Arco 1 –  Oriente sem DESTINATÁRIO

Missão Ágape

Capítulo 28

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Pelo menos era um lugar limpo apesar de toda a ruína que havia por ali. Ares os levou para um lugar no meio de um deserto, não tinha nenhuma árvore viva, eram somente galhos secos e areia, e aquelas ruínas de castelos destruídos não só pelo tempo, mas pelas mãos bélicas dos humanos ou daquele próprio deus.

— Lar doce lar. Este lugar me deixa tão animado… — inspirou fundo, dando um tapinha amistoso no ombro do deus do amor, passando pelo mesmo, por fim jogando sua lança em um lugar qualquer, mas a arma sempre voltava para sua mão, uma ação repetitiva como se estivesse entediado — Consegue sentir, filho?

— Sim, consigo… — olhando ao redor e vendo somente um local de destruição e desolação com pitadas de desespero — Mas animado é a última coisa que posso me sentir. — disse, com o rapaz ainda deitado com a cabeça em seu colo, desacordado, não aguentou ficar por mais tempo consciente depois que chegaram ali e se acomodaram.

— Me dê logo isso. — disse Ares, erguendo sua mão em direção ao rapaz, e o deus o envolveu com suas asas — Pare de medo, não vou tomar seu brinquedinho.

— Ele não é meu brinquedo!

— Ele é o que então? Seu namorado?

— E-ele é… meu amigo! Você sabe muito bem, pai, que a única pessoa que eu amo é…

— Está na hora de você seguir em frente, não acha?

— Como ousa falar isso para mim?! Eu não sou como vocês! Meu coração só pertence à…

— Blá, blá, blá… Não é à toa que ela sumiu de você. Meloso e grudento desse jeito. Me dá vontade de vomitar só de escutá-lo.

Kýrios quis se levantar para revidar, mas James gemeu em dor com seu pequeno movimento, seu semblante contorcido indicava que sofria muito, mesmo inconsciente.

E tinha o fato de que essa era a natureza de seu pai, ele causava isso em qualquer um que ficasse ao seu lado, essa sensação de aborrecimento, irritabilidade, ira, ódio… Perfeito para a função que exercia.

— Não sei como mamãe se apaixonou por você.

— E eu não sei como aquela humana aguentou por todos esses anos estar com um boboca apaixonado como você.

— Eu não tenho tempo para suas provocações, pai. Agradeço pela ajuda, mas creio que acaba aqui, não é?

Ares arqueou uma sobrancelha. Em sua mão direita, onde segurava uma lança, a arma brilhou numa chama avermelhada, e no segundo seguinte havia se transformado em um grande machado de açougue.

— Kýrios, se afaste desse humano.

— Eu já disse, não vou abandoná-lo!

Ares revirou os olhos, se levantou, e com um chute surpresa bem no meio do peito do outro deus, empurrou-o para longe, fazendo-o bater com as costas em uma parede de pedras, fazendo várias penas das asas caírem no solo arenoso.

Com o loiro um pouco longe e um pouco atordoado pelo impacto, James teve seu corpo movido com um pé, como se ele fosse um tapete ou um bicho morto, ficou deitado de lado, e com seu pescoço de modo que ficasse o mais reto possível.

Kýrios, vendo o que seu pai ia fazer, ficou desesperado, e correu o mais rápido que podia, mas era tarde demais.

— Não!!! — gritou Kýrios, vendo uma grande quantidade de sangue jorrar no rosto de seu pai, que o empurrou mais uma vez com um outro chute, mas não tão longe dessa vez, somente o suficiente para fazer um outro corte.

E mais sangue foi jorrado para todas as direções.

O deus do amor se arrastou, um pouco tonto pelos dois golpes de seu pai, seu coração estava apertado e desolado, quase não tendo coragem para se aproximar.

— Pronto, está feito. Agora segure ele, vou esquentar uma barra de ferro para cauterizar e queimar essa merda nas costas dele. — disse, chutando pro lado asa mal formada, e indo montar uma fogueira.

Kýrios se aproximou, e respirou fundo muito aliviado e surpreso.

Estava imaginando o pior…

Nas costas de James havia um corte preciso e perfeito, a asa estava ali do lado, sangrando, assim como a mediana fenda perto da omoplata do rapaz.

— Deixe-o do jeito que está. Isso se quiser vê-lo ainda andar com as próprias pernas. — Orientou Ares, já esquentando o mesmo machado de açougue na fogueira que criou em segundos com um monte de destroços de telhados e galhos.

O loiro ficou encarando seu pai, que parecia não se importar de estar sendo cobrado por alguma justificativa, já que, se estava com intensões de fazer aquele corte no rapaz como ajuda, poderia ter falado em vez de causar todo aquele desconforto.

Mas Kýrios se lembrou mais uma vez: era Ares, deus da guerra, não havia como alguma coisa ser leve, calma, ou confortável ao seu redor.

Não era por menos que sua convivência com ele era a mínima possível. Só se lembrava que era seu pai porque seus trigêmeos sempre lhe perguntavam de seu avô, e porque nunca ele ia nas reuniões de família quando acontecia na mansão ou quando era aniversário humano de sua Psiquê.

— Porque está me ajudando? E ajudando ele? Pensei que queria vê-lo morto, assim como a mim.

— Ao contrário de seu avô, eu prezo pelo bem estar de minha prole. Apesar de alguns serem uns criminosos traidores do Olimpo. Mas o que posso fazer quando isso me traz orgulho? Vou confessar que, sempre apostei que você tinha potencial. Amor, uma linha tênue para o início do ódio. Amor trás tantas desavenças. É por causa do amor que muitas guerras acontecem, e acontecerão.

— Mas o amor também liberta, traz paz, faz todos se importarem e lutarem para algo melhor, para serem melhores!

— Coisa sem graça atrás de coisa sem graça. Pare de falar como sua mãe, aja como meu filho! Meu sangue corre em suas veias também! Tem que agir com mais atitude!

