Capítulo 24
Foram momentos muitos estranhos, mas parece que o deus também estava cooperando para tudo ficar mais organizado. O que, em James, lhe rendeu um estranho sentimento de derrota.
De banho tomado e com roupas limpas e típicas do país, James e Kýrios, agora naquele mesmo corpo, foram permitidos a sair da tenda onde se lavavam, dando de cara com um acampamento e uma pequena movimentação em volta de uma fogueira maior e outra mais afastada e menor.
Era realmente bonito de se ver. A alegria das pessoas ali era contagiante. Havia algumas já bêbadas, e outras cantarolavam canções animadas de sua cultura. E para alguém como James que adorava eventos desse tipo, parecia estar num paraíso.
— E lá estão eles. — James sorriu em alívio ao ver seus dois companheiros de viagem.
Panoptes e Tânatos estavam sentados em uma roda da segunda fogueira um pouco mais afastada da principal, essa era mais tranquila, as pessoas preparavam algo para comer. O gigante já se adiantava mastigando algo em suas mãos, já Tânatos, bebia elegantemente um pequeno copo de um vinho incolor que um criado carregava numa jarra de vidro, o garoto parecia não ter mais que doze anos e já tinha uma postura rígida demostrando bastante disciplina.
— Sr. Payne. — Cumprimentou Tânatos assim que viu o rapaz chegar. Seus olhos estavam vermelhos, quase se fechando.
— E aí. — disse Panoptes, de boca cheia, e voltando a comer.
James pôs suas mãos na cintura, e fez uma expressão indignada, mas não era ele quem tinha realmente feito isso.
— Pensei que eu teria uma recepção mais calorosa. Que tipo de amigos são vocês? Eu, em termos superficiais e técnicos, morri! — disse, sua voz saindo duplicada, mas o timbre mais dominante naquele momento era do deus.
— Kýrios. — Cumprimentou Tânatos, cambaleando um pouco pro lado, mas ainda sim mantendo sua postura elegante.
— E aí. — repetiu Panoptes, voltando a comer de novo.
Kýrios revirou os olhos e se sentou entre os dois.
— Então é isso. Ambos estão bêbados. É um jeito errado de ficar bêbado, sabiam? Aliás, que espécie de bebida é essa para deixa-los assim? Roubaram néctar por acaso?
— Errado? Nós estamos é de folga… E, sim, eu tinha um pouquinho. E pedi pra aquela bruxa fazer seus feitiços e fazer uma coisa bem legal pra gente. E boom! Agora temos essa jarra ali com néctar infinita! — começou o gigante, oferecendo o que parecia ser uma codorna assada, mas havia muitos lugares mordidos e outros sem carne, praticamente estava oferecendo somente ossos e pele.
— Obrigado. Vou comer daqui a pouco… E quanto a você, Tânatos? Estou muito surpreso. Você? Bebendo? E ainda ficando bêbado? O que é que está havendo?
— Aquela senhora, a bruxa… nos deu uma opção para estarmos aqui… — virou o copo, e pediu ao garoto para lhe servir mais um — Que deixássemos nossa divindade trancada, fora dos limites do acampamento, ou, que ficássemos lá fora esperando… Então… e o restante, tudo o que Argos disse.
— Ei! — advertiu o gigante, parecendo não gostar de ser chamado com aquele nome. O deus pálido então deu um aceno de cabeça se desculpando, ficando com uma expressão ainda mais melancólica do que de costume — Tudo bem, está perdoado. — disse.
Kýrios e James ficaram surpresos com a informação do outro deus.
— Então… Você está mortal? Tipo, humano bem humano? — perguntou James, já que a informação que tinha sobre divindades sendo mortais era como o que tinha acontecido lá no submundo, onde o deus do amor estava se sacrificando para tal ato.
— Mortal? Mais ou menos… — o deus da morte então mostrou sua ampulheta — Dois dias e cinco horas… É o que tenho para voltar novamente a… — Interrompeu-se, franzindo o cenho por se lembrar de algo — Deixei Kassandria de olho em tudo.
— Kassandria? — perguntou Kýrios.
De repente várias bolinhas em cores verdes apareceu das órbitas de uma caveira que só agora James e Kýrios tinha percebido estar ao lado dos pés do outro deus, e de dentro dela, uma aranha do tamanho da palma da mão saiu, subindo em seu ombro em seguida.
