele revirava os olhos e começava a sorrir.

Ninguém o entendia.

Ser um ger não parecia ruim em Chaosheng Tai, também não era nada extraordinário. Na verdade, existia uma variedade tão grande de pessoas com características não-humanas, que mais um homem “bonito demais” com cheiro de flores não causava tumulto, apenas alguns olhares.

Isso não significava que ninguém tivesse se aproximado com segundas intenções, só foram rapidamente cortados na base. Após o incidente com Bing Dao, não conseguia pensar em intimidade sem tremer desesperadamente, um simples toque era motivo de arritmia. Até Xuan Yehao, que era seu amigo, apesar de ser extremamente tátil, sempre se controlava ao seu redor após notar o quão desconfortável ele ficava.

E Xuan Yehao provava seu valor e honestidade nessas questões, sempre observando e respeitando os limites silenciosos que Jiang Lu estabelecia. Aos poucos, junto com ele, aprendeu a ressignificar o trauma, o que aconteceu de maneira tão natural que só percebeu a própria mudança quando se viu abraçando um colega de trabalho no ano novo de seu terceiro ano em Chaosheng Tai.

Esses quatro anos fizeram bem para ele, que sofreu muito em seus primeiros dias de transmigrado. Chaosheng Tai e os amigos que fez pelo caminho fizeram-no acreditar que existia esperança nesse mundo, mesmo que ainda não entendesse porque a transmigração aconteceu em primeiro lugar.

De vez em quando o pensamento vinha e a dúvida surgia, porém não conseguia achar pistas do porquê ter transmigrado. Normalmente, as novels apresentavam gatilhos que motivavam a transmigração, mas isso permanecia sendo um mistério para ele, pois nem “Príncipe Sombrio” apresentava esse tipo de enredo.

Não era algo que podia perguntar para alguém, também não havia nada sobre isso nas centenas de livros que consumiu desde que aprendeu a ler aruqen. Na curiosidade, havia lido quase todos os exemplares que Xuan Yehao tinha em sua biblioteca particular, o que era muito, já que ele era professor de literatura e tinha uma coleção enorme de romances, fábulas, pergaminhos antigos e enciclopédias.

O conteúdo ficcional de MuYin era muito peculiar, mas divertido e imersivo. A romancista mais renomada do continente era Lao³ Hu, a autora favorita de Xuan Yehao. Jiang Lu não gostava muito, pois ela só escrevia histórias de amor com finais trágicos.

— Ouvi boatos sobre a próxima história de Lao Hu — Xuan Yehao ainda estava falando, Lu já estava lambendo os dedos para limpá-los após comer toda a torta e o outro não tinha terminado seu monólogo. Ele tinha o hábito de engatar numa conversa imediatamente após terminar outra. — Vai ser um romance entre uma Quimera Espiritual e uma Serpente Marinha adormecida.

— Ela não escreveu sobre uma fera mágica de serpente no último lançamento? — perguntou logo após, desta vez prestando atenção na conversa.

— Era uma Serpente Abissal, esta será uma Serpente Marinha.

Xuan Yehao gesticulava pedagogicamente enquanto falava.

Lu franziu o cenho e lhe lançou um olhar de desdém.

— É a mesma coisa. Tudo é desculpa para fazer personagens com dois paus.

Para sua surpresa, Xuan Yehao ficou em completo silêncio enquanto o encarava, um rubor intenso tingindo suas bochechas absurdamente macias. Não controlou a vontade de apertá-las.

Talvez tenha passado por alto que Lao Hu escrevia romances eróticos.

— Você não entende nada de arte transcendental! — ele estapeou sua mão e desceu da mureta com um salto, se desequilibrou um pouco mas começou a caminhar para longe antes que precisasse adicionar mais essa vergonha ao seu histórico. — Eu venho com todo amor te fazer uma surpresa e você me retribui com ingratidão, falando mal da genialidade da grandiosa Lao Hu na minha cara!

