Capítulo 10
Todos os três estavam exaustos.
Mas pelo menos, haviam conseguido seu objetivo de encontrar uma das várias provas contra os conspiradores, e também, uma pista para achar a sua amada que aquele deus tanto buscava.
E por falar nele…
O mesmo se encontrava deitado, e se não fosse pelos fios loiros e um olhar de colorido, James poderia confundi-lo com Panoptes por estar todo enfaixado com gazes.
— Como você aguenta? Esse negócio coça! — reclamou o deus, coçando sua barriga e braços.
— É, eu também odeio. Agora pare de se mexer! Ou vai abrir os pontos que fiz!
— Isso vai ficar bem? Parece tão… Sensível. — perguntou James, ao ver uma pele ferida do deus encoberta com um guento verde, mas estava numa mistura confusa de vermelho e dourado por causa do sangue do mesmo.
— Ele é forte. Vai ficar tudo bem. E quanto a você… deite-se, tem que se recuperar também.
— Eu estou bem… — mal falou e logo uma tontura muito forte lhe veio, fazendo-o se apoiar com as duas mãos no colchão, onde o loiro estava deitado.
— Ele usou bastante de sua vitalidade, tem que recupera agora o “empréstimo”. E eu não quero ficar de babá de dois moribundos. Já tenho meus próprios problemas biológicos, então, me faça o favor, deite-se nessa merda e descanse!
— Ok, ok… não precisa ficar tão irritado… Aliás, era eu quem tinha que ficar bem aborrecido por estar dentro daquele rio, engolido aquela água… — só de lembrar disso queria vomitar, mas estranhamente não conseguia fazer nem um pingo sair de seu corpo — Porra, vocês me jogaram praticamente pros tubarões como se eu fosse um pedaço de carne de oferenda!
— É o seu trabalho! E se quiser sair dele, então vá! Ah, me esqueci, você não pode. — Ironizou Panoptes.
James se levantou para ir pra cima do outro, mas o loiro logo levantou uma mão e balançou um pedaço de gaze cortado que estava na bandeja de primeiros socorros.
— Por favor, paz. Estou dodói aqui. Preciso que meus estimados colegas colaborem com minha reabilitação física. Sim?
Dos dois lados da cama, opostos, um de frente pro outro, o rapaz e o cocheiro se deram olhares bélicos, mas foi James quem levantou as mãos em rendição, e pegou um outro pedaço de gaze e o balançou com um ar irônico.
— Certo, vou pro meu quarto. Que as princesas do Olimpo se comportem. Até daqui a pouco. Trarei o jantar. — disse Panoptes, pegando a bandeja de curativos e saindo daquele quarto de hotel.
E frisando, um quarto de hotel cinco estrelas.
É, nada “chamativo”, segundo o deus.
James e Kýrios se entreolharam, e ambos ao mesmo tempo respiraram fundo.
— Obrigado. — falaram ao mesmo tempo.
Um longo silêncio se fez, e quem quebrou depois foi Kýrios.
— Você fez um bom trabalho. Não ligue para o Pano, ele só está com um pouco de mal humor por ter que ficar aqui alguns dias mais.
— Hm, depois do que me aconteceu naquele rio, acho que vou ter que concordar com ele em odiar esse lugar.
— Este cinábrio em sua testa ficou bem em você. — disse, mudando completamente de assunto.
— Cinábrio…?
James foi até um espelho, e logo viu uma marca vertical vermelha, mas pequena, pintando bem no meio de sua testa.
— Como isso apareceu…? — disse, tentando tirar com a manga da camisa, mas nem esfregando saiu, e se lembrou, deduzindo onde foi que conseguiu aquilo. — Ah.
— História longa?
— História longa. — respondeu, suspirando cansado depois de tentar tirar aquela marca, mas a mesma não saiu por nada.
— Adoro longas histórias. Deite aqui. Essa cama tem espaço para cinco pessoas. Então para um magrelo como você não fará tanta diferença.
James arqueou uma sobrancelha para o adjetivo que o loiro lhe deu. Afinal, sempre trabalhou para ficar em forma, e conseguiu, mas claro, não se comparava ao corpo divinamente perfeito daquele deus.
