capa_ee_c_logo

Entre Espadas

Capítulo 39

  1. Home
  2. All Mangas
  3. Entre Espadas
  4. Capítulo 39 - O Doce Som da Biwa
Anterior
🟡 Em breve

Dias atrás, na manhã após a derrota de Hana.

A chuva que caía desde a noite anterior continuava de maneira intensa, sem indícios que se sessaria logo. Ali, caídos a frente ao local que um dia foi a toca da Décima Terceira General, Leonardo estava completamente apagado pelo gasto excessivo de energia espiritual. Um pouco mais distante, Byakuya começava enfim a recobrar a consciência, entre alguns grunhidos, e se sentava com dificuldade, respirando de maneira irregular.

— M…Mas que merda aconteceu… Aquela voz…— Byakuya falava para si mesmo entre suspiros enquanto olhava ao redor. — O humano… naquela hora… — O youkai que se demorava a falar tentando estabilizar a própria respiração, começou a se levantar, apoiando-se no chão, e finalmente conseguiu ver todo o local com uma maior noção do que havia ocorrido.

Olhando para o local em que ficava a toca subterrânea de Hana, os pedregulhos e o desabamento do terreno, era óbvio que o local realmente havia desmoronado. Mesmo assim, isso estava errado. Tanto ele quanto Leonardo deveriam estar mortos. Ele não se lembrava de terem saído da caverna a tempo, nem ao menos tentado realmente sair. Ambos estavam prontos para morrer, mas então… aquela voz.

À medida que pensava, Byakuya ficava ainda mais confuso. Andando em volta do local, era óbvio que alguém os havia tirado dali, e essa mesma pessoa — não, esse mesmo ser — havia matado a general. Isso era claro. A principal evidência era o desaparecimento da energia da general em volta do local. Mesmo se ela tivesse se escondido, deveria haver traços de que sua presença existiu ali. Mas não, ela havia simplesmente desaparecido, o que evidenciava sua morte. Mas uma criatura daquele tamanho… Byakuya não precisava pensar muito. Uma criatura colossal como Hana, não desapareceria em apenas algumas horas.

— Tsk, então ainda não estou louco, aquela voz era realmente de Tsukuyomi-sama… quem poderia imaginar que um velho Kami voltaria? — O rapaz suspirava enquanto voltava a caminhar até Leonardo com alguma dificuldade. Por mais que seus ferimentos tivessem regenerado, apenas haviam diminuído a sua gravidade.

Ele então parou ao lado do corpo de Leonardo, vendo seu braço que havia se regenerado completamente, deixando apenas uma cicatriz no ombro e no antebraço, e enfim se sentou ali ao lado do rapaz ainda apagado.

— Para piorar, ainda escolheu um humano como receptáculo? Deuses são realmente imprevisíveis… maldição. — Byakuya praguejou, notando que um de seus ferimentos havia voltado a sangrar.

Enquanto isso, Leonardo se encontrava em um sonho um tanto quanto peculiar. Ele estava em uma espécie de salão de festas, semelhante àqueles em que as famílias nobres costumavam dar suas celebrações. Era como nos poucos romances que havia lido de maneira totalmente forçada. Ele estava dançando com alguém, ao som de uma música lenta e calma, seguida por uma orquestra.

Ao seu redor, várias pessoas dançavam como vultos, acompanhando a mesma melodia que ele ouvia. No meio da música, havia vozes que ele não entendia. “Ele” conversava com o rapaz à sua frente que estava sendo apenas um espectador em seu próprio sono.

Em seu sonho, ele continuava observando o que “ele” estava falando. Embora não conseguisse entender o real significado de cada palavra que saia de seus lábios, ele sabia que se tratava de palavras de carinho para o homem que continuava a acompanhá-lo nessa dança.

Por algum tempo, ele estava levando aquele cenário como se fosse apenas um incomum sonho lúcido. Ele sabia que estava em um sonho, sabia que estava dormindo, mas estava tudo bem. Até que, aos poucos, o cenário à sua volta começou a ficar diferente. O salão começou a ter um ar frio, e a música seguiu em um tom triste e pragmático. O som das conversas cessou, e tudo o que permaneceu foi ele e o rapaz que agora dançava de maneira desajeitada e entre tropeços.

Os dois já não conversavam mais, apenas se olhavam profundamente. Observando o rosto embaçado do rapaz, ele pôde ver sangue começando a fluir entre os lábios, e lentamente o sangue começou a sair de seus olhos e nariz. Nesse ponto, Leonardo sabia que ele já não estava mais sustentando o próprio corpo, e quando enfim sua mão caiu de seus ombros e o corpo do homem começou a cair para trás, ele soube que ele havia morrido. Naquele mesmo instante, ele enfim acordou.

Quando acordou, ele estava sendo carregado nas costas de alguém. Nos primeiros segundos, enquanto forçava sua visão que ainda estava um pouco embaçada, olhou ao redor e notou que, estranhamente, a floresta morta que haviam visto horas antes havia desaparecido, dando lugar a um ambiente cheio de vida.

— Ahm… O que… não estamos mortos? — Leonardo perguntou com uma voz baixa e extremamente fraca, enquanto lentamente voltava a sentir seu corpo e até mesmo se assustava ao sentir o braço que tinha certeza de que havia perdido. — Mas que… Byakuya, o que aconteceu?!

O cachorro que parecia carregá-lo com certa dificuldade em suas costas não fez intenção de parar para respondê-lo.

— Não entendeu ainda, meu amigo? Você matou a general, e eu lhe devo um favor, então… cale-se, estou pagando uma dívida. — Byakuya respondeu de uma maneira um tanto quanto ríspida, mas deu uma leve risada de maneira discreta.

— S-seu trapaceiro… Está se aproveitando do meu cansaço para pagar sua dívida… Desça-me, não vou permitir que me engane… — Leonardo disse, enquanto tentava se mover para se levantar, mas sem sucesso.

