Capítulo 41
⚠️Aviso de conteúdo:
Breve menções não descritas a tentativa de suicídio, automutilação, abuso sexual, canibalismo
Após a morte do terceiro general, um mês havia se passado, e durante todo esse período a nação de Iwasakiyama se mantinha em um luto aparentemente sem fim. Com a morte do General Katsura Gonkuro, muitas perguntas sem respostas começaram a surgir. O que a Xogum faria em respeito à morte de seu irmão? E o Imperador, teria ele morrido na explosão? Se sim, quem assumiria o trono em um momento tão frágil? Cada vez mais perguntas continuavam a surgir em meio ao caos e ao luto dos generais.
No terceiro distrito, Masaru concentrava-se na reconstrução da vila, contando com o apoio de seu marido e dos oitavo e nono generais. Quando Gonkuro morreu, as memórias falsas sobre como conhecera seu discípulo vieram à tona. Inicialmente, ela acreditava tê-lo encontrado em meio a uma pilha de cadáveres durante a guerra, ainda pequeno, e o criado como um filho em segredo. No entanto, a verdade era que o conhecia há apenas quatro anos. Ele havia sido atacado e desestabilizado pela mesma pessoa responsável por sequestrar dois de seus companheiros mais próximos.
Mesmo sabendo disso tudo, em meio à sua própria dor e ao trabalho constante, desde que soube que Ryo havia chegado ao nono distrito, não houve um dia em que ela não o escrevesse. Em um mês, já havia escrito mais de sessenta cartas. Em todas, o conteúdo era sempre o mesmo, com tinta manchada por evidentes gotas de lágrimas: culpa, carinho, luto… talvez apenas uma mescla de todos os sentimentos confusos que estava sentindo.
E, por fim, no nono distrito, a situação havia se complicado muito mais do que em qualquer outro lugar, em apenas um mês. Quando Gonkuro morreu, Sora e Keiko, sentindo o desequilíbrio espiritual causado pela explosão resultante do suicídio do terceiro general, levaram Ryo e Kishin a uma velocidade anormal para o local mais próximo do décimo distrito que conseguiram alcançar, parando a poucas cidades da fronteira em menos de uma semana.
Nas semanas que se seguiram, Kishin isolou-se nos cantos da residência preparada especialmente para visitantes do império. Ele raramente falava com seus amigos, e, durante as noites, era possível ouvi-lo chorando no telhado da casa. Enquanto isso, Ryo não havia saído de seu quarto em nenhum momento. As poucas vezes em que aparecia, era Uroborosu controlando seu corpo enquanto o rapaz dormia. Quando questionado sobre o que estava fazendo, Uroborosu respondia com frases como “Estou comendo para mantê-lo vivo’’ ou variações da mesma frase. Após comer, ele retornava ao quarto em completo silêncio. Embora as cartas de sua mestra continuassem a chegar, Ryo mal as buscava do lado de fora do quarto. Tudo estava estranhamente quieto, como naquela noite de quinta-feira, perto do fim do segundo mês do ano, quando a primavera estava prestes a chegar.
Na cozinha da residência do império, Sora estava fazendo Miso Shiru, aparentemente concentrado em silêncio, enquanto Keiko lavava alguns dos talheres que usaram durante o dia.
— Os dois estão quietos hoje… como nas últimas semanas. Sora, estou preocupada com eles. Tanto o Ryo quanto Kishin eram muito próximos do terceiro general… somos os amigos deles, deveríamos tentar ajudar. — A moça dizia, enquanto guardava as vasilhas que havia lavado.
Sora, por sua vez, suspirou e a respondeu:
— Já estamos ajudando, Keiko. Em um momento como este, a única coisa que podemos fazer é dar a eles o espaço que precisam. Os dois perderam alguém que amavam.
No instante em que terminou de falar, a porta da velha cozinha se abriu, e Kishin obviamente abatido e com olheiras abaixo dos olhos, entrou e se sentou à mesa.
— Não se preocupem tanto comigo… eu logo ficarei bem, mas está certa em se preocupar com o Toyosaki. Sora, a sopa está pronta? — perguntou Kishin com sua voz rouca e ferida.
Sora apenas assentiu levemente e colocou a sopa em uma simples tigela branca para o rapaz, que ao recebê-la junto a uma colher de madeira, se levantou e olhou para seus dois amigos.
