Capítulo 177: O Livro dos Deuses (3)
Tang Cuo puxou a espada, mas o livro permaneceu firmemente agarrado nas mãos de Boli. Talvez ele estivesse apertando com força demais, ou talvez fosse porque seu corpo já estava em frangalhos. Quando Tang Cuo tentou pegar o livro novamente, acabou arrancando o braço inteiro do autômato.
Ele ficou em silêncio por um momento, segurando o braço, antes de recolocá-lo no lugar.
Boli já não se movia, parecendo mais um boneco quebrado do que qualquer outra coisa.
Tang Cuo abriu o livro, mas não encontrou nenhuma palavra escrita. Nem mesmo a infusão de magia teve efeito. Talvez a espada tivesse causado mais dano do que o esperado.
Uma coisa, no entanto, era certa: este livro não era algo comum.
Se ele havia concedido a Boli poderes tão extraordinários e ainda resistido a um golpe com força total de Tang Cuo, deveria ser, no mínimo, um artefato de nível raro, possivelmente lendário.
Por ora, ele decidiu chamá-lo de Livro Sem Palavras.
Independentemente de seu poder anterior, o livro estava inutilizado agora que estava nas mãos de Tang Cuo. Sem opções, ele suspirou e olhou ao redor. Ainda estava longe do amanhecer, e, após dar uma volta pela biblioteca, confirmou que Jin Cheng não estava lá.
Era óbvio que Jin Cheng havia se envolvido em outra missão secundária.
Sem mais ninguém na biblioteca, Tang Cuo voltou para o lado de Boli e sentou-se de pernas cruzadas. Decidiu desmontar o autômato para investigá-lo, pois, tanto nos contos do Oriente quanto do Ocidente, e até mesmo no mundo real, grandes artesãos costumavam deixar suas marcas exclusivas em suas obras.
Quem havia criado Boli? Por que ele possuía o poderoso Livro Sem Palavras? O que teria causado sua repentina perda de controle? Talvez, ao rastrear essas origens, Tang Cuo pudesse encontrar pistas.
Enquanto o tempo passava e Tang Cuo se aprofundava na desmontagem de Boli, do outro lado, Jin Cheng ainda estava em plena fuga.
O Reino dos Autômatos tornava-se cada vez mais sinistro.
Autômatos estavam por toda parte, armados com espadas gigantes feitas de agulhas de bordado ou foices improvisadas de esquadros. A paisagem de conto de fadas, com seus tapetes vermelhos, havia se transformado em um campo de batalha onde sangue não era derramado.
Os autômatos não sangravam; eles simplesmente quebravam.
Mesmo quando suas cabeças eram quase totalmente arrancadas, com apenas um fiapo de pano conectando seus pescoços ao corpo, eles ainda se moviam. Com um sorriso torto em seus rostos inclinados, atacavam Jin Cheng com suas armas, errando completamente o alvo em sua maioria.
Esses autômatos eram praticamente intermináveis.
Meia hora se passou, e Jin Cheng ainda não via um raio de esperança. Olhando à esquerda, havia uma horda de bonecos de pano; à direita, uma fileira de marionetes de madeira. Sem alternativas, ele recuou e entrou em uma pequena oficina atrás dele.
Mal fechou a porta, deu de cara com várias cabeças de marionetes inacabadas alinhadas nas prateleiras. Elas formavam três fileiras perfeitas, enquanto os corpos pendiam das vigas do teto, recém-tratados com óleo de tungue para preservação.
“AAAAHHHH!” Gritaram todos em unIsuono, em um coro ritmado e melódico, como se estivessem prestes a começar uma canção.
“Droga.” Jin Cheng escolheu pular pela janela.
Após inúmeras voltas e reviravoltas, ele finalmente encontrou o caminho de volta à área onde “Ísis” estava. Esse enorme autômato permanecia esquecido no mesmo lugar, imóvel como antes, sem sinais de vida.
Jin Cheng subiu até o ombro de Ísis e, de lá, observou o Reino dos Autômatos. De cima, parecia um monte de blocos coloridos de montar. Isso o lembrou do conjunto de LEGO que ainda estava incompleto em sua casa no mundo real.
Será que seu irmão desastrado seria capaz de terminá-lo? Ou, tocado pela perda de um irmão tão adorável, ele simplesmente o deixaria de lado para sempre?
Sacudindo os pensamentos, Jin Cheng voltou ao presente.
De perto, Ísis parecia menos com a figura de quem ele tinha ouvido falar. Faltavam os icônicos brincos de franjas, e até os traços faciais estavam um pouco diferentes.
“Oi!” Uma voz leve soou acima dele de repente.
Jin Cheng olhou para cima e viu o ladrão de dentes perolados espiando pela cavidade ocular de Ísis. Ele acenou casualmente para Jin Cheng. Sem hesitar, Jin Cheng lançou uma lâmina sonora na direção dele, mas o ladrão desviou com um sorriso, deu de ombros e começou a desaparecer novamente na escuridão da joia negra que compunha o olho de Ísis. Nesse momento, no entanto, ele percebeu que sua roupa estava presa.