No mesmo momento todo o lado direito do corpo de James, o lado em que ele estava dominando, se afastou para trás, e somente o lado esquerdo, Kýrios, ficou no lugar, e o mesmo arqueou uma sobrancelha.
— James?
— E-estou bem! Eu só… quase tropecei pela falta de coordenação… tropecei em alguma pedrinha. Foi… só isso. — Inventou, não convencendo nenhum pouco o deus, que sorriu de canto ao perceber o que estava acontecendo.
— Hm, entendo… — sorriu de canto e de novo se virou para o outro deus — Então quer dizer que teremos ua nova companheira de grupo? — olhou para a aranha, que parecia ter gostado dele — Own, é bem fofinha… — disse, se aproximando, elevando uma mão, mas sendo impedido pelo rapaz, que segurou seu pulso — O que foi?
— Lembre-se, este é meu corpo.
— Sim, eu sei. Mas esta aranha é bem mansinha. Não vai..
— Sem, aranhas, Kýrios. — disse, num tom que parecia mais a uma advertência do que o medo que estava fracassando em tentar esconder.
— Tudo bem. Sem aranhas perto de sua pessoa. — o deus sorriu mais uma vez, queria falar ou fazer uma provocação com aquele novo fato sobre o moreno, mas percebeu que não era uma hora boa, já que o mesmo parecia cansado, e poderia aborrecê-lo ainda mais. Então desistiu, por hora — Bem… James, vamos nos juntar a eles? Ou você quer comer algo e ir dormir?
— Passamos por coisas estressantes, vamos ficar aqui e aproveitar um pouco. Eu mereço.
— Só você?
— Kýrios, você estava naquele paraíso todo esse tempo. Então não se estressou com nada em comparação a mim.
— Mas eu estava sozinho! Se você soubesse que a solidão é tão cruel… E você desapareceu daquele jeito! Eu fiquei muito triste, de verdade.
— De todo jeito, estava melhor lá do que nós aqui fora.
— Vendo por esse lado… sim, eu estava, James.
O jeito que o deus falou a última sentença pareceu ser alguma brincadeira que o mesmo estava armando, e James desejou por um segundo, mas só por um segundo, que ele pudesse ver ou sentir o que se passava na mente daquele deus.
Se sentando corretamente, James e Kýrios deram um sinal ao garoto lhes trazer a jarra encantada com a bebida, e também pediu o copo reserva que estava em sua outra mão, e depois lhe deu sinal para que fosse descansar ou fazer qualquer coisa que um garoto da idade dele faz ali naquele grupo circense, como subir numa árvore ou fazer qualquer arte para se entreter.
O céu estava claro, mas não era dia, e era porque a lua cheia iluminava tudo, dando um ar mais intimista a aquele acampamento, combinando perfeitamente com as tochas e as lanternas de papel em frente as tendas, estas feitas dos mais variados tecidos, tudo muito colorido e alegre, assim como as pessoas, era uma verdadeira comunidade pacifica que tinha como objetivo entreter as pessoas e viver ali felizes.
Tânatos já estava quase caindo no sono, uma coisa que Kýrios raramente o via fazer, ou melhor, nunca tinha o visto ficar daquela maneira. Já Panoptes… Dançava desajeitado entre as pessoas da outra roda de outra fogueira, e por ser um pouco mais alto, se destacava, sua pele oliva brilhando com as chamas alaranjadas lhe deixavam com uma aparência de uma divindade, ninguém imaginando que estavam na verdade diante de um gigante que tinha cem olhos pelo corpo todo, mas que agora, se não fosse pelo fio de Metis, iria botar todo mundo pra correr em medo pelas suas orbitas costuradas em fios dourados.
O único mais consciente, mas já com o álcool de néctar enuviando sua mente, era James, e agora Kýrios, já que estava no corpo dele e agora sofria um pouco da embriaguez do rapaz que se dividia para ele.
— Você é realmente forte para bebidas… Essa é a terceira jarra, e você já bebeu vários copos… Mas ainda assim, ainda está sentado. — comentou o deus.