Jiang Lu desceu logo após e apressou o passo para segui-lo, subindo o caminho de terra que separava a zona costeira da cidade. A área do farol ficava na parte montanhosa do litoral, onde haviam muitas falésias e rochas sedimentares, a vegetação rasteira estava rala devido à chegada gradual do inverno, mas ainda era um espetáculo para os olhos.

No meio desse cenário tão grandioso, Xuan Yehao era apenas um pequeno ponto branco devido a suas roupas esvoaçantes, as mangas balançando por causa da maresia.

Jiang Lu o alcançou pouco depois, encontrando-o resmungando indignado pelo “ataque” a sua autora favorita. Por ser mais alto que ele, só via o topo de sua cabeça, onde havia um grampo dourado prendendo parte de seu cabelo em um penteado estratégico para esconder seus fios brancos. Porque gostava de vê-lo irritado, Lu o provocou mais um pouco.

— Está ficando velho, por isso esse estresse todo por algo tão besta. Veja só a quantidade de cabelos brancos na sua cabeça.

Xuan Yehao virou e deu um chute em sua canela, o que doeu, mas foi absurdamente engraçado. Gargalhou em voz alta, se afastando para não levar outro golpe.

— Velha é a sua avó! E esse cabelo branco não é velhice, é experiência!

— Então você tem experiência pra caramba, Xuan-Ge.

Correu antes que fosse atingido por outro chute.

Quando chegaram perto dos portões, Jiang Lu esperou para se aproximar devagar e o cutucou pela cintura, recebendo um falso olhar de desprezo. Isso o fez sorrir, curvar-se sobre ele, perto o suficiente para compartilharem as respirações, e roçar seus lábios no dele.

— Está mais calmo? — Sussurrou, sua mão descendo para a cintura dele com familiaridade, ele apertou um pouco e ouviu um ofego, o outro derretendo nos seus braços. Então colou suas testas e disse: — Não perca o juízo com coisas bobas, Xuan-Ge. De onde eu vim, dizem que quanto mais velha é a uva, mais doce é a fruta.

Xuan Yehao não esperou um segundo sequer antes de morder o lábio inferior de Jiang Lu com força, este que gemeu pela dor, mas o sorriso em seu rosto não desapareceu.

— Pirralho desgraçado! — Xuan-Ge pisou duro, gritou sua frustração e voltou a caminhar para longe dele. — Maldita seja a hora que te conheci!!!

Jiang Lu não foi atrás dele dessa vez, ficou ali parado observando sua silhueta gingando pelas ruas, afastando-se enquanto resmungava como um anão raivoso, chamando atenção das pessoas por quem passava. Era adorável.

Não saberia dizer que tipo de relação eles tinham naquele ponto, mesmo que se chamassem de amigos. Xuan Yehao provocou primeiro e após resgatar sua confiança e autoestima, Jiang Lu começou a fazer igual – ou pior. No entanto, não existia nada além de carinho e gratidão em seu coração, embora os olhos de Xuan-Ge não o deixassem esconder o que ele realmente sentia.

Sentia-se mal por não ser o que ele queria, por nunca ter conseguido olhar para ele com tanto sentimento assim.

Quando Xuan Yehao sumiu em uma esquina, a expressão risonha de Jiang Lu foi substituída pela mesma faceta melancólica que enfeitava seu rosto antes dele chegar. Seu olhar voltou-se novamente para o horizonte, o sol já tinha sumido sob a linha d’água e aos poucos o céu era tingido pelo azul petróleo que o mesclava com o oceano.

Não importava o quanto amava essa cidade e as pessoas que ali viviam, o coração de Jiang Lu permanecia em outro lugar.

Só não sabia onde.

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Desde que se alfabetizou em aruqen, Jiang Lu continuou estudando não apenas para conhecer o mundo, mas para se valer da única arma que conseguia carregar: o conhecimento.

