Capítulo 38
Com a saída de Leonardo, Ryo estava sozinho novamente na estrada. A chuva agora parecia se intensificar um pouco mais, fazendo com que pequenas poças se formassem entre as pedras que compunham o caminho. O clima continuava fresco, proporcionando uma sensação agradável em meio à floresta de bambus. Enquanto caminhava sem pressa, Ryo notou que, desde que entrou no local, não se deparou com nenhum outro youkai. Só havia ele ali, bem, ele, Fuyu e Uroborosu, que estava estranhamente quieto desde o início.
— Você está acordado, Uro? — perguntou o rapaz, tocando o cabo da katana, quase como se assim pudesse chamar a atenção da serpente.
Após alguns minutos de silêncio, uma voz diferente da sua apareceu em sua mente:
— Infelizmente, sim. O que você quer agora, Toyosaki? Além de me proporcionar a visão infernal de humanos apaixonados, claro… — murmurou serpente irritadamente.
Ryo então suspirou, se perguntando levemente por que desejou conversar com ele, mas logo respondeu, ainda falando em voz alta:
— Pare de reclamar um pouco. Quem sabe assim você faça mais amigos além de mim. Já que está acordado, não me deixe parecer mais louco do que já sinto que estou. Apareça um pouco.
Uroborosu não respondeu. Em sua mente, tudo o que ouviu foi um suspiro antes de sua katana emitir uma luz branca rapidamente e parar. No segundo seguinte a voz de Uroborosu agora vinha do lado direito de Ryo.
— Sabe que apenas você pode me ver e me ouvir de qualquer modo, certo? Continuará parecendo um louco.
Olhando então para o lado, era como olhar para um espelho. Ryo pode se sentir quase como se estivesse olhando para si mesmo, só que com a pele pálida, vestes completamente brancas, cabelos tão brancos quanto a neve de uma montanha congelada, orelhas grandes e pontiagudas e, claro, os olhos serpentários marcantes de Uroborosu.
— Pelo menos serei um louco que enxerga a voz em minha cabeça. Você parece gostar do meu corpo; até em minha visão está o usando como uma casca. — comentou Ryo com uma leve risada, o que pareceu irritar a serpente albina.
— Tsk, não faça comentários pretenciosos. Por acaso sabe há quanto tempo estive preso a uma pedra por uma espada, sem ao menos conseguir ver meu próprio rosto? Eu apenas me esqueci como me pareço… — O tom de Uroborosu era ríspido e irritado, mas quando terminou de falar, parecia até mesmo um pouco triste.
O jovem, notando a tristeza oculta pelo espírito com o qual podia dizer conhecer apenas um pouco depois de viverem lado a lado durante quatro anos inteiros, começou a falar de maneira despretensiosa.
— Bom… se quiser, posso tentar ajudá-lo a se materializar como se parecia originalmente. Eu ainda me lembro bem do seu rosto, antes de tirá-lo da pedra do lago.
Ao escutar o que Ryo havia dito, Uroborosu pareceu ter motivos para prestar atenção nele, o olhando de cima a baixo.
— Não imaginei que ainda se lembrasse de como nos encontramos.
— Claro que me lembro. Nós brigamos, eu tirei a espada da pedra e forjamos nosso pacto. Depois disso, eu sei que eu desmaiei, mas logo acordei e voltei ao palácio imperial.
Ouvindo uma versão completamente diferente do que realmente aconteceu, Uroborosu não pôde deixar de pensar que Gonkuro realmente havia feito um trabalho e tanto reescrevendo a memória do menino, mas era um pouco frustrante ver tal situação e simplesmente permitir que ele o ajudasse a se lembrar de seu rosto sem oferecer nada em troca.
— Ryo, vamos fazer uma troca, o que acha? — propôs ele, reaparecendo à frente de Ryo.
Ryo, sem entender o que a serpente queria, rapidamente o questionou, um pouco confuso.
— Você quer me possuir agora? Por quê? Não tem nada de interessante nessa estrada para você…
— Não estou falando disso. Estou falando que, se me lembrar um pouco de como me pareço, compartilharei um segredo com você. O que acha? Assim ambos sairemos ganhando algo que nos agrada.
Por um leve segundo Ryo ficou hesitante ao ouvir a proposta feita por Uroborosu, mas, de qualquer jeito, ele não tem nada a perder.
