Capítulo 22
O argumento de Panoptes foi totalmente considerado pelos outros dois, já que sabiam que não eram nenhum pouco bem vindos naquele domínio, e pior, já não tinham mais o escudo de estarem se unindo por um inimigo em comum, o que poderia agora ser bem fácil uma falta de correspondência da outra parte em relação à lealdade com a missão.
Como foi combinado, James foi sozinho ao templo, mas claro, carregando consigo a lança.
Não sabia como lutar com ela, e muito menos tinha alguma vantagem de força ou algum poder, mesmo sendo agora um quase-semideus por causa da ligação com o deus do amor. Mas sabia que tinha um certo poder de persuasão diplomática que poderia lhe render uma vitória ou tempo, e possivelmente, a chance de sair ileso sem alguma perna ou braços quebrados, ou mais, de sair vivo, principalmente.
Aqueles corpos, suas outras reencarnações, que havia visto naquele lago não saíam de sua cabeça, então iria lutar e usar o que tinha para não acabar como eles, suas versões passadas de finais tristes e trágicos.
Era de noite, as ruas já não estavam mais com os guardas, e todo aquele alvoroço por conta de sua briga com aqueles homens para salvar aquela moça foi esquecida dentro daquela metade do dia.
Sim, para James havia se passado quase dois dias lá naquele lugar onde estava com Kýrios, era muito estranho saber depois que ali fora parecia que tudo estava lhe esperando para que a missão pudesse entrar nos trilhos e andar novamente.
A noite estava fria, e por isso, James reforçou suas vestes com mais tecidos grossos. Panoptes havia lhe comprado um traje local bem simples, mas muito confortável.
O templo era logo mais nos próximos dois quarteirões, e a cada passo que dava mais seu nervosismo aumentava. Estava mais uma vez em um plano muito arriscado, e fazer isso pela segunda vez em menos de vinte e quatro horas não era um bom motivador para espantar sua insegurança quanto à sua capacidade defensiva.
Se não fosse por aquele plano que havia feito na luta contra o jiangshi, já estaria morto, e não voltado a vida depois de uma visita à dimensão da lança.
Assim que chegou em frente ao templo, viu um homem de vestes azul escuras, corte e costura típicas de seu domínio. O indivíduo estava ajoelhado, parecia meditar enquanto um incenso queimava ao seu lado ali no altar.
Um pensamento surgiu na mente do rapaz, de que aquele deus estivesse fazendo preces a si mesmo, mas aquilo seria possível? Desuses orando para si mesmos? E isso era muito mais narcisista do que entradas chamativas daquele deus do amor, que estava literalmente em suas mãos, dentro da lança de bronze.
Sim, por algum motivo, a arma mudou de material, e agora se encontrava em uma coloração mais escura que a dourada.
Segurando firme na arma, e sentindo um frio emanando dela, ajeitou sua postura para uma mais confiante e se encaminhou para dentro do templo, rezando por dentro para que tudo desse certo ou que pelo menos tudo ficasse sob controle na medida do possível.
Uma outra ironia… Ou uma ousadia. Rezar para sua crença dentro de um templo de outro domínio.
— Essa é uma das características que mais gosto em alianças entre duas divergências: lealdade. — Começou o deus dragão, mas ainda sem se virar para o rapaz, e sem dizer uma palavra, ergueu uma mão e indicou o espaço ao seu lado.
James se aproximou com cautela, sempre com a lança ao seu lado, mas nunca em postura bélica.
Havia uma pequena almofada que não tinha antes, com certeza providenciado por aquela moça serva e adoradora daquele deus dragão. Aliás, tudo no interior do templo estava impecavelmente arrumado, com os cantos sem teias ou alguma poeira, era um lugar muito limpo e bem arejado.
— Me chamou para negociamos a minha recompensa?
O deus dragão riu contido e breve.
— Vocês estrangeiros e seus jeitos rudes. Mas tudo bem. É a cultura bárbara de vocês, não posso ensinar agora e em poucos minutos um cavalo que desde potro não foi domado. Não há tempo para isso. Vamos então à sua recompensa. — disse o deus dragão, tirando de dentro de sua manga uma pedra bruta e escura, e a entregou para o rapaz, que pegou e fez uma pequena reverência em grande agradecimento.
Uma curta orientação de Tânatos, já que o mesmo conhecia um pouco, bem por alto, as maneiras e modos daquele domínio.
E isso fez o deus dragão ficar levemente admirado, seu semblante se voltando para uma de aprovação.
— Muito obrigado. Está nos ajudando muito.
— É o mínimo que posso fazer para a batalha que logo mais terão.
— Perdão?