— Eu só vou aceitar a oferta de compartilhar esse colchão porque estou moído também. — disse, se encaminhando para a cama, e deitando no lado esquerdo, o lado que estava vago, se acomodado muito bem, sentindo logo seu corpo dolorido relaxa um pouco naquela maciez.
— Bom, pode começar.
— Eu vi uma mulher dentro daquele rio.
— Você viu minha amada novamente! — se alegrou o loiro.
— Não, foi outra. Uma bem estranha. Bonita, mas muito estranha. — respondeu, fazendo o outro murchar.
— E foi ela quem lhe deu esta marca? — perguntou, e o moreno fez que sim — Você é sortudo então.
— Porquê?
— James, a tal mulher, era uma deusa. E você teve a honra de conhecer o Ganges encarnado, conheceu a Ganga!
— Hm… então… todo aquele rio… era ela?
— Sei o que vai dizer “Ah, mas então ela deve estar bem triste com tanta coisa jogada em suas águas.”, bom, tudo que vai pra ela, não fica sujo ou algo do tipo, fica… purificado, a seu modo.
— Purificado? Aonde? Eu vi muita coisa que não gostaria de ver! E… Meu Deus… Estou com Ganga dentro de minha barriga? Por isso não consigo vomitar mesmo que eu force?
Kýrios deu um riso breve.
— Você está abençoado. O que quer dizer que você tem um certo passe livre para poder andar aqui sem problemas com os deuses desse domínio. Essa Ganga foi esperta, lhe abençoar foi um ótimo disfarce! Então, enquanto estivermos aqui, você vai estar purificado e abençoado.
— Não me sinto muito abençoado.
— James, tenha um pouco mais de fé. Você conseguiu pegar uma pista! Está vivo! É o que importa depois de tudo.
— É, vendo por esse lado, até que me saí bem. Ao contrário de você que… Kýrios, posso fazer uma pergunta?
— Eu sei o que vai perguntar… E a resposta é sim. Estou mais fraco, e estou perdendo meus poderes aos poucos…
— Isso quer dizer que…
— Isso quer dizer que se eu continuar dessa maneira, vou acabar virando um mortal. Porque, além do meu nome estar banido, há outras coisas com as quais estou em falta. Estou literalmente deixando de lado meus afazeres como um deus.
Aquilo surpreendeu James.
— E mesmo assim… Você dividiu sua vitalidade comigo. Se sua amada estivesse aqui ela ficaria muito zangada de saber que está se arriscando demais dessa maneira tão impulsiva com um mero mortal. Eu no lugar dela ficaria.
O deus deu um sorriso de canto e olhou para o teto, o qual era extremamente luxuoso com seus detalhes e outros ornamentos chamativos.
— Ela ficaria mesmo muito zangada… Minha Psiquê é muito cuidadosa comigo.
Ouvir aquele nome fez James sentir um calafrio, parecido como da última vez quando sentiu um medo irracional por lâminas de espadas e aquela flecha encantada.
— Psiquê… Hm… Eu já ouvi falar nesse nome… Droga, minha memória para mitologias não é muito boa.
— Ou é puramente preguiça. Dado o seu histórico.
— Ha ha, muito engraçado. Não, não sou preguiçoso… Só não gosto de fazer coisas que acho muito chatas.
— E acha mitologias um assunto chato? Bem, James, essas histórias podem ser as vezes bem odiosas, comoventes, duras, revoltantes, inspiradoras, até apaixonantes. Mas chatas, ah, disso eu posso lhe dizer que não são nenhum pouco.
— Diz isso porque faz parte de uma. É normal defender seu bando.
— Bando?
— É, de loucos!
Kýrios se sentiu um pouco ofendido, mas também não conseguiu deixar de achar engraçado. Admitia mesmo que aquela longa família era um bando de loucos com seus próprios objetivos por muitas das vezes bizarros, obscuros e até mesquinhos. Mas sabia que nunca ia poder deixar de ser parte dessa “loucura” toda.
— Acho que… Famílias humanas devem ser mais descomplicadas…
— Não, está muito enganado. Pode ter certeza, todas só mudam de endereço, e de origem… — James suspirou, ficando um pouco triste por pensar em sua família.
— Eles estão bem. — disse de repente o loiro, ainda olhando para o teto, mas sentindo o olhar de indagação do outro sobre si — Panoptes já foi verificar.
— Porque não me disseram antes?! — perguntou um pouco irritado.