— Certo, eu concordo com isso. Deixe-me começar, então.
Após isso, Ryo olhava atentamente para Uroborosu à sua frente, instruindo-o nas alterações que deveria fazer para se parecer um pouco mais com como realmente era. Ele havia ficado mais alto, com mais músculos em evidência, com cabelos lisos e longos, algumas escamas brancas abaixo de seus olhos e em seu pescoço, contendo ainda um ar jovial mas um pouco mais forte que Ryo, e com seus dentes um pouco mais afiados. Sem mudanças em suas roupas, de certo modo, Uroborosu era realmente um homem atraente, não uma beldade como Gonkuro, mas mais como Kishin, ou Seiryuu…
— Ok, é basicamente isso. O resto seria um pouco complicado. Quando o vi, você não possuía pernas e muito menos usava roupas, mas prefiro que não tome essa forma, por favor. — Os dois então riram rapidamente ao compartilharem o pensamento de Uroborosu andando ao lado de Ryo como um ser meio serpente em um estado mais bestial. Realmente era estranho até para eles.
— Heh, não se preocupe. Não pretendo acessar essa forma, a menos que seja extremamente necessário. Não sei o que poderia acontecer com seu corpo com tamanha deformação… Mas, enfim, eu te prometi um segredo, e eu cumpro minhas promessas, mas não me peça parar dizer mais do que direi. — A serpente então suspirou antes de falar enquanto eles voltavam a andar. — Toyosaki, a maneira a qual nos conhecemos, eles…
Quando Uroborosu estava prestes a continuar, ele desapareceu e a voz de Kishin apareceu mais à frente, chamando a atenção de Ryo.
— Ei! Ryo, você conseguiu entrar! — exclamou o oni de maneira alegre, apressando-se para ficar mais próximo de onde Ryo estava. — Estava preocupado que não tivesse conseguido. Só fui cogitar a possibilidade de minha fonte de carona para você falhar após entrar ao caminho. Peço que desculpe meu erro — falou o oni claramente, aliviado ao ver o rapaz.
— Ah, que isso, não se preocupe. Mesmo que não conseguisse pelo modo que aconselhou, acho que nos encontraríamos logo. É bom vê-lo, Kishin. Já achou os outros? — perguntou Ryo, começando a andar ao lado do oni, optando por conversar com Uroborosu quando estivem a sós novamente.
— Sendo sincero, você é o primeiro que encontrei. Ainda não tive nem sinal da Keiko ou do Sora… Mas imagino que, se continuarmos andando, logo vamos encontrá-los — respondeu o oni prontamente, prestando um pouco mais de atenção ao homem ao seu lado. Notando algo em seu pescoço que chamou sua atenção, fazendo-o até mesmo não conseguir segurar a risada. — Toyosaki… isso no seu pescoço…
— Não quero falar sobre isso, ignore — respondeu o rapaz rapidamente, tomando a frente acelerando o passo.
— Ei, ei, qual é, sabe eu não tenho nenhum problema se você estivesse se agarrando com algum youkai antes de nos encontrarmos. Hoje em dia, isso é bem normal — provocava Kishin em um tom brincalhão, enquanto observava o rosto de Ryo ficar avermelhado.
— Pare de me encher. Não era um youkai, pelo menos eu acho que não… eu não sei — respondeu ele, sem ao menos se dar conta que estava se entregando, o que acabava por fazer Kishin rir com o quão desajeitado ele estava.
E assim, eles seguiram o caminho em meio à chuva que continuava a cair, até o ponto que ambos estivessem ensopados. Mas sem se importar com o quão molhados estavam, apenas conversavam naturalmente, tentando se conhecer um pouco mais.
A maioria da conversa se baseou em Ryo tentando atualizar Kishin sobre tudo o que aconteceu enquanto ele estava morto: novos mapas, novos livros, novas bebidas e comidas, mudanças no governo e outras coisas. A conversa durou até o amanhecer do dia, e nesse ponto, ambos já estavam cansados e com o frio finalmente começando a incomodá-los. Até o momento, a chuva parecia não cessar nunca, e seus corpos já não estavam mais aguentando a longa caminhada.
[…]
Em algum momento, enquanto andavam, a doce melodia de uma flauta de bambu chamou a atenção de ambos os homens à distância. Eles se entreolharam rapidamente, como se decidissem internamente e em silêncio ir até o som. Após um breve instante de reflexão, ambos aceleram seus passos para conferir de onde vinha tal som.