— Não sou um amador… Aprendi a ser um apreciador desde muito cedo… A primeira vez que bebi foi quando eu tinha quinze. E foi escondido. Era vinho, de uma festa beneficente em que convidaram a minha família. Todos estavam tão lindamente vestidos em seus trajes… Eu queria participar daquilo tudo. Ser… gente grande. Elegante como minha mãe, e altivo como meu pai.
— Hm, não me lembro do dia em que bebi algo mais forte… São tantas coisas que me aconteceram nesses milênios… Ah! Mas tenho uma boa para contar. Uma vez Dionísio inventou um vinho especial, o vinho branco. E eu, pensando que era água, bebi tudo, mesmo achando estranho o gosto, mas pensei que fosse algum tipo de magia para deixar a água com sabor… Mas o resultado foi que tive a pior das ressacas. Pensei que ia morrer, e Dio, muito desesperado por ter perdido seu mais novo invento, me obrigou a vomitar tudo. Até me colocar de cabeça pra baixo com os pés amarrados em um galho ele me fez ficar. E pior que, não consegui vomitar. Não sei porquê. Então, foi aí que ele me disse que eu estaria em uma dívida eterna com ele. E como condição para meu castigo, que eu cedesse minha mansão para suas estreias de vinhos, para sempre. Já que eu tinha acabado o tal vinho de “cem por cento perfeição” dele. — sorriu nostalgico, e olhou para o copo em sua mão esquerda — De início isso me incomodava, pois não queria nada e nem ninguém incomodando minha deusa. Mas, ela gostava daquela agitação. E por ela, comecei a gostar também.
— Já pensou em algum dia conversar com ela sobre isso? Porque… Eu não entendo muito de casamentos, nem de casamentos divinos. Mas sei que ambas as partes tem que conversar.
— Mas eu fiquei feliz.
— Você ficou feliz porque queria agradá-la. Não porque queria realmente.
— Mas Dio é meu amigo. É o mínimo que eu podia fazer.
— Mas aquele era seu espaço pessoal. Seu lar. Então é você quem manda, você e sua esposa.
— Ah, mas como eu poderia ir contra eles? Psiquê sempre ficava com um sorriso lindo por causa daqueles eventos. E Dio, nunca me decepcionou em alguma festa. Ele sempre deixava tudo arrumado no fim.
— Mesmo assim. Se fosse comigo, eu conversaria, e pediria que não fizessem mais eventos em meu lar. Acho que… Talvez sua… deusa, talvez ela pudesse também não gostar disso tudo, mas para também agradá-lo, fingia que gostava.
— Está muito equivocado! Psiquê nunca me deu um sinal disso!
— Ah é? Então me diga uma coisa: ela te sequestrava para um canto para poder ficar a sós com você? Ou, bebia pouco para não sair do controle para não ter que soltar tudo o que pensava sobre odiar tudo aquilo? Ou melhor: ela mudava de assunto quando você perguntava se estava bem com tudo aquilo?
Kýrios ficou pensativo, e franziu o cenho quando se lembrou desses detalhes.
— Oh deuses! Então… Ela estava descontente?!
— É. Mulheres são complicadas.
— Deuses… Eu, desagradando minha amada?! Não, isso é inaceitável! Isso é uma grande falha para alguém como eu! — disse, bebendo um generoso gole do néctar.
— Porque é inaceitável? Porque você é um deus do amor? Nah, olha, relações são complicadas, não são perfeitas.
— Mas…
— Kýrios, nem você é perfeito.
O deus deu um suspiro de indignação, como se aquilo tivesse sido uma grande ofensa.
— Você… Seu humano cruel e…
— Bem-vindo ao mundo, príncipezinho alado. — Sorriu, e bebeu do copo que estava na sua mão direita.
O deus ficou por longos segundos em silêncio, refletindo, chegando conclusão de que o que o rapaz tinha dito era de fato, algo verídico.
— Eu sou tão errático assim? Será que… Por todos esses anos em que estive casado com ela… Será que ela alguma vez já ficou aborrecida comigo? Bem, aborrecida ao ponto de não querer olhar na minha cara? Ou pior… Será que a fiz feliz de verdade algum dia?