— Para que não perdesse o foco. Vocês humanos são tão previsíveis quando o assunto é as pessoas que se importam.
— É mesmo? Hm. — A indireta foi rapidamente entendida por aquele deus, que arqueou uma sobrancelha.
— Tudo bem, admito que nós deuses também temos nossas fraquezas emocionais nessa área… — disse, fungando enquanto mantinha seu olhar para o teto, se lembrando de seu lar agora vazio.
O quarto era grande, mas não tanto quanto eram os quartos da mansão mágica onde aquele deus vivia. E se não fosse por ter agora James e Panoptes, seria um verdadeiro deserto de mármore o ouro.
Era solitário, triste. E tinha ficado ainda mais quando Kýrios perdeu tudo o que mais lhe importava: seu amor, seus poderes, e sua… família.
Poderiam as vezes ficar séculos sem se falar, mas sempre estavam lá quando ele precisava.
— Kýrios, aqueles estrondos…
— Oh, me desculpe. Eu fiquei muito preocupado com sua demora. Principalmente depois que o rio começou a ficar agitado.
— Você disse que não poderia entrar.
— E você disse que não sabia mergulhar fundo. — Retrucou.
— Isso não vem ao caso. Olha, agradeço a intenção, mas você nos pôs em um grande perigo. Eu já estava conseguindo. Eu conseguiria.
— Se estivesse no meu lugar faria a mesma coisa.
— É claro que eu não faria. Não sou um idiota.
— É, não é um idiota. Mas é um humano bem irritante. A pior Pista de Parca que me apareceu.
— Posso ser o pior, mas com certeza o mais eficiente, já que pelas minhas deduções, os anteriores foram dessa pra melhor por não serem tão competentes. Ou melhor… talvez eles não fossem ruins, mas sim, meros acidentes por causa da incompetência do “tutor” deles.
No mesmo segundo em que o rapaz soltou aquelas palavras, e quando sentiu o silêncio desanimado ao seu lado, se deu conta do quão duro tinha sido.
— Uau. Você sabe mesmo como machucar sem levantar um dedo sequer.
— Eu…
— Não. Você tem razão. Eu fui incompetente com os anteriores. Mas desta vez…
O deus se sentou entre caretas de dor e se recostou na cabeceira da cama, e depois, pegando o pergaminho no criado mudo e o apertou contra seu peito.
— O que você está fazendo? — perguntou James.
— Estou abrindo-o para você ler. Essa é a única coisa que posso fazer.
Um brilho dourado foi passado para o pergaminho, o lacre de vela derretida que o fechava logo se desfez. Meio aberto, o deus entregou nas mãos do rapaz, que o pegou receoso.
— Está tudo com aqueles mesmos símbolos em grego.
— É um problema. Isso quer dizer que dessa vez você terá que se esforçar para aprender.
— Eu não sou bom com línguas estrangeiras. Vou demorar uma eternidade!
— Ah um jeito para acelerar isso, mas… creio que você não vai gostar muito.
— Diga, assim eu poderei dizer se vou ou não gostar.
Kýrios suspirou, e ergueu sua mão em direção ao rosto do outro e a pousou gentilmente em sua bochecha, deixando o rapaz sem reação com o gesto.
Somente um olhar que foi descendo para seus lábios fez o rapaz entender perfeitamente qual era a proposta do outro.
— Mas nem m-morto! Prefiro mergulhar de novo naquele rio! — disse, se afastando rapidamente, parecendo mais a uma fuga do que uma rejeição.
— Eu falei que você não ia gostar.
— É, não gostei mesmo! Quer saber? Vou pro meu quarto e vou decifrar essa merda sozinho!
— Ok, boa sorte então em tentar encontrar um dicionário de grego num país que fala hindu. Aliás, você fala hindu?
James ficou por alguns segundos tentando rebater a altura com alguma resposta bem mal criada a aquela pergunta de óbvia resposta.
— Vou também aprender isso! Sou muito capaz para qualquer coisa!
— Sério? Então é capaz de se desfazer de suas amarras mentais culturais para poder somente encostar seus lábios nos meus e pegar logo emprestado meu conhecimento?
— Vá a merda! — disse, sem conseguir argumentar.
Dito isso, pegou o pergaminho, saiu do quarto às pressas e fechou a porta com força, se apoiando na mesma por se sentir sem ar e um calor queimando suas bochechas.