Já havia observado que a cultura local prezava muito por eruditos, especialistas nas mais diversas áreas do conhecimento, e por possuir um pouco da malandragem dos jovens do mundo moderno, podia vislumbrar um futuro longe de trabalhos braçais se fosse exitoso nisso.

No entanto, seu maior talento ainda estava nas artes e mesmo a tão humanizada cidade de Chaosheng Tai não oferecia futuros extravagantes para pintores, então testou outras águas. Ele começou ilustrando livros infantis na Biblioteca Central, depois tomou a liberdade de retratar os pontos turísticos da cidade em pequenas ilustrações, como cartões postais, e por ser algo inédito para eles, rapidamente começaram a ser solicitadas em grande quantidade, coisa que ele não podia fazer sem destruir seu pulso no caminho.

Observando a demanda pelos cartões postais, um representante do governo procurou Lu, o idealizador, para propor uma sociedade que abrangesse mais desenhistas que pudessem criar esses produtos em maior quantidade, já que a arte era apenas da elite, os turistas se sentiram entusiasmados com a chance de ter uma “pequena tela” consigo. 

Através dessa sociedade, ele conseguiu fazer contatos, onde observou um trabalho melhor do que a produção em massa de um produto que rapidamente poderia ser executado por qualquer outra pessoa com um pouco de habilidade.

Ouvindo a conversa de pessoas do âmbito político e mercantil, observou que Chaosheng Tai, por ser a maior fornecedora de papel para o continente, também produzia os demais artigos relacionados a este produto, o que incluía mapas e enciclopédias. Por ser muito bom desenhando, ele se ofereceu inicialmente para desenhar esses mapas, mas acabou conseguindo um trabalho diferente. Pela sua experiência na Biblioteca Central, foi direcionado a ilustrar livros, o que era uma prática incomum em livros com produções massivas pelo alto custo de mão de obra e material. 

Eles não tinham impressoras ultramodernas, apenas um sistema de carimbo que permitia a reprodução de um modelo em diversos exemplares de forma rápida e simples. Porém, ainda existiam os volumes especiais e livros super nichados, que eram produzidos em menor quantidade para um público específico. Nesse caso, Lu iria ilustrar essas versões.

E isso o colocou em um mar quase literal de experiências.

Seu primeiro trabalho foi ilustrando um guia simples de ervas mágicas. Como não sabia nada sobre isso, precisava conhecê-las para retratá-las. Seu empregador proporcionou a oportunidade de visitar herbários dentro e fora de Chaosheng Tai, sendo aquela a primeira vez que entrou em contato direto com elementos exclusivos à vida dos cultivadores. Também foi a primeira vez que botou os pés no continente desde que se mudou para a ilha. 

Foi uma sensação ambígua, de felicidade por conhecer elementos mágicos e espirituais, e de angústia por reviver um medo que achava ter superado. Ainda estavam frescas as memórias do que passara nas mãos de Bing Dao e do período sombrio em que viveu nas ruas. Por ser uma visita guiada, foi com um guarda de escolta e um professor especialista na área, sequer ocupou um dormitório sozinho, mas ainda se sentia nervoso durante as noites que passou na cidade, incapaz de dormir.

Não podia compartilhar com ninguém os sentimentos sufocantes que guardava em seu peito, mas a sua paranoia era visível para qualquer um que tivesse olhos. Ele aguentou calado, se esforçou porque não queria ser refém do próprio trauma, mas nunca deixou de ser difícil.

Após isso, ele pegou trabalhos variados que também envolviam viagens ao continente. Expondo-se a elas, ficou menos sensível, porém o medo seguia vivo dentro de si e os pesadelos vez ou outra perturbavam suas noites de sono. Não era o mais apropriado, mas nunca dormia sozinho quando estava fora de Chaosheng Tai e o guarda pessoal que fazia sua escolta não parecia se importar em dividir o quarto, já que ele raramente dormia.