Byakuya não pôde deixar de rir de quão acabado ele estava.

— Tarde demais, estou pagando minha dívida e você mal tem energia para sustentar seu peso. Então, apenas descanse até chegarmos à cabana, não se preocupe muito.

Antes mesmo de Byakuya terminar de falar, Leonardo já havia adormecido novamente. Sem saber quanto tempo havia se passado, o próximo momento em que Leonardo acordou já era noite. Acima de sua cabeça estava o céu estrelado, em movimento. Ele estava deitado em cima de algum animal, e ao seu lado, as vozes de Kaede e Oliver eram as únicas que podiam ser ouvidas.

— É, eles com certeza estão bem mais acabados que nós dois, Oli. Eu nunca tinha visto o Leonardo tão fraco assim… Mas mesmo assim, tem certeza de que consegue continuar levando o Byakuya assim? Ele tem quase duas vezes o seu tamanho… — Kaede falava enquanto levava uma maçã à boca de um grande boi que andava ao seu lado com Leonardo e Mayuzu em suas costas.

Oliver, por sua vez, estava com ambas as mãos para trás, apoiando as pernas de um Byakuya desacordado que descansava sua cabeça confortavelmente nos ombros de Oliver.

— Haha, não se preocupe, sou mais forte do que pareço. Além disso, se eu faço isso por ele, logo ele também vai me dever um favor, hehe. — Oliver dizia com um sorriso um tanto quanto malicioso.

— Mas sinceramente, é até legal poder fazer isso por ele. Tanto o Byakuya quanto o Leo gastaram até a última gota de suas forças para derrotar aquela aranha, e no fim só venceram assim… Eu não duvidaria se me dissessem que eles haviam morrido e apenas voltaram à vida graças àquela presença monstruosa da noite passada que trouxe a floresta, os youkais, humanos e animais de volta à vida…

— Tsukuyomi… Me pergunto por que ele nunca foi citado na novel… — Oliver completou, com um longo suspiro cansado.

Kaede, por sua vez, parecia até mesmo um pouco aérea ao que Oliver estava dizendo, apenas caminhando sem pressa e com uma calma um tanto estranha.

— Hm, sendo sincera, eu não sei muito sobre o que estava na novel. Meu irmão era um grande fã, mas eu apenas li o início. Com certeza, se eu soubesse que no futuro a história daquele livro fosse ser importante como agora, eu teria lido… maldito Ryry, deveria ter me obrigado a ler, como fez com aqueles filmes de terror… — A moça reclamou em um tom de tristeza e nostalgia, enquanto continuava a sorrir.

— Desculpe a pergunta, mas Kaede, você parece um pouco triste falando do seu irmão. Faz muito tempo que você não o vê? — Oliver perguntou, tentando ser mais acolhedor.

— Tudo bem… — Ela respondeu, respirando fundo e movendo o olhar para baixo. — Sim, faz muito, muito tempo mesmo que não vejo meu irmão. Segundo o Leonardo, eles morreram poucos anos após a minha morte, quando vieram para cá. Mas, para mim, mais de vinte anos já se passaram e eu mal recuperei todas as minhas lembranças sobre o meu próprio irmão mais novo…

— Sabe, por mais confusa que eu ainda esteja sobre tudo que aconteceu, eu realmente desejo ver meu irmão mais uma vez. Eu vivi duas vidas inteiras, Oliver, e eu… talvez encontrando o Ryo, eu consiga descobrir o que falta para me lembrar, se no final eu devo viver como a Kaede, ou como a Akiko… é confuso…

Quando ela enfim terminou de falar, Oliver pôde ver que os olhos dela estavam cheios de lágrimas. Ele queria poder confortá-la de maneira mais adequada, mas, sinceramente, nem ele mesmo entendia muito bem o que deveria ser feito em tal situação. Seu único objetivo desde que transmigrou foi voltar para esse país, salvar seu personagem favorito de um fim trágico, sem nunca se quer pensar em um depois… então, e agora?

— Eu não posso dizer que entendo o que está passando, longe disso, na verdade. Sabe, por mais que o Byakuya nunca vá saber disso, desde que acabei nesse mundo… tudo o que conseguia pensar era em ficar mais forte, cruzar o mar e salvar meu personagem favorito de um fim injusto. E agora que fiz isso… bem, eu não sei o que fazer em seguida…

— Então, enquanto decido o que quero fazer nessa vida, nesse mundo, Kaede, eu vou ajudar vocês a encontrar seu irmão. — O rapaz disse com um sorriso alegre, contagiando sua amiga que andava ao seu lado.

E ali, enquanto estavam conversando, Leonardo, que já estava acordado há algum tempo, finalmente se levantou, ficando apenas sentado do boi que continuava a caminhar. Sem falar nada com os outros, apenas abriu o painel do sistema, se deparando com o mapa mostrando um ponto lilás brilhando de maneira próxima ao Templo Huo. Ele sabia que era ali onde Ryo estava.

Observando o mapa, ele finalmente proferiu suas primeiras palavras desde que acordou:

— Como posso chegar até lá nesse momento? — O rapaz perguntou com a voz rouca, tossindo levemente enquanto olhava para a tela azul à sua frente.

E em uma resposta rápida, o mapa logo desapareceu, dando origem a uma caixa de diálogos:

[O Usuário 000075 possui acesso majoritário às terras de um antigo Deus.

O usuário gostaria de se utilizar desta vantagem?

Se sim, devo alertá-lo de que, no estado atual em que o usuário se encontra, o consumo extra de energia espiritual o deixará gravemente ferido.]

            Leonardo, ponderando o que fazer em seguida, olhou para Kaede e Oliver, que o encaravam fervorosamente, tentando entender o que ele planejava fazer em seu atual estado.

— Não me olhem com essa cara… — Leonardo disse, desviando o olhar.

— Que cara exatamente? — Eles disseram praticamente em uníssono.

Leonardo já adiantando a bronca que levaria, riu sem graça.

