Capítulo 15
James nunca tinha na vida provado de um prazer como aquele que sentiu horas atrás.
E com somente uma mão! Uma mão somente!
E com isso, logo um pensamento que veio em sua mente instantaneamente lhe instigou a imaginar, tirando um pouco de seu sono:
“Ele é realmente bom com as mãos, imagina com sua boca? Ou com…”
— Mas que merda…?! Que porra estou pensando? — se perguntou enquanto acordava.
E para sua surpresa, o loiro estava ainda do seu lado, lhe abraçando pela cintura como se estivesse protegendo um urso de pelúcia, sua cabeça estava deitada perto da sua, e possivelmente havia dormido com seu rosto em seus cabelos.
Não, aquilo já era demais…
— Kýrios! Acorde! Seu idiota! — se sentou, se afastando, se sentindo muito envergonhado.
Todos os detalhes passaram por sua mente, todas aquelas palavras, os gemidos que não conseguiu segurar, os arfares, as falas provocativas feitas por aquele deus que pareciam ter sido estudadas e aperfeiçoadas por tantos anos… Era fato, ele era mesmo um deus do amor.
— Kýrios! — lhe chamou novamente, sacudindo-o pelo seu ombro.
— Hm…? — Kýrios acordou, e ainda de olhos fechados, se sentou todo sonolento.
James não conseguiu não reparar em seus cabelos desalinhados, e xingou em mente pelo pensamento de como o outro podia ser tão atraente até assim, com cara inchada de um sono que foi bom, até baba seca tinha pelo canto de sua boca.
— Aaagh… — bocejou o deus, se espreguiçando e esfregando os olhos em seguida — Bom dia. — disse, e pegou de surpresa o outro, lhe dando um longo selar na boca, e depois se levantando meio tonto, indo ainda todo sonolento em direção a terma enquanto deixava suas roupas pelo caminho e ficando nu de novo.
James ficou paralisado, sem reação por aquele gesto assim do nada.
— O que esse babaca está fazendo?! — se levantou aos tropeços, correndo até a terma, e já o encontrando dentro dela, mas ainda de olhos fechado, sua cabeça relaxando na beira onde tinha uma toalha atrás de sua nuca — Kýrios!
— Ah, oi, bom dia James. — Bocejou outra vez, molhando o rosto em seguida — Dormiu bem?
— Que merda acha que está fazendo?
— Porque está tão mal humorado? Os dois orgasmos que lhe dei na noite anterior não resolveu as coisas?
James ficou muito tentado em afogar o deus ali na terma, mas respirou fundo, pois sabia que não adiantava brigar naquele momento, estava num lugar desconhecido.
— Vou ser bem claro com você, seu imbecil de asas! — James se aproximou, e se agachou perto do deus — Porque me beijou agora?
— Te beijei?
— Sim, beijou!
— Hm… Um beijo de bom dia?
— Isso, essa porra!
— Então… está mais preocupado com isso do que comigo ter lhe masturbado ontem? Bom, então já é um progresso.
O sangue do rapaz ferveu, e irritado, puxou o cabelo do loiro, fazendo-o ficar com a cabeça bem deitada, olhando diretamente para ele.
— Escuta aqui, seu deus de merda, essa é a última vez que faz aquilo! E mais essa coisa que fez agora, está me ouvindo?!
— Se quer uma desculpa e se isso vai te fazer melhor, ok, eu me desculpo. Mas só pelo beijo de bom dia de agora. Não foi minha intenção, quer dizer, foi, mas não como pensa, é que… foi força do hábito. Porquê… — seu olhar se desviou, e logo James entendeu, largando seu cabelo e se levantando, ficando de costas para o outro enquanto apertava seus próprios punhos.
Em sua mente logo a conversa que teve com Psiquê lhe veio, e só por causa disso, decidiu se conter, respirar fundo, e agir com mais civilidade.
— Ei, James, está tudo bem? Ou está pensando em como vai me matar nessa terma?
— Estou com fome. Vou ver o que consigo pra comer.