— Vocês chegaram um pouco atrasados. Há mais de vocês aqui em nosso território. Estou tentando tirá-los daqui, até tentei negociar com eles. Mas ao contrário de vocês três, que se mostraram mais dignos, eles não estão dispostos a qualquer tipo de conversa. Mas prometeram que não iriam interferir em meus negócios, e que, como eles disseram, “Só queremos capturar os traidores”. Eu realmente estou tentando acreditar que vocês são os que estão do lado certo, e essa recompensa é a prova disso, espero que não me decepcione. Se quer um conselho, não deixe aquele deus da morte ir com vocês. Será suas ruínas.
James franziu o cenho, ficando muito apreensivo com toda aquela informação.
— Senhor Dragão Azul… Meu amigo é o mais forte entre nós três, como eu que sou um humano, e um gigante, vai poder ir contra outros deuses?
— Tem certeza de que é somente um simples humano?
James ficou sem o que dizer com aquela suposição do deus, e engoliu em seco sobre isso.
Mais uma vez sua identidade sendo posta a questionamentos…
Como ele podia ser algo mais que um humano? Tânatos mesmo conseguiu conferir sua vida toda, e viu que seus pais eram completamente normais. A única coisa que o fazia ser especial era ser uma espécie de bússola para encontrar pistas de uma deusa que estava desaparecida, e que agora parecia se comunicar só com ele.
Não tinha força sobre-humana, não tinha nenhum talento fora do comum, não era um bom espadachim. A única coisa que sabia muito bem era usar sua cabeça para montar estratégias, deduzir coisas e, além disso, era bom em resolver enigmas, como foi provado desde que ele começou essa busca. E só. Então como isso iria ajudá-lo em uma luta cara a cara com uma divindade? Ou melhor, como isso ia torna-lo uma divindade?
— Senhor Dragão Azul, eu tenho toda a certeza do mundo de que sou somente um simples mortal, um humano que nasceu escolhido para ser um guia nessa coisa toda.
— Mas está segurando uma lança de alto poder. Mortais não conseguiriam, isso poderia te matar somente com um toque.
James olhou para a lança, e seu rosto corou fortemente ao de novo se lembrar que quando estava bêbado, não havia somente tocado naquela lança, como também… havia lambido de forma despudorada aquela arma.
— Sério? Uau… Isso é… muito curioso… afinal, estou segurando-a em minhas mãos e não sinto nada.
— Você terá de descobrir quem você realmente é. Talvez tenha nascido para isso, e não somente para ser um guia de alguma coisa. Mas de todo modo… Repito, use o que tem de melhor, e não leve aquele deus da morte para essa luta que virá.
Quanto mais escutava sobre um próximo confronto com deuses, mais sentia arrepios ruins passarem por sua espinha.
— Sei que não sou digno e nem estou no direito de pedir algo, mas… Teria algo para me ajudar a proteger este meu corpo humano e frágil?
O deus dragão virou seu rosto para o altar, e depois fechou os olhos. Um braço seu começou a se transformar, sua pele humana foi se tornando uma pele mais grossa, e cheia de escamas de furta-cor azuladas muito bonitas de se ver. Pareciam opalas polidas, como se seu corpo fosse feito disso.
— Pegue. — Ordenou, após arrancar uma de suas escamas e oferecer.
James ficou muito surpreso, e sem hesitar aceitou aquele elemento tão bonito e diferente. Esquentava em sua palma, e mesmo pequeno, apresentava uma densidade muito forte, como se estivesse segurando na mão um pedaço de chumbo.
— Use-o com sabedoria. Só pode ser usado uma vez, depois, vira uma escama comum facilmente quebrável a qualquer magia.
— E como usarei? Tenho que comer ou algo do tipo?
O deus dragão lhe encarou, e balançou a cabeça em negativa.
— Só o carregue consigo e deixe que entre em contato com sua pele. Nada mais. Espero que siga este uso digno que estou lhe orientando.
— Sim, eu farei. E obrigado mais uma vez por ter nos ajudado.
— Não fiz nada mais que minha obrigação, um dever a ser cumprido. Uma promessa.
— Promessa?
— Adeus, humano. — disse, voltando a meditar, num claro sinal de que a conversa tinha terminado ali.
James ficou por alguns segundos pensativo, se perguntando que promessa seria essa que aquele deus mencionou.
“Será que Psiquê já se encontrou com esse deus? Hm… É bem possível. Já que uma de suas provas estão escondidas aqui neste domínio.” Pensou.
Se levantando e dando uma respeitosa reverência em despedida, e se encaminhou para a saída.
Quando se virou para poder olhar por uma última vez aquele deus dragão, ele já não estava mais lá.
•
— Sério mesmo? Ele não fez nada? Nenhuma ameaça ou indício de traição? — perguntou Panoptes, sentado na mesa de uma taverna em que estavam agora, tomando uma bebida local. James fez que não, e o outro fez um bico decepcionado — Poxa, pensei que meus punhos iriam trabalhar hoje.
