CAPA ALMAS EM CINZAS

Falhas Eternas 02 – Almas em Cinzas

60. O caminho de outrora

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No Pico das Nuvens, Huo Liangyi abriu um livreto erótico para se distrair de perturbações. Ele se sentou na mesa e começou a vagar entre as pinturas e descrições de orgia uma após a outra, ao lado de uma garrafa de quase mil anos de vinho espiritual.

A saúde de Xie Yan havia piorado com uma doença nos pulmões. Seus ferimentos externos haviam sido tratados perfeitamente, não havia infecções ou quaisquer sinais de alterações em seus meridianos, ou no fluxo de qi. Na verdade, já era para esse garoto ter acordado. Xie Yan estava perfeitamente bem, mas, devido à doença, sua tez ficava cada vez mais pálida.

À noite, principalmente, o garoto surtava, ainda inconsciente e delirava, gritando nomes e amaldiçoando pessoas. Palavrões e xingamentos que nunca sairiam de sua boca e, às vezes, ele abria os olhos, injetados de sangue. Ele estava sendo consumido pelo rancor e pela dor da traição.

Se esse garoto sucumbisse ou morresse, Shen Zhengyi não poderia ser controlado. Ele também não se perdoaria se algo acontecesse a Xie Yan. Um suspiro cansado saiu dele.

— Shizun… — uma voz tímida veio da direção da porta.

You Xiaolin, há dias, estava pisando sobre agulhas, ao estar perto de seu mestre. Seu temperamento, que já não era dos melhores, havia decaído a um ponto que ele explodiria a qualquer momento.

Mestre Huo elevou seus olhos, encarando o discípulo que tremia até em seu pau. Ele piscou, removendo aquela camada odiosa em seu corpo.

— Eu lhe disse que não gostaria de ser interrompido.

— Shizun, o enviado do tribunal divino, gostaria de ter uma consulta.

Um sorriso perigoso escapou e ele fechou o livreto erótico.

— Mande o enviado ir procurar um pau para chupar. Não estou de bom humor para receber ninguém.

Apesar de sua tez serena, suas palavras afiadas fizeram You Xiaolin tremer. Nunca havia visto o shizun dessa forma. Se ele entrasse em combustão espontânea, não seria incomum.

— Líder Xi também está com ele.

— Melhor ainda, mande-o chupar o pau desse enviado e me deixar em paz! — Com o livreto erótico enrolado, ele bateu na mesa com força e a madeira se partiu.

You Xiaolin deu um passo para trás. Percebendo isso, Huo Liangyi respirou tão fundo que quase perdeu o ar.

— Desculpe-me por isso, Xiaolin. — Ele esfregou as têmporas várias vezes, a expressão suavizando um pouco.

O alquimista pensou por alguns segundos e usou seu poder espiritual para enviar uma mensagem diretamente para aquelas pessoas no sopé de seu pico.

You Xiaolin saiu apressado ao ver seu mestre praticamente desabar sobre o branco de madeira. Se um Shizun irado já era ruim, um shizun exausto era ainda pior!

Quando voltou, ao procurar por ele, o encontrou na adega de vinhos ao lado de um barril e uma cabaça sendo enchida.

— Xiaolin… — sua voz estava mais suave.

Não havia uma hora que ele saiu e Mestre Huo estava bêbado.

— Venha beber comigo. — Ordenou.

Assim que as palavras morreram em sua boca, You Xiaolin sentiu uma força invisível o puxar para frente. No segundo seguinte, ele estava sentado na coxa de Huo Liangyi. Que tipo de situação bizarra era essa?

— S-Sh-Sh-Shizun, o que está fazendo? — You Xiaolin estava assustado.

Merda! Se ele estava tremendo antes, agora até mesmo seu coração batia erraticamente, como se um cantor desafinasse em sua apresentação. Ele estava realmente com medo!

— Fique quieto, só quero afagar seus cabelos.

E foi o que Mestre Huo fez. Os cabelos desse rapazinho, cujo ainda era seu discípulo, eram tão macios que deixavam o maldito alquimista em paz.

— Como está sua visão? — Enfiou um copo nas mãos de seu discípulo.

— Está bem. A cegueira noturna também está melhor. — Respondeu com timidez, ele não sabia o que fazer.

— Você quer ouvir uma história?

Certo, o que isso tinha a ver com sua visão? Mas bem, ele não sabia lidar com esse shizun gentil e amável que lembrava seu próprio pai, porém sentia-se um pouco curioso. Huo Liangyi também não era do tipo que contava histórias ou algo sobre seu passado. Era sempre fechado, mal dava abertura para uma conversa que não fosse sobre alquimia.

— Que tipo de história?

— Vou lhe contar como conhecemos Xie Yan.

 

  

Vila Hong, anos antes

 

Os raios de sol escaldantes incidiam nas costas de Huo LiangYi. Seu humor, naturalmente afiado, ainda estava pior. Ele detestava o sol, detestava o verão e detestava o suor, e detestava aquela situação à qual estavam se dirigindo. Ao lado dele, Shen Zhengyi estava tão reto e indiferente à temperatura que Mestre Huo achou, por um momento, que encarava um cadáver.

— Zhengyi, você não sente calor?

O jovem de aparente vinte anos retirou o véu do rosto e encarou o outro. Nessa época, seus traços eram muito infantis ainda, mas sua apatia já era o suficiente para afastar os moradores daquela pequena vila.

— Eu sinto, mas por que eu reclamaria? Não iria melhorar!

Huo Liangyi o olhou consternado quando o viu apressar o passo. Isso fazia sentido, o mais velho pensou.

Eles se dirigiram à única pousada daquele lugar pobre. Shen Zhengyi franziu a testa, sua mania por limpeza florescia quanto aquele lírio na porta da pousada. A pousada, que se descobriu ser também uma taverna, estava prestes a ruir.

— Dois quartos, por favor. — Huo Liangyi colocou uma bolsa de moedas sobre o balcão e a quantidade de poeira que subiu foi suficiente para criar uma nuvem de poeira. O grande alquimista Huo travou o maxilar com raiva. Até mesmo ele estava começando a ficar enojado.

— Que tipo de espelunca não limpa suas acomodações? É o mínimo a se fazer!

— Ge, seja mais educado.

— Estou sendo educado. Dois quartos, por favor.

O estalajadeiro não pareceu ter ouvido e continuou de costas. Ele não se mexia, sua respiração era quase impossível de notar. Huo Liangyi tomou a frente e estendeu a mão em direção às costas do velho homem.