Ao se aproximarem bastante, conseguiram ver algo que realmente intrigou ao Oni.
— Hã? Uma casa? Eu nunca ouvi falar de youkais que morassem na estrada… — Confuso e se aproximando um pouco mais, o rapaz enfim viu de onde vinha a melodia da flauta. Na varanda da casa de madeira na beira da estrada, estava um velho Tanuki, grande e obeso, com vestes largas, com uma grande cabaça ao seu lado tampada, provavelmente contendo álcool. Em suas mãos, uma flauta de bambu bem entalhada, a qual ele tocava sem muitas preocupações, olhando para fora da varanda, onde uma pequena menina, com aparentemente quatro ou cinco anos, cabelos alaranjados, orelhas e uma rabo de raposa, brincava pulando nas poças de água.
— Aquilo… uma filhote de raposa e um Tanuki… que estranho. — Quando enfim falou, o velho Tanuki pareceu notar a presença de viajantes. Parando de tocar a flauta, dirigiu seu olhar para Ryo e Kishin.
Alargando um sorriso um tanto gentil em seu rosto, cumprimentou falando em um tom mais alto para que pudessem escutá-lo:
— Bem-vindos, viajantes! Se chegaram até aqui imagino que estejam precisando descansar. Venham, venham, irei preparar um pouco de chá. Tsunade-chan, venha para dentro também; se continuar na chuva, pegará um resfriado.
Com o convite feito pelo velho Tanuki, Ryo não estava pensando em questionar demais e optou por apenas aceitar a cortesia do velho youkai.
— Vamos Kishin, não estamos em posição de recusar um lugar para descansar agora. — comentou o rapaz, tomando a frente para adentrar a casa do idoso.
— Tem razão, sinto que se andarmos mais um pouco minhas pernas vão cair… — Ele reclamou, andando logo atrás de Ryo.
Assim que pisaram na pequena escada de madeira para acessar a casa, a pequena kitsune que antes brincava na chuva os aguardava na frente da porta de bambu, segurando duas grandes toalhas sem falar nada. Com uma rápida troca de olhares entre Ryo e Kishin, ambos sabiam que a garota estava pedindo que eles se secassem um pouco antes de entrar. Assim fizeram, secando o máximo que conseguiram com a toalha, deixando as roupas apenas umedecidas. Após tirarem os sapatos, entraram na casa, enquanto Ryo deixava a pequena Fuyu enrolada na toalha a qual havia se secado.
A kitsune então os guiou até uma pequena sala, colocando almofadas no chão para que se sentassem. A pequena se sentou do outro lado da mesa, acenando com a mão para que eles se sentassem. Os dois então se sentaram, com Ryo tomando a iniciativa para falar:
— Obrigado, mocinha. Seu nome é Tsunade, certo? — perguntou ele, obtendo apenas um aceno de cabeça como resposta.
— Hm, que lugar é esse afinal? Nos livros não mencionava um Tanuki e uma casa no meio da estrada… Será que estou com um déficit de atenção tão grande assim? — Kishin falava em voz alta com si mesmo, preocupado com o quão ruim estava sua fonte de informações.
O velho Tanuki, que agora voltava com uma bandeja com uma jarra de chá e algumas pequenas xícaras vazias, riu ao ouvir o que o rapaz estava falando.
— Não se preocupe tanto, meu caro Oni, não lhe falta informações. Poucos viajantes conseguem acessar minha morada. Para vocês terem chegado aqui, devem estar realmente cansados. Digamos que está casa é um local para viajantes que estão percorrendo grandes distâncias. Tudo que pedimos em troca é que mantenham nossa pequena casa em segredo, para que nossa vida possa continuar tranquila. Mas então, de que era vocês são? — concluiu o Tanuki com uma pergunta em um tom um tanto curioso, confundido os rapazes.
— Desculpa… eu acho que não entendi a pergunta. Senhor quis perguntar de onde somos, certo? — perguntou Ryo em um tom confuso.