— Não fique triste, creio que serão usados em breve segundo aquele Dragão Azul. Porque… — James se inclinou fazendo sinal para os outros dois se aproximarem para que ele pudesse confidenciar algo, logo os dois imitaram seu gesto e se inclinaram para frente da mesma forma — Ele me disse que o pessoal de vocês já estão por aqui. Estão buscando, tentando nos achar.
Os dois se entreolharam com expressões intrigadas.
— Eu não senti nenhuma presença de alguém de meu domínio. — disse Tânatos.
— Nem eu. — Afirmou o gigante, olhando ao redor — Será que estão usando algum tipo de feitiço? Se for essa deve ser bem poderosa.
— Seja o que for, pelo menos já temos isso. — James mostrou a pedra bruta do tamanho de sua mão que o deus dragão lhe deu, colocando-a na mesa para os outros dois verem.
Tânatos ficou encarando o minério, e o analisou, pegando-o em sua mão.
— Isso é magnetita. E das mais antigas. Uma em puro estado. Não é uma pedra que se encontre muito. Isso está emitindo uma energia magnética muito forte… É muito mais do que precisávamos. Temos que ter cuidado. Ou vai atrair até coisas que não queremos também. — alertou o deus, deixando a pedra de volta na mesa.
— E posso saber o que poderíamos atrair com isso?
— Seres inferiores que se alimentam de energias positivas. Fantasmas, elementais, e talvez…
— Demônios? — perguntou James, e o deus fez que sim — Droga… É claro que tinha que ter algo que fosse complicar mais nossas vidas… Será que… Isso foi proposital?
— Se for, vamos quebrar logo isso e transformá-lo em pó de ímã! — sugeriu o gigante.
— Panoptes, se fizermos isso, vai perder a potência, e encontrar a pista de Psiquê será mais difícil, e lento.
— Então que coloquemos logo essa pedra na lança para acharmos as pistas antes que apareça mais coisas em nosso caminho. E se aparecer algo mesmo assim, depois damos um jeito de sair ilesos. — disse James erguendo a mão para pegar o minério que o deus deixou na mesa.
— Ir por esse caminho, o mais rápido, pode ser letal. Não estamos em vantagem. Não posso usar meus poderes, isso causaria algo muito pior do que um ataque de jiangshi. Em resumo, somos praticamente todos humanos.
— Chegamos a um dilema então. Merda… — James respirou profundamente, apoiando os cotovelos na mesa, tocando com a ponta dos dedos a pedra, lhe mirando numa obvia falta de retorno para suas suplicas da mesma lhe dar uma resposta. — Temos que escolher agora qual caminho deveremos seguir. O mais rápido e com chances letais, ou o mais lento e muito difícil, mas uma hora, podendo também ser letal… Que maravilha. — bufou em cansaço.
“O que Kýrios escolheria?” Pensou, e sem perceber, sorriu de canto por logo imaginar as reações do mesmo, discutindo até que chegasse a uma decisão que ele também estaria de acordo no fim das contas.
— Posso saber porque está com esse sorriso numa hora tensa como essa, Sr. Payne? — perguntou Panoptes, arqueando uma sobrancelha curioso.
James se ajeitou na cadeira e tirou o sorriso do rosto dando lugar a um ar mais sério, e desfocando de qualquer pensamento não adequado de si que aquele outros dois poderiam pensar dele.
— Acho que podemos tomar os dois caminhos! E ainda misturar com aquele nosso plano que fizemos antes de eu ir visitar o Dragão Azul, transferi-lo sem muitas mudanças de desenvolvimento.
Os olhos do gigante brilharam em entusiasmo para ouvir o que o rapaz havia pensado, estava louco para ter logo alguma ação, pois era do tipo que gostava de agir, não de planejar. Talvez por ser de uma espécie que só recebia ordens, mas também podia ser pelo fato, inconsciente, mesmo que odiasse pensar nisso, que por tantos anos servindo era que seus hábitos estavam ainda muito entranhados em seu ser para se livrar deles.
— Acho que tenho uma breve ideia do que seja. Podemos fazer, desde que você não se arrisque mais tanto como tivemos que fazer para obter vitória sobre aquele jiangshi. Pode fazer isso, James Payne? — questionou o deus.
— É claro que posso. Já estou imaginando todos os detalhes. Mas tudo tem que ser feito minuciosamente calculado, ou então tudo vai por agua abaixo. — James então se virou para o gigante — Panoptes, está preparado para esmagar algumas pedras em nome da paz?
— Faço até em nome do caos!