— Oh! Sim. Pode me trazer o café da manhã também? Estou morrendo e fome. Quase não comi nada no jantar de ontem.
— Não tem medo de eu lhe trazer um veneno que posso pedir para Hades agora mesmo e que ele me concederia com toda boa vontade?
Kýrios sorriu, se virou e se debruçou na beira da terma.
— Não. Confio em você. — disse, lhe dando uma piscadela proposital para irritar o moreno.
James revirou os olhos e bufou, esfregando o rosto para se conter de socá-lo na cara.
— É, vou pedir que botem o pior dos venenos no seu dejejum!
— Não quer vir tomar banho primeiro?
— Vai se foder Kýrios!
— Bom dia pra você também, James. — Sorriu, um pouco mais fingido, e deu um tchauzinho irônico que fez James querer ir até ele e quebrar um por um de seus dedos.
Mas novamente, lhe veio logo a mente um outro irritante pensamento.
“Não posso quebra os dedos da mão que me fez ir até o céu e voltar, literalmente, pra esse inferno. Como vou ficar sem eles da próxima vez?”
— “Próxima vez”?! — esbravejou consigo mesmo em seu devaneio, chamando a atenção do loiro.
— O que disse?
— Espero que se afogue! E morra, e encontrem seu corpo somente daqui a três dias flutuando de tão inchado dentro dessa terma!
Kýrios deu uma gargalhada.
— Ai ai, James, sua criatividade para ameaças está cada vez melhor. — disse encarando-o intensamente, e se não fosse por James cortar aquele contato visual, ainda continuariam se olhando naquele silêncio constrangedor que estava ficando perigosamente confortável.
A passos duros, saiu do quarto.
•
James só se deu conta de que estava em terreno desconhecido quando percebeu que estava perdido.
Perdido e apavorado. Pois em cada esquina de corredor que virava não sabia se ia dar de cara com uma alma penada toda retorcida ou se ia encontrar algum outro ser monstruoso que pudesse lhe fazer de ração por pensar que ele fosse um intruso. O que em termos técnicos era mesmo.
Como quase aconteceu quando sem querer foi parar no pátio onde, o cão do submundo, Cérbero, mordia distraidamente um pedaço de algo que James só identificou o que era quando ouviu um grito de desespero com um pedido de socorro que vinha de dentro da boca do canino.
E de fininho, prendendo o ar o máximo que podia, saiu por onde havia entrado. E como tudo parecia tão igual, se perdeu novamente.
O que lhe acalmava, mas um pouco só, era o fato de que ele era importante, de que nada ia lhe acontecer. Mas também havia o fato de que ele podia ser substituível, então, tinha que ter cuidado por sua própria vida ali dentro.
Sua andança pelos corredores, por sorte ou não, acabou levando-o a lugar muito bonito e amplo.
Era um local cheio de plantas, e por ali não ter tanta luz a coloração das folhas tinha um tom de verde opaco, mas mesmo assim, isso não tirava a beleza das outras plantas que se encontravam por ali, e que se misturavam com as flores das mais variadas formas e tamanhos.
Um lindo e excêntrico jardim, era como podia classificar.
De repente enquanto caminhava distraído por aquele local tão bem cuidado, ouviu alguém lhe direcionar uma pergunta.
— Noite difícil? — perguntou uma voz gentil, estava de costas colhendo algo.
— V-Vossa… Majestade?! — Cumprimentou James um pouco temeroso, reconhecendo ser a rainha do submundo, Perséfone.
— Pegue, estão maduras. — disse, jogando uma romã para o rapaz, que ficou observando a fruta, que tinha uma coloração cinzenta, bem diferente da fruta que conhecia — Todos frutos daqui são assim por não haver sol de verdade. Toda as vezes que chego aqui tudo está enegrecido, mas com um pouco de luz que empresto de Hélio — mostrou uma pequena lamparina pendurada em sua cintura, a parte do vidro estava coberta por uma camada de couro vermelho, pintado com alguns símbolos que agora ele entendia perfeitamente o que significavam…
— Este fruto, não é o mesmo da lenda sobre…?