— Senhor…

— Papa! — Um grito veio de trás, na porta da pousada.

Huo Liangyi recuou. Uma garotinha apressou-se para correr, enquanto se afastava da mãe. Seu sorriso alegre era como o de uma criança de cinco anos, mas ela já entrava na adolescência, por volta de seus doze anos. A jovem moça correu para aquele homem imóvel atrás do balcão e pulou sobre ele. A situação seguinte pareceu como se os minutos passados tivessem sido uma miragem.

O velho abriu um sorriso e abraçou a filha com tanto carinho que transbordava através do balcão.

— Vou levá-los até o quarto. — A mãe e da criança se apresentou com um sorriso gentil.

Para uma mortal, ela já estava na meia-idade, por volta dos trinta e nove anos, baixinha e suas roupas eram bastante humildes.

— Desculpem-me pelo meu marido. Ele é um pouco surdo, mas é uma boa pessoa. — Ela explicou enquanto recebia a bolsa de Huo, aceitou humildemente o gesto de boa fé e os direcionou para o pátio mais luxuoso daquela “espelunca”.

A mulher de sobrenome Bai foi a frente de ambos cultivadores de cabeça baixa. Apenas por suas roupas de qualidade, ela sabia quem eram e suas origens. O uniforme de Tian Cang era reconhecível até aos mortais.

Mestre Jun, uma vez recitou um verso quando tirou a vida de um cultivador demoníaco infiltrado numa família nobre. “Na escuridão, os dragões dourados surgem. Eles rugem diante o céu e trazem luz ao mundo. Não temam a escuridão, mas aqueles que se disfarçam sob a luz.”

A Senhora Bai conheceu aquele antigo ancião daquela seita uma vez quando era jovem e também se lembrava desse rapaz de cabelos cor de fogo. Eram duas figuras notáveis que nunca esqueceria. Eles a deixavam numa sensação alienada. Mas o jovem ao lado, do rapaz de cabelos alaranjados… era uma sensação sinistra. Senhora Bai não conseguia olhar em seus olhos, encarar o seu rosto ou manter seu corpo voltado para ele.

— Chegamos.

A velha senhora abriu o portão da lua e um enorme pátio, muito diferente da espelunca que se encontrava a frente da pousada. Um jardim de crisântemos azuis e roxos cobria todo o jardim e havia duas residências opostas com até mesmo um campo de treinamento. Pareciam estar em outro lugar, num mundo completamente diferente.

Shen Zhengyi observou o local com cuidado, como se olhasse para um inimigo.  Ao contrário de seu temperamento anterior, Huo Liangyi, com gentileza, acompanhou a Senhora Bai até o portão e quando se virou, sentiu-se amargo ao observar seu velho amigo.

Seu robe externo flutuava com as ondas calmas e combinava perfeitamente com seu temperamento exterior: um homem nobre, educado e gentil. Ele respirou profundamente o ar e olhou para o céu.

E seu interior era como uma tempestade. Repleto de trovões e relâmpagos, ameaçando destruir sua fachada calma e distante. Parecia estar contendo algo, segurando uma montanha em suas costas. Cada ação e palavra calculadas com precisão. Ele respirou profundamente, tentando buscar o conforto.

— Zhengyi. — O mais velho esperou por muito tempo até que ambos pudessem se encarar com firmeza. — Vamos descansar. Estamos viajando há meses, você principalmente precisa descansar.

— Estou melhor, não se preocupe.

— Melhor? — Mestre Huo riu. Ele baixou a cabeça, puxando sua franja com força. — Vá a merda, entre logo vamos cuidar de você, seu pirralho!

Não podia culpá-lo pelo seu temperamento. Shen Zhengyi tinha o poder de levá-lo ao extremo com poucas palavras!

— Ge, eu realmente estou bem.

— Então cale essa boca fodida e entre Shen Zhengyi!

Ele caminhou até o pirralho e o puxou pela mão até o quarto. Vez ou outra, um gemido de dor poderia ser escutado. O cuidado de um médico não era o que Huo Liangyi tinha naquele momento. Uma frase também era sempre poderia ser escutada saindo da boca daquele alquimista:

— Sinta dor para saber que está vivo, mas nunca tente causá-la em seu corpo. As mãos, os braços são uma parte essencial de um cultivador. Caleje suas mãos, mas nunca tente cortá-las.

Ao dizer isso, todas às vezes, Huo Liangyi olhava ardentemente para o pirralho mais novo. Ele desenrolava as ataduras, que estavam começando a se avermelhar.

— Mas… — O jovem pareceu querer chorar. — Eu as matei, ge… e eu me senti bem. — E abriu um sorriso desamparado. — O que eu me tornei?

Depois de dois meses sem esboçar uma reação, ele abriu um sorriso, seguido por uma risada.

— Era tão bom sentir sua carne retorcer e seus músculos se partirem em minha frente… por quê? Por que fiz isso?

Huo Liangyi podia ver uma escuridão nos olhos de Shen Zhengyi, algo que estava crescendo e se acumulando desde que se reencontraram. Ele cerrou os dentes com força, sabia que precisava fazer algo por ele ou algo muito pior poderia acontecer.

— Fique quieto, ou vou lhe fazer sentir ainda mais dor. — E imediatamente, o paciente se calou.

Então continuou a desinfetar a ferida. Os cortes nos antebraços não tinham direção definida, foi como se ele próprio tentasse descaracterizar aquilo como um braço, deixando-o na carne, deixando que um corte se aprofundasse tanto a ponto de chegar no osso.

Depois de muito tempo em silêncio, um murmúrio sombrio veio da boca de Shen Zhengyi.

— Me deixe morrer…

— Minha vida depende da sua, mesmo que você não queira… eu desejo viver. — Respondeu com o cenho franzido. — Deite-se.

Shen Zhengyi o obedeceu. Huo Liangyi tirou um incenso da manga e segurou a ponta, aumentando sua temperatura corporal o fez acender.

— Vai ajudá-lo a relaxar.

— Desculpe, eu não…

Obedecendo o mais velho, Shen Zhengyi virou, ficando de costas. O quarto ficou em silêncio até que um choro, baixo, preencheu o ambiente. O cobertor tremia de acordo que as lágrimas continuavam. Não era a primeira vez que isso acontecia, mas desejava que fosse a última.

A noite caiu, o dourado desapareceu e proporcionou oportunidade às trevas. E foram elas que tomaram a coroa quando a lua se tornou a única fonte de luz no céu.

