Arco 1 –  Oriente sem DESTINATÁRIO

Missão Ágape

Capítulo 19

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🟡 Em breve

A madrugada era fria, e isso intensificava a tensão da situação em que estavam.

Mesmo que agora tivessem um aliado muito poderoso…

James arrastava vários corpos adormecidos para dentro de uma carroça, e junto dele, Panoptes as ajeitava ali de forma confortáveis.

E mais, Tânatos havia conseguido mais algo que iria assegurar ainda mais que plano ficasse mais concreto: além dos fios de Métis, havia conseguido um jeito de passar uma certa vitalidade humana para aqueles porcos, retirando, com a ajuda do deus dragão, um pouco de vitalidade alguns moribundos de um hospital que ele via que logo mais não precisariam daquela força. Era algo muito sombrio, mas como tinha o aval daquele deus que agora os ajudava, a única coisa que o deus da morte fazia era indicar quem estava perto de morrer para que o outro deus fizesse sua função de “empréstimo de retirada” dessa vitalidade.

E como os jiangshi comiam vitalidades, então todos os porcos transformados estavam vivos, mas adormecidos, enquanto havia somente um corte em cada um na região do que era agora o ombro, para que o cheiro de sangue pudesse inebriar aquela criatura que estava com a lança e assim, não pensar muito em analisar aquelas misturas de vitalidade animal e humana.

— James, não perca o foco. Faça tudo como foi planejado. Está bem? — disse Tânatos, percebendo o outro muito nervoso enquanto ajeitava aqueles corpos.

— Sim. Foco. Tudo vai dar certo… — disse, mais pra se acalmar do que concordar com o deus, que tentava deixa-lo mais seguro de si enquanto assentia as perguntas silenciosas do rapaz quando este apontava com o olhar para algum corpo que parecia estar com suspeitas de falha no disfarce.

— Sempre pensei que o deus da morte de vocês fosse mais… aparentemente sombrio. — comentou o deus dragão.

— E eu pensei que vossa divindade fosse maior, por ser um dragão. — Rebateu Tânatos, e outro franziu o cenho — Não foi uma ofensa, foi uma observação, me desculpe.

— Sim, sim. Mas… Tenha cuidado com suas palavras. Da próxima vez pode ser tarde para poder se explicar, deus da morte. Não há muitos tão compreensíveis. — Advertiu o deus dragão — Não sou também muito paciente, mas tens a sorte de que estou focado em capturar este jiangshi, então não se esqueça, que só estou lhes ajudando porque quero aquele demônio, e também porque quero logo vê-los fora desses domínios. Mas saibam que não estou os intitulando como inimigos, e sim, somente que estou zelando pelo equilíbrio e harmonia de todo um acordo maior.

James sentiu o a ficar tenso por ali, as palavras daquele deus pareciam não condizer com seu semblante. É claro que poderia ser o descontentamento influenciando, mas ele sentia que o deus estava quase querendo dizer que assim que tudo aquilo estivesse resolvido, ele se voltaria para eles e liberaria toda sua fúria para expulsá-los.

Então, mesmo o tendo aos seus lados, ainda assim não conseguia e nem podia ficar menos tranquilo. Aquele Dragão Azul era nada mais do que um inimigo, mas que tinha um inimigo em comum com eles, então haveria uma trégua temporária e condicional.

— Pronto. Tudo pronto! Já podemos ir. — Avisou Panoptes, terminando de ajeitar os corpos das pseudo moças, posicionando cada uma delas sentadas, e com mãos e pés amarrados. Tudo para ser o mais convincente possível.

O Dragão Azul olhou para todos, e os cumprimentou com uma reverência típica e respeitosa do seu domínio, e sumiu, em uma nuvem azulada.

— Simpático. Será que são todos assim? — perguntou Panoptes em ironia.

— Creio que sim. Simpáticos, e hospitaleiros. Nada a reclamar. — disse James, no mesmo tom que o do gigante — Seja o que Deus quiser. — soltou sem querer, logo todos os seres que estavam com ele lhe miraram incomodados, com cenhos franzidos como se alguém tivesse acabado de dar alguns beliscos em seus corpos — Oh, sim, perdão.

James olhou para o céu, vendo o breu ganhar uma claridade que anunciava o quase fim daquela madrugada.