— Não precisa exagerar sobre esta ultima, é claro que você a fez feliz, e ainda faz, ou então ela não faria toda essa confusão para que você a encontre… Ou, talvez… — James suspirou, pensando em algo muito triste, algo como… Algo do tipo que tudo que eles estavam fazendo fosse alguma tentativa da deusa de poder fazer algo em relação a eles dois, e por isso, teve que ir embora daquele deus — Ela já falou que estava com dor de cabeça quando vocês dois iam para sua cama? Ou disse que iria dormir bem mais cedo que você?
Mais uma vez o loiro ficou em silêncio, e pôs a mão na boca, chocado.
— Por todos os deuses… Ela… Ela estava fazendo isso o tempo todo antes de sumir!
— Como falei. Mulheres são complexas…
— Será que… Ela estava… querendo… — o deu engoliu em seco — …romper comigo? Mas, porque não conversou sobre isso?! Eu… iria fazer qualquer coisa para consertar seja o que for o erro que eu estivesse cometendo! Não… deuses… isso de novo…
— De novo?
O deus ficou tenso, se encolhendo um pouco.
— Não é nada. Como disse, eu só devo estar exagerando.
— Kýrios, às vezes elas só querem espaço. Pelo menos é o que eu via quando meus amigos começavam a namorar, ou quando meus pais brigavam.
— Mas creio que ela não sumiu por causa disso.
— Sim, é claro que não foi por isso, mas pode ter sido uma motivação a mais para seguir em frente ao que ela estava planejando.
— Não…! Eu me nego, me recuso a aceitar isso! Eu fiz tudo certo! Ela nunca reclamou de nada! Sempre a satisfiz de tudo, tudo que ela pedia, ela tinha. Tudo mesmo!
— Talvez ela tenha ficado sufocada com tanto… “amor”.
— O que está tentando sugerir?
— Não estou tentando sugerir, estou mesmo lhe dizendo diretamente que você é… grudento.
— Eu…?!!
— E meloso. Sim, infelizmente você é. O amor é um equilíbrio, Kýrios. Doce o tempo todo enjoa uma hora. Tem que ter sal, o gosto cítrico, o amargo. Leveza e dureza. Essas coisas.
O deus se calou mais uma vez, virando todo o copo da bebida, e pedindo por uma quarta jarra cheia, e logo aquele objeto encantado se encheu de novo.
— Então sou um fracasso como deus do amor. E agora estou vendo que fui um fracasso como marido, e amante também. — disse, ficando com deprimidos.
— Não, Kýrios, você não é um fracasso. Qualquer uma sonharia te ter e estar você.
— Mesmo? — bebeu mais um gole, este ardendo e descendo pela sua garganta — Você sonharia?
— É claro que sim. — respondeu o rapaz, sua sinceridade influenciada pela bebida — Você é, pelo pouco que lhe conheço, um cara bom. É carinhoso, cuidadoso, bem aparentado em sua estampa e porte, engraçado…
— Bem aparentado? Engraçado?
— Sim… Suas piadas são péssimas, mas esse é o charme, são tão sem graças que chegam a ser engraçadas… E, ah, tem também seus dotes de amante.
— Dotes de amante?
James sorriu, e desenhou com a ponta do pé um desenho obsceno no chão de terra, uma arte proibida do órgão masculino… Havia sido um pouco exagerado no comprimento, mas o deus ao ver aquilo não precisava de mais explicações.
— Mas vou logo dizendo… — continuou James — Não fique se gabando, eu também tenho os meus…
— Disso, agora sabemos. — o deus riu breve e teve seu gesto correspondido em seguida — Você também é um cara legal… E sabe porquê? — o rapaz fez que não — Porque você é um humano muito ousado, e gosto disso, de sinceridade. Como agora pouco… Ninguém nunca me falou nada isso…, mas então eis que nasce você para me abrir os olhos sobre o quão péssimo eu sou… Um brinde a isso! — disse, pegando a jarra ao seu lado e bebendo seu conteúdo direto do recipiente sem se servir no copo dessa vez, soluçando em embriaguez.
James deu uma tapinha amigável em seu ombro esquerdo, como se dissesse que estava tudo bem em ele ir fundo naquele vinho incolor, doce e extremamente forte em seu teor alcoólico. Afogar as mágoas em bebidas era também uma de suas especialidades.
— Já está bom… Ou então meu fígado vai falecer. — brincou, tirando a jarra da mão esquerda, pousando-a em cima do desenho fálico no chão — Acho que já está na hora de irmos pra cama.