Gradualmente acumulou experiências e através delas conheceu muitos aspectos do mundo. Ilustrou cidades, frascos de perfume, roupas, criaturas mitológicas – que ele precisou imaginar como seriam, já que algumas não tinham representações gráficas –, animais e até pedras espirituais, seu trabalho favorito.

Chaosheng Tai era uma cidade pequena em extensão territorial, mas contava com um grande número de habitantes que se dividiam na execução de atividades que seriam úteis para a comunidade. Era um sistema autossustentável, dependendo apenas da matéria bruta que vinha do continente para a produção de seus bens de consumo e exportações. Eles se consideravam à parte de MuYin e não respondiam a nenhum dos governantes, desenvolvendo-se no próprio ritmo e com uma política própria.

Se pudesse comparar diretamente, diria que Chaosheng Tai era mais semelhante à civilização moderna do que à civilização de MuYin. Não havia tecnologia com celulares e outdoors, obviamente, mas eles já construíam suas casas com concreto, tinham sistemas de encanamento, esgoto e aquecimento complexos, itens de uso comum recarregáveis com energia espiritual – como relógios e lamparinas–, e eram referência na produção de óleo e gás que era enviado para o continente.

Jiang Lu ficou muito confuso no começo, porque não havia nada sobre isso em “Príncipe Sombrio”, mas aparentemente o continente estava se modernizando aos poucos graças a Chaosheng Tai, que já estava uns duzentos anos à frente dos impérios neste aspecto. Na verdade, quando descobriu que todo petróleo tratado ali era biodegradável, bem como os demais descartes que eles faziam na natureza, pensou seriamente que os humanos da sua vida anterior também tinham muito a aprender.

A característica única que Chaosheng Tai possuía que lhe dava todas essas vantagens era a manipulação da energia espiritual. Assim como descrito em “Príncipe Sombrio” e como era visto em outras histórias do gênero, o qi era a principal energia do mundo, principalmente no que dizia respeito à cultivação, e essa era a principal energia usada em MuYin.

Existiam outras energias elementais trabalhadas por cultivadores, fogo, água, terra, raio, ar e metal, porém todas elas só podiam ser manipuladas através da dominação de qi. Era isso que tornava os cultivadores tão mais poderosos que as outras pessoas, pois além de controlarem o qi, podiam reservá-lo dentro deles e transformá-lo em poder físico.

Chaosheng Tai não contava com essas pessoas por questões de segurança, pois alguém com esse tipo de capacidade podia ser um trunfo tanto quanto um risco para a população comum, então os nativos criaram outras alternativas para extrair e manipular a energia espiritual, sem depender do cultivo.

Da Yu possuía reservas dessa energia. Jiang Lu as conheceu em um de seus trabalhos, quando solicitaram um quadro que retratasse o oceano para enfeitar o Consulado. Mas só as conheceu mais profundamente quando conseguiu pegar o trabalho de criar um guia ilustrado sobre as pedras espirituais que eram extraídas do oceano.

Este era seu projeto atual, estava nele há alguns meses e tinha evoluído bastante, mas ainda faltavam muitos detalhes importantes. Por ser um projeto pequeno e sigiloso, ele estava fazendo a maior parte do trabalho, tanto ilustrando quanto escrevendo as descrições de cada um. Tinha a vantagem de ter sido exímio no uso de pincel na sua vida passada, mas ainda era difícil escrever algumas palavras do aruqen porque alguns caracteres eram muito complexos.

Devido a essas necessidades, nem sua memória fotográfica conseguia dar conta de lembrar de tudo com um único passeio, então precisou ir várias vezes, tendo até a experiência de mergulho, o que foi assustador porque eles usavam mecanismos mágicos para ter oxigênio embaixo d’água que pareciam simples demais para passar confiança. Porém, usar uma pedra mágica com energia do elemento ar foi muito mais útil que o equipamento pesado que usavam no mundo moderno.