— Vou levá-la para o Ryo. Guardem um pouco para mim, comerei mais tarde. — Assim que terminou de falar, ele se levantou, levando a sopa de misso em suas mãos, subiu a escada de madeira no salão principal, parando em frente ao último quarto no corredor.
[…]
Parado em frente à porta, o rapaz estava prestes a chamar pelo outro quando ouviu o som de algo caindo com força no chão — uma, duas, três vezes —, como se um terremoto tivesse atingido o quarto à sua frente. O barulho de objetos sendo arremessadas de um lado para o outro era constante. E, em meio ao som das coisas sendo destruídas, ouviu-se um choro baixo e quase imperceptível.
Kishin, ainda parado diante da porta, olhou para o lado e viu Sora e Keiko no último degrau da escada, observando-o obviamente preocupados. Ele, no entanto, apenas largou a sopa no chão e acenou para que eles não se aproximassem.
— Ryo, estou entrando.
Assim que terminou de falar, Kishin abriu a porta e se deparou com uma cena assustadora. Ryo estava no chão, ajoelhado, com vestes brancas esvoaçantes e manchadas de vermelho. Seus longos cabelos negros cobriam o rosto, e ao redor havia cacos de vidro e pedaços de móveis quebrados espalhados por todo o quarto. O mais chocante, porém, eram seus pulsos: fixados ao chão, exibiam cortes profundos. O rapaz estava sentado em uma poça de seu próprio sangue, chorando, em um estado claro de descontrole.
Ao ver Ryo naquela situação, Kishin entendeu por que ele nunca saía do quarto por conta própria. Era evidente que Ryo não queria que o vissem em um estado tão lamentável, nem que sentissem pena dele. Sabendo disso, Kishin entrou no quarto, fechou a porta atrás de si e a barrou com os restos de uma mesa que estava jogada no chão.
— Porque… porque… porque eu não consigo morrer… Eu só queria… — Ryo se lamentava em voz baixa, em um ciclo constante de queixas, sem sequer parecer notar a presença de Kishin no quarto.
Enquanto ouvia os lamentos de Ryo, Kishin se aproximou cada vez mais de Ryo e se sentou no chão, bem à sua frente, sujando suas próprias roupas com o sangue do rapaz. Com cuidado, estendeu a mão, levantando o rosto de Ryo e afastou os cabelos que caíam sobre seu rosto. Deparou-se, então, com a imagem mais próxima de uma criança chorosa que já vira antes de morrer.
— Ryo, olhe para mim. Você sabe quem eu sou? — Kishin falou, tentando atrair a atenção e o olhar do rapaz, que parecia completamente perdido em seus devaneios.
Ryo, por sua vez, continuava a chorar, com lágrimas incessantes deslizando pelo seu rosto. Ele não conseguia ver Kishin à sua frente; tudo o que via era escuridão, a sensação do medo, dor e nojo… Nojo de seu próprio corpo, de seu toque, de sua pele sobre a carne. Tudo o fazia querer vomitar o que Uroborosu o havia forçado a comer. Quando suas memórias finalmente retornaram, ele se lembrou de muitas coisas boas, naturalmente, mas não de tudo. Seja de sua vida como Ryo ou das muitas vidas antes dessa, suas lembranças se limitavam a coisas básicas.
Aquela sensação de nojo… a dor… aquela coisa se forçando contra ele, eram experiências que ele parecia sentir mais uma vez. Junto a tudo, a culpa e a sensação de perda de sua irmã. De alguma maneira, a voz daquele homem parecia soar alto e claro em sua mente
“Eu os avisei para não tentarem nenhuma gracinha, meu príncipe, mas mesmo assim, você nunca me escuta, não é? Olhe o que você causou Ryo… veja-a apodrecer, quem sabe assim você entenda… eu sou tudo o que você vai ter a partir de agora… e se tentar fugir… eu vou te fazer comer da carne dela.”
Até mesmo agora, ele ainda conseguia sentir os ossos dos seus tornozelos deslocados, a corrente apertando seu pescoço, suas mãos amarradas em suas costas, o roxo de seus joelhos por ficar no chão, o cheiro do cadáver em decomposição ao seu lado, as larvas que saíam do cadáver subindo pelos seus próprios machucados, o gosto da carne humana enfiada forçadamente pela goela e o gosto do próprio vômito… Tudo parecia voltar em meio à escuridão, mas em meio à escuridão e à dor, uma voz calma e acolhedora começava a soar em seus ouvidos:
— Ryo, olhe para mim. Ryo, você sabe onde estamos? Você precisa acordar… lembre-se de onde estamos. — Kishin falava, segurando o rosto do rapaz à sua frente, para que pudesse focar a visão em apenas um ponto.