— Não, não. O que me prendeu aqui foi aquele. — Apontou para uma árvore mais ao longe, uma que estava envolta por uma cerca de cristais e outras pedras preciosas. A romã daquela árvore brilhava em um vermelho muito vivo, fazendo-a parecer que estava coberta de sangue.
— É lindo.
— Sim, foi por essa cor tão sedutora que acabei vindo parar aqui. — Sorriu nostálgica, mas respirou fundo um pouco triste também, balançando a cabeça e virando sua atenção para o rapaz de novo — O que faz aqui?
— Eu… — James pensou em inventar uma desculpa, mas deduziu que poderia somente lhe trazer mais problemas. Então decidiu ser sincero — me perdi. Estava indo buscar café da manhã, mas…
A rainha, que também era uma deusa, riu um pouco pela confissão do rapaz, que lhe mirou entre confuso e apreensivo.
— Ah então é por isso que está aqui… Nunca recebo visitas enquanto estou em meu jardim. Hades é um pouco ciumento, e não deixa que ninguém entre aqui. A última vez que alguém entrou… — suspirou em cansaço, e somente isso já era uma resposta.
— A-ah, entendi. Então, acho que vou me indo…
— Tenho um guento para sarar essas marcas. — disse Perséfone, com semblante risonho, abaixando seu olhar para algo abaixo da cabeça do rapaz.
— Perdão?
A rainha apontou para o pescoço dele, e depois para sua boca, e sorriu com um leve toque de malícia.
Se James pudesse arrancar sua face e escondê-la debaixo daquela terra preta, ele faria naquele momento.
— Estava claro para mim que vocês dois…
— Me desculpe pela interrupção, Vossa Majestade… Mas…
— Me chame só de Perséfone, por favor. Não estamos em audiência formal. Você é um visitante, e é bem vindo aqui em meu jardim.
— S-sim, Vossa… desculpe, Perséfone. — estava nervoso, querendo argumentar o mais rápido possível — Então, o que eu ia dizendo é que… Eu e aquele ser não temos nada. Nenhuma relação. Essas marcas são… Alergia! Sim, é que algumas ervas da terma me deram alergia. É só isso. Por favor, acredite.
A rainha sorriu sem mostrar os dentes, e se virou para a lateral de sua cintura, para seu cinto que parecia um coldre, mas no lugar de uma arma, a mesma abriu e tirou de dentro um frasco, jogando-o com cuidado para o rapaz.
— Esse é muito bom para essas “alergias”. Tudo some em menos de duas horas. As vezes uso quando meu rei me dá muitas “alergias” também.
James queria sumir, queria que a terra lhe tragasse logo para que não tivesse que lutar mais pela sua dignidade, ou quem sabe fugisse dali logo sem ninguém perceber, mas sabia que sair dali sem pedir ajuda era o mesmo que pedir para se perder novamente e morrer da pior forma possível.
Ok, não havia mais como lutar, a não ser se render à perspicácia daquela deusa.
— Perséfone… — fungou em derrota — posso lhe pedir algo? Sei que devo estar abusando de sua boa vontade, mas estou com fome, e gostaria de ir na cozinha…
— Ah, meu rapaz. A esta hora, eu aconselho que não posso fazer isso. As cozinheiras e os chefes devem estar se matando para poder servir seu prato de hoje.
— Ah. Não sabia que havia competitividade culinária assim.
— Não, você não me entendeu, James Payne. Estou falando que literalmente eles estão se matando. É uma das ideias de meu esposo teve para lhes dar a chance de não ir para Asfódelos, e assim, fazer darem tudo de si para que tenhamos uma refeição do mais alto nível. Quem ganha, fica aqui no castelo.
James se lembrou de sua mãe, e o quão ela era exigente na cozinha com as cozinheiras. Era gentil, mas sempre gostava do melhor. E por isso, sempre havia alguma briga entre os serviçais para ver quem iria agradá-la com seus doces e salgados do chá das cinco.