Da Yu era um oceano de águas cristalinas, temperatura agradável, fauna abundante e diversos recifes de corais. Os passeios eram sempre agradáveis e as águas só ficavam turbulentas em tempestades, que não eram tão comuns. O qi era tão intenso na faixa que rodeava Chaosheng Tai que até um leigo como ele conseguia senti-la e, nos recifes, a quantidade era tão abundante que se criavam cristais de energia condensada.

Esses cristais eram extraídos para serem refinados na ilha e transformados em energia, porém, como essa formação levava centenas de anos para acontecer naturalmente, Chaosheng Tai desenvolveu métodos para acelerar esse processo criando bolsas de ar cheias de cristais virgens em pontos estratégicos dos recifes, onde a energia se concentrava e não se dispersava de volta para a natureza após ser absorvida.

Esse método além de ser extremamente rentável e ser a base do estilo de vida da cidade, não prejudicava o oceano. A preocupação com a natureza era intensa, pois eles seguiam a crença de que se irritassem Haoling, a deusa que concedia a energia espiritual para o mundo, poderiam perdê-la para sempre.

A cultura desse mundo era linda em muitos aspectos, às vezes até esquecia o quão violentas as coisas podiam ser.

— Não poder manter a guarda baixa é uma merda — suspirou, com o olhar perdido.

Estava em seu dormitório, um estúdio com banheiro que comprou alguns meses antes, longe do centro da cidade, em um prédio alto de onde poderia observar o mar através da janela. Meio deitado sobre sua mesa de trabalho, encarou o céu noturno lá fora enquanto cutucava distraidamente um cristal translúcido de um intenso azul cianótico, semelhante às águas de Da Yu.

— Quando eu for embora, você será minha companheira — falou em tom abafado, por estar com a bochecha pressionada contra a mesa. A pedra rolou quando ele cutucou forte demais, mas a segurou antes que ela caísse. — Como não sei usar seu poder espiritual, caso surja algum perigo, irei te arremessar na cabeça dos inimigos.

Jiang Lu riu sozinho, imaginando a cena da pedra chocando-se contra a testa de algum bandido e abrindo um buraco na cabeça dele.

Era um cristal mágico que ganhou de presente de seu empregador, para guardar de lembrança e carregar como amuleto de sorte. Ele tinha uma alta quantidade de qi, acompanhado do elemento água. No continente, este seria um artigo de luxo, mas em Chaosheng Tai era inútil para a população comum e os governantes tinham tantos, que um não faria falta. 

Gostava dela porque quando a tocava continuamente por alguns segundos, ela começava a brilhar. Sempre que fazia isso, sentia o pulsar dessa energia contra sua mão e se arrepiava da cabeça aos pés, era uma sensação muito boa.

As pessoas diziam que por ser um ger ele com certeza possuía alguma raíz mágico-espiritual, talvez não ao ponto de ser capaz de cultivar, mas definitivamente o bastante para interagir com as energias que existiam no mundo, talvez por isso a pedra respondesse ao seu toque. Contudo, como não conhecia sua linhagem, não sabia se isso era um fato ou uma coincidência. 

Xuan Yehao, por exemplo, era de uma linhagem onde o sangue de seu ancestral híbrido já havia se dissolvido tanto que, com exceção de suas características físicas, sua percepção das energias era basicamente zero.

Através dele soube que a depender do grau de parentesco, alguns híbridos até podem ser capazes de cultivar, mas não conhecia ninguém para usar de exemplo. Jiang Lu sempre ficava muito curioso sobre esse assunto, mas as pessoas da ilha não encaravam o tema com muito entusiasmo. Os entendia, afinal, assim como a maioria deles, também teve sua parcela de situações desagradáveis criadas por um cultivador.

Enquanto acariciava sua pedra de estimação, no entanto, ponderou sobre como seria a vida de um cultivador.