— Não, obrigado. Prefiro ser como sou. E se não me aceita assim, o que posso fazer?

Ares lhe mirou como se a qualquer momento fosse jogar aquele machado quase em brasa em seu rosto, mas sorriu e balançou a cabeça.

— Se fosse criado por mim não seria tão fru-fru. E aí sim, veria o real uso dos seus talentos. Mas não, preferiu ser um servo acatando a todos caprichos que ela lhe mandava e manda fazer. Mas, por um lado tenho que agradecer. Você pode não saber muito, mas criou muitas batalhas épicas por conta de corações partidos e enamorados. E agora, parece que se cansou de assistir e quis ver em primeira pessoa como tudo é sentido. Não é?

— Sabe de uma coisa? Não vou alimentar esta conversa. Conversar com você é o mesmo que…

— Não vai querer conversar nem sobre seu futuro filho que agora está morto?

Kýrios sentiu suas mãos tremerem de ódio e ira ao ouvir aquilo, estava tão preocupado por James e por tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo que por um momento havia se esquecido um pouco sobre o assunto que o levou até ali.

— Zeus, assassinou seu neto, pai. Isso não lhe deixa furioso? — perguntou, parecendo destilar veneno em cada palavra só por vingança pelo seu pai ter tocado nesse assunto como se não fosse nada.

O deus da guerra não disse nada por um longo tempo, até encarar o filho e deixar visível seus olhos de orbes rubis, mais intensas do que de costume, brilhando como se houvesse um incêndio acontecendo no interior deles.

— Se isso me deixa furioso?

Ares então se aproximou com o machado em brasa, e sem cuidado ou delicadeza, encostou na ferida aberta do rapaz, que gritou e se contorceu, acordando por um momento, mas acabou desmaiando outra vez.

Kýrios quis se aproximar para confortá-lo, mas Ares lhe encarou e balançou a cabeça em negativa, apontando o machado em brasa para o seu rosto como advertência.

E então continuou, a carne e pele praticamente cozinhavam naquela arma, deixando tudo mais inflamado do que estava, mas depois de um longo tempo, o machado se desprendeu, mas não sem ter seu pagamento, havia pele grudada no metal, mas ferimento se fechou, sobrando somente uma carne cauterizada e sem mais nenhum sangramento.

— Isso responde a sua pergunta?

As íris do deus ainda estavam em chamas, e seu cenho era o de alguém que estava com sede de sangue. Até sua postura estava mais agressiva, e sua mão ao redor do cabo do machado estava tão apertada que parecia que a qualquer hora suas falanges iriam se romper.

— Pronto. Curado. Agora pode cuidar em paz de seu namorado. — disse, transformando novamente o machado numa lança.

— Ele não é meu namorado, pai.

— Eu gostei desse humano. Quando olho pra ele não sinto vontade de jogá-lo aos cães.

— Obrigado?

— Então admite que é seu amante.

— Pelo amor dos deuses, pai! James não é meu…

— A viuvez é uma coisa terrível mesmo. Mas fico feliz que tenha superado. Eu odiava aquela pequena pirralha. Odeio quem faz mal às minhas crias. Siga pelo menos esse conselho, conselho de pai. Quando tudo isso acabar, não fique lamentando, escolha esse aqui. É feio, mas fui com a cara dele.

Kýrios franziu o cenho, e sentou perto do rapaz, tentando ajeitá-lo o mais confortável naquele chão de areia, e tentando também tirar todo aquele sangue de seu a redor. Além do mais, era inútil discutir com seu pai.

Mas também era impossível não fazer isso…

— Não vejo você há séculos, e quando me aparece… Porque está me dizendo essas coisas? Porque não pode ser razoável pelo menos uma vez na vida? Não vê que estou passando por um momento difícil?

— Eu não sou sua mãe.

Kýrios bufou em cansaço, esfregando o rosto com as duas mãos.

É claro, o que ele podia esperar?

— Obrigado. Por ajudar ele.

— Então quer dizer que vinculou sua vitalidade com a dele… Hm, curioso. E muito bom também. Isso me faz lembrar do dia em que me vinculei com sua mãe, foi assim que você nasceu e…

— Pai, será que pode parar de jogar essas indiretas e jogar as claras logo? Ou melhor, porque você e mamãe odeiam tanto assim minha Psiquê? O que ela fez para vocês lhe darem tanto desprezo? Isso devia ser o contrário, porque…

— Para quê fui elogiá-lo? — interrompeu seu filho — Acho que é melhor eu manter minha visão de orgulho sobre você, ou vou acabar cortando suas asas por me aborrecer por ter um filho tapado. — disse Ares, indo até a saída daquele castelo em ruínas — Vou buscar comida. E não se preocupe, estamos em meu território, em meu lar particular. Ninguém vem aqui além de mim. Ou sua mãe. — Sorriu, com nostalgia.

— Me poupe dos detalhes. — disse Kýrios, se virando de costas para o outro deus e focando sua atenção no rapaz, que ainda estava deitado de lado e com o rosto na areia.

•

Estava tão quentinho e confortável… E ainda havia aquele cheiro de sândalo e mais alguma coisa doce que deixava seu coração palpitando. A maciez daquela superfície era comparável aos lençóis de algodão egípcio que havia em seu quarto. Era um de seus tecidos favoritos, lhe dava sempre a vontade de ficar o dia todo em sua cama.

— Hm… — murmurou James, sentindo um cheiro muito bom de carne assada.

— James. Boa noite. — Sussurrou o loiro.

— Kýrios…?

Abrindo os olhos devagar, foi se dando conta de que estava deitado em um lugar estranho, e mais que isso, estava deitado muito perto do deus. Especificamente, muito perto de seu rosto.

— James, me perdoa?

— Kýrios… Perdoar…? Pelo quê? O que está havendo?