— Então… não me resta outra opção senão ficar com fome.
— Não fique assim, James Payne. Vou agora convidá-lo para colher comigo algumas frutas. E assim, podemos nós dois juntos fazer um dejejum muito saudável, e de quebra, gostaria de conversar mais com você, saber das coisas de seu mundo, tenho curiosidade para saber mais de seu domínio.
— Ah, claro, seria uma honra. Mas… tem alguma chance de eu vira ração para um cão de três cabeças se eu continuar aqui por mais alguns instantes?
Perséfone riu mais uma vez, seu semblante leve em nada se comparava com o fechado e assustador de Hades. Ela nem parecia pertencer a aquele lugar.
— Posso também fazer uma observação, James Payne? Tenho guardado isso comigo desde que chegou aqui.
— Sim, sou todos ouvidos.
— Gosta do pôr do sol?
James franziu o cenho, era uma pergunta muito aleatória, e também específica, e pensou por um momento se aquilo não era algum teste. E se fosse, não gostaria de perder e acabar como Panoptes. Então resolveu responder o mais sincero que podia.
— Sim, gosto muito. O pôr do sol me faz me sentir livre, como se a partir daquele momento, tudo terminasse e eu pudesse recomeçar outra vez no dia seguinte… — de repente os olhos do rapaz ficaram perdidos, como se estivessem olhando para algum lugar — Eu amo o pôr do sol pelo simples fato de que, depois de beber uma bela ambrosia, lembro-me da sorte que tenho por ter alguém que me ama tanto. — disse ainda com o olhar perdido no nada, mas o semblante ficando triste a cada segundo.
Os olhos de Perséfone marejaram, e não se conteve de ir até o rapaz e lhe abraçar.
James arregalou os olhos, se assustando por acordar de seu devaneio e deparar com a deusa lhe abraçando. Olhando para todos os lados apavorado, conferiu se não tinha já um deus dos mortos planejando se ia cortá-lo em pedaços ou lhe dar inteiro para Cérbero comer.
— V-Vossa… Vossa Majestade! O que…??
— Oh, peço perdão, James Payne. — disse a deusa, se afastando do rapaz, e enxugando seus olhos brilhantes que já deixavam algumas lágrimas escorrerem — Peço perdão pelo meu gesto indelicado. É que… por um momento… me recordei de minha amiga. Psiquê. Acho que… já deve ter sabido de toda sua história.
James ficou confuso, pois… o que tinha falado não tinha nenhuma relação com a deusa e esposa de Kýrios. Então o que ele tinha dito para a rainha ter ficado daquele jeito?
— Com sua licença, Perséfone. Mas… eu disse alguma coisa errada? Me desculpe se eu disse algo que a fez lembra dela,ou que lhe aborreceu e…
— Ela amava pôr do sol. — disse a rainha, interrompendo-o — E ambrosia. Principalmente quando era presenteada por… Kýrios. — disse a rainha, tentando lembrar do nome do deus do amor, mas seu nome estava banido da mente de todos.
— Ambrosia? Eu nunca bebi isso… Me desculpe, mas penso que tenha ouvido errado. Eu disse cidra.
A rainha deu uma risada gentil, dava para sentir um certo saudosismo, e alegria em seu semblante.
— Sim, peço perdão por isso também. É que faz muito tempo que a perdemos de vista. E espero muito que você a encontre junto dele. Psiquê era muito inteligente. E antes dela sumir, talvez um pouco antes de sua fuga do Olimpo, ela veio para cá, ficou escondida aqui por um tempo.
James ficou muito surpreso pela confissão, e teve vontade de sair correndo para chamar Kýrios para ouvir isso também.
— Vamos fazer nosso dejejum? Creio que ficou faminto ainda mais depois disso.
— Sim, Perséfone. E mais uma vez, é uma honra para mim acompanhá-la neste café da manhã. Em meu mundo, também temos reis e rainhas, mas, por questões de segurança, eles não são muito acessíveis como estou vendo que é entre vocês.