— Eu encontro vocês no décimo primeiro distrito, não precisam ir devagar, chego logo depois de vocês.

No instante em que Kaede estava prestes a brigar com o rapaz, para que ele não fizesse nenhuma besteira ou se forçasse demais, ele já havia respondido que sim ao sistema e desaparecido bem a frente dos olhos de todos. Kaede praguejou em voz alta, até mesmo acordando Mayuzu e Byakuya que dormiam.

— O que houve? — Byakuya perguntou em voz baixa para Oliver, ainda repleto de sono.

Oliver então olhou para ele de canto de olho, enquanto se preparava para aumentar a velocidade.

— Não é nada, volte a dormir, vou aumentar um pouco a velocidade. Esconda a cabeça ou algo pode entrar nas suas orelhas, Byakuya…

Byakuya apenas bocejou e, estando estranhamente comportado, talvez pelo sono, cansaço e dor, assentiu e escondeu o rosto nas costas de Oliver.

Agora, falando entre sussurros com Kaede, Oliver reclamou:

— Leonardo está louco, como vamos cruzar dois distritos tão rápido? Uma viajem normal já levaria quase um mês… Até com auxílio das minhas habilidades levaria um tempo.

Kaede ouviu o que Oliver dizia enquanto andava de um lado para o outro e, tendo uma pequena ideia em mente, decidiu que o melhor seria arriscar. Então, tirando Mayuzu de cima do boi, a garota logo o mandou de volta.

— Eu tenho um jeito… Quer dizer, eu conheço alguém que pode nos ajudar… se ele estiver de bom humor… — A garota falou, colocando Mayuzu de lado e se sentando no chão. Desenhando um pequeno círculo e fazendo um corte na palma de sua mão, ela estava pronta para a invocação. Mesmo antes do sangue cair de sua mão, uma forte luz dourada surgiu à sua frente.

Segundos depois, a luz começou a desaparecer gradualmente. Sua mão estava mais alta que antes, na boca de alguma coisa. A primeira coisa a aparecer foi um grande rabo peludo de cor branca com listras pretas. Depois, algo que deixou Kaede confusa: pés humanos descalços e grandes, uma calça de cor branca aparentemente de seda e larga, um abdômen bem definido, seios fartos, longos cabelos bicolores molhados de cor branca com várias linhas pretas imitando as listras de um tigre, duas orelhas características de um tigre no alto de sua cabeça, olhos felinos de cor verde e com um rosto realmente atraente. O homem segurava a mão cortada de Kaede contra sua boca, e quando a afastou, o ferimento havia desaparecido por completo.

O homem, ainda segurando o braço da garota no ar, suspirou antes de enfim parar.

— Tsk… Eu realmente precisava de um descanso… e a mocinha acha que pode me invocar com uma oferenda tão… preguiçosa. Não fique se achando tanto, Akiko. Da próxima vez, irei ignorar seu chamado, humana. — Tora falava de maneira arrogante, enquanto soltava o braço de Akiko e leva a sua própria mão à boca entre bocejos, olhando para ela de maneira relaxada e até mesmo um pouco irritado.

A garota, por sua vez, recolheu sua mão em um estado de choque e confusão.

— T-Tora?! Desde quando você possui uma forma humana?! — Enquanto falava, Kaede finalmente parecia ter saído do estado de choque e colocava suas mãos no rosto do homem, apertando-o com beliscões.

— Desde sempre, apenas não apareci assim para você, humph. — O tigre falou virando seu rosto para o lado, claramente de mal humor.

— Como assim?! Eu firmei contrato com você há quase um ano e você nem pensou nisso?!

O homem a olhou de cima a baixo e só então a respondeu:

— Ninguém mandou ficar me irritando desde que firmamos o contrato… São treze espíritos, a carga de trabalho deveria ser balanceada, mas tudo é ‘Tora isso, Tora aquilo’. Imagina se soubesse que mudo de forma… além de te carregar, ia ter que o quê? Carregar suas malas? — O tigre parecia ter muito a reclamar ainda, enquanto se levantava e olhava para os lados, mas então inesperadamente ele se calou.

— Hm, cadê o Leonardo, Akiko? — O tigre perguntou com curiosidade, ao ver tantos rostos desconhecidos.

Kaede por sua vez, apenas suspirou.

— Se acabou de reclamar, é por isso que te chamei. Preciso ir para o décimo primeiro distrito, o mais rápido possível, e você, entre todos, é o melhor pra isso, será qu… — Antes mesmo que terminasse de falar, Tora a respondeu, colocando a mão à frente sinalizando um tchauzinho.

— Estou me dando folga, nem começa, estou cansado demais para isso. O que posso fazer por hoje é… — O tigre moveu a mão para o queixo, pensativo, e permaneceu assim por alguns segundos. — Eu, Baihu, abençoo vocês temporariamente com a dádiva da minha velocidade… vejamos… por três horas. — Após terminar de falar, ele se aproximou de Kaede, colocando uma mão em sua testa e deixando a mulher confusa, e então…

“Plaft.”

Ele levou a sua mão livre à testa de Kaede e dado um peteleco nela, arranhando minimamente a testa da garota devido ao tamanho de suas unhas.

— Mas o que… desde quando você tem outro nome?! — A garota perguntou, se afastando e levando a mão à testa, soltando um pequeno “aí” em voz baixa.

O homem segurou o riso com a pergunta e falou em meio a um riso engasgado:

— Você não achou mesmo que meu nome era Tigre, né? — Baihu perguntou com um sorriso de uma ponta a outra, deixando à mostra seus dentes afiados. Notando que ela havia corado ao invés de respondê-lo, ele riu dela.

— Pergunte aos outros os nomes deles, não apenas nosso nome no horóscopo. Enfim, você me deve, Kaede. — Com sua última fala, o tigre fez uma pequena reverência e então desapareceu.

[…]

Momento atual, em uma velha cabana no décimo primeiro distrito.