Três seres iam em cima daquela carroça, um deus da morte guiando nos arreios os cavalos que foram “emprestados” sem aviso ao dono, um gigante que ia atrás e vigiava os corpos, e um humano, um rapaz, que ia ao lado do deus, e olhava para tudo ao redor com olhos muito atentos, e vez ou outra, naquela estrada de terra, via uns grandes vultos, as vezes pequenos, passarem por entre as árvores e fazendo barulho de quebras de galhos ou rosnados baixos como se tivessem avisando ao seu mestre a chegada da comida.

Não demorou muito para pararem naquela clareira novamente, e serem cercados por aquele bando de jiangshi.

E lá sentado sobre uma pedra enquanto tocava sua flauta de modo bem desafinado, propositalmente enquanto carregava em seu colo a lança, estava o mestre deles.

Seus cabelos brancos balançavam com a brisa que passava por ali, levando seu cheiro pútrido, que chegava ao trio, e somente James e Panoptes fechavam o nariz por não suportarem o forte odor.

— Vocês querem mesmo essa lança… — sorriu o jiangshi de forma maligna — Foram mais rápidos do que pensei. —  Descendo de sua pedra e se aproximando da carroça, rodopiou a lança num gesto bastante ameaçador.

— Trato é trato. Agora você pode nos dar a lança? — perguntou James, aflito.

— Está certo, só que tem um porém, não sei se você sabe, acho que não deve saber… — Olhou o rapaz de cima abaixo — Não tem perfil de comerciante… Mas a regra é sempre a mesma para todo mundo que está dentro de um acordo: Verificar o produto. Então, como seria um trato feito sem eu testar a credibilidade da mercadoria que está sendo oferecida à mim?

James cerrou os punhos em tensão, mas se conteve, mesmo que sentisse sua testa e suas mãos suarem frio.

— Sim, você tem toda razão. Pode experimentar. Fique a vontade. — disse James, dando espaço para o jiangshi subir na carroça.

O morto vivo se aproximou mais, subindo num pulo para dentro da locomoção, olhando para todas as nove pessoas: três crianças, três moças e três senhoras de idade.

Se abaixou, chegando perto da moça a qual ele tinha requisitado no acordo, e cheirou seu cabelo, acariciando seu queixo.

— Uma dama, jaz, fiel serva daquele dragão imprestável. — sorriu, lambendo seu rosto — Vocês cumpriram bem suas partes, mas poxa, perdoem-me a minha falta de memória… Sou um idoso, já tenho certa idade, mas nunca é tarde para se lembrar de algo como…

— Nós cumprimos tudo como nos falou. Algo mais que isso está fazendo quebrar esse acordo, senhor…

— Tai-Yang. — o jiangshi ficou com um semblante perdido por um tempo, até voltar a si — Tantos anos… Talvez este seja o nome de alguém que comi. — sorriu, mostrando seus dentes afiados.

— Certo, senhor Tai-Yang — começou James, engolindo em seco para tentar uma conversa de convencimento — Fizemos um  acordo, combinamos vários termos, até perguntamos se queria algo extra, tudo foi acertado. E eu, como um conhecedor e admirador de sua cultura de origem, penso que são honrados em cumprir promessas e acordos, e continuo acreditando nisso. Então, aqui estamos, com tudo que pediu.

— Bajular não vai me fazer ter alguma sensibilidade, humano.

— Não estou bajulando, só estou recordando que ambos os lados tem que cumprir seus acordos. Nós três aqui já fizemos, agora só falta a sua parte.

O jiangshi encarou James, e inclinou a cabeça para o lado, cheirando o ar que vinha de uma brisa que veio de repente e passou por James.

— Que tipo de deus é você? — perguntou o ser.

— Perdão?

— Está mentindo sobre sua verdadeira identidade, “humano”. E se está mentindo, está quebrando o acordo, o que significa que eu não estou mais na obrigação de respeitar quaisquer coisas que nós combinamos! O que significa também que posso exigir qualquer coisa, já que estou em vantagem!

James estava tão nervoso… E confuso. Porque… O que tinha de errado nele para pensarem que ele fosse um deus?

“Será que é por causa da vitalidade de Kýrios em mim? Se for isso… Céus, está mais atrapalhando do que ajudando!”. Pensou.

Mas um lado seu tinha aquela fé de que tudo ia dar certo, já que havia um deus daquele domínio aliado a eles. Tudo estava tão certo… Não podia dar nada errado.

— Porra… — murmurou James baixinho para si mesmo, se xingando mentalmente também por não ter pensado naquele detalhe antes.

Mas como ele poderia se ater a isso no meio daquela situação toda?

Não havia. Já que por estar muito tenso e preocupado com tudo, esqueceu-se de pensar num plano para este ponto.