— Verdade. Já tinha ouvido falar nisso. Mas me fale mais! Quero ouvir de suas aventuras no domínio… “Dele”.
— Farei o possível para contar sem que eu tenha que causar um terremoto. — disse, seguindo a deusa quando a mesma deu sinal para acompanhá-la mais adentro do jardim.
•
Kýrios havia ficado por duas horas na terma esperando por James, mas antes disso, tinha decidido deixá-lo um pouco a sós, já que o que tinha acontecido na noite anterior tinha, ao seu ver, mexido demais com o rapaz, dava para ver pela sua feição corada o tempo todo quando ia falar com ele.
Claro que qualquer um ficaria extremamente envergonhado depois de se abrir daquela maneira como ele havia deixado. E Kýrios tinha percebido que havia estourado a cota de provocá-lo e irritá-lo, então, para que não ficasse com mais raiva do que já estava por ele, decidiu esperar até que o outro esfriasse a cabeça.
Isso até se lembrar que o rapaz não era íntimo daquele castelo, e de que poderia estar em apuros em alguma área mais perigosa. Poderia até mesmo ter ido para o Tártaro acidentalmente.
E com isso em mente, tinha saído da terma às pressas, se vestido e ido procurar pelo moreno, ou do que possivelmente, torcia que não, de alguma parte que tenha sobrado do mesmo.
— Me viro depois com Hades. — disse para si mesmo quando chegou na entrada do jardim de Perséfone, o ultimo lugar que decidiu procurar depois das buscas sem sucesso pelos outros cômodos do castelo e arredores.
Apesar de não ter muita experiência ali pelo submundo, da primeira vez que havia entrado naquele lugar, tinha aprendido a lição de não entrar mais quando Hades soltou o cão de três cabeças pra cima dele, lhe arrancando uma asa.
Demorou meses para que o lado esquerdo pudesse crescer de novo… E foi por causa disso, que muitas guerras foram travadas, já que o amor estava de convalescença esperando sua asa nascer novamente.
— Hm? É James?! — perguntou-se ao ouvir os risos do rapaz, risos descontraídos que ecoava e vinham do centro do jardim.
E seguindo sua voz, e mais outra feminina ao qual se sentiu um pouco incomodado por pensar que pudesse ser de alguma ninfa de jardim seduzindo o rapaz ou mesmo uma Empousa já o devorando literalmente, apressou seus passos para logo encontrar o moreno.
Mas seu coração tranquilizou-se quando o encontrou perto de um canteiro circular de rosas vermelhas e pretas, comendo uma maçã e depois bebendo algo dourado que o deus logo identificou ser néctar.
— Oh deuses… — arregalou os olhos, preocupado ao ver tal cena da rainha e rapaz bebendo.
Tinha ficado muito surpreso pela companhia que estava ao lado dele, a rainha de todo o submundo. Mas o mais surpreendente ainda era saber como o rapaz estava vivo com sua presença ali nos jardins dela, e muito, muito mais ainda inesperado ainda era vê-lo beber néctar sem ter ainda virado uma poça de carne.
— … e foi assim que fui expulso da missa. Eu falei para aquela noviça não gemer em nosso beijo, mas parece que ficou fascinada demais pelas minhas habilidades, e acabou que nós dois fomos descobertos dentro do confessionário. Minha mãe desmaiou quando soube, e meu pai ficou furioso. Mas eu tenho que dizer que não tive culpa, a moça era uma das filhas de um dos donos de uma fabrica de tecidos, mas que eu sabia que gostava de mim. E quando ela me viu… deu nisso. Eu não fiz nada, ela que veio pra cima de mim. Como eu poderia rejeitá-la? Com certeza ficaria triste. Mais do que pela sua condição obrigatória quando seus pais a internaram ali para virar freira. É, uma coisa horrível. Então creio que cometi mais a uma boa ação de confortá-la daquele sofrimento do que um ato pecaminoso.
Perséfone riu, e bebeu mais um gole da bebida dos deuses.