Quando tentou se levantar, um pontada forte de dor lhe atingiu nas costas.

E se lembrou do porque de estar naquela condição.

— Eu… Fui um idiota. Eu… Eu não sei o que aconteceu. Acho que me descontrolei e… acabei perdendo a noção de que você… de que eu estava em seu corpo… mas aí já era tarde demais e…

James abriu mais seus olhos, e viu que o deus estava mesmo bem perto de seu rosto, mas por incrível que pareça, não sentiu vontade nenhuma de afastá-lo.

— Kýrios… — pôs uma mão em sua boca para calá-lo — Primeiro, estou com dor de cabeça. Então fale um pouco mais baixo, por favor. Segundo, é compreensível que tenha reagido daquela forma com uma notícia daquelas, tiraram a vida de seu filho. E terceiro, sim, você foi um idiota, quero socá-lo na cara por isso. Mas… Você está bem?

O deus abriu um largo sorriso e se aproximou mais, puxando o corpo do outro para entre seus braços, o abraçando com cuidado.

A primeira reação foi de susto por aquela ação, mas o conforto que aquele abraço lhe dava o fez desistir de se afastar. Sua dor até amenizava, mas em compensação seu coração começava a bater um pouco mais forte.

— Pensei que iria perdê-lo, James.

— Eu também. — disse, sem querer, sentindo o deus ficar um pouco tenso, e por isso logo tratou de corrigir-se — Digo… — por estar com sua testa no peito do loiro, ergueu sua cabeça para olhar nos olhos do outro, e viu que ambos estavam avermelhados — Estou com fome.

— Ah! Sim! Claro! Vamos comer! Meu pai está lá no outro cômodo preparando as serpentes.

— Como é? Espera… Seu pai? Serpentes?

— É uma história longa… Mas o que posso dizer é que estamos seguros por enquanto. E sim, ele disse que são cascáveis. Mas para ser franco para mim são tudo cobras. Todas rastejam e são peçonhentas. — disse, fazendo uma cara de nojo — Mas ele disse que é especialista em cozinhá-las.

— Seu pai… Ele é o deus da…

— Está pronto! Os pombinhos já podem vir comer. — disse Ares, abrindo a porta destroçada com um chute, a quebrando de vez e aparecendo ali na entrada, mastigando metade de um réptil alongado. Kýrios se sentou na hora e se virou para seu pai, deixando James ainda deitado de lado. E vendo o olhar analítico do outro deus, sentiu seu rosto esquentar por algo que não soube dizer o porquê motivo.

— Pai! Tinha que bater na porta! Eu falei sobre isso, lembra?

— Como pode me acusar de não ter batido? Veja, eu bati. — disse, olhando pra porta agora toda destruída.

— É. Ele bateu, quer dizer, chute também é bater. Não tem como contra argumentar. — comentou James, deixando o deus do amor um pouco sem jeito.

— Tudo bem, já vamos. Mas primeiro — Kýrios então se virou para o rapaz, o levantando com cuidado para e sentar —, vou ajudar a se limpar de todo esse sangue. Eu consegui recolher um pouco de água de alguns cactos…

— Verdade! — exclamou de repente Ares — Ele mesmo espremeu tudo com as próprias mãos. Foi muito valente. Pois tinha muitos espinhos. Olhe para as mãos dele, jovem Payne. Cheia de furos e feridas por sua causa. — disse, parecendo estar arquitetando alguma arte. Kýrios revirou os olhos, e James ficou com uma cara de quem estava querendo saber o que estava realmente sendo falado ali entre o pai e filho.

— Ah, sim… — James olhou desconfiado para o loiro — Obrigado pelo esforço. Mas não precisava porquê…

— É claro que precisava! Ele é um bom filho, um dos meus favoritos. — Continuou Ares — Sempre foi preocupado com o bem estar dos outros, muito altruísta. Sabia que ele sabe cantar e cozinhar também?

— Pai!

— Vá se limpar, jovem Payne. Não demore. Não sou muito paciente. — disse, ignorando o filho, e mordendo mais um pedaço de sua serpente assada, sumindo de vista em seguida.

James arqueou uma sobrancelha, ficou prendendo um riso por ver o deus ao seu lado um pouco encabulado, uma raridade, sempre era ele quem ficava dessa maneira.

— Kýrios… Foi impressão minha ou o seu pai estava fazendo uma propaganda de você pra mim?

— Foi… Só impressão. Não leve muito a sério o que ele fala. É o tão famoso Ares, pois é, meu pai. Então não espere simpatia e braços abertos para recepciona-lo.

— Hm, eu gostei dele. Parece ser gente boa. — disse, tentando se manter sentado, mas uma pontada em suas costas lhe fez voltar a deitar novamente.

— Não faça tanto esforço. Venha, vou ajudá-lo a se limpar.

— Eu posso fazer isso sozinho… Só preciso de tempo.

— James, o aviso de meu pai sobre não ser muito paciente não é mero modo de falar. Então, vamos deixar esse orgulho de lado só por um momento, está bem?

O rapaz respirou fundo, se rendendo.

Kýrios o levantou, colocando-o sentado de novo, e foi só naquele momento que James percebeu aonde realmente estava.

O motivo pela maciez e conforto que sentia era porque estava bem no meio de um monte de penas. Estavam amontoadas em um só lugar, e ele estava no centro delas.

Quando olhou para Kýrios, viu o mesmo estar com as duas asas todas depenadas, ainda havia algumas, dando a aparecia de uma galinha depois de uma briga com outra.

— Você não precisava fazer isso. — disse, pagando uma pena e deslizando seu dedo sobre as fibras, sentindo o quão macias eram.

— Isso é o mínimo que posso fazer por hora. James… Você só tem se machucado todo esse tempo. E tudo por minha culpa. Você estar vivo é só muita sorte sua. Pois acho que… estou amaldiçoado em não conseguir manter os Pistas de Parcas. Sempre perco todos. E parecem que estão tentando tomar você de mim também.