O jovem samurai, porém, parecia finalmente começar a ouvir a voz de Kishin.
— Onde estou? Eu… eu não me lembro… onde…, onde está Leonardo? — Ryo dizia, aos poucos recobrando a visão.
— Você quer encontrá-lo, Ryo?
O quarto general, não o respondeu verbalmente e apenas acenou com dificuldade, assentindo levemente com a cabeça.
— Ótimo, iremos encontrá-lo, mas primeiro deve se lembrar de onde estamos, de quem eu sou… e principalmente que aqui é seguro… somos só nós dois aqui, eu não vou machucá-lo… — à medida que falava, Kishin buscava sempre tentar confortar o humano em desespero, tentando aos poucos trazê-lo de volta a si, até que seus olhos se focassem em seu rosto novamente.
Enquanto se focava em ouvir a voz de Kishin, a escuridão diante do olhar de Ryo começava, enfim, a se esvair, dando lugar ao rosto de seu amigo, finalmente despertando-o de um pesadelo ruim. — Kishin… o que… onde estamos? …Onde está a Fuyu? …Eu…
— Se acalme, Ryo, está tudo bem. Estamos no nono distrito. Sua coruja está em algum lugar da casa, não se preocupe com isso agora, preocupe-se com você. O que estava acontecendo aqui? — Kishin continuou a perguntar enquanto o ajudava a se levantar.
Ryo estava tão confuso quanto Kishin. Olhando ao redor, viu a destruição em seu quarto, o sangue espalhado pelo chão e Uroborosu jogado de lado próximo à cama. Ele nem ao menos havia se dado conta de que tinha feito tudo isso. Ao olhar para Kishin, sua voz ainda estava fraca.
— Eu… eu recuperei minhas memórias… parte delas, pelo menos. Foi um presente do Gonkuro-sama antes de… Enfim, eu estava tentando me lembrar de tudo nas últimas semanas, mas sempre que tento… isso acontece. Sinto essa dor, essa voz silenciosa…
Ouvindo Ryo falar sobre ter recuperado suas memórias, Kishin não pôde deixar de se surpreender. — Oh, você se lembrou… isso explica as cartas… Acho que te devo desculpas pelo que falei quando nos encontramos pela primeira vez…
Ryo, ainda com certa dificuldade, riu em meio uma tosse fraca. Por mais que os cortes em seus pulsos estivessem se curando sozinhos, ele ainda se sentia fraco pela grande perda de sangue. — Não se preocupe tanto, eu também lhe devo desculpas por enfiar uma katana no seu peito… mas no fim, você estava possuído, então não foi sua culpa… — Ryo suspirou e caminhou até a cama para se sentar com a ajuda de Kishin.
— Me perdoe por toda essa bagunça. Assim que conseguir ficar de pé sozinho, me certificarei de limpar tudo isso… pode ir agora, Kishin. Não se incomode comigo. — Ryo disse, com um sorriso no rosto.
Kishin ficou confuso com a maneira como Ryo pediu para ele se retirar e ficou parado à sua frente. — Não, a partir de hoje não deixarei que se feche nesse quarto. Sua condição está instável. Vou fazer você dormir e arrumarei essa bagunça. Depois disso, darei três dias para você se recuperar. Ainda temos a missão dada por Seiryuu-sama. Que oremos à Deusa que o homem que procuramos esteja no décimo distrito…
— Me fazer dormir? …O quê?!
— Apenas fique quieto. Agora que se lembrou de seu passado, suas memórias falsas e reais devem estar em um conflito sem fim. Para sua sorte, eu conheço um feitiço para induzir o sono… garanto que assim você terá uma boa noite de sono, Ryo… — Antes que Ryo pudesse contestar o que Kishin estava dizendo, o oni colocou sua mão sobre seus olhos, recitando uma canção em um idioma há muito esquecido. Em um instante, o rapaz caiu em um profundo sono em sua cama.
Com o quarto general adormecido, Kishin suspirou fundo, foi até ao canto onde Uroborosu havia sido jogado e o pegou, levando-o para o lado de Ryo. — Vou te colocar ao lado dele. Se ele começar a se machucar de novo, tome o controle até que ele se acalme.