A floresta espiritual estava quieta, como se não houvesse vida. Penetrando entre as árvores, feixes de luz cobriam as folhas alaranjadas, dando cor ao ambiente. Gotículas de água escorriam e pingavam, devido à recente chuva passageira.

Um arbusto se mexia, folhas caíam. Um som mouco se fez contra o tronco de madeira velha e descamou a parte superficial. A seiva branca escorreu, como o sangue que descia do pescoço daquela garotinha.

A mulher, que tinha seu corpo amarrado à árvore, não era capaz de pedir ajuda: sua língua cortada e parte do pescoço danificado, impedia qualquer som de eclodir. Os hematomas nos pulsos e tornozelos, no entanto, não a impediam de se mexer e resistir. Do outro lado, um homem amarrado, inconsciente, com os pés cortados e roupas de camponês.

Um jovem segurava a garotinha em suas mãos com um sorriso no rosto. Um sorriso tão perverso quanto o fantasma mais pervertido e uma aura tão maligna como uma alma em decomposição. Uma aura instável e obsessiva.

Com uma das mãos, esse jovem terminou de arrancar a cabeça da criança e focou sua atenção na mulher. A única coisa que ela viu, foram os olhos vibrantes por debaixo da máscara branca e de bordas pretas, sem expressão.

Ele limpou a lâmina da espada nas roupas da criança e foi em direção ao marido dessa mulher. E antes que pudesse se aproximar lentamente do homem desacordado, o rapaz sentiu uma lâmina espiritual em sua direção. Deu um passo para trás.

Do outro lado, a mulher pareceu sentir esperança. Um rastro de energia alaranjada, coberta por um calor, queimou a madeira e folhagem por onde passou.

— Você tem desejo de morte tão grande?

Shen Zhengyi balançou seu olhar direto para Huo LiangYi, não havia emoção, muito parecido com um boneco, ele desviou o olhar logo em seguida. A presença do alquimista, para ele, naquele momento, era pífia. Um elefante olhando para uma formiga.

A espada foi apontada para a mulher e no segundo seguinte, a cabeça dela foi cortada. A massa de ossos, carne e líquidos, desabou como um grão de milho.

— Ela viu meu rosto. — Apontou para o corpo da criança. — Não tive escolha, a mulher tentou salvar a criança e quando tentei levar as duas, esse homem surgiu. — Limpou a espada — O homem tentou salvá-las, então eu os trouxe.

Essas pessoas eram os donos da pousada que eles se hospedaram naquele dia mais cedo!

Sem hesitação, o alquimista ficou de frente ao seu contratante, ergueu as mãos com movimentos rápidos e precisos e desamarrou a fita que segurava a máscara no rosto. A máscara caiu no chão, mas não fez som algum, revelando uma expressão que mesclava, desprezo, tristeza e desafio.

— Não faça esse tipo de coisa novamente.

O olhar direcionado para Huo Liangyi, não era mais vazio ou impassível como antes. Agora, seus olhos brilhavam com um ódio profundo, uma emoção tão intensa que parecia capaz de consumir tudo ao seu redor. Que estava o consumindo por dentro.

— Vai fazer o quê exatamente Xiao Shidi? Vai me matar? — Huo Liangyi retrucou, um tom desafiador e arrogante, aquele sorrisinho irônico no canto dos lábios. — Você não tem coragem, certo?

Mais uma vez caíram em silêncio. O olhar que retornou para Shen Zhengyi era tão assustador que o fez, mesmo descontrolado, sentir um calafrio assustador. O alquimista parecia olhar diretamente para sua alma, no interior do seu mar do conhecimento. No entanto, ele não recuou.

— Posso tentar.

Eles se encaravam com um desejo de sangue, como se fossem verdadeiros inimigos.

— Se acertar um golpe, deixarei fazer o que quiser.

Shen Zhengyi não respondeu imediatamente, seu olhar baixou, indo para as mãos de Huo Liangyi. Os dedos se mexendo, criando faíscas de fogo, sendo cobertos gradualmente por uma coloração branca. Era a primeira vez que o via usando aquilo.

Duas faixas de luz atravessaram a floresta espiritual sem cessar. Quanto mais Zhengyi ataca, mais ficava cansado e assim Huo Liangyi só precisaria levantar um dedo para derrubá-lo. Por onde passavam, ambos deixavam um rastro de destruição, perturbando os vivos e os mortos. A floresta não parecia aceitá-los e Huo Liangyi subiu uma parede de fogo.

Durante esse tempo, Huo LiangYi sequer se esforçou para se desviar de algum golpe. Parecia estar brincando com o outro.

— Faz um sichen, está amanhecendo. Não fez sequer um arranhão. Por que insiste em continuar?

Shen Zhengyi parou de repente e fitou o chão com um olhar vazio. Sua respiração estava pacífica apesar do esforço que havia feito. Estava tentando se manter no controle.

— Eu me arrependo de tudo, ge. Naquela época, eu deveria ter aceitado meu destino… — Shen Zhengyi se ajoelhou no chão, mal conseguindo se manter de pé. Ele parecia mais calmo, o descontrole desaparecendo. — Não consigo controlar isso mais.

— Nunca se sabe. — Liangyi voltou a se aproximar, mas não ousava ser descuidado, estava preparado para atacá-lo se fosse necessário. — Mas, nunca deveria ter levantado a espada para um inocente. Não o ensinei a ser um covarde.

— Um dia, o carma virá cobrar o equilíbrio e estou preparado para isso há trezentos anos. — Um sorriso triste ocupou seu rosto — Minha existência se estendeu a um ponto insuportável.

— Estou cansado de repetir. — Deu mais um passo percebendo que o mais novo estava completamente sóbrio. Huo Liangyi tinha uma expressão furiosa. — Sua vida é importante.

— Para quem ge? Não tenho ninguém mais, tudo que eu conhecia se foi. Eu quero…

Estalo. A marca de cinco dedos foi imediatamente inferida na pele alva. Shen Zhengyi apenas sentiu o peso e o aperto, mas não a dor do braço quebrado sendo colocado no lugar e a dor da regeneração pela cura do alquimista. Também não a sentia por muito, muito tempo.

— Posso ser uma pessoa dura, Xiao Yi. Mas, sua vida é importante para mim. Não é só porque temos um contrato. Existem pessoas nesse mundo que se importam com você, seja no passado ou no presente e terá no futuro.