— É de fato muito ousado, James Payne. Fazer isso em local sagrado… Seu Senhor é muito misericordioso, e benevolente, para não lhe ter punido ainda.
— Creio que não. Ele age de forma discreta. Podemos fazer algo de mal e pensar que saímos ilesos, mas, pode demorar, mas a justiça divina nunca falha. E com essa minha tal “transgressão”, eu devo estar agora pagando pelos meus pecados, já que caí nas mãos daquele idiota alado…
Kýrios estava escondido detrás de uma moita, e arqueou uma sobrancelha por ouvir o rapaz falando assim dele.
— Mas, ele é um idiota, irritante, de bom coração… — continuou o rapaz — Até agora, ele não me deixou na mão. Sempre me socorreu quando precisei. Apesar de me encher depois com suas babaquices. — Revirou os olhos, bebendo de mais um gole do líquido dourado — Essa bebida é incrível! Quanto mais bebo, mais quero beber. É feita de que fruta?
Perséfone sorriu alegremente, lançando olhares as vezes tristonhos, mas também muito contentes, parecia estar muito feliz com a presença do humano.
— Kýrios é realmente muito ousado também, deve ser por isso que vocês estão se dando bem. Ele já foi capaz de irritar praticamente todos os deuses. — Riu, colocando na boca agora um pedaço de romã.
— Se bobear, ele já deve ter irritado todos os humanos também. — Riu James, olhando pensativo para a árvore de romãs encantadas.
— Algumas pessoas são como aquelas romãs. Você experimenta somente um pedaço, e ela te prende a ela pelo resto de sua vida. Isso pode ser ruim, mas também pode ser muito bom… pegue uma pra você.
James se engasgou com o néctar.
— Eu? Pegar?
— É. Temo que vá precisar. Sabe, essas romãs não prendem a pessoa só romanticamente. Elas também conectam você a outra pessoa, você consegue sentir o que ela sente, pelo menos os sentimos mais fortes como medo ou ódio. E se vocês dois estiverem perdidos, vocês poderão se encontrar dessa forma.
— Mas, sempre tem um porém, certo?
— Sim, a pessoa que você for oferecer isso, vai estar sob um juramento, como um… casamento. Entende?
— Mas não há como desfazer?
— Tem. Você tem que mergulhar no rio em que Aquiles uma vez mergulhou, e assim, quebrando esse encanto, mas ficando com uma parte muito frágil. Drasticamente mortal.
— Isso para deuses deve ser um problema… Já para humanos… Eu posso morrer a qualquer momento. Até engasgado com essas uvas. Então… me desculpe, mas tenho que recusar.
— Porque?
— Porque não quero ninguém preso a mim por algum encanto. Gosto que todos com quem me importo sejam livres. E mesmo se eu me perder… De forma ou de outra, ele vai me achar.
— Você então confia mesmo nele? — perguntou a deusa, se referindo ao loiro.
James ficou por alguns instantes pensativo, mas respondeu com sinceridade.
— Confio. Menos quando estamos num mesmo cômodo. — respondeu, e a deusa sorriu de canto erguendo uma sobrancelha — N-não foi isso que eu quis dizer! Não é isso! É mais por mim mesmo, porque penso que posso qualquer um dia matá-lo sufocado com um travesseiro!
Perséfone não resistiu em rir daquilo, e ofereceu mais néctar ao rapaz, que aceitou de bom grado.
E nesse mesmo instante, não se aguentando em ficar escutando por mais tempo, o deus do amor saiu detrás da moita e caminhou solene pelo gramado até parar perto de onde havia uma fonte cheia de vinhas de uva penduradas.
— Que maldade, James. Eu todo preocupado, e você aqui se embebedando e flertando com a rainha? No jardim dela? Não tem medo de morrer?
— Olá pra você também, Kýrios. Está com ciúmes porque eu consegui entrar no jardim sem ter algum pedaço arrancado de mim? — zombou.
Kýrios olhou para Perséfone, que deu de ombros com ar zombeteiro.