Quando Leonardo enfim parou de vomitar sangue, ele finalmente bebeu a água que Byakuya havia buscado para ele. Nesse ponto, o rapaz estava pálido e abatido, e mesmo bebendo água, sentia que logo poderia vomitá-la.

— Não acredito… que vocês convenceram até o Byakuya que o melhor é ficarmos parados… — Leonardo disse, se deitando novamente a cama.

— Óbvio que ele foi convencido, Leonardo, olhe o estado em que vocês dois estão! E você ainda está pior! Que ideia de merda foi essa de gastar mais energia com seu corpo se recuperando de uma batalha contra uma das treze pessoas mais fortes de toda essa nação?! Devo concordar com a Kaede, como pretende trazer seu parceiro de volta se não está dando valor à sua vida?! — Oliver o repreendia severamente, enquanto estava se sentava em frente de uma mesa de madeira, amassando algumas ervas medicinais que havia encontrado quando chegaram na região.

— Isso mesmo, Leo você, tem o que nessa sua cabecinha linda?! Porque, cunhadinho, se você me disser, que estava pensando direito quando saiu daquele jeito para ir ver o Ryo, eu vou te descer o cacete. — Olhando para Kaede, que estava claramente brava, Leonardo se arrependeu um pouco de ter lhe ensinando algumas expressões brasileiras nas várias vezes em que  viajaram para o Brasil com ela e Ryo.

— Está bem, está bem… Eu já entendi… Vou descansar, então parem de me encher, droga! — A voz de Leonardo estava extremamente rouca e fragilizada, e não se demorou muito para que o rapaz se encolhesse na cama e adormecesse entre sussurros quase inaudíveis

Com Leonardo enfim dormindo, todos os outros conseguiram enfim se acalmar. Mayuzu, que andava de um lado para o outro, limpava com um pano velho o sangue e o líquido dourado que Leonardo havia vomitado. Kaede havia se deitado um pouco em uma cama do outro lado da cabana, tentando descansar de tudo o que havia acontecido de maneira tão brutal e repentina em poucos dias.

Oliver, que estava preparando uma substância pastosa com um pouco de água que ainda tinha em seu cantil, havia finalmente chegado a uma consistência meramente aceitável para o que precisava. Terminando, ele se levantou segurando o pequeno recipiente de bambu em que havia preparado aquela espécie de pomada e foi até Byakuya, que estava ao lado da porta, e tocou seu braço, chamando sua atenção.

— Há uma toalha na minha bagagem, pegue-a junto com alguns tecidos que estão lá. Vou buscar água e te espero lá fora, ok?

Por mais que tenha sido uma pergunta, Byakuya sentiu como se estivesse recebendo uma ordem e apenas concordou brevemente com a cabeça.

Após isso, Oliver saiu para fora, deixando o recipiente que havia pegado em cima de um forno de barro. Pegando um balde velho e desgastado de madeira, ele foi até o córrego próximo para pegar um pouco de água fresca.

Quando enfim voltou, após alguns minutos, Byakuya estava sentado em um pequeno banco de couro, segurando em suas mãos tudo o que Oliver havia pedido. Vendo que ele realmente havia trazido tudo, Oliver não pôde deixar de dar um sorriso contente ao ver ele se comportar estranhamente bem.

Se aproximando então, Oliver pegou a toalha e os panos com Byakuya, colocando a toalha no balde com água e os panos em cima do forno. Em seguida, voltou para frente do youkai e pediu:

— Tire a parte superior da sua roupa.

Byakuya olhou para Oliver com uma expressão confusa no rosto, parecendo até mesmo ter alguma ideia distorcida, e perguntou com receio:

— Por que tenho que tirar…?

— Pela Deusa, pare de pensar bobagens! Eu preciso tratar seus ferimentos, Byakuya… Nos últimos dias, você gastou sua energia espiritual de maneira excessiva. Quero manter o tratamento dos ferimentos enquanto você se recupera, ou pode ter alguma infecção se não tratarmos. — O rapaz riu depois de falar e se sentou no chão, bem na frente do youkai, olhando para cima para encarar seus olhos.

O youkai ranzinza, parecia não entender totalmente o porquê um humano que mal o conhecia fazer isso por ele, mas apenas aceitou. Ele desamarrou suas roupas e, depois de tirá-las, ficou apenas com suas calças e com a parte de superior de seu corpo escondida pelas ataduras já encharcadas de sangue.

— Oh… Como você pode deixar isso ficar assim sem me avisar?! Vamos, fique parado, vou tirar isso. — O rapaz falou em meio a um suspiro, ajoelhando-se para conseguir colocar as mãos com mais eficiência nas ataduras que havia feito.

Ele moveu suas mãos com cuidado até as costas de Byakuya, que olhava fixamente para o rosto de Oliver com uma expressão indecifrável. Ao mesmo tempo, os pensamentos de Oliver viajavam entre o quão ferido Byakuya estava e o quão atraente ele poderia ser mesmo coberto por ataduras. Quando, por fim, alcançou o local onde havia amarrado os panos e os soltou, os panos vermelhos de sangue caíram, expondo o físico forte, com músculos bem definidos, cicatrizes e ferimentos recentes ainda abertos. Nesse ponto, Oliver já estava voltando seus braços para trás, ainda encostado diretamente na pele de Byakuya, e, sentindo o olhar do homem, direcionou seu olhar para cima, encontrando o olhar fixo dele.

— O que foi… Por que tá me olhando assim? Está sentindo dor? — Oliver perguntou um pouco confuso e preocupado, mas com um sorriso no rosto.

— Por que… Por que você me salvou na floresta? Por que está me ajudando… e cuidando dos meus ferimentos, mesmo sabendo o que sinto em relação à sua espécie? O que você quer de mim? — Por mais que escutasse as diferentes perguntas que ele fazia de uma vez, Oliver ainda se encontrava tentando encontrar os motivos de tantas perguntas do nada, mas não conseguia saber o que ele pensava.