O Tanuki se sentou ao lado da kitsune e, após servir chá para todos eles, voltou a falar:
— Não, não, estou perguntando de que era são. Desde que a pequena Hime nasceu, a estrada ficou uma bagunça entre os viajantes. É por isso que muitas vezes aqueles que viajam juntos acabam por não conseguir se encontrar. A estrada os manda para diferente eras no tempo sem que vocês percebam. Vocês voltam para o seu tempo assim que chegam ao seu destino. Enquanto estiverem no caminho, é como se o tempo aqui dentro estivesse parado, sempre com um clima chuvoso agradável, assim como no dia em que a Hime nasceu!
— Hime? Desculpe, senhor, realmente não entendemos sobre o que o senhor está falando. Nós somos da era da dinastia Hoshizora. Atualmente, ainda possuímos um imperador em título, mas a nação é comandada por nossa Xogum… e não possuímos nenhuma hime há séculos… — Kishin respondeu calmamente, enquanto se servia de chá e colocava um pouco para Ryo.
— Oh, dinastia Hoshizora… são realmente de um tempo muito à frente. Está bem, peço que não falem mais sobre seu tempo, nem perguntem sobre de que era eu e a pequena Tsunade somos. E, claro, não mencionem isso a mais youkais! — advertiu o Tanuki enquanto servia chá para si e a kitsune ao seu lado.
— Não se preocupe, não falaremos. Mas, se me permite perguntar, a raposinha ao seu lado, por que ela não fala? — Ryo perguntou, genuinamente curioso sobre a kitsune.
— Oh, a pequena Tsunade é uma menina muda. Ela nasceu sem nunca ter pronunciado nenhuma palavra sequer, mas escuta muito bem. Sua única forma de comunicação é por linguagem de sinais, a qual ela ainda está aprendendo. Eu sou responsável por ela há muito tempo; seus pais a deixaram por causa de sua deficiência na fala, e eu adotei como minha neta. — Enquanto o Tanuki falava, a raposinha parecia não parecia ficar triste com as informações que ele contava aos viajantes. Aparentemente, a jovem era ciente de sua situação há muito tempo e parecia bem contente com sua situação de qualquer maneira.
Após terminar de tomar sua xicara de chá, a menina a colocou na mesa, fazendo um pequeno gesto com um pouco de dificuldade, mas que Ryo pôde entender rapidamente: “Sou feliz com a vida que tenho com o vovô.” Isso o fez sorrir por achar fofo a resposta da pequena, o que nem ao menos permitiu que ele sentisse pena da situação da menina.
— Mas se me permitem fazer uma pergunta agora, quais seriam seus nomes, viajantes? — perguntou o velho, devolvendo a xicara à mesa após tomar um gole de seu chá quente.
— Oh, claro, meu nome é Shinkai Kishin e este ao meu lado é meu colega de trabalho, Toyosaki Ryo. E o nome do senhor, qual seria? — perguntou Kishin calmamente, tentando manter um bom clima na conversa.
— Podem me chamar de velho Shin, por mim apenas isso está bom. Aconselho que fiquem aqui e descansem por um tempo antes de seguirem seu caminho. Logo começarei a fazer o jantar.
E assim, após um tempo de conversas bobas sobre o local, Ryo se viu um pouco pensativo sobre as novas informações que lhe foram dadas pelo Tanuki. Era um tanto estranho pensar que esse local permitia que eles tivessem contato com youkais de outras eras. Era bizarro, para dizer o mínimo, mas até aceitável comparado a todo o resto que ele já havia presenciado durante os anos em que esteve servindo a Masaru. Então, no momento, ele apenas deixou isso pra lá, e assim ele fez, indo brincar na frente da casa com a pequena kitsune com uma bola de couro maltrapilha até que pudessem jantar.
Após compartilhar a mesa com os youkais, os jovens optaram por passar a noite para partir no outro dia pela tarde, e assim fizeram. Se arrumaram durante a noite e descansaram até o dia seguinte.
[…]
Acordando com uma série de batidas na porta de entrada da casa do velho Shin, que parecia não ter acordado ainda, e ouvindo então o som das batidas sem parar, Ryo optou por levantar, apenas dizendo que Kishin poderia ficar ali e dormir mais um pouco.
Ao arrastar a porta de bambu que estava fechada, o jovem deparou-se com uma visão um tanto quanto interessante para ele.
— Uma criança… — ele murmurou para si mesmo, confuso, olhando para uma menininha de cabelos castanhos curtos e levemente ondulados, olhos de cor roxa e vestindo robes aparentemente caros. A menina, que parecia ter pouco mais de dois ou três anos de idade enquanto olhava para Ryo.