— Nada disso é sorte, Kýrios. Eu não sou agora um “quase-semideus” com aquela ligação que fizemos? E você é capaz. Não duvide disso.

— Tenho minhas dúvidas. — disse, começando a limpar as costas do rapaz com a água dos cactos que estavam armazenadas nos próprios cactos que foram esculpidos de forma para servir de jarro, sendo muito cuidadoso para não ferir a área cauterizada onde estava a asa mal formada que tinha se criado no rapaz — James, por favor, me perdoe por isso.

— As garotas adoram cicatrizes de guerra. — disse, sorrindo um pouco para aliviar o clima pesado de tristeza, ouvindo como resposta um murmúrio de riso breve e contido atrás de si.

— Garotos também gostam de cicatrizes. — disse, limpando outras áreas de suas costas, subindo para a curva do pescoço.

James arqueou uma sobrancelha, e sorriu, fechando os olhos para sentir mais daqueles toques tão calculados e cautelosos, eram tão sutis que mesmo que o deus não tivesse intenção, pareciam ser provocações. A suavidade para não lhe machucar… era difícil não pensar em outras coisas tendo aquelas mãos que sabiam que eram habilidosas e todos os sentidos, ainda mais passando pelo seu corpo, agora indo para sua cinturam, tirando os últimos resquícios de sangue, depois, para seus braços, tirando a fuligem e a sujeira de terra.

— Não sou de cristal, Kýrios. Pode ir com mais força. — disse James, sentindo o outro afastar um pouco o tecido de sua pele.

— Sei que não. Mas também não é um diamante. Você quebra. E a última coisa que quero é remontar seus cacos outra vez. — disse o deus, sua voz saindo pesarosa.

James sentiu algo em sua voz, algo que o outro se segurava para não soltar. Era muito semelhante ao que viu naquele sonho onde o deus também estava assim, mas não havia ninguém para abraçá-lo ou confortá-lo.

Então, mesmo que lhe doesse todo o corpo, se virou, e o abraçou de surpresa.

— James…?!

— Não se segure. Deixe sair. Se sentirá melhor depois.

O deus entendeu perfeitamente, e retribuiu o abraço, deixando suas lágrimas saírem sem algum impedimento. James sentia o quanto o loiro estava destroçado pela dor e perda. Era um filho, algo que era parte dele, e que foi tirado de forma tão severa e bárbara.

— James… Será que Psiquê… Será que ela pode estar…

— Não pense em nisso! — disse, se afastando só o suficiente para ver seu rosto — Ela está bem, seja aonde ela estiver. E você vai encontrá-la. E então… poderão ter mais e mais filhos. Quantos puderem. Vão matar as saudades um do outro. Vão poder ver o pôr do sol juntos como sempre fazem…

O deus franziu o cenho.

— James, como sabe que ela gosta de ver pôr do sol?

James engoliu em seco. Nem ele sabia porque sabia.

— Q-quem é que não gosta? É bem clichê, uma coisa bem humana. E pelo que sei Psiquê já foi uma. — disse, agradecendo mentalmente pelo improviso rápido com as palavras.

— Você tem razão. — disse o deus, encostando sua testa na do rapaz, que ficou um pouco tenso com aquele gesto tão espontâneo do outro, sentindo que não tinha sido feito de propósito — Me sinto exausto. Parece que isso nunca vai acabar. E tenho medo de pensar que quando tudo chegar ao fim eu… — seus olhos abriram e como um imã respeitando o magnetismo, foram direto aos lábios entreabertos do rapaz, que respirava de forma ofegante.

— James… Você está… liberando feromônios de…  Perdão… Eu não queria…

— Eu sei.

Se não bastasse o esforço em ter que aguentar as dores em suas costas, tinha que agora tentar resistir a aquele repentino impulso que estava crescendo a cada segundo em que se mantinha muito perto daquele deus, que parecia também não conseguir resistir em ficar ali muito próximo do moreno.

— Acho que… tenho que me afastar.

— Sim, você tem. — Sussurrou James.

— Vou então me afastar agora. — disse, e como uma força estranha que estivesse lhe guiando, uma mão não resistiu de subir e acariciar os lábios do moreno, que suspirou ao toque.

— Por favor. — pediu, num tom muito confuso entre implorar e resistir.

— Sinto um formigamento vindo de seus lábios quando toco neles, James. — sussurrou, sua voz ganhando um tom mais provocativo.

— Porra, Kýrios…

E novamente, mesmo tentando se manter firme, perdeu o auto controle…

Atacando a boca do deus, pegou seu rosto entre suas mãos mesmo que esse movimento fizesse doer suas costas com pontadas dolorosas, mas ter aqueles lábios parecia leva-lo a um paraíso sem dor ou quaisquer problemas que pudesse ter em seu corpo. O deus, mesmo que tivesse tomado um grande susto por aquele ato extremamente impulsivo do rapaz, deixou-se, cedeu às vontades do moreno.

James sentia seu coração acelerado, havia uma euforia contagiante passando por todo seu corpo, os lábios daquele deus eram tão convidativos que lhe dava vontade de nunca se separar de sua boca.

Principalmente quando a língua do outro encontrou com a sua…

Era uma perdição… Uma perdição terrivelmente irresistível.

Um choque inundava seu corpo, todos seus poros se eriçavam, e um constante sentimento de borboletas no estômago lhe afogava, querendo avançar mais, querendo explorar cada canto que aquele céu estava lhe deixando ir. O deus tinha um jeito diferente de beijar, parecia sempre estar cedendo, para depois atacar com mais voracidade, tomando seus lábios, enrolando-se em sua língua enquanto fazia movimentos que insinuavam a uma entrega, invadindo, deixando seu toque e sua intensidade na boca do outro.