Os ombros do jiangshi ficaram tensos, e sua expressão ficou mais sombria.

— Ah, agora me lembro… Houve uma vez em que alguém também tentou me enganar desta maneira… — seu olhar ganhou uma tonalidade verde escuro, como lodo, e se virando para os corpos, cheirou o ar, e a resposta para sua análise foi positiva, menos para James e os outros dois, que já tinham se disposto em posições defensivas — Não dessa vez…! — rosnou, se voltando para o trio, James a essa hora já tinha pulado da carroça e estava entre os dois — Acham que iriam me enganar com esse truque barato? — virando-se e pegando uma “senhora” pelo braço, a arrastou para fora, jogando-a no chão, se abaixando, e num golpe muito violento arrancou seu coração.

Em sua mão ficou um órgão muito parecido ao de um humano, só que um pouco menor. E como se estivesse furioso, levou o coração aos seus lábios, lambendo a superfície ensanguentada, e mordendo um pedaço, ao qual não engoliu, mas cuspiu perto dos pés do trio.

— Porco, com magia estrangeira e… — Limpou a boca de modo zangado na manga — Fede a magia do mediterrâneo. Ah, vocês, gregos, sempre querendo ser espertos, mas não passam de tolos arrogantes! — disse, erguendo a lança até sua boca.

— Agora. — disse Tânatos, e os outros dois correram para detrás da carroça.

O jiangshi, muito curioso, em um segundo que um olho seu mirou para onde os dois correram, desconfiou de que algo estava prestes a acontecer, e seu instinto não falhou.

E ao invés de continuar a sua vingança e correr para se alimentar da vitalidade do rapaz, usou a lança para bloquear um ataque muito rápido vindo por detrás, seu braço se torcendo num ângulo muito anormal.

— Sabia que tinha coisa sua nisso… Eles estavam tão acovardados quando os vi… E agora, pareciam três traidores prestes a esfaquear pelas costas seu imperador. — Sorriu o jiangshi, aguentando ainda o ataque do Dragão Azul.

— Hoje você deixará em paz esta cidade! Hoje você não escapará de seu destino! Não mais!

A espada do deus então investiu de novo contra aquele morto vivo, que sem dificuldades nenhuma conseguia desviar, defender e até contra-atacar.

Os jiangshi por si só eram bastante fracos, mas aquele em especial havia acumulado forças por todos os séculos se alimentando de vários desavisados que todas as noites, sumiam. E para manter sua fonte de alimento sempre ativa, havia usando da inteligência para sempre que os guardas encontrassem os corpos, cada um tinha um motivo, um álibi diferente de justificar a morte: Um bêbado que bebeu demais e teve coma alcoólico, ou uma briga entre gangues, ou acertos de contas de mal pagadores… sempre havia uma desculpa para acobertar seus crimes.

— James! Cuidado! — avisou o gigante a tempo de um outro jiangshi de menor poder quase puxar sua camisa e mordê-lo no ombro.

James então chutou a cara do morto-vivo, não por bravura, mas por causa de um desespero e nojo, desfazendo todo o rosto apodrecido. Fazendo com que alguns respingos de sangue pútrido fossem em suas roupas.

E em uma ação improvisada, subiu na carroça de novo, teve vontade de vomitar na hora, mas segurou sua ânsia para poder continuar se defendendo de outros jiangshi menores que tentavam subir.

Panoptes tinha um pedaço de madeira na mão, e acertava com gosto a cabeça deles, as vezes esmagando-os, ou arrancando-os inteiros como bolas de pano. Já Tânatos cuidava dos maiores e mais rápidos, que ficavam receosos de se aproximar. E vendo que suas “crianças” se acovardavam, o mestre deles gritou.

— Comam todos eles! — ordenou, seu tom saindo duplicado e estridente.

Os jiangshi menores começaram a se transformar, suas carnes tomando formas mais monstruosas. As cabeças partiam ao meio criando uma espécie de boca, seu torso se quebrando ao meio e se encurtando para alojar com mais rapidez os membros superiores e inferiores numa posição que lhes deixou perpendicular ao corpo agora na horizontal, ganhando uma forma que parecia a de um cão, só que com pernas compridas.

O mestre deles ainda trocava ataques com o Dragão Azul, usando somente suas garras e lança contra aquela espada, que não lhe dava descanso, e nem precisava, já que o outro não se cansava mesmo. Podia ficar fraco por ficar sem se alimentar por dias sem vitalidade, mas ainda nem lhe faltava um dia desde que se alimentou pela última vez, e por isso, estava com força total ainda.