Apontando o dedo para o rapaz e dizendo algo que ele não conseguia entender, a menina, notando a expressão confusa dele, esticou os braços como se pedisse para que ele a pegasse no colo.
Finalmente entendendo o que a menina estava tentando dizer, ele sorriu enquanto pegava a pequena em seus braços.
— Quem é você, mocinha bonita? Está perdida? Onde estão seus pais? — Ele perguntou enquanto descia as escadas após calçar os sapatos, tentando ver se havia alguém ao redor, mas sem sucesso.
Após ficar ali em frente à casa com a garota em seus braços por um certo tempo, procurando por qualquer sinal de alguém a procurando, ele desistiu de procurar alguém e voltou para dentro da casa com a menina, enquanto caminhava até a cozinha, de onde vinha um cheiro doce e convidativo.
— Velho Shin, o senhor está ocupado? — perguntou entrando lentamente no ambiente.
O velho Tanuki, sem se virar, o respondeu com calma enquanto parecia preparar algo.
— Apenas fazendo algo para que possam comer antes de partir novamente. Aconteceu algo, rapaz? — perguntou o Tanuki em um tom sonolento
— Bom, na verdade sim. Escutei alguém bater à porta logo cedo, e quando fui averiguar quem estava lá, encontrei uma criança. — Ele falava enquanto olhava para a pequena, que parecia brincar com as mechas do seu cabelo, rindo e falando em uma língua a qual ele não conseguia identificar.
Ao ouvir a voz da criança, o velho Tanuki rapidamente parou o que estava fazendo e se virou, olhando um tanto surpreso.
— Oh, Hime-chan, como veio parar aqui? A senhorita não costuma vir desacompanhada… Onde está o Jovem Mestre? — perguntou o Tanuki enquanto se aproximava da criança, que o olhou profundamente, mas respondeu apenas com uma risada infantil.
Foi só com a resposta do velho Tanuki que Ryo entendeu quem era a criança em seu colo. Essa deveria ser a tal princesa de quem o youkai estava falando na noite anterior. Mas ela era muito jovem… Como uma criança dessa idade pode andar por esse caminho sozinha? Não, como uma criança humana dessa idade conseguia adentrar o caminho? Nem mesmo ele estava conseguindo com eficiência.
— Velho Shin, essa menina é uma figura muito importante ? — perguntou Ryo, um pouco confuso, enquanto observava o Tanuki voltar para o fogão.
— Hmmm, não pergunte tanto. Apenas direi que sim, mas não se preocupe, logo o irmão dela deve chegar. Apenas cuide dela por enquanto. Geralmente, ela vem para brincar com a Tsunade, mas a pequena ainda está dormindo. Apenas sente à mesa, logo levarei um pouco de sopa doce para os dois. — Shin indicava despreocupadamente, enquanto desviava do assunto. Ele realmente levava a sério a parte de não dar informações que poderiam levar a alguma catástrofe futura.
O jovem samurai apenas sorriu, um pouco sem graça. Ele nunca havia cuidado de uma criança antes, muito menos de uma princesa… Se fizesse algo errado, será que acabaria morto? De maneira sincera, ele não sabia, o que fazia com que tivesse uma expressão de preocupação óbvia em seu rosto. A pequena, parecendo notar a preocupação do rapaz que a carregava, riu dando dois tapinhas no braço de Ryo, como se estivesse o confortando.
E o gesto, por sua vez, arrancou uma risada sincera do preocupado general, enquanto se sentava em frente a uma pequena mesa de madeira com a criança sentada em seu colo, que estava até mesmo um pouco entediada.
— Ei, pequena, você gosta de corujas? — perguntou Ryo, notando o tedio da criança, que obviamente o respondeu apenas com uma risada animada, que deixou Ryo um tanto bobo. Crianças eram até fofinhas, afinal.
O rapaz então assobiou, não muito alto, e em poucos minutos uma pequena coruja, que começava a apresentar algumas plumas de cor mais clara, saiu do quarto onde Ryo estava e pousou em cima da mesa diante dele e da menina, observando-os girava um pouco a cabeça.