Um toque na porta o fez escapar dos próprios pensamentos.

— Xiao Lu, está em casa? — alguém disse do lado de fora, o aruqen cheio de sotaque nativo lhe deu uma pista de quem era.

— Estou, saio em um minuto — com um pouco de preguiça, levantou para arrumar a bagunça do imóvel após guardar a pedra mágica na gaveta.

Organizou – bem porcamente – o material de sua mesa de trabalho, catou as roupas jogadas no chão e na cama e enfiou no cesto para lavar depois, acendeu as lâmpadas a gás e empurrou o excesso de caixas de tinta e papeis manchados para baixo da cama. O quarto parecia uma zona de guerra, mas conseguiu atenuar a visão.

Caminhando até a porta após vestir um robe externo limpo, olhou para o pulso e verificou as horas no relógio desgastado que, notou, não era o seu. Xuan Yehao devia ter trocado de novo. Deixou isso de lado por enquanto porque era quase uma da manhã, não deveria estar recebendo visitas, então provavelmente o assunto era urgente.

Quando abriu a porta, encarou diretamente o par de olhos escuros opacos que conhecia como a palma da mão, assim como a habitual expressão entediada.

— Ling-Ge — curvou a cabeça brevemente para cumprimentá-lo. — A que devo a honra de sua visita?

Ling Qingshu era seu guarda pessoal, um soldado delegado para acompanhá-lo e protegê-lo em suas viagens de trabalho. Era um homem de trinta anos totalmente humano, mas sua família estava em Chaosheng Tai há cinco gerações, todos soldados, e com ele não poderia ser diferente. Era um homem negro da altura de Jiang Lu, beirando um metro e oitenta, tinha olhos castanhos tão claros que eram intimidantes e apesar de ser todo largo e musculoso, sua expressão de tédio o fazia parecer inofensivo.

Lu soltou uma risadinha quando ele bufou e entrou no dormitório sem pedir licença. Fechou a porta e o acompanhou, sentando-se na cadeira do escritório ao vê-lo se jogar em sua cama.

— Deixa eu adivinhar? — disse com diversão enquanto soltava o cabelo para ajustar o laço que o prendia. — Mais trabalho?

Ling Qingshu soltou uma espécie de rosnado, fazendo o garoto rir ao ver um homem daquele tamanho fazendo birra.

— É pior do que isso — ele finalmente respondeu após alguns instantes de profunda revolta, abraçava o travesseiro ao deitar de bruços, ainda com o uniforme da guarda. Lu observou que ele estava sem a espada.

— O que pode ser pior do que mais trabalho?

Convivia tanto com Ling-Ge que eram próximos o suficiente para dispensarem cordialidades. Sabia que ele não tinha nada contra o trabalho em si, pois ser um soldado dava um status elevado e chamava atenção das mulheres, a questão estava na quantidade de obrigações que vinham junto. Ele podia ser o único responsável pela segurança de Jiang Lu durante suas viagens, mas quando eles estavam na ilha, Ling Qingshu precisava cumprir outras funções.

— Vim trazer uma carta de convocação pra você, Xiao Lu — murmurou com cansaço, fechando os olhos após se acomodar na cama.

Jiang Lu expressou surpresa e confusão, esse tipo de convocação formal vinha apenas de pessoas de status elevado em Chaosheng Tai, nem seu empregador o convocava dessa maneira.

— Quem mandou? — sua curiosidade o fez largar a fita do cabelo de qualquer jeito para se aproximar do outro. — Não durma antes de me contar!

Balançou os ombros do soldado, que resmungou alguma coisa com irritação e puxou um pergaminho do bolso, entregando-o para ele.

— Aqui estão todas as informações, agora me deixe dormir um pouco, certo? Se acontecer alguma coisa que coloque sua vida em risco, me chame. Nós vamos partir ao amanhecer, então esteja pronto antes do horário do primeiro chá.