Nenhum deles falou algo por muito tempo, apenas olhando um para o outro. Os raios de sol dourados surgiram no horizonte e cobriu toda Long Quan. Mesmo com a luz mais dourada, Zhengyi parecia tão pálido quanto a nuvem mais esbranquiçada navegando pelos céus. Parecia solitário, sem vida e fraco. Tão frágil que a qualquer momento, ao flutuar, se fundiria com o mundo porque desejava desistir.

— Não faça isso novamente, controle seus instintos. Se sentir que vai perder o controle, você tem a mim. — Suspirou cansado — Você não é um animal irracional, você é Shen Zhengyi.

As palavras o deixaram com olhos arregalados e sentiu nostalgia ao escutá-las e se viu com um sorriso amargo.

— Não ouse pedir perdão, porque não sou aquele quem precisa disso. E mesmo implorando, nunca o terá. Sua covardia e seu medo foram suficientes para isso, então carregue essa culpa e faça alguma coisa com ela.

Huo Liangyi tinha razão. Isso era somente mais um peso em sua consciência. As pessoas que havia matado, o sangue que pingava de suas mãos era espesso demais para serem lavados.

No passado, as pessoas consideravam Cai Xing cruel, mas ele quem era mais baixo e cruel. Shen Zhengyi e Yu Mei, ambas suas vidas ele esteve sóbrio e nas duas, ele foi um assassino. Um assassino cruel, mentiroso e covarde.

Olhou para as ataduras no braço, encharcadas de sangue. Ele não merecia esse cuidado. Não merecia nada disso. Não merecia a segunda chance que teve.

Choro.

Inesperadamente o som de um choro infantil eclodiu no ar. Parecia desesperada, como se o pequeno ser gritasse pela vida. Eles não pareciam mais estar perto da Vila Hong.

Shen Zhengyi se levantou e, instintivamente, caminhou através da floresta, indo direto para a origem daquele choro. Ele ignorou os chamados de Huo Liangyi, parecendo ser atraído para aquele lugar.

Assim que se aproximou, ele viu. Um grande círculo mágico no meio da floresta. Cinzas se espalhavam pelo vento e o cheiro de petricor misturado a isso, adentrou suas narinas. Um altar com velas ainda acesas, estava na direção norte daquele círculo mágico.

No meio do círculo mágico havia uma criança. Ela estava enrolada em alguns panos de seda sujos. Ela parou de chorar quando notou a presença daqueles estranhos perto deles. Um par de olhos esmeralda encontrou Shen Zhengyi.

Quando percebeu, Shen Zhengyi estava com a criança no colo. Havia a envolvido em seu manto ensanguentado e ela dormia tranquilamente, já não mais chorava. Ele olhava para o garotinho com os olhos marejados.

— Você sabe cuidar de uma criança? — O alquimista perguntou, ao se aproximar por trás. Ele colocou a mão no topo da cabeça de Shen Zhengyi. — Se você não sabe, tome isso como um aprendizado. — Olhou para a criança, como se visse o seu passado — Será sua responsabilidade e sua vida. Valorize a vida dessa criança como deveria fazer com a sua.

Em Tian Cang, Huo Liangyi sentiu uma ondulação no ar. Seu cenho franziu e, no segundo seguinte, seu corpo havia desaparecido. You Xiaolin, por sua vez, caiu da cadeira indo direto com a bunda no chão.

 

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Shen Zhengyi sentiu seu coração apertar quando viu os machucados no corpo de Cai Xing. Uma sensação de obscuridade, aquela que aprendeu a controlar há muito tempo, se agitando.

Não era difícil para Cai Xing perder para aquele fantasma. No momento a seguir, partes de suas roupas estavam rasgadas, alguns filetes de sangue escorriam pelo rosto e devido ao caos na sala, o odor nojento de sangue havia impregnado em suas narinas.

Ele não havia tirado Cheng Xing, que há muito tempo, estava vibrando em ansiedade. Não estava confiante de que conseguiria lidar com a arma se a tirasse da bainha nesse tipo de ambiente. Nesse ponto, arranhões e cortes faziam parte de seu corpo.

Com certeza, Cai Xing estava em apuros, mas o fantasma também tinha suas desvantagens. Ele não conseguia se livrar das habilidades espirituais herdadas de Shen Zhengyi, logo que, todas elas eram habilidades de purificação e expurgo de energia do mal. Cai Xing cuspiu um bocado de sangue, havia levado um golpe no maxilar e deixou Baobei de lado, guardando a espada.

Um pequeno lótus avermelhado surgiu na palma de sua mão, o poder emanado dele não parecia ser muito. Shen Zhengyi se perguntou o que seu discípulo tinha em mente após retornar, após ter resgatado aquelas pessoas.

Do lado de fora, Luo Ying já tinha subjugado os três homens que sucumbiram a energia ressentida e estava controlando a multidão. Também, como um integrante do palácio imperial, já havia mandado uma carta para o Imperador.

Shen Zhengyi, ao ouvir sobre isso, sentiu-se desconfortável. Huang Longwei lhe deixava desconfortável, como se pudesse ver através de tudo. E não era pelo simples fato dele ser um cultivador poderoso ou fosse o único astrólogo vivo. Um sentimento controverso e inexplicável de medo.

Esse sentimento abrasador, o levava a Chen Dewei. Quando Cai Xing afirmou a cumplicidade dele na morte de Luo Hang, isso o fez questionar sua presença na corte.

Chen Dewei sempre foi muito ambicioso, mas não queria desconfiar da única pessoa que sempre esteve com ele, desde sua infância à vida adulta e essa confiança permanecendo até após a morte.

Uma espada atravessou o salão, em direção ao fantasma. Coberta por energia espiritual, o fantasma de olhos verdes, precisou desviar e deu um passo para trás.

— É estranho… — O fantasma inspirou o ar, buscando aquela energia pura.

Mas esse mesmo Shen Zongshi não deu tempo para o fantasma terminar seu questionamento. Ele controlou a espada para atacar o fantasma enquanto se colocava à frente de Cai Xing, que parecia em um péssimo estado.

— Você disse que conseguiria.

Se não conhecesse bem, Shen Zhengyi acharia que estava o tratando como um mentiroso arrogante. Arrogante, ele era… Cai Xing tossiu.

— Talvez eu tenha sido um pouco arrogante. Queria mostrar para shizun…

O mais velho, virou a cabeça parcialmente, dando a bela visão de perfil. O nariz arrebitado e aquele olhar profundo. O pequeno discípulo sempre se perdia nesse mar obscuro.