Virando-se, o ladrão viu Jin Cheng se aproximando.
A lâmina sonora era apenas uma distração. O verdadeiro ataque vinha do gancho amarrado em uma corda que havia se prendido ao ladrão. Jin Cheng havia deixado ele escapar uma vez, mas não permitiria que isso acontecesse de novo.
O ladrão, no entanto, soltou uma risada estranha e, com um movimento rápido, escapou de suas roupas como uma cobra, deixando Jin Cheng com um pedaço vazio de tecido.
Jin Cheng seguiu o ladrão para dentro do olho de Ísis, onde ambos caíram em um mar de joias negras. A sensação era semelhante a brincar em uma piscina de bolinhas, só que muito mais surreal.
Agora encolhido, o ladrão era ainda mais ágil. Mesmo sem seu chapéu mágico, ele escorregava e escapava facilmente. Assim que Jin Cheng o alcançava, ele já estava saindo pelo outro olho, acenando zombeteiramente.
“Interessante.” Jin Cheng arqueou uma sobrancelha, mas não se apressou em persegui-lo. Ele vasculhou as joias ao seu redor até chegar à borda do olho de Ísis. Em seguida, pegou um punhado de cinzas mágicas e as soprou sobre a figura de Ísis, revelando rastros de luz azulada brilhando em forma de pegadas.
As cinzas da bruxa, um item que Jin Cheng já havia usado na missão “O Retorno na Noite Tempestuosa”, eram perfeitas para rastreamento.
Ele seguiu as pegadas, mantendo uma distância segura. Mais do que capturar o ladrão, queria entender seu objetivo.
Dez minutos depois, Jin Cheng entrou em uma casa de doces e encontrou apenas um enorme pote de açúcar do lado de fora, com um par de sapatos abandonados ao lado. O pote tinha um desenho simples e zombeteiro do ladrão, feito com pó de açúcar branco.
Os dentes perolados formavam uma linha perfeitamente alinhada, como sementes de romã.
Apesar de ter perdido o rastro, Jin Cheng não ficou frustrado. Ele pegou os sapatos e os analisou, pensando: Primeiro foi o chapéu, depois a roupa, agora os sapatos. Da próxima vez, o que ele vai deixar para trás?
Ele tinha a sensação de que o objetivo do ladrão estava diretamente relacionado a Ísis. Assim, Jin Cheng voltou para a praça onde o gigante estava, escondendo-se no chapéu de Ísis, decidido a esperar.
E como esperado, o ladrão apareceu novamente.
Desta vez, ele subiu sorrateiramente até o ombro de Ísis, esgueirou-se por sua gola e olhou para os lados, certificando-se de que ninguém o observava. Em seguida, continuou escalando até a orelha de Ísis. Mantendo-se no tamanho reduzido, escorregou para dentro do ouvido e desapareceu no interior da cabeça de Ísis.
Jin Cheng já o tinha notado desde o início, mas fingiu não perceber. Com um pirulito na boca, ele ficou deitado no chapéu, observando todo o espetáculo.
Finalmente, ele viu o que o ladrão estava fazendo: roubando joias. O ladrão usava um saco mágico que parecia não ter limite, enchendo-o com pedras preciosas sem jamais transbordar.
Sorrindo, Jin Cheng inclinou-se do alto do chapéu de Ísis, pendurado de cabeça para baixo. Com o pirulito na mão, acenou para o ladrão: “Oi.”
O ladrão congelou, sua expressão de escárnio mudando pela primeira vez. Rapidamente, ele pegou um punhado de joias e as lançou contra Jin Cheng antes de tentar escapar.
Jin Cheng saltou atrás dele e lançou mais um gancho, desta vez acertando o ladrão pela calça.
O ladrão virou-se, com os olhos arregalados.
Jin Cheng ergueu uma sobrancelha: Quero ver você escapar agora.
Mas o ladrão escapou.
Mais uma vez, o pequeno ladrão usou sua técnica de desapego extremo: já havia perdido o chapéu, as roupas, os sapatos e, agora, até as calças. Restou-lhe apenas uma camisa e uma cueca branca. Ele escorregava pelo nariz do “Isuo” como uma enguia, cada vez mais próximo do solo.
“Whoosh!”
Seu corpo descreveu uma elegante parábola no ar, traçando um arco até pousar em uma sombrinha preta.
Perplexo, o ladrão olhou para as próprias mãos: “Cadê o meu saco?”
Ele levantou a cabeça e viu Jin Cheng pendurado no ombro do gigante, balançando o saco de pedras preciosas com uma expressão de puro desdém.
“Devolve isso!” gritou o ladrão, com os dentes de pérola tremendo de raiva.