— Neném, esta aqui é minha amiga coruja Fuyu. Ela também é um bebê, assim como você, o que acha dela? — A criança em seu colo nem ao menos olhou para ele; ela e a corujinha se olhavam profundamente nos olhos uma da outra, trazendo uma sensação estranha para Ryo, o que o fez rir um pouco. Rapidamente, a criança levou as mãos à mesa para brincar com a coruja, que fugia do seu toque andando de um lado para o outro, enquanto a pequena ria e coruja piava.
E assim continuaram, com Ryo observando se certificar que não acabasse em confusão, até que o velho Shin entrasse a sala com uma grande badeja de sopa em suas mãos. Ao ver isso, Ryo assobiou mais duas vezes, e a coruja subiu para sua cabeça. Somente então o Tanuki colocou a bandeja diante de Ryo com duas colheres.
— Você parece ter treinado bem essa coruja… é raro ver isso. Mas, enfim, comam à vontade; cuidado, está um pouco quente. — disse o velho com um sorriso no rosto.
— Nada, estou tentando ensiná-la alguns comandos no pouco tempo livre que tenho. Parece estar dando algum resultado… Mas enfim, obrigado pela comida. o senhor se importaria de chamar meu colega para comer? Pretendo seguir viajem logo.
— Claro! Farei isso, com licença. — disse o Tanuki animadamente enquanto se retirava da sala.
Finalmente, sem a presença do youkai ali, Ryo pegou um pouco de sopa com a colher e, sem soprar, colocou na boca de uma vez. O gosto era um tanto doce, com um tom um pouco amargo do tempero, mas realmente era uma comida boa. Ele deveria estar acostumado a fazer comidas assim por ser avô. O rapaz então engoliu e colocou a colher na mesa, pegando a outra que estava limpa. Colocando sopa, soprou até que estive um pouco mais morna do que quente e alimentou a criança, que comia como se estivesse degustando um de seus pratos favoritos.
Quando Kishin enfim chegou, ele se deparou com a cena de Ryo esfriando sopa para uma criança em seu colo, o que o deixou um tanto confuso.
— Mas que… De onde surgiu essa coisinha? — Kishin perguntou, apontando o dedo para a menina.
— Eu não sei de onde ela veio exatamente, mas não a chame de coisinha… Gostaria que eu o chamasse de coisa também? — Ryo respondeu em um tom ríspido, sem olhar para Kishin, ainda ajudando a pequena a comer. — Vá pegar um pouco de comida, depois se arrume. Vamos partir logo, ou os outros irão se preocupar.
— Agh, que mal humor… Isso que dá passar tempo demais com a Xogum… — disse o oni em tom sarcástico, saindo da sala e indo para a cozinha da casa pegar um pouco de comida para si.
Depois disso, quando todos já haviam terminado de comer, Ryo e Kishin estavam quase prontos para sair. Kishin estava terminando de rearrumar suas coisas, enquanto Ryo brincava com Tsunade e a princesinha, que se divertiam trançando o cabelo do rapaz, que ficava sentado imóvel, permitindo que elas brincassem.
[…]
No meio da brincadeira, o som de batidas na porta veio do lado de fora, seguido por uma voz masculina familiar, mas um tanto quanto mais jovem e simpática.
— Velho Shin? O senhor poderia abrir a porta, por favor?
Ouvindo a voz do outro lado, Ryo pediu rapidamente para que as meninas soltassem seu cabelo e ele se levantou, indo até a porta e a abrindo, se deparando com uma visão que o deixou um pouco confuso. Na sua frente estava um rapaz albino, com no máximo quinze anos, orelhas longas e pontuadas, olhos azuis como o céu e pupilas verticais como uma serpente. O rapaz estava segurando diversos sacos de suprimentos em suas mãos, o que provavelmente era o motivo de não ter conseguido abrir a porta.
Os dois se entreolharam, repletos de confusão. Ryo parecia querer perguntar algo, mas o rapaz foi mais rápido, abrindo um sorriso gentil.
— Oh, não sabia que havia visitas. Se importaria em me ajudar? Está um pouco pesado até para mim. Perdão por incomodá-lo. Se não puder ajudar, tudo bem!
Ryo estava se sentindo um pouco louco, mas era como se olhasse para uma versão mais jovem e muito mais simpática de Uroborosu, que permanecia estranhamente calado desde o dia anterior.