— Se você quer se mostrar, apenas arranque sua roupa e fique completamente nu. — O pequeno discípulo, quase se afogando naquele mar, detectou algum tipo de obsessão por trás dessas palavras. — Dessa forma, terá minha atenção…

Uma ambiguidade reconfortante naquelas palavras. Cai Xing não conseguiu esconder um sorriso. Repentinamente, ele se levantou, empunhando a espada. Baobei passou muito próximo ao rosto de Shen Zhengyi, mas ele não se moveu, deixando que o outro fizesse o necessário.

— Parece que gege está virando um “Lao Shen”. Seus sentidos não parecem os mesmos.

Voltando seu rosto para frente, “Lao Shen” viu que uma adaga estava muito próxima.

— Então terei que confiar no discípulo para guiar este velho.

O fantasma de olhos verdes, definitivamente, estava incomodado. Eles estavam flertando enquanto lutavam? Com quem acham que estavam lidando? Eles o menosprezavam!!!

— Cai Xing. — De repente, seu nome saiu da boca daquele fantasma, mas ele não ficou nervoso.

— Parece que o velhote me conhece Lao Shen.

— Você não parece se lembrar da montanha de facas. — Ele deu uma risada sinistra.

Um pressentimento sinistro surgiu em suas costas. E imediatamente ele arrancou Cheng Xing.

— Que velhote pervertido, pegando o corpo de uma criança… achei que o Submundo fosse ao menos respeitoso.

Shen Zhengyi, embora pudesse entender uma parte daquela conversa, ainda não conseguia chegar ao fim.

— Eu só vim pegar o que é meu de volta, afinal ainda faltavam alguns anos para nosso encontro. — O fantasma lambeu suas mãos, que estavam lambuzadas de sangue.

— Protetor Yuzhu, o que raios vocês estão tramando? — Shen Zhengyi perguntou ao apontar Flor de Outono para seu inimigo.

Uma quantidade exagerada de adagas afiadas, com um brilho sinistro em suas pontas, estavam apontadas para eles. Os cadáveres que haviam se levantado por Cai Xing e agora estavam fatiados, aqueles que estavam pregados nas paredes, criaram uma montanha de carne que ainda escorria sangue. Aquelas adagas eram o que prendiam os corpos às paredes.

Um riso afiado, porém zombeteiro, saiu dos lábios de Cai Xing. Ah… era ele quem estava ficando velho… como não podia reconhecer aquelas malditas facas que arrancavam sua pele todos os dias, que furavam seu corpo e o deixava à beira da morte, que adentravam seus pés quando ele pisava todos os dias tentando escalar a montanha?

Porra!

Flor de outono voltou a bainha e Shen Zhengyi ficou de costas para Cai Xing e pensou no quão ridícula era essa situação. Um Protetor do inferno não tinha habilidade ou poderia vir ao reino humano tão facilmente. As leis do mundo eram justas e inquebráveis a menos que o Líder Celestial ou o Protetor do Inferno as reescrevesse!

O que raios no mundo estava acontecendo?

Que tipo de conspiração era essa?

A aura ao redor desse Grão-Mestre estava tão fria que a temperatura daquele lugar baixou. Era verdade que cultivadores poderiam interferir no ambiente ao seu redor quando chegassem a certo nível. Mas, Shen Zhengyi era capaz disso?

Um círculo brilhante surgiu nas irises de Shen Zhengyi. O Protetor Yuzhu sentiu que havia algo de errado com essa pessoa. É impossível um cultivador da alma nascente ter esse tipo de aura aterrorizante. Precisava estar atento a essa pessoa, ou melhor. Precisava matá-la.

— Um outono. A primavera se esvai. O verão desabrocha trazendo seus frutos e no inverno tudo congela.

Pequenos pontos brilhantes surgiram ao entorno dos dois, formando uma teia. Em suas mãos, em vez de uma espada, um cetro que soltava pequenas lascas de gelo e fumaça congelante surgiu. Um brilho cortante, banhado pelas luzes das lanternas esverdeadas, refletia o brilho e também o reflexo do rosto de Shen Zhengyi. Na ponta do cetro, um orbe num azul tão claro podia ser confundido com uma pílula medicinal ou seus próprios olhos.

— Venha, Huo Niao.

A temperatura baixou tanto que as paredes da mansão congelaram a ponto de estalarem e soltarem faíscas para voarem, formando pequenos cristais de gelo. E mesmo nas instalações mais afastadas no território da mansão do mestre da cidade foram afetadas pela alteração repentina de temperatura. O que já estava frio, se tornou mortal.

A mistura da energia yin com o poder do cetro criou uma camada espessa de gelo dentro de toda a cidade e do lado de fora, Luo Ying olhou para além da muralha, bastante preocupado.

Que tipo de perigo faria com que seu irmão mais novo tirasse aquele cetro com tamanho poder? Da última vez, ele invocou o cetro com menos de dez por cento do poder dele e agora esse valor acresceu pelo menos três vezes! Xiao Shen estava em perigo!

Luo Ying se lembra de como encontrou Shen Zhengyi, à beira da morte e ele estava tão branco que parecia um fantasma! Ele só escapou da morte porque havia algumas pílulas de nível celestial em suas mãos! Nem mesmo Huo Liangyi poderia ajudá-lo se o encontrasse na manhã seguinte!

Mas, naquele momento, Shen Zhengyi abriu um sorriso suave e disse que estava bem. Estava bem? Porra! Ele era um idiota por acaso? Nesse ponto, o quão mal ele ficaria usando tanto poder?

Bem, não havia o que fazer. O poder emanado dela era tremendo. Cai Xing precisou se ajoelhar e Cheng Xing, em sua mão, tremeu de medo. O que poderia deixar essa vadia com medo? Somente uma arma ainda mais poderosa! Como um rato medroso, ela se recolheu.

Esse tipo de pressão vinda de seu amado, só havia sentido durante seu pouco tempo na Corte Celestial! Shen Zhengyi havia ascendido? Mas não houve ondulações que denunciassem a ascensão para deus.

Para se tornar um deus, havia alguns caminhos. Um Asura, como Cai Xing se tornou alcançando a divindade pelos trilhos do sangue, da desgraça. Sendo escolhido pelo mal e linhas obscuras dos céus. Um deus marcial, com suas conquistas e benevolências em nome do bem-estar do mundo. E um Buda, através da iluminação.