Kýrios abriu um grande sorriso, e se levantou rapidamente, tropeçando um pouco por conta do lado direito do rapaz não esperar que fosse se levantar.
— Kýrios?
— Aonde está a nossa tenda?
— Acho que é aquela ali… Ei! — o deus deu um passo, obrigando todo o corpo a andar.
— Você vai me ensinar a ser melhor, James. E isso é uma ordem.
— Te ensinar a ser melhor? Mas o que tem haver irmos pra aquela tenda e comigo te ensinar a ser melhor?
— Oras, você é um especialista, até mais do que eu com todos meus milênios… quero que me dê todos seus segredos e experiencias… Eu exijo que… quero seus conhecimentos… na verdade, não, não exijo, me desculpe… eu imploro…
— Creio que vou dormir no meio de nossa conversa… Bebemos demais…
— E quem disse que nós vamos conver…
Antes que o deus fosse rebater a aquele comentário, uma moça se aproximou até ele, e cutucou seu ombro.
James se virou, e sorriu na hora ao vê-la, mas imediatamente também fechou a cara, mas isso porque foi deus quem o fez.
— Li-Hua! Você está… diferente. — comentou James, de forma simpática e surpresa.
— Eu entender um pouco o que você fala. Mamãe me ensinar a língua dos ingleses. Muito bonita de dizer. Eu gosto. — Sorriu, fazendo uma reverência — Shifu.
A moça vestia um traje mais masculino dessa vez, bem diferente daquela moça que estava ao lado de sua mãe com um vestido bonito.
— O quê? — perguntou-se James, não entendendo o que a moça disse.
— Ah, então essa? — perguntou Kýrios, arqueando a sobrancelha esquerda, coçou o queixo lhe mirando analítico, com um semblante óbvio de desaprovação — Me desculpe James, mas tenho que lhe dizer, a compatibilidade está bem longe de ser boa aqui.
James franziu o cenho, não ficando muito animado.
— Olhe com mais atenção.
— Já olhei. E a resposta é não. Completamente negativo. Zero por cento de chances. Impossível qualquer coisa de sucesso.
— Shifu, eu fazer alguma coisa errada? — perguntou a moça, com lágrimas nos olhos por estar sendo reprovada assim sem saber pelo o quê — Eu poder me esforçar! Serei orgulho! A melhor guerreira! Só querer uma chance para mostrar valor meu!
— Ah, minha querida donzela. Acho melhor dar uma volta e retornar para debaixo das asas de sua mamãe. Que tal fazer isso agora? Tudo bem? Já está bem tarde para criancinhas como você. — disse Kýrios, com um escárnio evidente em sua postura e tom.
A moça ficou ainda mais com olhos cheios d’água. E James deu um tapa em sua própria testa.
— Ai!
— Que negócio é esse de “minha querida donzela”? Ficou parecendo minha tia agora tentando ser cordial com pessoas que ela acha irritante.
Kýrios revirou os olhos e pôs uma mão na cintura, a mão de seu lado esquerdo, e bufou mal humorado.
— Perdão Li-Hua, ignore todos esses comentários anteriores. Saiba que está mais do que apta a seguir em nossa equipe… E só pra deixar tudo claro, quem lhe falou todas aquelas coisas não fui eu. Foi… ele, esse idiota. Ele está… — James soluçou, cambaleando um pouco — Está bêbado, eu também estou… — franziu o cenho, tentando achar mais palavras certas para se desculpar com a moça.
— Ah, sim, sim, entender o que shifu dizer.
— O que é shifu que você tanto fala? Ela está me convidando para ser seu namorado ou algo parecido nesse termo?
A moça abriu a boca, seu rosto corado de vergonha, mas Kýrios chegou na frente a interrompendo antes de começar.
— Ela está o considerando como seu mestre. Um tutor. Está vendo? Por isso que não há hipótese alguma de serem compatíveis. — disse o deus, se deixando numa postura orgulhosa.
— Aah, entendi. — Riu James, deixando a garota mais confusa — Ah, moça, quer dizer… — soluçou por conta da bebida — Sinto muito em lhe dizer mas… Eu tenho que falar a verdade… Eu não consigo nem tutorar minha vida, quem dirá a vida de outra pessoa?