Após isso, ele retirou o pedaço da mesa que havia colocado para bloquear a porta e saiu, já avisando aos outros que estavam proibidos de entrar naquele quarto até que ele permitisse. Assim, deixando tanto Keiko quanto Sora confusos, o oni desceu e subiu as escadas algumas vezes, trazendo coisas básicas para limpeza. Enquanto ia para o quarto de Ryo, Fuyu, que havia crescido um pouco mais no último mês, estava sentada no alto da cabeça de Kishin.
[…]
Para Ryo, que há muito não tinha uma noite realmente boa de sono, seja lá o que Kishin usou para fazê-lo dormir, havia funcionado de maneira impressionante. Em seu sonho, ele estava em uma casa feita completamente de madeira, diante de uma lareira, se aquecendo do frio da noite. Ele se lembrava dessa casa, no meio de um bosque, com iluminação, mais sem internet, próxima a uma cidade pacata à qual foi pouquíssimas vezes.
Foi para cá que Leonardo o trouxe quando ele o achou perdido na floresta. Leonardo não estava na cena. Ele havia saído pela tarde para ir à pequena cidade comprar remédios, comida e tantas outras coisas. Naquela época, Ryo sabia que ele estava avisando tudo o que falava para sua mãe. Isso o tranquilizava, pois o rapaz realmente não estava disposto a vê-la no estado atual.
Com o passar do tempo, enquanto estava sentado frente à lareira da casa, Ryo ouviu o som de batidas na porta de entrada. O barulho chamou sua atenção, e ele se virou assustado, por instinto. No entanto, a voz que ecoou do outro lado da porta logo o tranquilizou:
— Ryo, sou eu. Acabei de chegar com as compras e estou entrando, ok? — Era Leonardo, cuja voz soava cansada, mas ao mesmo tempo acolhedora.
Ryo, que estava em frente à lareira, se afastou rapidamente e dirigiu-se à porta, abrindo-a com um sorriso no rosto ainda machucado.
— Quer ajuda com as sacolas? — perguntou o rapaz, estendendo a mão para pegar algumas das sacolas de compras que seu namorado trazia.
— Não precisa. Você não pode pegar peso ainda, lembra? Ainda está desnutrido e machucado. Não quero que se esforce. — Leonardo respondeu, afastando gentilmente as sacolas das mãos do parceiro. Ele entrou em casa carregando um amontoado de sacolas e as colocou sobre a mesa perto a cozinha.
Com a entrada de Leonardo, Ryo rapidamente fechou a porta, trancou-a e correu até onde o outro estava. Abraçando-o por trás, apertando-o com carinho, e descansou a cabeça em suas costas.
— Você demorou muito… Não fique tanto tempo longe, Leo. Não quero ficar sozinho… Na próxima vez, me leve com você. — O rapaz falou em voz baixa, com um choro contido na voz.
Leonardo segurou as mãos de seu amado e se virou com cuidado, olhando diretamente em seus olhos. Ao vê-lo chorar, sua expressão se tornou de profunda tristeza. Com delicadeza, apoiou a mão na bochecha de Ryo e encostou a testa na dele.
— Eu adoraria que você fosse comigo, meu amor, mas lembra como ficou da última vez em que tentou entrar no carro? Não se apresse tanto… Vamos dar um passo de cada vez. Que tal trazermos sua mãe aqui na próxima semana? Assim, você pode tentar se acostumar a ficar perto de outras pessoas. O que acha? — Ele perguntou com um sorriso meigo em seu rosto e, em seguida, deu um beijo rápido no rapaz à sua frente.
Ryo enxugou as lágrimas que haviam surgido, sorriu e concordou em um aceno de cabeça.
— Eu… acho que podemos tentar… Mas só visitas rápidas, tá? Fale para ela que eu pedi para se hospedar em um hotel, por favor.
— Certinho, faremos do jeito que você quiser, meu pãozinho de mel. Mas agora vou cuidar de você. — Leonardo respondeu de maneira brincalhona, levantando Ryo para carregá-lo em seus braços em direção ao banheiro, localizado mais ao fundo da casa.
Constrangido com o comentário do namorado, Ryo riu enquanto se agarrava ao pescoço dele.
— Pãozinho de mel? Essa é nova… Cada semana um apelido diferente? Semana passada foi “cajuzinho”… Você tem alguma fixação por doces? — O rapaz perguntou, sorrindo, como se não tivesse passado a tarde inteira aflito e sozinho.