— Cuidado com as palavras, Panoptes. Caos pode ser uma palavra banal para outros domínios, mas não para nós…
— Relaxa, Tânatos. Não estamos em algum local sagrado. Podemos até falar do Deus dele aqui. Não é? — disse, sentindo na hora uma pontada de dor de cabeça — Porcaria…
Até James, dessa vez, tinha sentido um arrepio em sua espinha, um frio em sua nuca que lhe deixou desconfortável. E imaginou que fosse por temer uma punição por causa daquela ousada atitude do gigante, mas sentia que não era isso, era… não sabia explicar.
— Acho que… é melhor nos mantermos neutros… Já estamos com essa pedra que pode atrair tudo… E ainda falar ou mencionar termos sagrados… Tudo já está bem difícil, não é?
Panoptes deu de ombros, se recostando na cadeira e terminando de beber a pequena garrafa de bebida alcoólica local.
— Está bem, está bem… Ouvirei o conselho dos dois “anciões”. — Panoptes levantou as mãos em rendição — O que vai ser, chefe.
— Bom, eu dei meu sangue, literalmente, como uma amostra de meu comprometimento nessa missão, então, agora espero que façam o mesmo para que…
Antes de James terminar, Panoptes pegou sua adaga e se cortou no braço, deixando jorrar sangue para dentro do copo onde estava bebendo.
Prático, eficiente e sem hesitação.
— Essa quantidade serve?
— …. — James lhe encarou atônito, pois não esperava uma atitude tão prestativa e tão… drástica e rápida assim sem ao menos algum tipo de protesto, mas vendo que nem o deus da morte ponderou, continuou — Ah, sim, serve. Mas já está bom, é o.. suficiente. Panoptes, já pode fechar isso! — disse olhando ao redor preocupado se não já havia alguém olhando enojado ou assustado para eles.
Tânatos então pôs uma mão na testa, e balançou cabeça em negativa.
— Agora só falta você, Tân. — disse o gigante, lhe oferecendo a adaga, mas o mesmo lhe encarou negando — Está com medo de se cortar? Logo você?
— Não é isso, Panoptes. Não posso despejar meu sangue em qualquer coisa.
— E aqui, você pode? — perguntou James, colocando em cima da mesa a lança, e o deus franziu o cenho.
— James… Isso pode matar a alma dele. E qualquer coisa que estiver aí dentro.
— Então não nos resta outra forma se não realocar a alma dele, ou então… Isolar. Há como fazer isso nessa lança?
O deus ficou pensativo, e depois de alguns segundos fez que sim em resposta.
— Há uma forma. Mas isso pode te incomodar um pouco. Tanto você quanto ele.
— Faço o que for preciso para cumprir essa missão aqui em Pequim. E creio que ele também. Incômodos são o menor mal nisso tudo.
— Eu posso realocar a alma dele, mas para outro lugar que a lança já deixou sua marca e energia. E no caso, é você.
— Está me dizendo que… Que quer colocar aquele… que quer colocar dentro… colocar Kýrios dentro de mim? Não, em hipótese alguma eu farei isso!
Seu volume de voz saiu alto, e todos naquela taverna lhe miraram torto, e também aborrecidos por pensarem que em breve teria alguma confusão ali que iria tirar a paz de seus dejejuns ou passatempos sociais.
— Há alguma outra opção? E se marcarmos uma pedra? Ou um rato? Não é só questão de marcação e realocação? — perguntou, voltando a fala baixo.
— Funcionaria se fosse algo a altura do que ele é, um deus. Realocar sua alma para uma mamífero inferior só causaria sua morte eminente, pedaços de sua carne para todas direções. E em uma pedra, isso seria perigoso. Seria como as estátuas de medusa, um trincar e poderia matá-lo. Kyrios pode estar sem a metade de seus poderes, mas ainda sim é um ser divino. É como tentar guardar um sol em um pote de barro. Então, a minha sugestão é a mais segura, mais indolor e rápida. E fica dentro de nossas condições. Eu poderia me contatar agora com Hécate para que nos ajudasse diretamente, mas ela está nesse momento cuidando do corpo de Kýrios lá no Olimpo, ganhando tempo para nós também.
James nem tinha pensado mais nesse detalhe, estava tão focado na missão que… E também tinha o fato de que sua preocupação, em parte, tinha se dispersado por ver que o deus estava bem dentro daquela lança, mesmo que tivesse também ficado com o coração apertado por saber que tinha deixado o loiro lá sozinho e preocupado por ele ter sumido daquela maneira.
— Hm… Ok, me rendo. — disse, apoiando o queixo em uma mão, em derrota — Creio então que procuremos alguma bruxa local logo. Mas, ainda tenho uma outra questão: isso pode funcionar, mas será que funciona por ela ser deste domínio? Acho que as magias s~~ao diferentes em cada cultura, não é? — perguntou, mas sua atenção estava toda na lança e no pensamento de como seria estar dividindo espaço com aquele deus.