— Ha ha, muito engraçado. Quero ver se vai ficar todo cheio de piadinhas quando estiver frente a frente com aquele cão. Podemos ir?
— Porque a pressa? Está com medo? — provocou James, parecendo um pouco alterado pela bebida.
— Não. Só estou querendo te proteger, James.
— Me proteger? Kýrios, já estou aqui a horas, e você estava onde? A esse tempo, se não fosse por Perséfone, eu já estaria dentro de um lago de lava.
— “Persefone”? Uau, já está assim tão íntimo da rainha? Deuses, James, sei que é um boêmio impudico, mas pensei que fosse pelo menos sensato. Cortejar a esposa de Hades é o mesmo que estar assinando seu contrato de viagem só de ida para o Tártaro!
— Eu não estou cortejando ninguém! Não sou um pervertido cabeça oca como uns e outros são!
Percebendo o clima bélico se instalando entre o deus e o rapaz, a deusa se intrometeu no meio, erguendo as mãos em sinal de trégua.
— Por favor, Kýrios, não pense mal de James Payne. Ele foi e esteve o tempo todo sempre respeitoso com minha pessoa. Ele só está me chamando dessa forma porque foi eu quem o ordenou. Ele só está obedecendo minhas vontades.
— Obedecendo ou não, ele não pode estar aqui, Lady Perséfone.
— Como não? Ele mais do que ninguém pode entrar aqui.
— Porquê ele pode? — inquiriu o deus, e a rainha ficou sem saber responder, até firmar sua postura e ficar ao lado do rapaz.
— James Payne agora é meu amigo.
— Mas ele é o “meu” amigo. — retrucou o deus, visivelmente inquieto, parecia incomodado com algo além da presença do rapaz estar ali naquele lugar perigoso que era o jardim.
— Ei! Eu não sou de ninguém. Ok? E Kýrios, o que há com você? Pelas minhas contas, sou eu quem deve ficar assim!
— Oras, estou assim porque… Porque fiquei preocupado! E depois de procurar muito por você, encontrei e o flagrei aqui bebendo néctar com a rainha do submundo. James, a rainha!
— Sim, eu sei. — James respirou fundo, passou uma mão na testa e se virou para a rainha — Com sua licença, Perséfone.
— Sim, está permitido. — disse com formalidade, mas depois pegou de surpresa o rapaz, o abraçando novamente e dizendo em seu ouvido: — Não brigue com ele. Está enciumado. Aproveite essa brecha. — e então se afastou, lhe dando uma piscadela discreta, acenando com a cabeça em despedida, indo se sentar de novo onde fazia aquela espécie de piquenique.
— Vamos. — disse o deus, um tanto sério, se virando num sinal para o moreno lhe seguir.
James bufou em desistência, e o seguiu, mas antes de perder a rainha de vista, lembrou-se de algo e voltou a ela.
Kýrios correu indo atrás dele.
Assim que retornou, a rainha se surpreendeu pela presença novamente do humano em seu jardim.
— Vossa Majestade, Perséfone, eu quase me esqueci de algo… Uma coisa muito importante a pedir.
— Sim, diga James Payne. O que posso fazer por você?
— James, o que você está fazendo? Temos que sair logo daqui, Hades vai nos mat…? — antes de completar, o rapaz tampou-lhe a boca com sua mão, mas logo o mesmo lambeu, fazendo o rapaz tirar do lugar como se tivesse levado um choque.
James grunhiu irritadiço, mas respirou fundo para se focar em seu objetivo.
— Vossa Majestade, eu e esse aqui — apontou com mal humor para o loiro — temos um amigo em comum, e queremos muito que…
— Ah sim! Eu já sei, não precisa me dizer mais nada. Sigam-me. — disse Perséfone, passando pelos dois num claro sinal para acompanhá-la.
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Missão Ágape
O Olimpo está em crise, e tudo porque de repente uma profecia disse que um deus iria dizimar o seu sistema e tudo que eles lutaram para conquistar e poderem estar no poder até hoje.
E é...