“Nem pensar.” Jin Cheng virou-se e começou a despejar todas as pedras negras de volta nos olhos de Isuo. O processo foi tão longo que levou vários minutos para terminar.
Desesperado, o ladrão subiu novamente na direção dele. Mas antes que pudesse chegar perto, os outros bonecos finalmente perceberam o tumulto e começaram a subir em massa.
Do alto, Jin Cheng observou um mar de bonecos formando uma onda que engolia o “Isuo” até os joelhos, cada vez mais numerosos e ameaçadores. O gigante começou a inclinar-se perigosamente, prestes a cair.
“Vai cair!”
“Vai cair!”
“Vai cair!”
Os bonecos gritavam em coro enquanto continuavam escalando, preferindo a destruição total a deixar os invasores escaparem.
O “Isuo” cedeu, inclinando-se ainda mais. O ladrão, que estava quase alcançando os olhos, perdeu o equilíbrio e deslizou até o ombro, agarrando-se desesperadamente à clavícula do gigante.
Jin Cheng, por outro lado, permaneceu calmo. Segurando a última pedra preciosa, esperou até o último instante antes de encaixá-la no pequeno espaço restante no olho direito de Isuo.
“Clack.”
Perfeito.
Um brilho mágico atravessou a pedra, e, no momento em que o “Isuo” deveria ter caído, ele ergueu a mão e amparou o próprio corpo.
Os bonecos que ainda escalavam foram lançados pelo vento gerado pelo movimento gigantesco, espalhando-se como folhas secas por toda a praça. Fragmentos de porcelana e pedaços de pano estavam por toda parte, criando um cenário de completa devastação.
E, naquele instante, Jin Cheng teve certeza: aquele gigante era Isuo.
Eles eram idênticos.
“Você roubou minhas pedras!” o ladrão gritou, escondendo-se atrás de uma perna do gigante.
“Você as roubou primeiro,” Jin Cheng retrucou, dando de ombros.
“Seu desgraçado!”
“Prazer em conhecê-lo.”
O gigante Isuo inclinou a cabeça, olhando para os dois pequenos seres a seus pés com uma expressão confusa e inocente. Jin Cheng sorriu amigavelmente e, em um movimento rápido, agarrou o ladrão pelo pescoço, derrubando-o no chão com força.
“Obrigado pelo elogio,” disse Jin Cheng.
O ladrão lutava para se livrar, mas era inútil. Jin Cheng estava prestes a interrogá-lo sobre as pedras quando o chão começou a tremer violentamente. Bonecos caíram ao redor, e até mesmo Isuo precisou segurar-se para não perder o equilíbrio.
No rosto do ladrão, uma mistura de pânico e culpa estampava claramente que algo maior estava por vir.
Jin Cheng levantou a cabeça e viu a cena mais surreal desde que entrou naquele reino: o céu estava se partindo. Uma fenda abriu-se bem no centro, revelando uma gigantesca face enrugada com uma longa barba branca.
O homem gigantesco olhou para Isuo com um ar satisfeito. Acariciou a cabeça do boneco e disse:
“Meu querido, finalmente você está completo.”
Ah, então não era Deus. Era o mestre bonequeiro, Heródoto.
Naquele instante, Jin Cheng finalmente compreendeu: o Reino dos Bonecos era apenas um brinquedo na oficina do grande mestre. Isuo não era um gigante; Jin Cheng é que havia sido encolhido.
O ladrão de dentes perolados era só um tolo ganancioso, tão atrapalhado que nem conseguiu fugir da cena do crime.
Heródoto, aparentemente satisfeito, abriu um pequeno estojo de veludo vermelho e retirou um par de brincos com franjas douradas. Ele os entregou a Isuo, dizendo:
“Esta é minha dádiva para sua nova vida. Não os tire nunca. Eles foram feitos para você.”
Com olhos grandes e inocentes, Isuo observava o mestre com curiosidade. Heródoto, por sua vez, parecia um avô amoroso admirando sua criação.
“Que os deuses o abençoem, meu filho,” disse Heródoto.
“Deus? O que é um deus?” Isuo perguntou, com um olhar curioso.
“Deus é aquele que tudo sabe, tudo pode e tudo governa,” respondeu Heródoto.
Isuo inclinou a cabeça, fazendo os brincos balançarem. Ele parecia não entender completamente, mas assentiu obedientemente.
“Entendi. E como é meu nome?”
“Isuo,” Heródoto respondeu sem hesitar, um sorriso nos lábios.
Enquanto isso, Tang Cuo, ainda na biblioteca, finalmente terminava de desmontar completamente o boneco Polly. Em uma pequena peça do tamanho de um polegar, ele encontrou a assinatura do criador:
Heródoto.
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JOGO DE TESTE DE VIDA
“Jogador K27216, Tang Cuo, às 23:05 de 1 de abril de 2019 do Calendário Solar, confirmado morto.”
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