— Bruxas, são bruxas. — Começou Panoptes — Não é à toa que existem por toda parte. Elas são tipo o que vocês humanos dizem… o coringa do baralho. Menos em seu domínio. — voltou sua atenção para o rapaz que agora estava debruçado sobre a mesa, sua mente meio perdida no pensamento sobre Kýrios em seu corpo — Ainda as queimam? Ou já pararam?
— Infelizmente… nos interiores ainda podem fazer isso. Mas… certo, vamos buscar então uma bruxa. Mas, acho que não vamos encontrar uma com facilidade, e muito menos uma que seja poderosa. Mas como sei que tudo agora é possível de existir, talvez tenhamos a sorte de achar uma que seja famosa e que esteja escondida.
— Algum palpite? Alguma informação que lembre sobre algum estudo que seu pai fez sobre este lugar aqui e bruxaria?
— Hm, vejamos…
James começou a pôr seus neurônios para trabalhar em suas memórias, nas várias e várias vezes em que seu pai lhe chamava para limpar alguns artefatos e usar isso como desculpa para lhe e ensinar um pouco sobre política, história, sociedades atuais e primitivas e sobre os próprios objetos em si.
E em uma vez, havia um artigo daquele país onde se diziam estar acusando mulheres de bruxaria, mas seu pai, e até sua mãe, lhe explicavam que isso era apenas, e geralmente, falta de conhecimento de pessoas que não sabiam explicar as diversas mudanças sociais ou regras da física e química. E que havia vários grupos, como os ciganos por exemplo, que também eram considerados seguidores do mal e da bruxaria, mas tudo eram nada mais que a ignorância da época, e por isso lhe ensinavam que independente de que cultura fossem, sempre existiam com suas crenças e mistérios, e que todos deviam ser respeitados.
James levou seu raciocínio a colocar este tema como foco principal, “Ciganos”. Haviam por todos os lados, em todas civilizações tinham um grupo assim, às vezes eram simples comunidades à simples famílias que se mudavam de cidade a cidade, mostrando seus talentos para ganhar seu pão de cada dia.
Ciganos. Talentos. Ganhar seu sustento. Comportamentos fora de padrões. Rejeitados pelas sociedades…
As ligações foram se formando em sua mente, que ia e voltava nessas palavras chaves, era como se em algum lugar de sua mente tivesse alguém lhe ajudando com um quadro, montando e colocando as evidências em seus devidos lugares até achar um resultado final.
E como uma luz mostrando o caminho ao ponto vital, veio uma resposta muito positiva.
— O circo!
— Bruxas em circos? Creio que pode estar errado. Se está falando dessas charlatãs que dizem prever nosso futuro vendo a palma de nossa mão…
— Não, não, Panoptes, às vezes é verdade, e às vezes é somente pura ciência. Ou as duas coisas. Mas a sociedade condena mulheres que fogem do padrão. E muitas acabam fugindo com o circo. Minha tia conheceu várias donzelas, muitas amigas de sua época, que fizeram para não se casarem também.
Panoptes apertou os lábios, segurando um riso.
— Agora é minha vez de perguntar, Sr. Panoptes, o porquê da graça?
— Nada não. É só… coisas que passaram pela minha cabeça. Mas é besteira. Não ligue para mim. Então vamos ter que procurar um circo pela região, hm…
— Aquela moça que você salvou, James. Ela estava com um grupo de apresentações circenses. — comentou Tânatos.
— Exatamente isso! Temos que ir atrás deles! Esses tipos de grupos não costumam ficar no mesmo lugar por muitos dias. Espero que ainda estejam por aqui. — disse, ansioso para já começar a perguntar aos transeuntes pelo circo e encontrar a tal moça.
Se levantou da mesa, colocando a magnetita na bolsa e a lança nas costas, já que a mesma estava amarrada com uma corda em cada ponta perto das extremidades para poder servir de apoio e assim carregar sem dificuldades como um arco.
Os outros dois se levantaram e logo ficaram se encarando.
— Algo de errado? — perguntou James.
— É a vez dele de pagar. — disse Tânatos cruzando os braços.
— Minha vez? Mas eu já paguei o hospital!
— Uma compensação por ter desacatado o dono na estalagem… pelos seus dentes perdidos. — Rebateu o deus.
— Pensei que tinham me dito sobre eu estar muito mal e o dono não querer confusão em relação a isso. — lembrou James, olhando inquisidor para o gigante, já que aquela atitude poderia os colocar em uma confusão ainda maior por chamar uma atenção indesejada e ainda por cima entregar suas localizações.