— Pegue! — Panoptes jogou o pedaço de ripa para Tânatos, que a pegou sem dificuldades, e partiu pra cima dos cinco “cães cadáveres”.

Os ataques do deus eram elegantes, sem hesitação ou qualquer tipo de reação amedrontada. Seu rosto quase não exibia alguma emoção, a não ser um cenho franzido por estar muito atento nos ataques que vinham quase que ao mesmo tempo tentando tirar ou ferir alguma parte de seu corpo.

Era quase tentador usar seus poderes. Um estalar de dedos, e todos virariam poças de carne e sangue escuro.

James usava seus punhos cobertos com pano, usava seus chutes, e fazia tudo que lembrava de suas brigas de bordel, assim como tinha usado para defender aquela dama e artista circense mais cedo do dia anterior. Os jiangshi pareciam não acabar, sempre que conseguia chutar ou desmembrar um, vinha outro para tentar suga sua vitalidade ou tentar tirar uma porção de sua carne.

— James, é sua hora. — Avisou Tânatos, e o rapaz assentiu, engolindo em seco.

— Seja o que Deus quiser… — disse, antes de chutar mais um jiangshi e descer da carroça por uma brecha que Panoptes lhe deu para conseguir correr e ir executar sua parte do plano.

De repente, no meio da luta entre o mestre dos jiangshi e o deus dragão, algo começou a brilhar nas mãos do primeiro.

— Alguém quer participar deste duelo… — disse o jiangshi, ajeitando a lança em ambas as mãos, se preparando para mais um golpe — Está brilhando tanto… É um desperdício eu não experimentar um pouco…

O deus dragão semicerrou os olhos, e posicionou sua espada em uma direção contrária de seu oponente, que estranhou tal movimento.

— Não caio em distrações. — Sorriu, e num movimento muito rápido e muito agressivo, girou a lança e o corpo para trás, que torceu a coluna, ficando com as pernas pra frente na direção do deu dragão e seu torso para ficando para trás, fincando a lança na barriga de alguém.

James ficou cara a cara com o jiangshi, seu olhar feroz encarava o mestre daqueles mortos, e suas mãos, seguravam firmemente a lança contra sua própria barriga.

Sim, a lança o atravessou.

Era uma dor muito intensa… Cada movimento parecia remexer seus órgãos internos.

— Tire as mãos… dele… — disse, cuspindo sangue.

O jiangshi sorriu, e largou a lança, se aproximando e pegando a cabeça do rapaz em suas mãos.

— Sua vitalidade está toda transbordando… Mas não se preocupe, vou te transformar em meu sucessor, vejo tanto potencial… Seja o que você for, servirá. — os olhos do ser começaram a brilhar, e James viu que eles não estavam brilhando por si só, mas refletiam o brilho que vinha da lança.

O jiangshi estava começando a consumir tanto a energia da lança quanto a dele.

O Dragão Azul viu aquela oportunidade para atacar, e não hesitou. Mas uma mão saiu das costas do mestre dos mortos-vivos, que defendeu com grande êxito o seu corpo, ao mesmo tempo, usou um osso de suas costelas para quebrar o braço do deus dragão, fazendo-o sangrar em azul, e sua espada, cair no chão.

— Já disse. Não caio em distrações!

— Sim, disso já sei, seu maldito! — Rebateu o deus dragão — Mas há uma coisa que eu ainda não sei.

— E o que seria?

A espada que estava ali caída voou para longe, para então voltar numa velocidade grande para as mãos que não eram as de seu dono.

— Se deuses de outros domínios podem matar demônios de outros domínios. — disse Tânatos, já com a espada do deus dragão em suas mãos, e numa ação muita rápida, fez um movimento para cortar a cabeça do jiangshi.

O mestre dos mostos riu quando desviou mais uma vez, deslocando seu pescoço para o lado.

Mas seu sorriso desapareceu quando viu que o movimento do outro deus ainda não tinha acabado.

E num movimento, com seu braço ainda esticado como se estivesse carregando sua arma primária, Tânatos fez um giro que lembrava ao corte de uma foice, girando a espada junto do corpo, por fim cortando o pescoço do ser.

No mesmo instante, com muita dor e já vomitando sangue consideravelmente indicando uma letalidade, James ergueu suas mãos e com toda suas forças arrancou os dois olhos daquele ser, os jogando para o gigante, que os pegou com sucesso.

O jiangshi gritou, sua voz duplicada soando muito estridente quando sua cabeça caiu no chão.

Aquilo era um chamado para mais deles!