Não havia nenhum relato na história durante os últimos séculos em relação a isso. Depois de sua divindade não houve ondulações da abertura da Corte Celestial. Ele teve tempo de ler todo tipo de escritura, roubando e espionando onde pudesse e até mesmo alcançando os maiores nomes na Cidade Sem Nome.

Ele era um preguiçoso, mas quando desejava algo, iria até o fim. E, se o perguntassem sobre a história do mundo marcial nos últimos setecentos anos, ele seria capaz de responder com coerência. Ele precisou de dois anos para catalogar toda informação que pudesse obter e estivesse disponível.

E, certamente, encontrou toda e qualquer espécie de brechas estranhas. Por exemplo, há o que ele chama de apagão. Depois do massacre liderado por ele, muita informação desapareceu, como se algo ou alguém tivesse ocultado e desaparecido com toda a informação, e só retornou à normalidade quando as seitas demoníacas caíram.

O surgimento de um novo deus poderia ser ocultado?

Shen Zhengyi bateu o cetro no chão e um tremor eclodiu, ele sendo o epicentro. De imediato, os corpos que estavam pendurados nas paredes e teto, caíram como gotas, de uma tempestade.

Protetor Yuzhu sentiu medo. Era uma sensação tão sinistra quanto ser observado pelo seu chefe. Todo seu corpo fantasma tremia, ele não negava que sentia medo, ele sempre estava com medo, logo que não poderia competir com os irmãos mais velhos. E mesmo após comer muito, ele sentia medo porque o poder era equivalente.

O Protetor do Submundo era um deus afinal. Um buda encarnado, criado da desordem e da escuridão, um ser totalmente imparcial e indiferente, que age conforme a balança. Nem mesmo a Vovó Meng conseguia escapar de sua ira. Essa pessoa na sua frente era o mesmo. Causava os mesmos delírios nele!

— Quem é você!? — Ele gritou — Você não é Shen Zhengyi!

Ele não parecia gritar para Shen Zhengyi e, ao mesmo tempo, para ele. Como se visse algo através daquilo.

— Não sei se é tolo ou apenas cego, por que diz disso?

A expressão em seu rosto, era desconhecida por Cai Xing, mas também não havia como reconhecê-la. A arrogância de alguém superior e fundação abaixo dessa arrogância. Além disso, havia um brilho indiferente sobre o azul em seus olhos. Era como o mar inerte em sua própria consciência.

Elegância e domínio. Mesmo mostrando um lado tão frio contra o inimigo, ele conseguia se manter como alguém sem defeitos, digno de demonstrar o que ele era. Ele também não sorria, mas sentia o cinismo cobrir os lábios. E provavelmente, sua postura relaxada, repleta de aberturas era o que mais irritava.

Sem que Protetor Yuzhu percebesse, Shen Zhengyi alcançou o nível mais profundo de seu poder. Era uma batalha no mar da espiritual!

Dentro do mar da consciência, o Protetor Yuzhu olhou para Shen Zhengyi. Ele estava impassível, olhando ao redor, a escuridão com tons esverdeados. Protetor Yuzhu deu uma risada. Uma risada inebriante e sinistra se desenhou nos lábios do Rei Fantasma, enquanto suas quatro pupilas se dilatavam em excitação. Uma risada decrépita ecoou, como se não acreditasse na audácia desse mero cultivador da alma nascente.

— Hahaha, você entrou no meu domínio!

Ele estendeu os braços e, repentinamente, fios ilusórios começaram a surgir de todo lugar. Eram tão finos quanto um fio de aranha, mas o brilho refletido neles era como o de uma lâmina poderosa. Eles estavam cobertos com uma gosma verde e soltavam fumaça, um odor doce se espalhou pelo ar.

Atrás do Protetor Yuzhu, uma lua gigante surgiu no horizonte. Sua luz pálida e fantasmagórica se refletiu nos olhos de Shen Zhengyi, parecendo hipnotizá-lo. Esse era o domínio celestial de um cultivador acima da alma nascente! O lugar onde aquele rei fantasma era o verdadeiro rei!

Os fios ilusórios se agitaram, um tremor antes que eles começassem a aparecer e desaparecer em posições diferentes. Eles eram como espadas indo e voltando. Mas, Shen Zhengyi não se moveu, apenas seus olhos acompanhavam o movimento dos fios ilusórios que cada vez mais se aproximavam do seu corpo.

Quando aqueles fios que cortavam como uma espada afiada estava prestes a dividir seu corpo no meio, Shen Zhengyi saltou para trás desviando do ataque. Seu corpo se contorceu no ar logo em seguida para se livrar de outro ataque e pousou na superfície da água. Ele segurou o punho de Flor de Outono, enquanto desviava de outro ataque e desaparecia no ar.

Numa única respiração, Flor de Outono cortou o ar várias vezes, golpes sucessivos cortando os fios ilusórios. Protetor Yuzhu, que ocupava o corpo de uma garotinha, franziu a testa por um instante, suas mãos se mexeram e os fios ilusórios se rearranjaram formando um emaranhado, prendendo Shen Zhengyi no meio dela. Seus braços e pernas foram presos, um filete de sangue escorrendo de seus membros.

Um estrondo fez com que, de repente, uma serpente quase do tamanho da lua aparecesse no lugar do Protetor Yuzhu. Essa era sua forma mítica! Uma serpente demoníaca! Sua língua deslizou para fora da boca e seus olhos, amarelos, encararam Shen Zhengyi no mar da consciência.

A serpente deslizou acima dos fios ilusórios e sua cauda se enrolou em torno do corpo de Shen Zhengyi.

— Finalmente posso devorá-lo!

Protetor Yuzhu abriu a boca e preparou o bote, mas de repente, sentiu um frio percorrer pelo seu corpo. Em algum momento, uma energia fria invadia seu subconsciente. Uma névoa espessa se espalhou pelo seu mar espiritual e congelou os fios, quebrando-os. E toda aquela ilusão se partiu, fazendo Protetor Yuzhu soltar um grito de desespero na realidade.

A batalha agora não era mais dentro do mar espiritual! A paisagem se quebrou. Tudo isso se passou em apenas um instante e, do lado de fora, toda a residência do mestre da cidade agora estava completamente cercado por chamas brancas. O qi yin no ar começou a congelar em cristais de gelo. Um reino de gelo havia se formado. Era a melhor maneira de fortalecer o poder de um cultivador demoníaco. Shen Zhengyi era capaz de usar o domínio do gelo por alguns minutos mesmo estando na alma nascente!