Ling-Ge cobriu a cabeça com o lençol e fingiu estar roncando. Jiang Lu revirou os olhos e deixou pra lá, pois sabia que devido a natureza de seu trabalho, ele tinha horas de sono muito irregulares.

Voltando para a mesa de trabalho, desligou as luzes do quarto e acendeu apenas um candeeiro para iluminar o pergaminho. O abriu com cuidado, usando um peso de papel para segurar uma das extremidades. Era um documento com o selo do Consulado, escrito em uma versão formal do aruqen, então pegou seu dicionário para entender as palavras com as quais não era familiarizado. Quando terminou a leitura, que não era extensa, encarou o papel com o cenho franzido.

— Acho que entendi alguma coisa errada — aproximou-se dos caracteres que tinha dúvida para olhar de perto e verificar se procurou certo no dicionário, mas o significado delas estava correto. — Isso… Não pode ser…

A convocação era a de uma reunião não oficial com um dos chanceleres, cujo tema central era descrito como “autoconcepção filosófica, liberdade espiritual, harmonia social e incentivo à unidade do povo”. Parecia tudo sério demais para um simples encontro no café da manhã.

No rodapé, havia uma assinatura rebuscada feita em tinta vermelha e dela exalava um aroma sutil de bergamota. Tocou sobre a assinatura e sentiu um leve relevo nas letras de destaque.

— Por que ele quer falar comigo? — mordeu o lábio com nervosismo, batucando na mesa. Seu olhar recaiu sobre a gaveta que guardava o cristal mágico, ponderando se tinha cometido algum erro que foi interpretado de maneira negativa pelo Consulado. — Ainda assim, não faz sentido!

Se fosse por algum erro, organizariam uma audição coletiva onde o delito seria discutido para ser esclarecido. Não era motivo para uma reunião individual, muito menos com esse cara.

Encarou a figura adormecida de Ling Qingshu e controlou a vontade de acordá-lo a chutes para que lhe desse algumas explicações. Colocou a unha entre os dentes e só não roeu porque suas mãos ficariam muito feias depois.

— Ah, porra…

Recostado sobre a cadeira, encarou através da janela novamente como se algum deus pudesse descer do céu para acalmar seu coração. Afinal, era impossível ficar calmo quando o inacessível e inalcançável Chanceler Lan Wen o convidava para uma reunião repentina.

Finalmente, os dois gers de Chaosheng Tai iriam dividir o mesmo espaço, mas o que esperar desse encontro?


[1] Em mandarim o número 4 (四 – sì) é considerado azarado pois soa parecido com “morte” (死 – sǐ).

[2] “A-Lu” — “A” é um prefixo que pode ser usado com outros honorifícios ou com o nome da pessoa. Indica proximidade e intimidade mantendo o respeito entre os interlocutores.

[3] “Lao Hu” — “Lao” é um termo usado muitas vezes para se referir a escritores, por vir de 老师 (lǎoshī) que significa “professor/mestre”.

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Capítulo 07
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Dragão de Prata: 不道德的修炼之路

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Jiang Lu era um adolescente viciado em histórias xianxia, sempre procurando um novo livro para ler e devorando quase todas as narrativas de seu site favorito. Quando conheceu a novel...

Chapters

  • Corrente oceânica do coração
      • Dragão de Prata
        Capítulo 07 Aquele que encara o horizonte
      • Dragão de Prata
        Capítulo 06 Escute as batidas e conte até dez
  • Com a lua como testemunha...
      • Dragão de Prata
        Capítulo 05 A fragância do luar
      • Dragão de Prata
        Capítulo 04 A arrogância mancha o coração puro
      • Dragão de Prata
        Capítulo 03 Sob a luz de um novo mundo
      • Dragão de Prata
        Capítulo 02 As águas do Rio Estígio criam o orvalho da manhã
      • Dragão de Prata
        Capítulo 01 Nunca zombe de um ventríloquo

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