— Oh, não se preocupe, venha, deixe-me ajudá-lo. — Ryo respondeu, enquanto pegava um pouco das coisas que o rapaz carregava em suas mãos, ajudando a levá-las para dentro. Ao deixarem tudo em cima da mesa, o Tanuki reapareceu, vindo dos fundos de sua casa.
— Oh, Jovem Mestre! Perdão por não o recepcionar, não o escutei bater na porta. — O Tanuki falou rapidamente vendo o albino.
O rapaz por sua vez, apenas riu. — Não se preocupe senhor, sabe que não me importo com essas formalidades, além disso, devo ser grato por cuidar de minha irmã, ela está impossível desde que aprendeu esse hábito de fugir para a casa do senhor, meus pais quase morrem de preocupação. — O rapaz disse de maneira bem-humorada, ao mesmo tempo que a pequena que antes estava com Ryo correu até o rapaz, se agarrando em suas vestes e ele rapidamente a pegou em seus braços.
— Enfim, precisamos ir, Velho Shin. Muito obrigado por seus serviços. Traremos mais recursos para o senhor dentro de uma semana. Até lá, se precisarem de algo, devem ir até a vila. Lembre-se de que, como um adorador de Tsukuyomi, tanto senhor e a pequena Tsunade sempre poderão entrar em nosso lar. — O rapaz dizia de maneira cortês e extremamente gentil. Com uma breve reverência ao velho e aos viajantes, ele partiu com a menina em seu colo, acenando para Ryo em uma despedida animada, arrancando um sorriso do rosto de Ryo, que acenava de volta.
Somente então, após se despedirem tanto de Shin e Tsunade, eles estavam prontos para partir. Já fora da casa, Ryo olhou para Tsunade e se agachou à frente dela, entregando dois cordões: um prateado e o outro dourado, sendo este último aquele que Leonardo o havia dado quando chegado a esse mundo, mesmo que ele não se lembrasse.
— Tsunade-chan, fiquei muito feliz de conhecer você e a jovem princesa. Esses cordões são presentes meus para vocês duas. O dourado é para a princesa e o prateado é para você. Vocês podem usá-los como pulseiras ou para amarrar os cabelos, mas não precisam se forçar a usar se acharem feio, ok? Espero ver todos vocês de novo um dia! — Tsunade ouvia atentamente tudo o que Ryo estava falando. Após ganhar o presente, ela o abraçou como despedida, e então eles partiram, após se despedirem do velho Tanuki, seguindo enfim seu caminho.
[…]
Ao mesmo tempo, em uma velha cabana no décimo primeiro distrito.
Leonardo estava sentado na cama, tossindo incontrolavelmente, enquanto sangue saia de sua boca. Ele aparentemente sentia uma dor que nem mesmo ele conseguia entender de onde vinha. Quando enfim parou de tossir e cuspir sangue, tudo o que conseguia fazer era suspirar, sem ar.
— Já falei que você precisa parar de abusar da sorte, Leonardo. Tem ideia do quão desgastado seu corpo está?! Pare de usar sua energia espiritual quando está tão prejudicado! — Oliver brigava, do outro lado da cabana, sentado em uma cadeira, observando o estado do rapaz.
À sua frente estava Kaede, andando de um lado para o outro, claramente nervosa.
— O Oli tem razão, Leo. Se continuar se desgastando assim, a próxima vez que encontrar meu irmão será em um túmulo. Pare de ser teimoso! Até o Byakuya está se mantendo quieto depois da batalha contra a décima terceira. Faça o mesmo, moleque. — A garota reprendia em um tom de preocupação.
— Tsk, como eu vou descansar se vocês três decidiram fazer vigias para não me deixar sair… Droga, se não me forçassem a descansar, já poderíamos ter andado muito ma… — Ele parou no meio da frase quando voltou a tossir descontroladamente, cuspindo um líquido dourado invés de sangue.
No mesmo momento em que ele começara a tossir novamente, a porta se abriu, e Byakuya que estava coberto de ataduras, entrou ao local com ajuda de Mayuzu, enquanto levava um copo de madeira cheio de água em sua mão.
— Eles estão certos, humano… No momento, precisamos, infelizmente, obedecê-los. Aqui, eu trouxe um pouco de água. Beba quando parar de sangrar…
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Entre Espadas
Um relacionamento que acabou de maneira conturbada e um acidente que causa a morte de ambos, foi assim assim que Ryo e Leonardo se viram em um mundo feudal durante um xogunato, onde aparentemente...