Nesse momento, os olhos de Cai Xing foram tingidos de um vermelho intenso, evidenciando a intensidade do qi yin presente. E, de repente, sentiu uma descarga de energia impulsionar seu corpo. A energia vinha de Cheng Xing.  Ele era como um ponto de cor em meio à névoa branca.

A verdadeira Espada Celestial Demoníaca, a lendária Cheng Xing. Protetor Yuzhu sentiu-se instintivamente mais alegre. Se ele pudesse roubar essa espada, se tornaria, imediatamente, o primeiro oficial do submundo. Deveria aproveitar a oportunidade e roubá-la para si? Não podia deixar essa chance deslizar de sua mão!

Um sorriso perverso se formou naquele rosto inocente. Um vórtice começou a se formar atrás do Protetor Yuzhu, o qi yin lentamente se condensando em esferas sombrias. Elas pulsaram e começaram a girar em seu eixo. Cada esfera tinha um poder aterrorizante e sinistro.

Shen Zhengyi franziu a testa, preocupado. Isso não era algo com o qual estava esperando.

— Preciso de algum tempo para me preparar. — Ele sussurrou para Cai Xing, que assentiu taticamente.

Shen Zhengyi girou o cetro criando uma ventania. Não poderia deixar que essa criatura do submundo completasse quaisquer habilidades poderosas.

Acompanhando a ofensiva, Cai Xing decidiu testar algo que havia usado poucas vezes em sua vida anterior, uma de suas habilidades desenvolvidas durante seus anos na Corte Celestial. Na última década, ele tentou replicar isso para seu nível, porém isso o desgastava muito. Embora ele tenha praticado bastante nos últimos anos, não depositava muitas esperanças nessa habilidade, mas vendo as circunstâncias, valia a pena tentar.

A primeira habilidade consistia em transformar sua aura demoníaca que envolve suas mãos em garras, capazes de drenar a energia vital dos inimigos a cada golpe acertado. Quanto mais sangue e obsessão derramados, mais essa habilidade se fortalece.

O segundo estágio, o cultivador, se move como uma névoa escura, deixando rastros de energia demoníaca que podem enfraquecer os inimigos. Aqueles inimigos que foram marcados pelo primeiro estágio se tornam vulneráveis aos ataques de fantasmas e marionetes demoníacas. O cultivador também pode se teletransportar entre as sombras e marcas deixadas por ele.

O terceiro estágio sugere a criação de um domínio. O nome desse domínio é Abismo Devorador. O cultivador libera uma explosão de energia yin, acumulada durante todos os estágios e de sua própria força, criando um domínio obscuro onde as almas dos derrotados são colocadas em uma hipnose eterna, são aprisionadas e consumidas. Dentro desse domínio, o cultivador ganha regeneração acelerada e pode invocar os espectros daqueles que já matou, seja no presente ou das almas coletadas no passado, para lutar ao seu lado.

Cai Xing não era muito proficiente na terceira habilidade, já que seu poder insuficiente o permitia usar esse domínio poderoso por menos de um minuto e isso quase lhe custava toda sua energia espiritual. Mas valia a pena tentar nesse momento.

Cultivadores do diabo geralmente se aproveitam dos mortos, mas Cai Xing nunca esteve satisfeito com isso. Os mortos não lhe têm muito valor, logo que a decomposição natural deixa seus membros enrijecidos. Sua ambição sempre foi ter o poder de controlar os vivos. Criar a marionete demoníaca mais capaz.

Cai Xing aproveitou que havia uma queda na energização pela interferência de Zhengyi. Ele recitou mentalmente o feitiço e rezou para dar certo ou, ao menos, não permitir que esse Protetor do Submundo finalizasse a canalização dessa habilidade.

A poderosa energia do Protetor Yuzhu se chocou com a dele e era pior do que esperava. Ainda que estivesse fraco, o mais importante era sua mentalidade. Tinha tudo que precisava por perto. Cai Xing começou a absorver a energia ao seu redor dos cristais de gelo que Shen Zhengyi havia criado.

O choque fez com que pequenas ondas de poder rasgassem sua pele. Cortes finos foram feitos por todo o tecido de sua roupa e alcançaram seu corpo, deixando que o sangue fizesse seu caminho pela pele clara. Cai Xing cerrou os dentes. Estava ciente disso quando decidiu fazer, porém, não pensou ser tão doloroso quanto esperado.

As garras em sua mão tomaram formas e ele avançou em direção ao Protetor Yuzhu. As garras afiadas, exalando um poder profundo e obscuro, rasgaram o ar, a energia ressentida colidiu, causando uma curta reflexão. Outro golpe veio logo em seguida, mais poderoso.

O corpo de Cai Xing foi teletransportado várias vezes em torno do Protetor Yuzhu. Em menos de um minuto, centenas de golpes foram aplicados, cada um exercendo um poder a cada golpe.

Entretanto, nenhum deles parecia estar surtindo efeito. Parecia haver uma barreira que protegia aquele protetor do submundo, repelindo todos aqueles ataques. Cai Xing fechou os olhos por um instante e os abriu logo em seguida, com um olhar sombrio. Aquele típico meio sorriso, como sua melhor expressão.

O ar estremeceu quando uma explosão de energia surgiu de dentro para fora do seu corpo. De repente, o dia se transformou numa noite carmesim, as estrelas, avermelhadas, choraram sangue e pareciam clamar pela salvação. Murmúrios ilusórios ecoavam de todos os lugares, exalando a malícia corrupta.

No chão, fissuras se abriram, abismos foram criados e correntes negras saltaram da escuridão, rastejando como cobras envoltas em chamas sombrias e pálidas, num brilho frio e azulado. Do fundo do abismo, se você olhasse muito para ele, poderia ser puxado pelas almas comidas pelo domínio.

Sangue e Cicatrizes da Eternidade. O domínio de Asura.

Protetor Yuzhu, por uma fração de segundos, hesitou, mas novamente liberou seu domínio. A colisão entre dois domínios causou uma ondulação poderosa, sentida até mesmo do lado de fora de Chengdu. Cai Xing, por desvantagem, sentiu a diferença de poder e cuspiu um bocado de sangue.

Serpentes ilusórias se espalharam, o veneno corroía a energia espiritual. Ao mesmo tempo, as chamas negras cresceram e as correntes rastejaram de um lado para o outro, acertando as serpentes.