— Você quer saber o porquê? Talvez tenha sido só por conveniência, só um acaso bolado pelo destino… o que acha disso? — Ele argumentou com um sorriso um tanto quanto malicioso no rosto e em meio a uma pequena risada.

— Não minta, eu posso ouvir seu coração ou já se esqueceu disso? — Byakuya o refutou com sagacidade, mantendo uma expressão séria no rosto, e com isso, Oliver não pôde deixar de rir mais uma vez.

— Então por que está perguntando o óbvio? Eu o salvei por puro egoísmo, porque me interesso por você… Não, eu desejo você. Por que acha que meu coração bate tão forte quando você fica perto de mim? Não faça perguntas óbvias Byakuya! — Enquanto falava, o sorriso em seu rosto finalmente desapareceu, e o rapaz o olhava com seriedade.

Byakuya, por sua vez, não conseguia achar lógica nas palavras dele. Eles mal se conheciam… Isso nem ao menos fazia algum sentido.

— Mas que… Seus batimentos indicam que diz a verdade… Mas eu mal te conheço, você mal me conhece. Eu nunca havia deixado um humano sequer andar ao meu lado, antes de vocês três! Acredite, eu me lembraria… Então como? — Byakuya finalmente expressou confusão evidente em seus olhos.

— Não, você não me conhece, nisso você tem razão… Mas eu te conheço bem o suficiente, seus piores lados, seus melhores lados… E mesmo assim há tanto que não sei. Eu quero abrir suas entranhas, descobrir cada parte sua, até a mais feia… E eu garanto que eu sou o único humano que você não conseguiria manter longe, nem se tentasse… Você pode se achar o predador… Mas acredite, eu vou devorar cada parte sua… — Quando terminou de falar, o sorriso no rosto de Oliver reapareceu. Era inegável que ele estava curioso sobre a reação que Byakuya teria, mas de qualquer jeito, ele apenas falou o que realmente pensa.

Contrariando tudo o que ele poderia estar pensando, um sorriso surgiu de uma ponta a outra nos lábios de Byakuya. Ele calmamente colocou sua mão esquerda no pescoço do rapaz ajoelhado na sua frente, enquanto sua outra mão livre agarrou os cabelos dele, puxando-os levemente para trás.

— Cuidado… Acha mesmo que é tão fácil assim me predar? Não… Oliver, eu predei você desde o momento em que me salvou. Acha que vai me domar, me devorar? Não… Eu já fiz isso primeiro, quando você entregou de livre e espontânea vontade sua própria energia espiritual para mim. Eu poderia ter te matado logo depois disso… Mas o seu gosto é tão excitante e talvez nem todos os humanos sejam tão odiosos.

No instante seguinte, Byakuya mal deu a chance para que ele pudesse respondê-lo. Ele apertou suas unhas em volta o pescoço do loiro e o beijou de maneira feroz, mordendo seu lábio inferior fazendo-o sangrar, como se fosse devorá-lo. Ele invadiu a boca do rapaz com sua língua as entrelaçando, enquanto as mãos de Oliver apertavam em sua cintura ao ponto de fazê-lo suspirar e sentir um pouco de dor. Naquele ato, aquele beijo era quase como ver um predador saboreando a carne da melhor das presas que já caçou. Quando se afastou, Byakuya passou a língua sobre os próprios lábios para limpar o sangue restante e, com um sorriso descarado, falou calmamente:

— Oh, perdão, acho que me deixei levar… pela sua “brincadeirinha”. Pode fazer o que estava fazendo antes, não irei mais te atrapalhar.

Oliver, estava vermelho como um pimentão, sem fôlego, surpresa, tesão… Eram muitas emoções ao mesmo tempo. Ele realmente não esperava que Byakuya fosse cair tão facilmente em suas provocações, muito menos que reagiria dessa maneira. Enquanto voltava a se dedicar a limpar as feridas dele, o rapaz não pôde deixar de reclamar em sussurros:

— Do que adianta reclamar sobre eu não o conhecer, para depois me agarrar? Maluco!

Byakuya riu, parecendo bem mais calmo, e respondeu de maneira estranhamente natural:

— Simplesmente é divertido. Se continuar reclamando, só vou me divertir ainda mais. Mas não se engane, isso não significa que sinto algo romântico por você… Você ainda é um humano, acima de tudo.

[…]

            Algumas horas mais tarde, dentro da cabana.

A noite já havia chegado há um tempo. Nesse momento, todos já estavam para dentro da cabana, com a única luz disponível sendo fornecida pelo próprio luar. A casa em si era tão antiga e simples que mal poderia se equiparar a uma casa comum para qualquer cidadão nos dias atuais, mas para eles, aquilo era a única coisa disponível. Ali, mesmo deitado e descansando para recuperar suas forças, Leonardo não apresentava nenhum mísero  sinal de melhora. Ele continuava inconsciente e transpirando cada vez mais. Era  um estado certamente preocupante e estranho. Sem o sinal de melhora, Oliver havia tirado sua camisa do rapaz com a ajuda de Kaede e, de tempos em tempos, ficava ao lado da cama colocando uma tolha umedecida sobre sua pele, tentando refrescá-lo de alguma maneira.

Mas mesmo após horas tentando mantê-lo minimamente refrescado, durante grande parte da noite, quando já se aproximava das quatro e meia da manhã, Oliver ainda não havia pregado os olhos, tentando mantê-lo minimamente bem. No momento em que encostou o pano umedecido sobre o peito do rapaz, ele pôde até mesmo ver um pouco de vapor subindo do pano.

— Mas que… — Vendo isso, ele se debruçou sobre o rapaz e colocou os lábios em sua testa, afastando-se no mesmo momento e balançando-o de um lado para o outro. — Leonardo! Ei, acorda! Leonardo!

Por mais que chamasse e gritasse um pouco mais alto, Leonardo não dava sinal de que acordaria. Notando isso, Oliver suspirou e olhou para Kaede, que começava a acordar aos poucos.  — Mn… me desculpa!! — O rapaz gritou e desferiu um tapa com força no rosto do outro.