— Seu idiota…! Você me paga! — sussurrou, indo para seu quarto.
•
Kýrios não tinha a intenção de brincar em constranger de início o rapaz, mas se lembrou que havia algumas pendências, vulgo pequenas vinganças, para usar como punição ao moreno pelas suas ácidas palavras dirigidas a ele.
E como não podia feri-lo, e nem se pudesse o faria por não gostar de métodos agressivos, sua única forma era irritar aquele ser humano irritante que ele tinha que suportar para poder ter sua amada de volta aos seus braços.
James por um lado, sabia sobre isso mesmo o deus não tendo dito nenhuma palavra. Era bastante perspicaz em saber que aquelas provocações eram meramente sutis corretivos à sua impulsividade vocal.
Ok, ele admitia que merecia. Mas preferia que o deus lhe chicoteasse a ter que sentir aqueles formigamentos em suas bochechas, ou aqueles arrepios na espinha ou pior, aqueles frios na barriga que sentia toda vez que o loiro lhe fazia isso.
Era claro que nada disso era algo vindo dele, tudo era o tal poder que o deus tinha.
— Preferiria levar um raio na cabeça do que isso. — disse para si mesmo, enquanto se banhava na tina de água fria que havia pedido pessoalmente na recepção através de sinais bem desajeitados, já que não falava nem uma vírgula da língua local.
Se ele poderia pedir para Panoptes? Sim, mas não queria que o mesmo fosse fofocar suas necessidades para o tal deus que ainda estava descansando no quarto a frente do seu.
— Pelo menos… também consegui isso. Nada mal para mim.
Com cuidado, folheava um dicionário de inglês para grego que milagrosamente conseguiu depois de encontrar um historiador americano que estava se hospedando ali no mesmo hotel que ele.
— Vejamos… Hm, parece com nosso alfabeto… Mas o que significa “Entre muros que se perdem das vistas”?
James decifrava enquanto tomava um suco de uva, já que estava proibido de beber ainda por conta de ter que recuperar a vitalidade dentro de si.
Eram muitos símbolos, muitas frases sem sentido, começava a ter uma leve dor de cabeça, mas estava feliz de estar conseguindo traduzir aquele pergaminho.
Decifrar era outra coisa que levaria bastante de seu tempo, e muito a contra gosto, sabia que quando chegasse nessa parte teria que ir pedir ajuda do loiro.
— Certo, então… só mais três frases pra chegar na fase de adivinhação…
Saindo da tina com o pergaminho numa mão e o dicionário na outra, se encaminhou para a mesa, deixando os materiais ali para poder ir logo se enxugar e se vestir.
Mas assim que se virou, tomou um grande susto.
— Kýrios?! Que porra você está fazendo aqui?! — questionou, cobrindo suas partes com a primeira coisa que viu, e no caso, foi o dicionário.
— O historiado ficaria indignado se visse que um certo rapaz está usando o material de trabalho dele para se divertir. — Riu, se aproximando devagar por ainda estar machucado.
— O quê? Eu não…
— Estou brincando. — Sorriu, se sentando na poltrona perto da lareira — Estou vendo que está bem empenhado.
— Porque está aqui?!
— Oras, estou curioso. E ansioso. Essa é a primeira pista desde que toda essa coisa começou.
— Será que posso ter um pouco de privacidade? Ou isso também não pode esperar?
— Porque está envergonhado? Saiba que nudez para mim não é uma coisa grande. Vocês humanos são tão estranhos…
— Kýrios, se importa de se virar por favor? — pediu, bravo.
— Ok, Sr. Timidez. — O deus tapou os olhos com suas mãos, mas seus lábios ainda apresentavam aquela nuance risonha.
James largou o dicionário e foi correndo para atrás do biombo onde estavam suas roupas, e não demorou nem dois minutos para vesti-las.
— Ok, fale logo o que você quer.
— Realmente? Bom, além de minha ansiedade por querer logo respostas, vim avisar que, bem, como vamos ficar por aqui por uns três dias para poder esperar a poeira abaixar, que tal se não formos procurar por mais pistas aqui?
— Mais pistas? Mas nós já não achamos esse pergaminho?