A terra ao redor começou a tremer, e sob os pés de todos, várias mãos começaram a sair da terra.

— Tânatos… Panoptes… — lhes chamou James, caindo sob os joelhos com a lança atravessada em sua barriga até suas costas.

— Eu cuido disso. E vocês, saíam daqui! Vou os encontrar mais tarde, e pagarei suas recompensas! Agora vão! — disse o deus dragão, pegando sua espada que estava fincada no chão após o corte do deus da morte.

Tânatos foi até James, e com cuidado e ainda sem tirar a lança que varava o corpo do rapaz, o colocou com cuidado entre aquelas falsas moças na carroça.

— Panoptes.

— Pode deixar! Se segurem! — disse o gigante, pulando para a frente e pegando os arreios — Ya! — gritou, fazendo-os andar para galopar em disparada.

Tânatos ficou ali atrás, com sua mão em cima do ferimento do rapaz, tentando estancar o sangue, mas em vão, pois o efeito se fazia o contrário, mas em contrapartida conseguia manter a alma do rapaz ainda consciente.

E por isso, de repente, James riu breve.

— Qual a graça? — perguntou o deus.

— A graça é que… Estou morrendo, como era do plano. E quem está aqui tentando me manter vivo é o próprio deus da morte. Isso… não é irônico? Me desculpe te fazer ir contra sua natureza… — disse, tossindo e cuspindo mais sangue.

— Fique em silêncio. Poupe-se. Você não está morrendo. Não ainda. Estou sentindo seus órgãos vitais ainda funcionando. A lança não acertou nada muito importante.

— Está dizendo isso para me tranquilizar… mas sei… vejo em seus olhos que estou… bem perto… bem perto da “morte”. — James riu de novo, pelo trocadilho feito.

Tânatos ergueu bem de leve um dos cantos da boca e balançou a cabeça em negativa.

— Kýrios estaria agora orgulhoso, e comemoraria em saber que há alguém que compartilha dos mesmos gostos por piadas de nível tão baixo.

— Tânatos… caso eu não aguente…

— Você vai aguentar. Tem aguentar, não pode desistir dessa missão, é sua obrigação. Você… — o deus respirou fundo e fechou os olhos por um instante — Não podemos esperar por mais anos você ter que nascer de novo.

James franziu o cenho, se sentindo mais consciente por tal informação tão inesperada.

— Como… é? — perguntou, muito intrigado.

— Pistas de Parca, James. Vocês… Cada um… é tudo diferente. Sempre. Mas… Também tudo é igual. — respondeu o deus, mas seu semblante dizia que havia muito mais coisas que ele queria contar, mas parecia não estar permitido a isso.

— Entendo. Então… Ok. Não vou lhes dar esse trabalho de me conhecerem “novamente”. — disse, querendo perguntar mais, tirar mais daquele deus, mas se sentindo muito cansado, e o deus respirou fundo em um semblante de agradecimento.

— Não durma. E respire o mínimo que puder. Isso vai desacelerar o sangramento. Eu não posso usar meus poderes, mas minha aura de meu encargo pode sentir minhas intenções e pode desacelerar seu processo de…

— Obrigado, Tânatos. Obrigado a você e Panoptes. Espero ter feito meu melhor… — tossiu, dessa vez vindo mais sangue, sujando toda sua camisa.

— Já falei. Poupe-se. Não diga mais nada.

— Concordo com ele! — disse Panoptes, fazendo seu trabalho de manter os equinos sempre em galope — Você falando essas coisas, ainda mais agora, parece tudo uma despedida! Mas ai de você morrer! Eu mesmo vou até seu domínio, invado seu paraíso e te tiro de lá a pontapés! Ouviu bem?

James sorriu, mas seu sorriso vacilou quando uma pontada muito forte foi sentida em sua barriga. E acatando os conselhos daquele deus, começou a controlar sua respiração para poder não sangrar muito, não mais do que já estava.

•

Chegaram às pressas na mesma hospedaria, o dono novamente os mandou entrar pela dispensa, falava muito nervoso, provavelmente xingamentos ou orações aos seus deuses, já que receber uma pessoa ferida com uma lança lhe atravessando seu corpo não era uma coisa comum de se acontecer por ali.

— James, preciso que respire fundo, está me entendendo? — perguntou Tânatos, com as duas mãos na arma, preparando-se para puxar.

James fez que sim com a cabeça, estava com uma colher de pau entre os dentes. Panoptes lhe segurava pelos ombros atras de si, firmando-o no banco em que estava sentado, somente com sua calça, já que sua camisa foi rasgada por estar ensopada de seu próprio sangue.