No momento em que recebeu o tapa, Leonardo se levantou sentando-se rapidamente, desnorteado olhando para baixo, com a visão completamente embaçada e a cama encharcada de suor. Aos poucos, ele tentou voltar a dormir e se deitar, mas foi arrancado da cama pelo loiro que o puxou para fora, mantendo-o de pé, com os braços sobre os ombros de Oliver.

— O que… me deixa… dormir… — Leonardo dizia, enrolando-se com as palavras, enquanto se agarrava às costas do Oliver para tentar se manter de pé.

— Leonardo, não! Fica acordado, olha pra mim, não durma!! — Oliver gritou, tentando manter Leonardo alerta, e acabou acordando os outros três que dormiam.

Mayuzu, que havia se aninhado em um canto, acordou assustado com os gritos de Oliver e rapidamente foi até Byakuya, puxando-o pelas mangas. — Senhor! Senhor! Acorde senhor ‘piu’, algo está acontecendo! Piu!

Byakuya olhou para o pássaro com seriedade, sem pretensão de se levantar e aparentando estar irritado com a barulheira do servo. — Mayuzu, cale-se. só iremos atrapalhar, veja.

Praticamente no mesmo instante em que Byakuya terminou de falar, Kaede, que mal havia acordado, já corria para ajudar Oliver, posicionando-se do outro lado e estabilizando Leonardo, que ainda estava de pé. — Oliver, para onde vamos levá-lo? RÁPIDO, OLIVER.

Com o grito alto, Oliver enfim pareceu retomar a ideia do que iria fazer:

— TEM UM RIO AQUI PERTO. VAMOS LEVÁ-LO PARA LÁ. PRECISAMOS ABAIXAR A TEMPERATURA CORPORAL DELE URGENTEMENTE!!

E, em meio a gritos e um pouco de irritação das duas partes, eles caminharam tropeçando em pedras e raízes, confiando apenas em uma visão prejudicada para carregar Leonardo até o rio. Ao chegarem, Oliver parou bem na margem do rio e suspirou sem parar.

— Kaede… a gente vai entrar com ele de roupa e tudo, vamos submergir, contar até cinco e se força para cima. Vamos despertar ele com um choque térmico, isso também deve aliviar a febre. Se sentir algo puxando seu pé… espero que tenha uma invocação aquática… vamos lá.

Assim que ele terminou de falar, eles correram para dentro da água, desaparecendo pouco a pouco a cada passo. Em poucos dias, um grupo tão diverso já estava se ajudando mais uma vez para salvar um deles. Rapidamente, os três desapareceram nas águas do rio. Um…dois…três… quatro… bolhas começaram a subir e, no instante seguinte, os três emergiram.

Tanto Kaede quanto Oliver direcionaram seus olhares para Leonardo, que continuava entre o sono e o estado de inconsciência, ainda desnorteado. Eles se entreolharam como se soubessem exatamente o que o outro estava pensando e, então, submergiram mais uma vez.

“Um… dois… três… hum…?” Naquele instante, quando estavam prestes a emergir mais uma vez, tanto Kaede quanto Oliver sentiram Leonardo sendo puxado para baixo, desvinculando-se totalmente deles. Assim que emergiram, ele havia desaparecido completamente. As águas estavam quietas e, mesmo submergindo de novo e de novo, procurando, ele não estava lá. De todos os três, seja o que estivesse no rio, havia pegado o único que eles gostariam que não fosse pego em tal situação.

Por alguns segundos, eles pararam, sem entender o que havia acontecido, sem ao menos conseguir raciocinar a situação. Um, dois minutos se passaram e, para onde olhavam, não havia nada. A água estava calma, como se nada estivesse ali; nem um corpo submergiu.

Então, mais acima no rio, a água se agitou, esguichando para todos os lados. Em meio à água que subia aos céus, pequenas gotas vermelhas retornavam como agulhas afiadas, de todos os lados, de maneira quase teatral.

O rapaz de pele negra, em contraste com a lua que o fazia brilhar, olhava com olhos frios, como o vento que acompanha uma grande tempestade. Em suas mãos, uma criatura humanoide de cor esverdeada estava caída, como um coelho abatido, repleta de agulhas de sangue cristalizado.

Mesmo sem notar Oliver e Kaede à frente no rio, ele se virou sem pronunciar uma palavra, saiu de dentro do rio, largando o cadáver morto de um Kappa à beira do rio, e lentamente começou a caminhar de volta para a casa.

No momento em que o viram voltando para a cabana, um alívio percorreu o coração de Kaede, que estava prestes a dar um passo para voltar. No entanto, antes de se mexer, Oliver a segurou pelo braço e fez um sinal para que ficasse em silêncio, apontando para cima. Havia agulhas feitas de sangue, iguais às que haviam matado aquele Kappa, miradas exatamente nos dois.

Enquanto se afastava em direção à cabana, em uma voz mórbida e fria, Leonardo pronunciou uma única frase:

— Fiquem quietos.

            Nos quatro dias que se seguiram, a única coisa que Leonardo fazia era ficar sentado em sua cama, encarando constantemente a janela. Seus olhos estavam vazios e sem vida, como se ele estivesse morto e o que restasse fosse apenas uma casca. Ele não conversava com ninguém, não respondia a ninguém. Só sabiam que ele ainda estava vivo pelo murmúrio cantado que ele entoava dia e noite, o qual ninguém conseguia identificar, e pela comida que davam em sua boca, a qual ele comia com muita dificuldade.

Desde o incidente no rio, eles andavam pisando em cacos enquanto cuidavam do rapaz. Embora a febre não voltasse, temiam de que a próxima reação poderia ser pior. Temiam que, se os sintomas piorassem novamente, ele pudesse morrer ou matar um deles.

Nem mesmo Byakuya, que cresceu em volta de diversos youkais, havia visto sintomas como os que Leonardo apresentava.