— Como pode me julgar ? Não tenho culpa se meu amor é um docinho… Você é viciante como os melhores doces e sobremesas. — Leonardo falou, enquanto colocava Ryo no chão com cuidado e começava a tirar as roupas de ambos, ao mesmo tempo em que a banheira ao fundo se enchia de água quente.
Já de cueca, Leonardo começou a tirar as roupas de Ryo com um cuidado quase excessivo. Por baixo das roupas largas que escondiam seu corpo, faixas, curativos e até pequenas cicatrizes de pontos se revelavam. De vez em quando, Ryo soltava um gemido de dor, o que fazia Leonardo ser ainda mais cuidadoso ao retirar as peças de roupa, as faixas curativos.
Quando a banheira estava cheia e ambos estavam apenas de cueca, Leonardo colocou o celular sobre a pia do banheiro, tocando uma playlist de uma banda japonesa conhecida por seu estilo variado, que misturava MPB e era às vezes descrita como “café music”. Em seguida, entrou primeiro na banheira e estendeu a mão para Ryo, o auxiliando a entrar e se sentar à sua frente, encostando-se ao peito dele em repouso.
— Leo, por que “pãozinho de mel”? — Ryo perguntou, acomodando-se melhor no peito do namorado.
Leonardo riu antes de responder e, com uma voz baixa e provocante, respondeu:
— Por que seu recheio é igualmente saboroso, meu amor…~
A resposta fez o rosto de Ryo Ficar vermelho como um pimentão. Ele suspirou, tentando manter a calma, e murmurou:
— Idiota… Fofo, mas idiota.
— Haha, eu sabia que você ia gostar. Mas, mudando de assunto… Seus machucados estão muito melhores, amor. Seu pescoço está menos roxo, e os ferimentos no abdômen e nas costas estão praticamente cicatrizados… Ainda há bastante roxidão, mas está melhorando. Me conte se não estiver sentindo melhora, Ryo. Por favor, não minta para mim. — Leonardo falou com calma em sua voz. Ele mal havia olhado o corpo nu de Ryo, mas, com apenas uma rápida observação, já conseguia avaliar eu estado.
Desde que o resgatara no meio da floresta, Leonardo sabia que Ryo omitia partes de suas histórias, especialmente quando pediu que evitassem expor completamente seus corpos um ao outro por um tempo. Aquilo foi o suficiente para o rapaz conectar alguns pontos.
Quase no mesmo dia, ele trouxe remédios para dores internas e fez exames rápidos de IST. Além disso, na primeira semana, além de levar Ryo ao hospital para suturar os ferimentos, Leonardo arrumou uma desculpa para levá-lo a um coloproctologista e a um urologista da região. Por sorte, como foram atendidos rapidamente, os problemas foram completamente tratados, e Ryo não possuía nenhuma IST.
Para Ryo, ser cuidado por Leonardo era tudo o que ele precisava naquele momento. Não precisava responder perguntas que não queria, nem relembrar coisas que preferiria esquecer. Em vez disso, era envolvido em amor, carinho, conforto e cuidado. No entanto, o rapaz sabia que sua mentira sobre o “acidente” ainda não havia sido validada. Mesmo assim, ali, naquele instante, ele estava feliz. Feliz por não precisar dar explicações, feliz por sentir os beijos de Leonardo em seus ombros e as mãos do namorado acariciando sua cintura com uma doçura que o aquecia por dentro.
Por trás dele, Leonardo continuava a cuidar de Ryo com extrema delicadeza. Sua voz soou suave, quase em sussurros:
— Isso tudo vai passar… Eu prometo a você. Vou passar o sabão em você, meu amor… Se doer, por favor, não esconda de mim. Não quero machucá-lo… — Enquanto falava, usava uma esponja para lavar os machucados do rapaz, mas com tanto cuidado que parecia nem encostar em sua pele, com medo de causar-lhe qualquer dor.
— Meu doce luar… não se preocupe tanto, não vou quebrar com uma esponja. — Ryo disse, se virando para beijar Leonardo com carinho e por um tempo relativamente longo. — Viu? Estou bem até para beijar agora. Minha boca não dói mais tanto! — Ele tentava acalmar as preocupações do namorado, usando a imagem da lua para elogiá-lo. Por algum motivo, Ryo sempre sentia algo etéreo e quase celestial ao ver Leonardo sob o luar, longe da sujeira e do caos das grandes cidades.