— No três. — Avisou, o deus — Um… — contou, firmando mais suas mãos — Dois…

— Arranque logo isso de mim antes do três! — reclamou James deixando cair a colher de sua boca.

Tânatos arqueou uma sobrancelha e balançou a cabeça em negativa.

— Humanos, e suas entrelinhas…

— Verdade, as vezes vocês são tão complicados… — comentou Panoptes.

— Por De… deuses, tira logo isso de mim! Estou sentindo isso revirar mais e mais meus órgãos!

— Três.

— Aaaaaah!

O grito foi tão alto que assustou alguns clientes da estalagem, e logo o dono entrou na dispensa de novo, arregalando os olhos quando viu aquela quantidade de sangue sujando seu piso de madeira.

O senhor começou a dizer mais coisas, mas pelo contexto do que entendiam, ele estava bravo. E parecia que estava querendo que limpassem, ou pagassem pelo prejuízo, já que toda hora apontava para o chão.

— Ok, beleza. Isso resolve tudo?  — Panoptes empurrou contra o peito do homem uma bolsa cheia de moedas, e logo o mesmo abriu, arregalando novamente seus olhos.

E como se tivesse possuído por um espírito bondoso, fez uma reverência ao trio, saindo do cômodo e fechando a porta atrás si com cuidado.

James, por mais fraco que estava, não aguentou segurar um sorriso achando graça daquilo.

— Está delirando? — perguntou Panoptes.

— Não… Só… Penso que… Não falamos nenhum um A de mandarim, e… mesmo assim… estamos aqui. Meio… Vivos… — disse, respirando pesado, suando frio, e com olhos quase se fechando.

Os outros dois deram seus respectivos sorrisos a seu modo, concordando com o rapaz, mas era mais pelo fato de que o mesmo estava se esforçando para não desmaiar, e isso significava que estava lutando para viver.

Tânatos então se virou para algo em sua cintura, e pegou algo de um de seus bolsos, pegando um frasco em formato distorcido, como se tivessem feito uma garrafa a partir de um cristal bruto.

— James, beba isso, vai te fazer ficar melhor.

Sem perguntar o que era, como sempre fazia, pegou o frasco e bebeu todo o conteúdo.

Logo uma dor lacerante lhe invadiu, como se suas entranhas estivessem sendo torcidas umas contra as outras.

— Aaaaaah!!!!! — gritou mais uma vez, caindo pro lado, mas o deus lhe pegou a tempo.

— Panoptes, prepare o ferro quente.

— Deuses… — disse o gigante, correndo para dentro para ir até o dono da estalagem.

— Sinto muito, James Payne. Mas esse é o método mais natural que consegui achar. É um soro de cura de Hécate, já tenho a algum tempo. Ela manda seus cumprimentos, para quem bebesse, e me pediu para dizer antes que a pessoa tomasse, que ia doer um pouco.

— Então porque não me disse?! Arghhhh! Aaaahhh!

Era uma dor muito forte, esquentava, parecia lhe queimar por dentro. As pontadas agudas eram as mais terríveis, como se tivessem lhe costurando por dentro.

Tânatos pegou em sua testa, estava suando. E de repente, por conta da dor, mas ainda tentando com todas suas forças resistir, desmaiou.

Quando o gigante chegou com um recipiente mediano nas mão contendo brasas e um atiçador, franziu o cenho muito preocupado quando viu o rapaz desacordado nos braços do outro.

— Ele…

— Só desmaiou, está fora de perigo, por enquanto.

— Aquela bruxa não tinha outra poção menos agressiva?

— Tinha. Mas todas continham alto poder de nosso domínio. Este é o único mais “disfarçado”, por causa da dor intensa que o cobre. — explicou de forma calma enquanto segurava sem vacilar o rapaz.

— Certo, se for pra doer desse jeito, que seja tudo de uma vez! Já posso fechar a ferida dele? — perguntou, e o deus fez que sim.

O gigante pegou o atiçador, a ponta já incandescente no ponto de queimar ou derreter qualquer coisa.

E no aceno de cabeça que o deus da morte lhe fez após firmar o corpo do outro no chão, deitando-o e segurando seus ombros, Panoptes sem hesitar colocou apertou a ponta do atiçador na ferida.

James acordou novamente e em um desespero sofrido e doloroso, gritando pela terceira vez. Se debateu para se soltar, mas por sorte, e usando sua força divina, o deus da morte não lhe deixou mover seu torso.