— Mamãe dizer para mim que você é guerreiro muito forte.
— Oh, garota, você tem muita razão em dizer que ele é um forte guerreiro, ele é muito capaz mesmo, é muito gentil às vezes, bonito, e acima de tudo, é um bom homem, mas ele só tem um ano de diferença que você. Ou seja, vocês estão quase na mesma lama de inexperiência.
— Kýrios! Eu não sou inexperiente!
— Ah não é? Me prove então.
O deus já ia dar um passo, quando James se firmou todo o lado direito no lugar, a moça ficou um pouco espantada, não sabia o que dizer e nem como agir diante aquela louca conversa de seu “tutor” que parecia ter uma dupla personalidade e que agora parecia estar entrando em colapso.
E no meio daquela briga, a moça tomou coragem para dizer:
— Mamãe dizer que para eu convidar Shifu para conhecer cultura nossa. Para… deixar ir lanternas no céu. Soltar. Fazer perdidos. Trazer boa sorte para todos nós. — disse, fazendo mais uma reverência, mas essa parecia agora para ganhar alguma aprovação.
James e Kýrios pararam de se estapear-se, mas foi só o rapaz que pareceu se interessar naquele pedido.
— É claro! Gostaria muito de conhecer mais de sua cultura. Que até agora, não me decepcionou.
— Obrigado! Obrigado! Shifu poder acompanhar eu?
— Ah sim, sim! Vamos lá… — quando pensou em caminhar de novo, o lado esquerdo travou no lugar — O que foi agora? — perguntou ao deus.
— James.
— Kýrios.
— James, isso não é um convite normal. Aqui, as pessoas que soltam lanternas juntos são…
— Sou somente um amigo de Li-Hua. Não é Li-Hua? — a menina fez que sim, e juntou as mãos, uma aberta e outra fechada, fazendo referência ao seu mestre — Está vendo?
— Ah… James. Estou começando a me decepcionar com você. Cadê aquele expert em conselhos amorosos de agora pouco? Bebeu junto com o vinho?
— Não sei porque está tão irritado. É só um passeio, um convite para conhecimentos culturais.
— Sei que tipo de “passeio cultural” você quer. — rebateu.
— Está louco? Ela é só uma garota! — A menina fez uma cara emburrada para aquele comentário, mas mesmo assim, se manteve na mesma postura de uma soldada — Não gosto de pessoas mais novas que eu… — confessou.
— Verdade? Então… Pessoas mais velhas é o que lhe atrai? — perguntou, como se estivesse fazendo algum tipo de insinuação, deixando o moreno um pouco desconfiado, mas não muito, já que a bebida estava deixando sua mente um tanto confusa.
— Olha, se você está tão irritado com isso, então que venha junto comigo.
— Como se eu tivesse opção. — rebateu de novo o deus — Mas, só para deixar claro, e oficial, está me convidando para ir soltar lanternas junto com você?
— Sim! Feliz?
O deus soluçou muito contente, também por causa da bebida, e num aceno de cabeça com um semblante esperançoso, fez que sim à pergunta do rapaz.
Li-Hua então os guiou até um lago, onde havia outras pessoas ali sentadas escrevendo algo em papéis e colocando dentro de suas lanternas de mesmo material, preparando-as para soltar.
Mesmo que ainda estivessem nesse processo, mesmo assim era bonito ver algumas já acesas, parecia que o local ao redor onde as lanterna iluminavas ficavam mágicos, como se as estrelas do céu tivessem descido para agraciar a todos com sua pureza.
Ou podia ser a bebida que estivesse os fazendo ver as coisas assim…
A moça se aproximou de um grupo de pessoas que também faziam suas lanternas, seus semblantes felizes ao vê-la indicava que aquele era seu círculo de amigos, mas havia uma certa tristeza em seu olhar quando olhava para eles, um olhar de despedida.
— Shifu, venha. Tem que montar sua lanterna. — Convidou, pedindo espaço para o rapaz se sentar naquela roda de seus amigos.
Com toda formalidade que um bêbado conseguia ter, James lhes cumprimentou.
— Boas noites. — disse, mas todos ali só ficaram lhe encarando sem entender, até a moça, Li-Hua, traduzir para eles o que lhes disse, e os mesmos o cumprimentarem de volta com acenos e cabeça respeitosos.