— Hmg… — gemeu, quando o deus afundou uma mão por entre seus cabelos lá pela nuca. Isso fez sua coluna toda eriçar, fazendo uma onda descer para seus quadris, que se moveram uma única vez como se quisesse se aproximar.

Isso foi o ponto chave para o deus afastar seus ombros.

— Está melhor, James? — perguntou, muito ofegante.

— O quê?

— Suas dores.

— Sim, não sinto nenhuma dor… — respondeu, respirando forte, perdido no olhar do outro, e tentando avançar para ter mais daquele beijo.

— Kýrios… — chamou-o num tom quase como uma reclamação pela recusa do outro.

— Me desculpe, James. Eu sei que jurei não usar mais de meus talentos sobre você. Mas eu prefiro que brigue comigo, que me xingue, que me bata, do que vê-lo sofrer pelas dores que lhe causei.

James franziu o cenho, ficando muito irritado ao escutar aquilo.

— O que você fez?!

— Eu só… mergulhei você em uma boa dose de serotonina.

— Então o que acabei de sentir foi…

— Me desculpe, mas foi influenciado por mim, pelos meus dons.

James fechou os olhos, respirou fundo, e esfregou seus olhos para se conter de dar um soco no outro. E mesmo que tivesse ouvido tudo aquilo, ainda estava descrente de que foi tudo uma mentira, e então abaixou rapidamente seu olhar para baixo do corpo do deus.

Sim, não havia nenhuma espécie de excitação vindo do outro, mas… Ao mesmo tempo…

Porque o deus parecia tenso?

— Então isso tudo foi mesmo uma mentira?

— Sinto muito. — Desviou o olhar, se virando de costas — Bom… Acho que já te ajudei o suficiente… Eu vou… Vou me limpar também. Vai na frente. Meu pai deve estar quase ao ponto de vir nos chicotear.

— Kýrios. — Lhe chamou, mas o deus se levantou na hora, se afastando dele.

— Fico muito feliz que esteja se sentindo melhor. Serotonina dá apetite também, deve estar mais faminto que antes. Então… bom… vou me ajeitar um pouco. Ficar apresentável.

— Estamos no meio de um deserto.

— Isso não significa que se tenha que baixar o nível de vaidade… — fechou os olhos, parecendo não querer encarar o outro — Até daqui a pouco, James. — disse, saindo apressado do cômodo.

Havia ainda uma certa irritação em James, mas boa parte havia se dispersado quando viu de relance um certo volume no loiro quando o mesmo se levantou, e viu o quanto ele estava atordoado e tentando esconder isso sob aquela possível fachada de deus do amor e suas obrigações e talentos.

Pagando uma pena debaixo de seus pés, levou até o peito e suspirou.

—Porra… Eu deveria era estar feliz de ter sido só uma ajuda…, mas não! Eu devo estar enlouquecendo… Ou é ainda algum tipo de influência por ele ter estado em meu corpo… — sussurrou, passando ambas as mãos no rosto, e continuou — Psiquê, eu não sei qual é seu plano, mas creio que estou perdendo para os meus próprios. Merda… Estou me perdendo por esse idiota. Está ficando feliz sua maluca? Me responde!

James sentia seu peito ainda palpitar muito forte, o formigamento em seus lábios não cessava, pelo contrário, aquilo o atiçava a querer mais contato com os lábios do outro. E mesmo que isso lhe apavorasse, também desejava levar seus lábios a um passeio pela pele ensolarada daquele deus.

Podia não saber se isso era o lugar influenciando também, se era os talentos daquele deus, ou se era tudo que viu e passou quando estava naquele estado lá no Olimpo, mas pelo menos sabia de uma coisa: estava começando a cogitar que estava se rendendo, mas só um pouco, por causa da carência. Era a primeira vez em muito tempo que ficava sem contato físico mais intensos, e pensar nisso tirava um pouco seu foco das coisas. E por isso, estava pensando em se deixar ir por essa coisa que estava começando a sentir pelo deus para poder testar-se e acabar de vez com essa dúvida em seu peito.

•

Quando chegou no outro cômodo onde estava a fogueira, viu Ares assando mais serpentes, e na outra extremidade estava Kýrios, abraçando suas próprias pernas, olhando na direção do fogo, mas seus olhos tinham um vazio, um semblante perdido em seus próprios pensamentos.

Tão perdido que só percebeu o rapaz chegar quando seu pai lhe jogou uma pequena brasa em seu pé, queimando e o assustando.

— Já jantaram sem mim? Me desculpem por me demorar…

— Não se desculpe, Payne. — disse Ares — Eu podia esperar a noite toda. Não tenho nada o que fazer mesmo. Pegue uma, esta aqui já está bem assada. — e se levantou para o servir, lhe dando um galho com uma serpente toda enrolada e amarrada nas pontas junto a haste.

Kýrios arqueou uma sobrancelha, pois sabia que seu pai podia ser qualquer coisa, menos simpático, gentil ou prestativo.

Principalmente altruísta.

— Obrigado, senhor… Lorde Ares. — disse James, pegando o galho um tanto sem jeito, já que estava diante de mais uma divindade. O próprio deus da guerra!

— Vamos deixar as formalidades para meu senhor meu pai. Pode me chamar só de Ares. Já que somos família agora.

— Pai! Por deuses, será que pode parar com isso? Vai deixá-lo envergonhado! — protestou Kýrios.

— Você está ficando envergonhado, Payne?

— Hm, não. Nenhum um pouco, Ares. — disse James, desviando seu olhar para a serpente assada.

— Viu só? É um rapaz de fibra. Você tem muita sorte, meu querido filho.

Kýrios cobriu o rosto com as mãos.

— Então quer dizer que vocês conseguiram encontrar mais uma pista?

Kýrios e James se entreolharam por um segundo, se esquecendo de seus respectivos dilemas e problemas, e num diálogo silencioso decidiam se poderiam ou não confiar naquele deus.

Ares notou isso, e sorriu achando graça por dois motivos.