— Sim, mas… Eu não sei. Sinto que ainda posso achar mais coisas de Psiquê por aqui. Ela gostava desse lugar. Talvez… Ela tenha deixado algo para mim além de uma pista. Algo como… uma recordação nossa. Uma mensagem. Entende?
James lhe encarou, analisando se o outro não estava lhe pregando mais alguma peça, mas seus olhos e seu semblante que antes exibia um ar debochado, agora estava sério, e esperançoso.
— Tudo bem. Aonde pretende ir?
— Ouvi dizer que vai se apresentar um artista local aqui nesse hotel. Minha Psiquê adorava ir às festas comigo, sempre bebíamos, comíamos, e depois… Bom, você deve saber. — O deus sorriu de canto nostálgico.
— Porque não vai com Panoptes? Ele com certeza conhece o que você sabe melhor do que eu.
— Ele odeia estar aqui. Imagina ter que ir para uma festa e ter que consumir tudo de lá para poder se misturar? Vamos lá, não é uma coisa tão difícil quanto ter que mergulhar sem saber e em um rio cheio de mortos. E mais, sei que quer beber algo mais forte do que suco de uva, não?
Era um argumento bem convincente. James não bebia desde a sua festa surpresa de noivado forçado… O que contando eram especificamente quase uma semana.
— Sem pegadinhas?
— Sem pegadinhas.
— Mas você está se recuperando ainda. Panoptes vai ficar uma fera se…
— É por uma boa causa. Ele vai me entender. E eu não estou mais tão mal assim. Minha vitalidade está mais da metade, esses machucados logo vão sarar dentro de algumas horas. Então?
James ficou pensativo, processando os fatos para ver se havia algo muito nocivo.
De haver havia. Mas como o deus também havia dito antes, ele estava sob as bênçãos de Ganga, então sua presença estava indetectável.
— Você não pode ficar muito exposto.
— Tenho uma solução bem útil para isso.
O loiro então mostrou um frasco cheio de fios dourados dentro, e o balançou na frente do rapaz.
— Palha?
— Não. Melhor. Isso são fios de Métis. — O deus se aproximou e então sussurrou — É da mãe de Atena. — disse, como se estivesse fazendo alguma arte de menino serelepe.
— Está me dizendo que…
— Basta só comer um fio desses, e você pode virar quem e o que você quiser. Fica totalmente escondido, pois ela oculta sua verdadeira forma em níveis moleculares. Não é legal? O que foi?
— Porquê não usou isso? Aliás, porque não me deu um desses quando fui buscar isso naquele rio? — apontou bravo pro pergaminho.
— Como vê, há poucos fios. Eu não podia desperdiçar.
— Mas vai desperdiçar agora somente para encontrar algo que não é importante para a missão.
— Não é importante? Como ousa? Estou falando de algo do amor da minha vida! Você pode não achar isso sério porque nunca amou alguém na vida assim como a amo!
— Que seja. Do mesmo jeito, não tira o fato de estar desperdiçando!
— Vai ou não me ajudar?
— Eu tenho escolha?
— Bem, tem. Mas você sabe, que… Eu não queria ter que usar isso, mas… Você se comportou muito mal comigo… Ainda me sinto magoado e…
— Ok! Eu ajudo. — disse, por fim.
— Obrigado! Muito obrigado! — abraçou de forma muito animada o rapaz, que logo se debateu para sair dos braços do loiro — Prometo que não vai se arrepender!
“Já estou me arrependendo.” Pensou James.
•
Era mesmo uma apresentação de alto nível. O cantor local já estava por ali encantando a todos com suas canções típicas do seu país.
James não resistiu de ficar encantado quando chegou ali e viu tantas cores num só lugar. A música também o atraía, o aroma das comidas… Se perguntou como que Panoptes odiava a tudo aquilo.
— Lindo.
— O quê? — perguntou James, ouvindo Kýrios chegar de repente, já que o mesmo havia combinado de se encontrar com ele ali no salão onde acontecia o evento.
— Você não acha tudo aqui muito lindo?
— Kýrios, você…
O deus estava em uma forma diferente, sua pele de canela e estrutura física igual aos dos nativos, mas era como se tivesse escolhido o mais bonito entre eles para lhe servir de disfarce, mas a única coisa que ainda entregava que era ele eram aquelas íris claras de azul com nuances douradas, filetes de verde e castanho.