— Toda a verdade é que tentei negociar, mas este gigante perdeu a paciência quando o dono se recusou a nos deixar por mais tempo. Eu iria oferecer mais uma bolsa de moedas, mas este gigante me impediu, disse que o dono estava nos explorando além do justo por um tratamento abaixo do nível que pagávamos…
— Se é isso, então ele tem razão. Onde já se viu nos colocar na despensa? — disse James.
— …até ele socar o dono em sua mandíbula, por pensar que tivesse nos ofendido. Sendo que na verdade ele estava nos indicando um outro quarto, pois fiz um gesto que eu podia arcar com mais despesas, tudo que fosse preciso.
James encarou o gigante, que deu de ombros.
— Panoptes.
— Está bem! Admito. Eu estava estressado, aflito por pensar que falhamos em mais um Pista de Parca. — disse, colocando na mesa uma pequena bolsinha de moedas — Satisfeitos?
— Pelo menos agora todos estamos quites. Certo? — James olhou para os dois, que assentiram em positivo — Vamos logo então… — quando já ia se virar para em direção a saída, arregalou os olhos por ver algo muito assustador no gigante — Panoptes, não, se, mexa. — Avisou, de modo cauteloso ao ver uma aranha enorme subindo no ombro do outro.
— O que há…? — quando o gigante virou sua cabeça pra esquerda, viu um aracnídeo, mas não se incomodou.
— Curioso. — comentou Tânatos, chegando mais perto.
— Pessoal, não veem que isso é uma aranha! — exclamou, dando um passo para trás.
— E? Você tem medo? — perguntou Panoptes.
— Não, é claro que não. É só… que gosto de mantê-las bem longe de mim.
Tânatos então se aproximou mais e ergueu uma mão, a aranha se encaminhou sem problemas para sua palma, ficando ali quieta, sem mover.
— Não é venenosa. E também não é uma ameaça… Vejam, há algo nela.
Somente Panoptes se aproximou.
— É mesmo! Há algo nela. Vendo assim mais de perto até parece mais fofinha… Temos que zelar por criaturas tão injustiçadas… — o gigante quis acariciar uma de suas patas, mas acabou levando uma mordida no dedo — Aau! Vou esmagar esse inseto maldito!
Tânatos afastou a aranha do outro, colocando em seu próprio ombro.
— Ela gostou de mim. — disse, dando um leve e mínimo raro sorriso melancólico.
— Vai… ficar com ela? — perguntou James, ainda temeroso pelo aracnídeo.
— Vou me livrar dela se o incomoda tanto…
— N-não! Pode ficar com essa… aranha. — disse, olhando atentamente para a mesma, era do tamanho de sua mão, peluda, ao seu ver parecia ter uma infinidade de olhos, e pareceu lhe cumprimentar balançando os bracinhos em sua direção, fazendo-o recuar mais um passo — Então… O que é que tem nela?
— Veremos agora. — Tânatos a colocou sobre a mesa, e a aranha começou a bater a ponta de suas perninhas na xícara de porcelana, o tilintar em uma das pontas era de metal, e isso que era o curioso, pois parecia que haviam colocado ferraduras equinas no animal.
— Ela está tentando nos dizer algo… Que tipo de mensagem é essa? — perguntou-se Panoptes.
James soube de cara o que era, e mesmo que estivesse receoso em se aproximar, deu um passo para perto da mesa, para poder observar melhor.
— Hm? Código Morse? — disse, se afastou um pouco — Usam muito isso em guerras, ou por espiões que querem entregar mensagens altamente secretas… E a mensagem que a aranha está nos dizendo é… — Assim que entendeu o que a aranha queria dizer na mensagem, logo se afastou ainda mais e apertou o bolsa contra si.
— O que ela está dizendo? — perguntou o gigante, ansioso e curioso por uma resposta.
— Quer a pedra cheia de energia que está comigo, e em troca, ajudará em qualquer problema. Que a decisão é nossa. O encontro da negociação é na mesma praça onde ocorreu a confusão. — respondeu James, sem tirar os olhos da aranha.
— Ha, eu sabia! Está ainda achando ela agora fofa, Tânatos? — disse o gigante, com os olhos agora grudados no aracnídeo, atento para já executá-la, por desconfiar que pudesse ser já algum tipo de ser inferior atraído por aquela magnetita, assim como o deus da morte havia previsto.
— Ela é só uma mensageira que está sob um encanto. Que logo será descartada. — disse, pegando e colocando-a de volta em seu ombro, onde a aranha se aconchegou, e parecendo agradecer com um sinal de mais tilintares de suas duas patinhas dianteiras.
James sem querer começou a achar fofo, mas ainda assim, medonho, e se manteve a uma distância segura.
— Parece que as coisas estão ao nosso favor. — comentou o gigante.
— E fáceis demais. Fáceis demais para o meu gosto. — disse James, pensativo.