Quando finalmente saíram da banheira e se secaram, ambos foram para o sofá em frente à lareira. Leonardo se vestiu rapidamente para poder refazer os curativos e aplicar os remédios necessários no corpo de Ryo. Somente depois disso, o rapaz se vestiu com roupas largas, mas estranhamente frescas e confortáveis. Juntos, foram para a cozinha, onde Leonardo esquentou duas grandes pizzas que trouxera da cidade e serviu dois refrigerantes de dois litros, ainda surpreendentemente gelados. Ao olhar para a quantidade de comida, Ryo não pôde evitar uma estranha sensação de que faltavam duas pessoas naquela mesa.
Mas, no fim de tudo, estava tudo bem. Afinal, eles estavam ali juntos, cuidando um do outro, como sempre fizeram. Em meio a tantas dificuldades, Leonardo ainda conseguia arrancar risadas descontraídas de Ryo e fazê-lo comer carne sem que ele percebesse ou sentisse repulsa pelo gosto. Leonardo o fazia se sentir vivo quando Ryo achava que mais ninguém seria capaz. E Ryo, por sua vez, fazia Leonardo se sentir amado, mesmo em seus dias mais sombrios.
No entanto, ambos sabiam que aquela felicidade em meio ao caos era apenas momentânea. Sabiam que, mais cedo ou mais tarde, teriam que enfrentar a realidade. Mas, por enquanto, estava tudo bem. Eles permitiram-se ser egoístas por um pouco mais de tempo. Ainda haveria muito tempo para confrontarem a verdade. Naquele momento, tudo o que desejavam era fingir que nada havia acontecido.
Enquanto comiam e riam, Leonardo olhou fundo nos olhos de Ryo e, com um sorriso, perguntou:
— Ryo, seremos nós dois, certo? Até o fim e além dele…
Ryo olhou para ele, um sorriso sincero, mas doloroso, estampado em seu rosto. Seus olhos estavam cheios de lágrimas quando respondeu:
— Até o fim e além dele…
Após juras de amor, o quarto general Toyosaki Ryo finalmente acordou de seu sonho. Olhou ao redor, sentindo-se revigorado após a primeira noite verdadeiramente tranquila que teve em muito tempo. Ao esticar os braços, ainda segurando Uroborosu, ele notou uma pequena marca, semelhante a uma rachadura, em seu antebraço. A marca desapareceu em um piscar de olhos, mas Ryo não se preocupou muito, atribuindo-a a um efeito do sono. Rapidamente, se levantou, pronto para se arrumar, organizar seus pensamentos e ler as cartas de sua mãe. Ele queria respondê-las o mais rápido possível, para tranquilizá-la e evitar que ela se preocupasse tanto com seus sentimentos em relação a ela.
Depois disso, Ryo decidiu focar em três objetivos principais: encontrar o andarilho capaz de libertar Uroborosu e Seiryuu, reencontrar Leonardo e surpreendê-lo com a recuperação da maioria de suas memórias, e, por fim, entregar o presente de Gonkuro a Liu Guang. Ele faria tudo isso por Gonkuro, por Leonardo, por sua mãe e por todos que dependiam dele.
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O autor tem algo a dizer:
O capítulo 41, pode abordar temas sensíveis para alguns leitores. Entendendo isso, peço perdão àqueles que se sentirem desconfortáveis ao ler, além de ressaltar aqui, que esses temas não devem serem tratados de maneira leviana. Não aceitarei comentários que desvalorizem a dor daqueles que passaram por qualquer situação minimamente parecida com a de Ryo. Dito isso, peço desculpas mais uma vez a qualquer um que se sinta desconfortável; alguns capítulos realmente não serão fáceis de ler.
Além disso, fico com medo de que minha escrita não esteja à altura para representar toda a situação de Toyo após o trauma. A partir daqui, alguns tiques que o rapaz não apresentava anteriormente serão mais evidentes. Reitero que ele ainda não se lembra totalmente de sua vida antes de ‘’transmigrar’’, o que, claro, envolve seu trauma e algumas outras coisas.
Por último e mais importante, se você, leitor, que está aqui, está passando ou passou por alguma situação de abuso físico ou psicológico, denuncie e busque apoio. Disque 180 ou 191.
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Capítulo 41
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Entre Espadas
Um relacionamento que acabou de maneira conturbada e um acidente que causa a morte de ambos, foi assim assim que Ryo e Leonardo se viram em um mundo feudal durante um xogunato, onde aparentemente...