— O que foi? Não fiquei bom sob esta estampa? Pode dizer. Se não ficou bom, é porque minha mente estava agitada, e não consegui pensar direito numa aparência que fosse melhor…
— Não, não… Você está bem. É só que… está diferente. Só estranhei isso.
O que James queria dizer era que até sob a pele de um nativo, ele conseguia ficar extremante bonito. Mas claro, não iria verbalizar isso nem sob tortura.
Não era inveja, seu coração lhe dava uma sensação familiar de algo muito bom, como tudo de bom naquele instante fosse possível de acontecer.
— Você também não está nada mal. Para quem estava desajeitado com as vestes típicas, até que se saiu bem agora.
— Sou bem crescidinho para poder me vestir adequadamente.
— O que é surpreendente para um rapaz que nasceu em berço de ouro.
— Olha quem fala…
— Ah, você tem razão. Eu tive mesmo um berço de ouro. Sabia que minha mãe ainda o guarda? Ela sempre me fala que sou seu precioso bebê amado. Meus irmãos ficam com ciúmes. Isso até ela mostrar os outros berços.
James riu breve por se lembrar que sua mãe também o tratava assim, mesmo sabendo que era um rapaz boêmio que adorava a vida noturna e estar a cada noite numa cama diferente por aí.
— Mães sendo mães em qualquer realidade… Hm? O que está acontecendo ali? — sua nostalgia de família deu logo lugar a um grupo que estava passando pelo local, que já estava agitado, e ficou ainda mais quando uma comitiva muito elegante guiava um casal enquanto os mesmos sorriam muito felizes.
— Que grande sorte! É um casamento!
— Assim do nada?
— Sim. A cerimônia deve ter sido a tarde, mas a festa começou agora! E pelas vestes muito adornadas, eles devem ser de uma família nobre daqui. Vamos lá aproveitar!
— Ei, não estamos aqui para procurar algo de sua namorada?
— Esposa. Psiquê é minha esposa.
— Sim, tanto faz. Não podemos perder o foco! Você mesmo estava louco para isso.
— Sim, eu sei! Mas… ver a felicidade de dois amantes… Isso é como uma fonte de vitalidade para minha divindade! Veja, estou até mais bem disposto depois de vê-los e sentir essa energia vinda deles dois.
— Você e seus argumentos irrefutáveis… Ok, mas se der alguma merda, a culpa será toda sua.
— Sim, eu me responsabilizo! Agora vamos beber um pouco e brindar à aquele novo par! — disse puxando o rapaz para o meio da multidão.
A música ficou ainda mais alegre, todos dançavam, bebiam e comiam. O clima fresco estava ajudando, bem diferente do que estava pela manhã.
Kýrios se mostrava um verdadeiro dançarino, conhecia todos os passos daquela dança, Natya Shastra, era menos clássica, porque o deus havia dito que gostava das mais populares que se via em festas cotidianas.
James tinha seu talento para dança também, mas somente para a valsa, aquilo que o deus fazia era totalmente fora de suas coordenações, mesmo que o mesmo o tentasse ensinar.
Giro de calcanhares, gestos de mãos, pés, olhares que pareciam lhe seduzir a toda hora… Era incrível de se ver. Se não soubesse que era o deus pensaria que era um verdadeiro indiano.
— Não sabia que deuses podiam conhecer tanto assim outras culturas fora de seu domínio.
— Isso é um tabu que vocês humanos criaram. Claro que há um limite, como você viu hoje mais cedo. Mas essas outras áreas como a música, dança, literatura e culinária… Isso é livre para todos. Essa é a beleza do universo, é isso o que faz estarmos todos conectados, de alguma forma. — disse, fazendo um giro parando perto do rapaz, que deu um passo para trás, tropeçando no sari de uma moça. E se não fosse pelo deus lhe segurar pela cintura, o estrago seria maior e uma confusão se iniciaria.
— Obrigado, Kýrios. Acho que… é a bebida já fazendo efeito…
— Não se preocupe, estou aqui. Nada de mal vai acontecer. Então por isso… tente mais uma vez executar esse passo que te ensinei.
— Não… — disse com a fala um pouco pesada — Eu vou tropeçar de novo… não quero dançar mais…
— Vamos, só mais uma vez. Por mim.