Um grande avatar surgiu atrás do Protetor Yuzhu. A grande serpente com olhos de jade esticou a língua para fora quando deslizou no ar em direção. Ela jogou seu rabo para frente em direção à Cai Xing. As correntes pretas se mexeram para formar uma rede para conter a serpente, mas não conseguiu estabilidade suficiente e Cai Xing foi arremessado para longe.

Cai Xing não hesitou em tirar Cheng Xing da bainha para se defender. A espada estava tremendo, excitada ao sentir o sabor do sangue ao redor. Fora do domínio, chão estremeceu. As paredes estremeceram. Os corpos dos mortos se ergueram novamente muitos metros além da mansão do mestre da cidade. A barreira de proteção da cidade tremulou por alguns segundos antes de se estabilizar.

A aura emitida de Cheng Xing percorreu quilômetros. Cultivador ou não, todos puderam sentir a malícia, a loucura e a sede de sangue. Os mais fracos caíram no chão, sendo corrompidos pela espada demoníaca.

As quatro pupilas do Protetor Yuzhu dilataram de excitação. Por muito tempo, seja no submundo ou nas seitas demoníacas, não havia quem não procurasse por essa espada de nível celestial.

— Ouvi dizer algumas coisas sobre sua arma. — Suas memórias e anseios são ainda mais preciosos, pensou o fantasma — Vou absorvê-lo.

Protetor Yuzhu fez um selo de mão e deu um passo. O domínio forjado de Cai Xing se partiu como pedaços de espelho quebrados, o sonho ilusório se partindo.

De imediato, Shen Zhengyi sentiu sua habilidade estar quase pronta e caiu de joelhos ao mesmo instante. Sangue foi vomitado, os meridianos no seu corpo quase se romperam. Ele não conseguia se mover.

Seus olhos azuis, com um traço de ansiedade, pousaram sobre Cai Xing. Ele não estava bem. A cor de seu rosto havia desaparecido e um filete de sangue escorria pelo canto de seus lábios quando levou a mão para limpá-lo.

Não era de Cai Xing tomar uma atitude tão imprudente ao lançar um domínio assim. Mas reconhecia a impaciência dele e seu ímpeto em nunca recuar, mesmo diante da morte. No passado, todas às vezes estava machucado ou ferido, Cai Xing foi assim quando se conheceram, quando foi incapaz de se defender. Ele lutou contra os seus homens para protegê-lo e cuidou dele como se estivesse cuidando da sua própria vida.

Shen Zhengyi cerrou os dentes. Ele ergueu o cetro e concentrou toda sua atenção no cristal de energia e injetou poder espiritual no cristal. O choque de uma terceira energia, tão poderosa quanto as outras, fez com que o prédio sacudisse. Os cadáveres que haviam se levantado há pouco, começaram a se afastar daquela energia. A purificação da fênix.

Uma nuvem de trovoada cobriu a construção e o céu escureceu dentro das muralhas de pedra de Chengdu. A energia do céu e da terra distorceu o ar e uma fenda se abriu no céu, dentro das nuvens de trovoada. A fênix rugiu através da abertura. Ela podia ser vista do lado de fora da muralha. Se aquelas pessoas antes se achavam insignificantes, quando viram a fênix descer dos céus, quase se ajoelharam. Fosse pelo poder que emanava, fosse pela grandiosidade.

Desde os tempos antigos, os animais imperadores simplesmente desapareceram do mundo. A Fênix havia submergido na lava dos vulcões. O Dragão Azul voou para longe, se perdendo no céu. O Tigre Branco nadou para as águas profundas e Tartaruga Negra se escondeu nas montanhas.

A aparição de uma fênix trazia o presságio da harmonia, a ascensão de um novo imperador. Mas, também poderiam ser tempos difíceis. Uma nova alvorada poderia revelar o sangue do futuro.

Mesmo o Protetor Yuzhu, vivendo muitos séculos, nunca esteve na presença de uma fênix. Sua linhagem só não era mais rara que a do Tigre Branco! Seu domínio desapareceu gradualmente. Seu único pensamento era: “Eu preciso fugir agora!”

Com o rugido da fênix, centenas de bolas de fogo desceram quando ela abriu as asas, as chamas azuis eram como estrelas cadentes caindo. Quando elas chegaram a uma certa altura, as esferas explodiram em pequenos vagalumes e esses vagalumes cobriram a terra. E como pequenos flocos de neve, derreteram, purificando a energia ressentida.

Quando Shen Zhengyi abriu os olhos, suas pupilas brilhavam como as chamas da fênix. Cai Xing, por estar muito próximo, também trabalhava arduamente para não se perder diante daquela energia poderosa. Seus dentes estavam cerrados com tanta força que rangiam.

Foi quando de repente, um estrondo, quebrando todas as expectativas, fez com que todos se assustassem. Um raio desceu entre Cai Xing, Mestre Shen e o Protetor Yuzhu. Uma descarga tão poderosa que fez com que todas as habilidades se autodestruíssem e ocasionasse um rebote. Os três homens no salão foram jogados para fora do prédio, cada um caindo para um lado. As chamas verdes sucumbiram ao poder e as paredes começaram a cair.

As nuvens de trovoada desapareceram no céu. O domínio de gelo derreteu, os cadáveres caíram novamente no chão e todo o território de Chengdu caiu em silêncio.

A luz foi desaparecendo enquanto pequenas faíscas elétricas flutuando no ar no meio da poeira. Do chão, nenhum deles ouviu nada, mas havia um deles que arregalou os olhos. Cai Xing conhecia aquela presença e aquele par de olhos arroxeados que o encarava através da cortina de fumaça com um sorriso malicioso: Qi Seyoung!

Comentários no capítulo "60. O caminho de outrora"

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60. O caminho de outrora
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Falhas Eternas 02 – Almas em Cinzas

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vol 02 – Falhas Eternas.

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Chapters

  • 65. Leilão Fracassado (I)
  • 64. Verdes como o fogo do inferno
  • 63. Você é meu irmão
  • 62. Sacrificar por você
  • 61. Promessa de uma vida
  • 60. O caminho de outrora
  • 59. O príncipe que foi salvo pelo monge
  • 58. O beijo da aurora e a Cidade dos Mortos
  • 57. A flor do submundo
  • 56. Não é o ciclo do retorno, mas o ciclo de desavenças e de cobrança de dívidas
  • 55. O céu favorece o ciclo do retorno
  • 54. Não pode se afastar

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Falhas Eternas 02 – Almas em Cinzas

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