O dia que se seguiu foi repleto de aflição, como muito dos anteriores. Após comerem um almoço improvisado, Byakuya se sentou ao lado de Leonardo e fechou os olhos. Suas orelhas no alto da sua cabeça se mexeram, tentando ouvir de maneira mais atenta a melodia que Leonardo estava murmurando. Ele ficou ali por quase vinte minutos em silêncio, concentrando-se em ouvir os murmúrios do primeiro humano que chamou de amigo.

Durante esses vinte minutos, Byakuya pensou em diversas canções que já havia escutado, desde instrumentais de teatros de sombras, até músicas tocadas por cortesãs dos distritos de prazer. A canção que Leonardo entoava só se parecia minimamente com a de um único instrumento de cordas do qual ele conseguia se lembrar.

Quase como se alguém pudesse ouvir seus pensamentos, ao longe, em um local que ele não conseguia definir, o som das cordas desse instrumento soou, chamando sua atenção.

Em um sussurro para si mesmo, o youkai respondeu seus próprios pensamentos:

— É o som das cordas de uma biwa… isso… — No mesmo instante, o rapaz correu para fora e pareceu até mesmo procurar um cheiro no vento. Tal atitude, obviamente, assustou Kaede, Oliver e principalmente Mayuzu, que há muito não via seu mestre agindo dessa maneira.

Correndo entre passinhos rápidos, ele parou ao lado de seu mestre e o chamou: — Byakuya-sama, o que houve, meu senhor!?! — O pássaro perguntou ansiosamente.

No minuto seguinte, o rosto de Byakuya remetia ao nojo, quando finalmente capitou o cheiro. Era o cheiro de sangue, carne podre e demônios… um cheiro que nenhum humano ou youkai que estava vivo durante as guerras esqueceria. — Carniceiros…

Ouvindo seu mestre, a expressão no rosto de Mayuzu se aprofundou em um medo ainda maior do que quando estavam sendo atacados pelas aranhas da General Hana.

Para Byakuya, cada segundo em que escutava o som da biwa se aproximando e o cheiro dos carniceiros trazido pelo vento parecia ficar cada vez mais intenso. Ele finalmente entendeu o que os murmúrios do Leonardo significavam. Compreendendo isso, voltou para imediatamente para a cabana e abriu a porta. — Os murmúrios, os murmúrios do Leonardo, ele estava imitando a melodia de uma biwa… Demorei a entender, mas ele estava nos avisando que alguém estava chegando com aqueles demônios…

— Do que você está falando, Byakuya?! — Kaede parecia realmente confusa sobre o que ele queria dizer.

— São ghouls, alguém está tocando uma biwa e trazendo eles para cá… Carniceiros, criaturas trazidas direto dos infernos, durante a guerra… Eles não existiam na nossa nação, mas os humanos queriam uma força para rivalizar com os youkais e trouxeram os demônios por navios do mar… e aprenderam a criar mais dessas coisas… Vamos embora, agora! — Quanto estava terminando de falar, o descontrole na sua voz era óbvio. Mesmo que não tivesse falado, era claro que ele não queria se deparar com um ghoul.

Mas, assim que ele terminou de falar, Leonardo, que a muito se mantinha em uma única posição, se mexeu, levantando-se da cama e olhou para os outros que estavam ali de pé, com seus olhos brilhando em vermelho carmesim.

­— Tarde demais. — O rapaz então, apenas passou por seus amigos indo para fora da cabana. No exato momento em que pisou fora da cabana, o som da biwa soou ao longe e uma melodia inicialmente calma preencheu todo o ambiente, ao mesmo tempo em que olhos famintos apareceram entre as árvores.

Seguindo Leonardo, os quatro que haviam voltado para dentro da casa se surpreenderam quando um vento os arremessou contra a parede e a porta se fechou. Leonardo, que já estava parado na frente da porta, usou a própria unha para fazer um corte em seu braço, e o sangue rapidamente se solidificou na janela como barras de ferro. De maneira extremamente ríspida, ele falou com seus amigos mais uma vez:

— Fiquem aí, quietos, não me atrapalhem.

Ao mesmo tempo, a melodia emitida pela biwa se tornava mais frenética e estranhamente bonita. Quase como se estivessem recebendo uma ordem, criaturas humanoides, completamente secas, com poucas roupas e peles apodrecidas, saíam das sombras das árvores, começando a andar cambaleando, com bocas abertas e babando. Cada vez que o som da biwa se intensificava, aquelas coisas corriam mais rápido, vindas de todos os lados.

Leonardo, dando pequenos passos para frente, moveu seus olhos por cada uma das criaturas que vinham em sua direção, desviando-se delas de maneira maestral. — Oh… que esperto, você se preparou bem… criaturas sem sangue, mas isso ainda não é o suficiente para me matar. Deveria saber disso.

No exato momento em que terminou de falar, o sangue que fluía da ferida que ele fez percorreu o ar e, então, cinco katanas carmesim surgiram na frente dele. — Não… você não merece tanto esforço.

Movendo apenas um dedo, as katanas se juntaram em uma grande esfera carmesim, se convertendo em uma flecha grande e afiada. A cada ghoul que Leonardo direcionava o olhar, a flecha feita de sangue passava, arrancando a cabeça de cada criatura que tentava acertá-lo. A cada uma daquelas criaturas que caíam sem cabeça, os cabelos de Leonardo se tornavam mais platinados. Em poucos segundos, ele mal olhava mais para as criaturas que desejava atingir e continuava caminhando até o local onde  escutava o som da biwa. A essa altura, ele já havia adentrado a floresta e aquelas coisas continuavam tentando atacá-lo.

— Argh… até quando vai mandar suas baratas? Quando destruiu minha casa, pelo menos teve a decência de mostrar seu rosto… Oh, espere, me enganei, até para isso precisou que alguém fizesse para você… — Depois que ele falou, seus cabelos ondulados já estavam completamente brancos e ele se viu parado, olhando para uma pessoa que se escondia entre sombras, usando uma máscara preta de raposa, com um quimono velho e surrado e a biwa em suas mãos.