O cheiro da carne se queimando, a dor agoniante daquele aço lhe curando com crueldade, a sensação de estar sendo queimado vivo… lhe fizeram desmaiar novamente.

— Agora nas costas. — disse Tânatos lhe virando com cuidado. James parecia um morto de guerra encontrado no campo de batalha por estar tão pálido e todo sujo de seu próprio sangue.

E assim foi feito outra vez, mas dessa vez, não houve reação do mesmo, o que preocupou os dois.

Tânatos foi logo verificar sua pulsação, e o mesmo não estava apresentando nenhuma daquela vez.

Seu cenho franziu, olhando um pouco afetado para o gigante, que se levantou e jogou para longe o atiçador, seu desespero e fúria tomando de conta.

— Merda… Merda! Não! Não! Não! Isso não está acontecendo! Não de novo! Não pode! — disse, inconformado.

— Panoptes, acalme-se.

— Me acalmar? Como vou me acalmar? Matamos mais um Pista de Parca! Eu sabia que uma hora isso ia acontecer! Eu avisei que esse não era especial! Mas nem você e nem aquele irresponsável me escutam! Eu sabia que esse plano era arriscado! Eu sabia! — disse, seus olhos começando a marejar, tristes e desesperançados.

— Panoptes, por favor, se contenha. — pediu o deus, nunca se alterando.

— Não! Estou ficando cansando de deixar vocês lidarem com tudo! Estou cansad…

E foi nesse instante que a lança que estava apoiada na parede se moveu, caindo no chão.

Tânatos, de maneira calma, pegou a arma e fechou os olhos, se concentrando em analisar o objeto.

— Panoptes, acho que sei o porquê o coração dele parou de bater.

— Sabe? Então fala logo! — disse, se abaixando e virando o corpo do rapaz, deitando-o de barriga pra cima.

— Primeiro vamos limpá-lo e colocá-lo numa cama, seu corpo precisa descansar, assim como sua alma.

Panoptes olhou para o deus e depois para a lança, e esfregou seu próprio rosto, respirando fundo em alívio.

— Você quer me matar do coração?!

Tânatos olhou para ele como se não entendesse, e poderia mesmo não estar entendendo, já que quando se tratava de mortes, o deus não tinha tanta empatia, e nem podia, já que esse era seu trabalho, sua natureza.

•

Estava tudo claro, tudo era realmente muito bonito, mas também estranho. Pois parecia que tudo estava em volta de um halo gigantesco, como se o mundo fosse todo daquele jeito.

James tinha acordado no meio de um gramado muito macio e verde, assustado. E a primeira coisa que fez foi pegar em sua barriga, um pouco acima, perto de onde ficava seu fígado.

— Meu Deus… onde estou?! Eu… morri? Isso é o céu? — disse olhando ao redor.

— Não. — disse alguém que estava sentando um pouco atrás dele — Finalmente. Eu já estava ficando entediado aqui, sozinho, abandonado nessa imensidão sem compartilhar de suas belezas e prazeres com alguém.

James fechou os olhos e fungou profundamente um pouco aborrecido, se deitando de novo no gramado.

— É, acho que não foi dessa vez que fui pro céu.

— James.

— Kýrios.

O deus se levantou e caminhou a passos lentos até ele, e se sentou ao seu lado, apoiando suas mãos para trás, ficando numa posição bem relaxada, mas deixando todo seu torso exposto.

Quando James abriu os olhos e deu de cara com aquela vista de seu corpo, desviou o olhar, sentindo suas bochechas esquentarem. E por isso, continuou com sua cabeça para frente, olhando para aquele “céu”. Estava com medo de ser pego no flagra olhando para o peitoral ou o abdômen definido do loiro, ou mesmo seu volume, que estava bem aparente debaixo daquele fino tecido bege de algodão, que o cobria somente da cintura pra baixo.

— O que está acontecendo lá fora? Às vezes fica tempestuoso aqui. — perguntou o deus, olhando também para cima.

— Vamos dizer que… Estamos vendo o sol nascer no oriente enquanto trabalhamos para um tal deus dragão que nos ajudou com um morto-vivo comedor de vitalidades. E estou aqui porque… Bom, não sei como vim parar aqui. Só sei que estou já querendo sair o mais depressa possível.

— Se serve de consolo, eu também não me lembro de como vim parar aqui. Acho que esse lugar faz isso. Mas de uma coisa eu sei… Se você está aqui, é porque a lança te feriu, não é?

— Então é isso? Estou aqui porque fui puxado pra cá? Minha alma ficou conectada quando fui atingido por essa lança?