— Ok seu idiota… Só mais uma vez. Uma. E depois… vamos procurar… — pensou no que tinha que fazer, mas o álcool estava desfocando sua mente para outras coisas mais interessantes como continuar ali se divertindo.
Sendo libertado dos braços do outro, e deixando a taça meio cheia de vinho numa mesa qualquer, se virou para o deus e tentou fazer movimentos com as mãos e girar como o outro tinha feito.
Um passo muito desenvolto, porém, muito torto.
Como consequência, caiu para frente, indo novamente entre os braços do loiro, que o segurou firmemente.
— Viu…? Eu disse que iria cair… idiota… eu te disse… Kýrios?
O olhar do outro estava fixo sobre si, lhe mirava sério, como se tivesse visto algo muito importante.
— James… Você está bem?
— É claro que estou bem… — soluçou, sentindo sua cabeça girar, e sem escolha, apoiou sua testa no ombro do outro — Seu perfume é muito bom… — sorriu, cutucando o tecido — Impressionante como isso é tudo feito à mão… é tão… bonito…
— James, olhe pra mim.
— O que foi, Kýrios? Porquê está… me olhando assim?
— Seus olhos estão…
— Meus olhos? O que tem neles?
— Eles estão diferentes.
— Diferentes?
— Sim. — respondeu, aproximando mais o rosto para observar mais de perto.
Dessa vez não tinha sido alguma provocação, mas James sentiu que tinha sido, e sem querer pôs uma mão na boca do outro, temendo alguma gracinha do mesmo.
— James? — lhe chamou, com a voz abafada pela palma do rapaz.
— Eu já disse… nem morto… ei! Para onde está me levando?
— Tenho que conferir uma coisa.
— Conferir o quê?
James não teve sua resposta, somente foi arrastado para fora da multidão, até que entrassem em uma das portas de bastidores do palco onde o artista local ainda se apresentava com suas dançantes músicas.
Não havia ninguém por ali a não ser um monte de adereços teatrais e equipamentos de alguns instrumentos que estavam fora por ali espalhados em cima de outras coisas.
— Kyrios, será que dá pra explicar o que está acontecendo? — perguntou, tonto pela corrida até ali.
— James, me perdoe por isso.
— Perdoa? Perdoar pelo o quê…?
Sua voz foi calada abruptamente quando um avanço muito rápido, brusco e certeiro em seus lábios, foi feito.
James ficou estático, de olhos arregalados e sem saber o que fazer.
O loiro estava tomando seus lábios…
E não era um beijo qualquer…
Sem reação pela ação inesperada, o rapaz nem sequer resistiu as investidas que a boca do outro lhe fazia. A língua do loiro encontrou logo a sua, e uma corrente eletrizante passou por todo seu corpo, indo direto para o meio de suas pernas.
E um gemido saiu entre o beijo de forma tão espontânea que James se assustou quando a tontura da bebida sumiu dando lugar a uma quentura que se alastrou por todos os cantos de seu ser.
Tentou se desvencilhar dos braços firmes do deus, mas o mesmo parecia determinado em lhe deixar cativo entre eles.
— Kýrios…! — lhe chamou entre o beijo quando foi tomado por ambos um pouco de fôlego, mas novamente seus lábios foram envolvidos pelos do outro.
Era irresistível, perigosamente provocador, aquela tensão aumentava, o calor que ia e vinha de suas bocas fazia James perder o juízo por alguns segundos por conta do prazer que a língua do outro emanava sempre quando se encontrava com a sua.
E sem querer… pôs seus braços ao redor do pescoço do loiro, o puxando mais pra si.
E foi nesse momento que o deus separou suas bocas.
— James. — Lhe chamou.
O rapaz estava em um delírio muito prazeroso, suas ações eram instintivas, somente seus desejos agiam por si. E por isso, puxou o outro para si novamente, atacando sua boca e entrelaçando suas línguas de novo.
Era como se tivesse descoberto o paraíso naquele momento…
— James, se controle! — disse Kýrios cortando o beijo pela segunda vez.
— Por favor… — implorou, com seus olhos marejados, temendo sair daquele oceano de prazer.
— James, me escute.
— Porque está fazendo isso comigo… Por favor… me beije…
Quando o rapaz lhe puxou para atacá-lo, o deus tirou de seu bolso uma poção para emergências como aquela.