— Não sou Atena para fazer jogos sujos, apesar de gostar de ver um. Minha preferência é para avanços diretos, sangue contra sangue. Então, qual é o próximo passo?

— Nós… Não sabemos. — disse James, recebendo um semicerrar de olhos do deus da guerra.

— Ele fala a verdade, pai. Nós não sabemos enquanto ele não abrir o pergaminho e ler os dizeres. E ele tem que descobrir o que significa, desvendar o enigma, e depois, sacrificar um pouco de seu sangue junto a minha flecha para poder indicar o caminho.

— Aquela vadia… Porque tanta dificuldade? Sabia que um dia ela iria fazê-lo sofrer desse jeito! Não duvido nada que isso tudo seja algum tipo de vingança por causa daquelas três tarefas idiotas que sua mãe a incumbiu de fazer.

— Pai, isso não vem ao caso! — ponderou Kýrios, se empertigando incomodado — Psiquê sabe o está fazendo. E se está sendo tão difícil assim é pelo simples fato de nos proteger. Os conspiradores as vezes podem chegar na frente, assim como aconteceu em Pequim lá na Grande Muralha. Pensar que isso tudo é uma fútil vingança é o mesmo que estar acusando-a de ser um monstro. Ou você, pai, acha que ela teria coragem de deixar que matassem o próprio filho?

— Hera jogou o próprio filho num penhasco só porque ele nasceu muito feio. O que em parte não julgo, pois faria o mesmo com você. Então, não duvido nada. — Rebateu Ares.

— … — esboçou Kýrios.

James também ficou em silencio, decidindo ficar um pouco de fora daquela conversa em família.

E continuando, por não aceitar e aguentar calado este pequeno desaforo, Kýrios continuou:

— Psiquê não é assim! Ela foi humana. Sua visão e valores são diferentes a de deuses!

— Você é tão ingênuo… Humanos as vezes podem ser piores que deuses! Sua crueldade é o que enche Asfódelos! — disse, num tom mais alto, indicando que não iria perder aquela batalha.

A discussão estava começando a ficar acalorada e bélica quando James levantou a mão, chamando a atenção dos dois deuses.

— Eu gostaria de fazer um adendo. — disse, e Ares lhe deu um sinal de mão para continuar — Penso que as duas partes estão erradas, mas também estão certas. Não podemos culpar e nem defender enquanto não sabermos de toda a verdade do que aconteceu com ela, em todo caso e até o momento, ela é culpada e inocente ao mesmo tempo.

Os dois deuses lhe miraram curiosos e admirados.

— Filho, se você não o levar logo para sua mansão e fazê-lo seu, eu amarro uma corrente em vocês dois para vagarem nesse deserto até que decidam se casar e me darem mais netos. — disse Ares, arrancando mais um pedaço de carne de serpente numa mordida.

— Pelos amor dos deuses! Ele não é nada meu! Não somos namorados! E nem vamos ser! Eu amo Psiquê pai! A Psiquê!

— É verdade, Ares, sou somente um instrumento que está ajudando a chegar mais perto de sua amada. — Confirmou James, se sentindo um pouco incomodo ao falar isso — Mas posso dizer que somos amigos agora, pelas coisas que já passamos nessas viagens.

— Estou vendo que está se comunicando bem para quem teve algo arrancado de seu corpo… Está sentindo ainda alguma dor nas costas, Payne? — Ares perguntou.

— Hm, não. Estou me sentindo muito bem, obrigado por perguntar. — respondeu James sem pensar.

— Ah que bom… Era só isso que gostaria de saber. Tenham uma boa noite. Divirtam-se. — disse o deus da guerra, se levantando e jogando a serpente que comia para dentro da fogueira, para logo em seguida sair por uma escotilha que fez surgir numa parede que quase caía literalmente aos pedaços — Tenho que voltar pro Olimpo, e quem sabe, contactar com seus outros amiguinhos. — E saiu, fechando-a e fazendo a escotilha em seguida desaparecer.

Um longo silencio se instalou, e tanto Kýrios quanto James se entreolharam.

O deus balançou a cabeça em negativa, e só então que James entendeu o que tinha se passado ali tão de repentinamente.

— Merda. — Xingou.

— É. Concordo com você, James.

Por conta do calor do momento e a eminente e tensa briga que parecia que iria surgir e que não iria parar se não intervisse, James respondeu muito focado em resolver toda aquela confusão, então ficou surpreso com a pergunta tão aleatória no meio daquela discussão, e não teve tempo de raciocinar qual era a intenção maliciosa de Ares naquela simples e inocente pergunta ao seu estado.

— Acho que perdi a fome… — disse James, pousando a serpente assada em seu colo, envergonhado demais — Droga, agora seu pai pensa mesmo que nós dois… que estamos…

— É. Você deixou ele bastante feliz. — disse, emburrado.

— Eu tenho que desfazer esse engano.

— Deixa pra lá. Você só vai perder a paciência com meu pai se continuar falando dela.

— Pelo menos vou estar falando a verdade!

— James, acho que já percebeu que ele odeia Psiquê. Eu realmente não consigo entender a cisma que ele e mamãe tem contra ela.

— Sim, percebi. E percebi também que seu pai parece não se importar de sermos…

— Dois homens? — Kýrios suspirou cansado — James, essa coisa toda só existe em seu mundo. E a propósito, meu pai ficaria feliz até se eu dissesse que estou me casando com uma árvore. Não sendo a Psiquê tudo está valendo para ele e mamãe.

— Complicado… Sinto muito, eu acho.

— Sim. Muito complicado. Mas o que importa é nós dois sabermos que não há nada entre nós acontecendo. Certo?

— Certo. — James respondeu sem hesitar, fungando cansado e olhando para fogueira — Ok, acho que vou continuar comendo essa… cobra.