De repente um deles fez um comentário um tanto rude, e todos na roda riram, menos a moça, que ficou um pouco tímida de responder. James não entendeu nada, mas o deus do amor sim.
E claro, não deixou pra lá.
— Dãngrán, tã bi ni gèng xiàng gè nánrén, nimen zhè qúnfãn láosão de xiăo niu. — disse Kýrios, com um semblante altivo, emanando uma autoridade que não costumava usar.
Todos no grupo pararam de rir, e olharam ofendidos para o “James”, que mudou sua expressão para uma confusa.
— Kýrios, o que você disse?
— Nada além da verdade.
— Kýrios! Diga. — Exigiu, mas o mesmo se recusou por pura birra.
— Com certeza ele ser muito mais homem do que vocês, bando de dentes de bezerros chorões e cagões. — Traduziu Li-Hua, e James arqueou as duas sobrancelhas, pondo uma mão na boca e sentindo suas bochechas queimarem de vergonha.
— Kýrios!
— Eles mereceram. — Kýrios então cerrou os olhos para a moça, que se encolheu por receio — Se isso for seu método de conquista, essa é a pior maneira, menina. Ninguém gosta de bajuladores.
— Kýrios! Basta! — James então se virou para o grupo — Olha, perdoem-me, eu não sei o que está havendo com esse imbecil. Deve ser a bebida lhe deixando de mal humor. Então peço perdão por ele. — disse, olhando para a moça num pedido silencioso para ela logo traduzir à eles o que ele disse.
O clima incômodo então foi amenizado, e os rapazes daquele grupo deram um aceno de cabeça em uma reverência. E como uma compensação, ofereceram ao rapaz alguns palitos e papel para que fizesse sua própria lanterna.
— Obrigado… — acenou em agradecimento ao grupo, e a moça logo indicou o lugar ao seu lado. Mesmo que com um pouco de dificuldade, se sentou aonde ela apontou — Não deve ser muito difícil… — disse James, olhando ao redor e vendo os outros com suas lanternas quase prontas.
— Eu te ajudo. Já fiz muitas dessas. — disse Kýrios, pegando um papel e o analisando, vendo como era sua textura.
James via tudo meio duplicado, um palito eram dois, e o papel parecia longo, e difícil de se pegar, pois tinha uma textura muito fina, parecia a papel manteiga, e sua falta de coordenação somente com um braço resultava em fazer buracos no material.
Mas por outro lado… O deus tinha muita habilidade, sua mão era habilidosa enquanto dobrava o papel mesmo só com uma mão, usando a cola escura que tinha ali num recipiente muito bem trabalhado com uma arte de dragão em volta dela.
Nem parecia que o mesmo estivesse ainda bêbado…
No fim, a lanterna do rapaz ficou tudo torto, algumas partes do papel emendadas uma na outra para fechar os buracos e falhas, algumas até foram esquecidas de fechar. E toda essa arte distorcida ele culpava a bebida. Mas metade disso era mesmo pela falta de jeito.
Já a lanterna de Kýrios, estava impecável, dava inveja até nos outros que os nativos mesmo faziam já por anos. Mas claro, como poderia ser igual a deles se havia alguns detalhes mais gregos na arte? Talvez fosse uma junção de duas belas típicas artes de cada domínio que fizesse aquela lanterna ser um pouco diferente e mais ornamentada com dobraduras extras nas pontas e nas arestas que faziam lembrar a uma coluna de algum templo de um deus grego.
— Você já está sóbrio? Porque… porra… olha o meu… — comentou James, um pouco descontente com sua lanterna.
— Oh, James, pare de… se alarmar. Está lindo! Estou falando a verdade!
— Você acha?
— É claro que eu acho. Tente olhar mais artisticamente. Essa selvageria nos detalhes… Esses rasgos em alguns cantos… Isso está bem atraente. E lúbrico.
— Meu Deus, Kýrios, acho que estou arrependido de ter perguntado…
— James, estou falando sério. — O deus pegou sua lanterna e a ergueu no ar, bem a frente de seu rosto — Sabe o que eu vejo quando olho para sua lanterna? — James fez que não — Vejo uma pessoa muito apaixonada por outra, e ela está tão ávida para se deleitar no prazer que ela sabe que terá com a outra que suas mãos querem logo tocá-la, e já muito impaciente, o tecido que cobre o corpo dessa pessoa é despedaçada em simples retalhos, e logo as mãos sedentas de quem as rasgou tem sua merecida recompensa. Por isso esses furos, e essa falta de jeito.