•
A praça estava movimentada como qualquer dia ali em Pequim, tudo tinha voltado ao normal, até os guardas que estavam por ali estavam relaxados em seus postos, jogando algum tipo de baralho estranho cheio de figuras que James não conseguia entender seus significados, mas havia gostado de saber das regras enquanto observava.
— Estou começando a achar que essa negociação foi uma armadilha. — comentou Panoptes, recostado em uma das paredes de um estabelecimento, estavam praticamente bem na esquina, bem onde aquele grupo circense tinha se apresentado dias atrás.
— Isso está ficando repetitivo. Tem que haver alguma vez em que não seja uma armadilha. Tínhamos pensado isso do Dragão Azul, e no fim, ele só estava cauteloso com por não confiar em vocês. — disse James, entediado também por estar ali a mais de duas horas na espera.
Tânatos se distraía alimentando a aranha com algo desconhecido que deixou James curioso, e se arrependeu e perguntar o que era.
— Camundongo recém-nascido. Achei uma ninhada abandonada, não iriam viver por mais tempo. — respondeu o deus naturalmente como se não fosse nada, ou melhor, como se tivesse comprado ração a um gato de estimação.
— Ah, que… legal. — disse James, sentindo ainda mais medo e um pouco mais de repulsa pela aranha.
Mas claro, ele não iria estragar a alegria do deus pedindo para que não ficasse com aquele bicho, porque parecia que a tempos não tinha algo para se alegrar. E vê-lo de alguma forma com um semblante sereno e despreocupado lhe deixava tranquilo, pois era sinal de que não havia, por enquanto, alguma ameaça por perto.
Mas a alegria logo se dispersou, porque de repente a aranha se agitou, tentando se esconder entre os cabelos do deus, ficando inquieta, indicando algo que estava vindo.
— Alguém chegou. E já está por aqui. — Avisou Tânatos, e tanto James quanto Panoptes ficaram com olhares atentos.
Não havia nada fora do normal por ali, as pessoas passavam alienadas em suas próprias rotinas, trabalhando em seus comércios ou somente esperando suas horas de irem para casa.
Até que, uma mulher vestida em trajes com detalhes vermelhos e muito maquiada apareceu no meio daquela multidão.
— É ela. A pessoa que enviou a mensagem. Está emanando a mesma energia que está nessa aranha. — disse Tânatos.
— Vamos até ela!
Quando James fez menção de correr até a moça, a mesma sumiu no meio daquela multidão, e apareceu num lugar mais distante, numa ruela escura por causa de várias caixas e varais.
James olhou para seus companheiros de busca, e os dois entraram em uma concordância silenciosa de segui-la todos juntos.
A corrida começou, e se seguiu por vários quarteirões, a moça os guiava, sumindo de um lugar e aparecendo em outro, sorrindo enquanto via o trio lhe seguir, parecia se divertir com a perseguição deles em tentar poder lhe acompanhar ou alcançar.
Seus ágeis movimentos então uma hora trapacearam, e como poeira, sumiu ao pular para detrás de um prédio, olhar para os mesmos e sumir diante de seus olhos.
— Truques de mágica? Sério? Droga… A perdemos… — reclamou James, parando para pegar fôlego.
— Creio que não. — disse Panoptes, apontando para uma porta contendo riscos muito estranhos em vermelho.
James se aproximou, e foi até a porta, observou de cima abaixo para ver se havia algo de diferente ali, e achou.
— Céus… Isso é… Kanji, uma vez meu pai restaurou um pergaminho, e estava cheio desses rabiscos. É. Mais mandarim… Se alguém daqui pelos menos falasse em inglês para pedir por uma tradução… — disse, ao pegar e abrir o bilhete da fresta envelhecida da porta, e ver que havia mais Kanjis ali escritos.
— James, ela está sinalizando que sabe. — disse Tânatos, pegando a aranha de seu ombro e a colocando na palma de sua mão.
James engoliu em seco, a última coisa que queria era chegar perto daquela aranha.
O deus continuou com o braço estendido, esperando uma ação o rapaz.
— Por favor, que ela não pule em mim. — Sussurrou, e foi até o deus, se aproximou até ficar numa distância segura, e mostrou o papel à aranha.
O pequeno aracnídeo ficou por cinco segundos parada, olhando o papel erguido pelo moreno, e logo começou a bater a ponta de suas patinhas naquele mesmo ritmo de código.
— Hm… É um enigma? Ah, é claro que tem que ser… — Reclamou James, já se pondo a pensar.
— O que esse bicho disse? — perguntou Panoptes.
— Os rios seguem para o mar, a chuva traz a esperança depois da seca. O rumo é seguido, com dor, sem dor, mas continua, mesmo quando só há um fio de nascente sobrando. — respondeu, ainda pensativo na resposta.