— Sabia que alguém concordaria comigo sobre este réptil. Um brinde ao nosso bem resolvido relacionamento amistoso e que essas coisas são simples cobras. — Kýrios ergueu seu galho com o réptil assado, James também fez o mesmo, e ambos brindaram como se tivessem tilintando suas taças.

De repente James se deu conta do algo que estava queimando na fogueira.

— Isso são… ossos humanos?

— Sim, ossos daquela sua… asa. Ele disse que pra alguma coisa serviria, mas saiba que eu fui totalmente contra. Mas acho que já deu pra ver como meu pai é.

— Oh… Tudo bem. — disse olhando mais fixamente para a fogueira, tendo o pensamento estranho de que… em termos técnicos, era ele quem estava queimando ali, e servindo de lenha para o que estavam comendo.

Dando de ombros, era até compreensível, já que não havia uma árvore boa sequer para lenha por ali além de pedras e areia. James então se voltou para sua cobra assada, já que pensar demais sobre aquilo não daria em nada.

E voltaram a comer.

•

Ares não voltou nem quando a fogueira já tinha feito sua missão de iluminar e aquecer aquela ruína desértica, o que restou para James e Kýrios foi ter que se contentar com a luz da lua que hora e outra era coberta pelas nuvens, deixando tudo momentânea num breu um pouco fresco e seco.

— Você já viu uma estrela de perto? — perguntou James de repente.

— Já. E são realmente lindas. Hélio quem me mostrou. Uma vez ele me mostrou algumas de sua coleção. E quando está entediado, ele as explode. É um verdadeiro espetáculo!

— Hm… Espero que ele não se entedie de nosso Sol.

— Não, não. Isso nunca irá acontecer, Apollo gosta demais dessa estrela. Já que foi o seu primeiro troféu e trabalho como um deus.

— Então isso significa que só temos um sol porque um deus é nostálgico com suas coisas?

— Ah, mas tem que lembrar que há uma organização por trás. Lembre-se, por mais que tenhamos funções sobre determinadas coisas, ainda sim elas são compartilhadas e zeladas. Imagina só se Rá ou Sigel descobrissem que Hélio quer explodir o trabalho deles?

— É, seria uma confusão imensa…

— Não imagina o quanto. — disse Kýrios, se virando e deitando-se de lado ali naquela “cama” de suas próprias penas — James, posso te perguntar uma coisa? Não é algo importante, é só… que não quero ficar em silencio por agora.

— Pode. Mas depende.

— Ok… O que seria algo que “pode, mas depende”… Ah! Essa é boa: Qual a sua cor favorita?

— Lilás, mas indo para um tom mais índigo e azul.

— Algo interessante sobre isso?

James ficou por algum tempo pensando se respondia ou não, mas no fim decidiu que sim. O que poderia lhe causar?

— Vamos dizer que… minha primeira paixão gostava dessa cor. Quer dizer, sempre que se vestia com essas cores parecia ficar mais radiante. Ou… talvez fossem meus olhos apaixonados me fazendo ver que gostava. E você?

— Gosto de todas as cores. Principalmente quando há todas juntas num mesmo lugar. Mas Psiquê não gostava. Acho que porquê… Bom, creio eu que ela tinha ciúmes. Já que isso a fazia lembrar do arco íris. E consequentemente…

— Entendi. A deusa Iris.  — Completou, e o deus assentiu — Agora minha vez. Kýrios, você… Como posso dizer… é o deus do amor. E com certeza, para este trabalho, tinha que ter bastante experiência com isso. Então…

— Nunca tive ninguém antes e nem depois dela. Psiquê foi minha primeira e única, em tudo. — disse, desviando o olhar, mas voltando a sua atenção ao rapaz — E eu… — o deus suspirou e deu um sorriso — Eu era muito tímido por causa disso. Vou te contar um segredo… — chegou mais perto, como se não quisesse que ninguém o escutasse — Na nossa primeira vez eu apaguei todas as luzes. Estava nervoso, e não queria que ela me visse daquele jeito. Ela era a mulher mais linda desse mundo. E pensei que se ela me visse assim, poderia me rejeitar por eu não estar à sua altura.

James riu, não acreditando naquela confissão.

— É verdade! Não ria.

— Me desculpe, é que é difícil acreditar nisso vindo de um deus como você. — disse, limpando os olhos das lágrimas de riso.

— Como assim de um deus como eu? Está querendo dizer que deuses não tem suas inseguranças?

— Até o momento em que te conheci, eu pensava que vocês eram estritamente perfeitos.

— Pois é, não somos… Mas vocês humanos são.

— Em que argumento se baseia isso?

— Vocês fazem o que humanos foram feitos pra fazer: viver sua humanidade em toda sua plenitude e complexidade. Nós deuses tentamos a toda hora fazer e cumprir nossas plenitudes de deuses, mas falhamos bem no momento quando percebemos que sentimos. Esperam que não erremos, e lá vai nós todos errando. Causando dor e estrago para quem estiver no nosso raio e campo de visão… — o semblante que estava quase se animando murchou novamente, e James soube o porquê.

— Sinto muito, muito mesmo pelo seu filho, Kýrios. Posso estar dizendo uma besteira por conta de nunca ter sentindo essa coisa de paternidade, mas acho que você deveria usar essa tristeza, essa dor da perda, para se tornar mais forte. Para seguir em frente. E assim, honrá-lo. Tenho certeza de que Psiquê, mesmo com essa crueldade toda, gostaria de vê-lo se erguer.

— E você, o que você quer de mim?

James virou sua cabeça, olhando fixamente nos orbes multicoloridos do deus.

— Quero que, apesar tudo, continue sorrindo. Pois assim nenhum de seus inimigos verá sua fraqueza, e também irá iluminar e inspirar quem estiver ao seu redor. Mas também quero que chore, que se deixe sentir tudo o que a situação do momento está lhe proporcionando, acho que isso é o que humanos fazem, mas acho que se deuses também pensassem em fazer mais isso, talvez não errariam tanto. E digo, não é porque você é um deus, mas vejo aquele brilho muito bom em você. E é isso que quero. Que não perca aquele brilho daquele exibicionista barato e galanteador que conheci naquele meu aniversário.