Firmando o rapaz na parede, abriu sua boca com cuidado para não machucar seus lábios e algo um tanto embaraçoso aconteceu.
James fechou a boca bem no momento em que a ponta dos dedos do loiro encostou em seus lábios, e como se fosse o doce mais delicioso do mundo, os chupou até base.
Isso fez Kýrios ficar um pouco tenso, arqueou uma sobrancelha ao mesmo tempo em que uma vontade de rir apareceu por conta da situação, mas claro, se conteve ao máximo.
— Por deuses, James… Você vai se arrepender disso quando voltar a si. Me perdoe mesmo por isso.
O rapaz nada respondeu, pois estava concentrado demais em manter com todas suas forças os dois dedos do outro em sua boca.
Percebendo que aquela ação estava tomando um rumo muito perigoso, Kýrios resolveu entrar no jogo do moreno para poder sair daquela situação.
— James, se me largar agora, vou fazer tudo o que você quiser, o que acha?
Era uma grande mentira, mas funcionou, pois chamou a atenção do rapaz, que logo largou os dedos para agarrar-lhe, e foi nesse instante, num rápido movimento, que a poção foi despejada toda para dentro de sua boca.
E do paraíso em que se encontrava, um peso sobre seus ombros foi sentido, lhe fazendo ter a sensação de ter sido arrancado de seu lar perfeito e arremessado contra um chão de concreto.
— James? — lhe chamou, após o mesmo cair em cima de seus próprios joelhos e ficar com a cabeça abaixada enquanto olhava para suas mãos trêmulas.
— Seu…!!!
— James, está tudo bem?
— Seu infeliz bastardo!!! — xingou, partindo pra cima do deus, mas agora, para socá-lo.
O deus que podia desviar de uma brisa ou de uma gota de chuva agora estava caído e debaixo de um rapaz muito enfurecido e totalmente envergonhado…
— Acalme-se James! Aaai! Pare! Espere! Deixe-me explicar!
— Explicar o quê?! Que você me agarrou e… e…
— Bom, eu só lhe dei um beijo, foi você quem me agarrou depois!
— Cale a porra da boca!! — esbravejou, colocando suas duas mãos no pescoço do outro.
— James… se acalme… — disse, segurando os pulsos do outro tentando tirá-los de si.
— Meu Deus… Eu… Eu beijei um homem e…
A imagem inflamável dele chupando os dedos do loiro lhe rondavam a mente queimando qualquer tipo de racionalidade pacifista…
— James… Eu posso explicar…!
— Explicar o quê?! Que me desonrou?! Que agora eu… eu…
— James! — lhe chamou mais assertivo, e com toda sua força restante, conseguiu virar seus corpos, ficando por cima e entre as pernas do outro.
— Saia de cima de mim!
— Não posso. Não ainda. Tenho que explicar o porquê fiz isso!
— Ah eu sei porque fez isso… Porque é a porra de um deus! E acha que pode fazer qualquer merda!
— Não é isso! Nunca faria nada que não quisesse! Mas… Eu tive que fazer isso agora porque…
Antes que respondesse, uma joelhada entre suas pernas foi executada, acertando em cheio suas partes íntimas.
O deus foi ao chão sem resistência alguma…
James se arrastou pra longe e se levantou, suas pernas ainda bambas pelo ocorrido, seus lábios formigavam ainda pelo calor do beijo, e sua língua, tinha ainda a sensação sedenta pelo toque da língua do outro.
E todo seu corpo queimava em uma tensão deliciosa esperando ser aliviada.
— James… Hm… por favor… Me ouça… — Kýrios gemeu em dor, encolhido em posição fetal.
— Dá próxima vez que encostar um dedo em mim, não vou somente chutar suas bolas! Vou arrancá-las de você com minhas próprias mãos!
— Droga… será que pode me ouvir?!
— Me esqueça! — disse, saindo correndo dali, passando aos tropeços pelas pessoas, que nem se importavam por já estarem algumas com o álcool na cabeça e lá nas alturas.
E deixando para trás um deus, subiu as escadas para o andar onde ficava seu quarto.
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Capítulo 10
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Missão Ágape
O Olimpo está em crise, e tudo porque de repente uma profecia disse que um deus iria dizimar o seu sistema e tudo que eles lutaram para conquistar e poderem estar no poder até hoje.
E é...