James ficou sem palavras. Seu peito ficou quente, assim como sua bochecha direita.
— Isso foi… tão bonito… Obrigado, Kýrios. — disse, pegando sua lanterna e ficando um pouco mais contente.
— Lanterna muito bonita mesmo. — disse Li-Hua, e James sorriu para ela, deixando o deus um pouco colérico — Eu já fazer a minha. Eu e você poder ir já…
— James, vamos soltar nossas lanternas? — perguntou o deus, interrompendo a moça, que ficou de cara emburrada.
— Claro. Por que não? Já terminei a minha mesmo. Vamos logo, estou louco para me deitar e dormir.
— Como desejar, James. — disse o deus, fazendo movimentos para se levantar em acordo com o rapaz, que logo conseguiu, deixando a garota para trás com seus amigos.
O lago era mediano, já que dava para ver o outro lado no horizonte, a lua em seu charme iluminando tudo fazia com que os reflexos na água brilhassem como um espelho quebrado em milhares de pedaços, era realmente uma linda paisagem para se guardar na mente.
Kýrios foi o primeiro a acender a lanterna, e quando o fez passou o papel com a chama para que James acendesse o pavio com a cera que havia bem no centro dela.
— Há um costume antes de você soltar a lanterna, que você tem que desejar algo, James. — Orientou o deus.
— Então é como jogar moedas numa fonte?
— Sim, só que mais poético. Você faz o pedido, e então, o solta depois.
James assentiu, e fechou seus olhos, junto do deus. E ambos mentalizaram o que desejavam.
“Que meu coração me guie para o caminho certo.” Pensou James, soltando em seguida e no mesmo segundo em que o deus também soltou.
Ambas as lanternas foram juntas aos céus, até se tornarem pontinhos ao lado de outras muitas. A chama foi levando ambas de modo suave, sendo ajudadas pela brisa suave que as deixavam com uma harmonia sobrenatural, como se as duas lanternas quisessem subir juntas e ir até o fim assim. James olhou tudo duplicado, pensando que pudesse ser o tanto de cola atrapalhando a lanterna do deus em seguir seu rumo, mas mesmo assim, desejou que mesmo que fosse de maneira tudo torta, que aquelas duas lanternas fossem subir sem problemas, e além disso, desejou também que pudesse estar mais sóbrio para poder ver tudo com mais detalhes e aproveitar aquele evento que o pessoal do circo fazia para se entreter. Mas mesmo ainda muito tonto, achou tudo muito mágico e lindo.
— Desejei que pudéssemos ficar juntos para sempre. — soltou o deus do amor.
— E vocês vão ficar, Kýrios. Eu juro, que vou cumprir a minha missão de unir você e Psiquê novamente. — disse James, entendendo aquela sentença do deus como um apelo pelo que sofria pela sua deusa — Aliás… Se pode contar o pedido?
— Eu não sei muito dessa parte… — disse Kýrios, parecendo ocultar algo, e também um pouco mais cansado e entristecido, passando uma mão no lado esquerdo de seu rosto, suspirando, soltando todo o ar — James, podemos ir agora para a tenda?
— Sim podemos, estou prestes a cair no sono aqui. E você?
— Estou prestes a cair num abismo. É assim que me sinto neste momento. — disse, num tom que parecia estar zangado.
— Porque não diz só que está com sono? Você é um bêbado muito mal humorado, sabia?
— E você, um bêbado muito… muito… Esquece. — Quis rebater, mas não conseguiu.
Não conseguiu não porque queria ofender… Mas sim porque o que estava na ponta da língua para dizer não era apropriado. E sua mente mais sóbria lhe alertou que não poderia ser bom verbalizar aquilo.
E com aquela deixa, ambos foram para a tenda.
É, aquela seria uma longa noite…
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Capítulo 24
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Missão Ágape
O Olimpo está em crise, e tudo porque de repente uma profecia disse que um deus iria dizimar o seu sistema e tudo que eles lutaram para conquistar e poderem estar no poder até hoje.
E é...