— Em parte sim. Esse foi o caminho, mas… A verdade é que… — o deus sorriu de canto e encolheu-se um pouco por já esperar uma reação não contente do moreno —…fui eu quem te puxei pra cá.

— Como é?!

— Sei lá. Eu senti que você sofria muito. Isso me incomodou muito. Eu também estava entediado. Então uni o útil ao agradável.

— Você ê burro ou o quê? Kýrios, eu tenho que voltar! Não posso continuar aqui. Tenho uma missão ainda! Eu tenho que… — se interrompeu, por não lembrar por qual motivo foi para ali.

— Eu também tenho! Mas nem por isso estou estressadinho como você!

— Ora seu….! — ia xingá-lo, mas sabia que não ia dar em nada, então se levantou, olhando tudo ao redor, procurando por uma saída.

Mas antes que desse mais um passo, seu pulso foi agarrado pelo outro.

— Kýrios, eu não estou para suas brincadeiras!

— James, por favor, fica. — pediu, com um olhar de cachorro abandonado, mas o sorriso de canto indicava ao rapaz um certo perigo no ar.

James olhou novamente para os lados, e desistiu, se rendendo ao pedido do loiro.

— Vou ficar! Mas só porque quero que me deixe em paz.

— Paz é que não falta aqui. Paz, e muitos lugares bonitos. A gente podia visitar cada um deles. Que tal?

— Para quê? Você já não viu tudo?

— Você não viu. Quero lhe mostrar tudo que descobri aqui. Que tal se formos passear um pouco?

— Porque sinto que este passeio, não é só um passeio?

O deus desviou o olhar.

— Por favor, James, confie em mim.

James sentiu um mal pressentimento, e vendo que o loiro tinha ficado sério, decidiu aceitar o pedido do outro.

— Kýrios, seja o que for, não fique abalado.

— Muito estranho você falar isso para mim, quando sou eu é quem tem que dizer isso a você. — Sorriu minimamente, mas ainda com seu olhar sério, quase entregando uma certa tristeza.

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Capítulo 19
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Missão Ágape

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O Olimpo está em crise, e tudo porque de repente uma profecia disse que um deus iria dizimar o seu sistema e tudo que eles lutaram para conquistar e poderem estar no poder até hoje.

E é...

Chapters

  • Capítulo 47 Proemial
  • Capítulo 46 Alto Mar
  • Capítulo 45 Anelos
  • Capítulo 44 Verdades da Alma
  • Capítulo 43 Premências Difíceis
  • Capítulo 42 Enraizados
  • Capítulo 41 Chaves Sinceras
  • Capítulo 40 Presença
  • Capítulo 39 Luz Misteriosa
  • Capítulo 38 Possibilidades
  • Capítulo 37 Espólios
  • Capítulo 36 Fogo
  • Capítulo 35 Visitas Indesejadas
  • Capítulo 34 Penalidades
  • Capítulo 33 Mais, ou Menos
  • Capítulo 32 Temerário
  • Capítulo 31 Serviços Extras
  • Capítulo 30 Zelus
  • Capítulo 29 Magnetismo
  • Capítulo 28 Despertando
  • Capítulo 27 Sem Céu para Inocentes
  • Capítulo 26 Entre Mortais
  • Capítulo 25 Nuances
  • Capítulo 24 Céu de Luzes
  • Capítulo 23 Sobreposição (parte 2)
  • Capítulo 22 Sobreposição (parte 1)
  • Capítulo 21 Café Quente
  • Capítulo 20 Conselhos
  • Capítulo 19 Muros em Chamas (parte 3)
  • Capítulo 18 Muros em Chamas (parte 2)
  • Capítulo 17 Muros em Chamas (parte 1)
  • Capítulo 16 Cem Olhos
  • Capítulo 15 Nobre Amizade
  • Capítulo 14 Impulsos
  • Capítulo 13 Abaixo da Superfície
  • Capítulo 12 Fim de Festa
  • Capítulo 11 Fagulhas
  • Capítulo 10 Noite de Cores
  • Capítulo 9 Sopa de Ossos
  • Capítulo 8 Saindo do Ninho
  • Capítulo 7 Dádivas
  • Capítulo 6 Reunião Cancelada
  • Capítulo 5 Sonhos?
  • Capítulo 4 Empecilhos
  • Capítulo 3 Efúgio
  • Capítulo 2 Bençãos á Vista
  • Capítulo 1 Sem Opção
  • Capítulo 0 Prólogo dos Contratempos do Amor

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