— Sinceramente, porque não dizem logo o que é? Será que é tão difícil nos dizer tudo diretamente? — queixou-se o gigante.
— Mas pelo menos, não é um enigma tão difícil. “Rios seguem para o mar”, é o destino, uma direção de algo certo. “A chuva traz esperança depois da seca”, isso é alívio. E já o “O rumo é seguido, com dor, sem dor, mas continua, mesmo quando só há um fio de nascente sobrando”, isso é esperança. Então, o que é que há um destino certo, mas que sabemos que uma hora terá um alívio no fim, e mesmo quando se sabe que pode ter a possibilidade de não ter, mesmo assim seguimos em frente?
Os outros dois se entreolharam como se perguntassem um pro outro a resposta, mas nem um, nem outro sabiam.
— Caros companheiros de busca, isso tudo é otimismo. A resposta é Otimismo! — comemorou James, confiante de sua descoberta.
E assim que disse isso, a porta com o Kanji estranho se abriu em uma fresta onde se trancava, indicando a aprovação de sua descoberta.
Muito confiante, mas sem deixar de ser cauteloso, James foi com cuidado até a porta, sendo seguido pelos outros dois.
A porta fez um som estalado quando foi empurrada, e o eco indicava que o lugar estava vazio.
Os três se entreolharam, e decidiram em uma concordância silenciosa adentrar o local.
Não havia nada nem ninguém ali, a não ser um monte de caixas e poeira, e alguns lençóis velhos e rasgados, uma nítida culpa do tempo. O deus da morte franzia o cenho, enquanto que o gigante olhava para todos os cantos tentando buscar algo que seu nariz identificava.
— O que sente? — perguntou o rapaz, intrigado.
— Devem estar brincando com a gente. Só pode. Sinto um cheiro doce, parece de alguma fruta. Mas depois sinto cheiro de merda. É bem familiar, me lembra ao cheiro de Zeus quando ele tentava se encontrar com uma sacerdotisa daquela minha ex-senhora… ele tinha a transformado em uma vaca branca, uma vaca que pensei ser especial, mas cagava igual as outras. Era horrível ter que ficar horas e horas cuidando daquilo só porque aquela víbora era ciumenta e seu esposo cão era um animal no cio o tempo todo querendo se encontrar com a tal sacerdotisa. Horrível! Terrivelmente horrível! — disse Panoptes, olhando e bufando em cansaço para o local abandonado ao redor, que parecia mais a um galpão do que uma residência.
— Panoptes. — lhe chamou o deus da morte, em advertência para que não começasse uma confusão e parasse de falatórios, e apontou para a escada, onde um ponto e luz começou a brilhar.
— Me deem cobertura…. — pediu James, ainda em uma postura de líder, que acabou no segundo seguinte quando uma aranha passou muito rápido pelos seus pés, fazendo-o dar um pulo pra trás de susto — Mudança de planos, acho que vou dar cobertura a vocês. — disse, indo para atrás dos dois companheiros de viajem.
Panoptes arqueou uma sobrancelha, e Tânatos respirou fundo, e estranhou quando sua aranha pulou de seu ombro para o chão, seguindo uma linha reta até aquela luz, que parecia vir do segundo andar.
— Ela quer que nós a sigamos. Venham. — disse o deus, caminhando tranquilamente em frente.
— Quer que eu te carregue nas costas? — perguntou Panoptes, vendo o rapaz parado no lugar e olhando para todos os cantos no chão.
— Sério?
— É claro… — James lhe mirou agradecido, até o gigante revirar os olhos — …que não.
— Olha, vou ser franco, não sou orgulhoso com ajudas, se está oferecendo uma, eu vou aceitá-la.
— Mas eu acabei de negar. Isso que falou não faz sentido.
— Panoptes, pare de insistir, “é claro que eu aceito”. — disse, frisando bem o final.
O gigante começou então a perceber qual era o jogo. E riu breve por entender.
— Ah, sim, tudo bem, Sr. Payne. Que bom que aceita a minha ajuda. Suba aí. Rápido. — disse, e sem hesitar, o rapaz pulou em suas costas, rezando para que não tivesse nenhuma pendurada em sua perda.
— Eu te dou todas minhas economias que tenho aqui se não mencionar uma palavra sobre isso à Kýrios.
— Fechado. — disse o gigante, dando um outro breve riso contido e se encaminhando para a escada cheia de aranhas nos corrimões, cantos dos degraus e algumas penduradas em suas teias, prestes a descer para se juntar as outras.
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Capítulo 22
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Missão Ágape
O Olimpo está em crise, e tudo porque de repente uma profecia disse que um deus iria dizimar o seu sistema e tudo que eles lutaram para conquistar e poderem estar no poder até hoje.
E é...