A sombra que tocava a biwa finalmente parou e moveu seu rosto sombrio como se olhasse nos olhos do homem. Com uma junção de várias vozes e uma risada clara, aquele ser finalmente falou: — Tsukuyomi-sama… quem diria, a pirralha realmente o acordou. Devo dizer que estou surpre… — Antes que conseguisse terminar de falar, uma lâmina carmesim empunhada pelo Kami cortou a sombra, que reapareceu ao longe.

— Ah, que doce. Já havia me esquecido de quão feroz você costuma ser. Bom, como estava dizendo… estou surpreso que a coisinha conseguiu tal feito, mas se acha que isso vai mudar algo, não se engane. Você ainda é meramente uma ex-divindade, que todos já esqueceram. — À medida em que aquele conjunto de vozes continuava a falar, a sombra parecia espalhar uma névoa fumacenta por seus pés.

— Nem mesmo seu amado maridinho se lembra de você, e convenhamos, Tsukuyomi… eu estou farto de vê-lo brincando de casinha com o que é meu.

No instante em que a sombra terminou de falar, a pedra a qual ela estava sentada foi arremessada em sua direção. Irritado, Leonardo o respondeu com desprezo: — Não se refira ao meu companheiro como um objeto. Ele nunca foi algo que você pudesse possuir, sua barata…

A sombra, por sua vez, apenas riu, como se achasse graça do que ele falava, e reaparecendo mais uma vez, agora extremamente próxima ao rosto de Leonardo. — Oh… por que está tão bravo? Acha mesmo que é o único que já esteve entre as pernas dele? Se apresse, você e a coisinha, porque sem ninguém perceber, eu o estou trazendo direto para minha toca. — A sombra dizia com uma risada demoníaca antes de começar a desaparecer.

— E pensar que tudo o que precisei fazer foi sequestrar sua querida mestra e me passar por ela. Sabe, eu acho que mereço um prêmio por minha atuação… mas não se preocupe, ela está viva, por enquanto…

No instante em que a criatura terminou de falar, ela desapareceu, deixando apenas uma máscara preta de raposa para trás, a qual Leonardo pisou instintivamente. No minuto seguinte, enquanto seus cabelos voltavam à cor habitual, o rapaz correu para a cabana, sem se importar com os corpos mortos que deixará para trás. Ele quase arrancou a porta ao abri-la, enquanto seus cabelos estavam quase totalmente castanhos. Ofegante, olhou para Kaede.

— Shishou está em perigo… e o Ryo também… Precisamos ir para o distrito Sakuma agora… Precisamos ir ao distrito das raposas. — No momento em que terminou de falar, sua visão escureceu enquanto os outros corriam até ele, e enfim apenas a escuridão restou

Comentários no capítulo "Capítulo 39"

COMENTÁRIOS

Deixe um comentário Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*

*

Capítulo 39
Fonts
Text size
AA
Background

Entre Espadas

3.4K Views 3 Subscribers

Um relacionamento que acabou de maneira conturbada e um acidente que causa a morte de ambos, foi assim assim que Ryo e Leonardo se viram em um mundo feudal durante um xogunato, onde aparentemente...

Chapters

  • Volume 1
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 45 Um Conto de Dois Irmãos (4): Sobre suas asas.
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 44 Um Conto de Dois Irmãos (3): Nasce o Lírio.
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 43 Um Conto de Dois Irmãos (2)
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 42 Um Conto de Dois Irmãos (1)
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 41 Você e Eu, Até o Fim.
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 40 Treze Soldados, Quatorze Corações que Batem em um Único Som.
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 39 O Doce Som da Biwa
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 38 Histórias de um Velho Tanuki.
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 37 Camélias Vermelhas
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 36 O imperador selado
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 35 A Samurai de Cabelos Vermelhos
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 34 Bons sonhos, Tsukuyomi.
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 33 A teia da aranha
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 32 O quarto general.
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 31 Antidoto & Veneno
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 30 A prova de seu amor.
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 29 A queda de Kumo-rui Parte 2
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 28 A queda de Kumo-rui Parte 1
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 27 Lembre-se do meu nome
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 26 Um lótus banhado a sangue
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 25 Kumo no Su, uma vila de tecelãs
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 24 O príncipe youkai e o santo de outra terra.
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 23 Em direção a Kumo-rui.
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 22 Um noivado inusitado.
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 21 Quem devo ser nesta história?
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 20 As noites em Iwasakiyama
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 19 O príncipe de lugar nenhum
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 18 A flor de lotus que desabrocha entre os treze
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 17 O treinamento se inicia, dias chuvosos chegam à capital.
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 16 Toyosaki Kaede
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 15 A lua e seu pecador
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 14 Lírios Aranha
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 13 Esquecer
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 12 Deixe os queimar.
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 11 Enunciação de morte
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 10 Entardecer
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 9 Toyosaki Ryo
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 8 Sacerdotisa...
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 7 Xogum
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 6 A cobra, a espada e o salgueiro
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 5 O habitante desta floresta
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 4 Um caminho de ossos a nossa frente
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 3 gosto amargo para Ryo
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 2 O vazio perante um novo começo
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 1 Um novo mundo, com você?!
      • capa_ee_c_logo
        Capítulo 0 Notas iniciais

Login

Perdeu sua senha?

← Voltar BL Novels

Assinar

Registre-Se Para Este Site.

De registo em | Perdeu sua senha?

← Voltar BL Novels

Perdeu sua senha?

Por favor, digite seu nome de usuário ou endereço de e-mail. Você receberá um link para criar uma nova senha via e-mail.

← VoltarBL Novels

Atenção! Indicado para Maiores

Entre Espadas

contém temas ou cenas que podem não ser adequadas para muito jovens leitores, portanto, é bloqueado para a sua protecção.

Você é maior de 18?