Kýrios ficou olhando para seus olhos fixamente, e James pôde ver suas pupilas se dilatarem, acompanhado de uma leve mudança na respiração, que havia ficado um pouco acelerada.

— Uau… Então está confessando para mim que gostou de minha performance de entrada triunfal que planejei para lhe encontrar?

— E-eu não disse isso. — disse, tentando disfarçar essa quase declarada confissão — Eu realmente não gostei. Chamativo demais. Mas, no fundo, vendo agora… Prefiro que seja aquele idiota exibido do que um pombo abatido por um estilingue.

— Ah, James, porque não lhe conheci antes? Seriamos tão bons juntos.

— Juntos?

— É. Como… — o deus desviou o olhar para as penas, e ficou remexendo aleatoriamente em uma que estava completamente solta entre ele e o rapaz — amigos.

— Hm, ah sim, amigos. — disse, outra vez tentando disfarçar seu comportamento de altos e baixos naquela conversa.

— James.

— Sim?

— Você ficou triste com algo. Eu senti isso… O que foi?

— Não é nada, é que… Acho que acabei de perder algo.

— Perder? Perdeu o que?

— Nada importante. Coisa minha. Coisa de… humanos.

— E isso é bom?

— Depende. E em minha análise, é bom, mas também muito mal.

— Sério? Agora fiquei curioso. — Se aproximou, como se assim fosse convencer o outro de que seria seu cúmplice naquela confidencia.

Mas como o deus seria cúmplice, se… ele era o próprio segredo?

— Não posso contar.

— Não seja mal! Vai, me conta! Odeio quando alguém me diz que tem um segredo, mas não pode contar!

— Não seja tão bisbilhoteiro. Seja paciente, uma hora você vai saber.

— Entre na fila. Já tenho um monte de coisas que quero saber! Mas para você aqui e agora posso dar uma preferência especial. Vamos James, me conte! — suplicou.

— Não. — Se virou, deitando-se de lado, ficando frente a frente com o deus.

— James, você sabe que posso fazê-lo contar com meus métodos, não sabe?

— E você sabe a força de meu punho, não sabe?

— Não me importo. Se eu tiver que levar alguns tapas para conseguir me satisfazer, eu aceito, e faço. — disse aproximando mais o corpo, ficando mais próximo do rapaz — Então, vai continuar se negando?

James se levantou com cuidado, se sentando e inclinando-se um pouco para frente, já que o efeito da serotonina que o deus tinha dado estava com seu efeito passando, e suas costas começaram a doer um pouco.

— Eu vou. — disse, em desafio.

— Ah, James, cometeu um grande erro. — O deus arqueou uma sobrancelha com um ar arteiro.

No segundo seguinte, num movimento muito rápido, puxou o corpo do rapaz para cima de seu corpo, fazendo-o ficar montado em seu quadril.

— Kýrios?!

— Se não quiser ficar aí, terá de me contar! — disse, com um sorriso de canto, e prendendo a cintura do rapaz com as mãos, já que tinha mais força que o moreno.

James sentiu novamente borboletas perambulando em seu abdômen, parecia um enxame brincando com suas entranhas, principalmente quando sentia o tal massivo volume encostando em seu traseiro.

— Eu juro, Kýrios, que se não me soltar arrancarei seus cabelos!

— Cabelos crescem de novo, então fique à vontade.

James sentia uma mistura de excitação, irritabilidade, um pouco de entusiasmo estranho e uma espécie de desafio a ser batido, era uma mistura perigosa, principalmente quando isso se juntava ao seu coração acelerado e sua garganta seca parecendo lhe avisar que estava com sede de algo.

— Você quem pediu. — disse.

E assim afundou uma mão por entre os fios do loiro enquanto que a outra se apoiava no ninho de penas para estabilizar e pegar impulso na hora de puxar algumas mexas.

E foi nesse momento, que uma escotilha foi aberta e quatro pessoas saíram dela, ficando frente aos dois.

— Mas que momento oportuno! Bom, acabou a diversão garotos, está na hora de montar os seus planos de combate! Reunião agora! — disse Ares, olhando risonho para James e Kýrios, que pareciam duas estatuas de mármore.

Tânatos, Panoptes e Li-Hua os olhavam de diferentes formas, respectivamente: o pálido deus fechou os olhos, abaixando a cabeça e a balançou um pouco em negativa, o gigante estava com uma sobrancelha arqueada e um sorrisinho malicioso de canto enquanto tinha os braços cruzados, e a moça, tinha os olhos arregalados, curiosos, e suas maçãs do rosto estavam totalmente coradas enquanto cobria boca as mãos.

O deus e o rapaz logo desfizeram sua posição. Kýrios levantou rapidamente, já James, por estar com as pernas um pouco bambas pelos iniciais sentimentos críticos de sua virilha, tropeçou, caindo de joelhos sobre as penas, e para tentar salvar um pouco de sua dignidade, o loiro o ajudou a levantar-se.

— Espero vocês lá na fogueira. Alguém quer serpentes assadas? Você, mocinha de olhos puxados, deve estar com fome. Ou prefere ratazanas? — perguntou, mas não esperando resposta, saindo para o outro cômodo.

— Olá, pessoal. — disse Kýrios, tentando soar como se nada estivesse acontecendo.

— Vocês dois… Nos desculpem por… — Tânatos foi o primeiro a se pronunciar, mas James se adiantou lhe interrompendo.

— N-não é nada disso que estão pensando! Eu… Ele… Nós estávamos… Kýrios estava tentando me ajudar a caminhar, ainda estou muito fraco, e acabei caindo em cima dele!

— Foi exatamente isso! Vocês têm que ver o que meu pai fez nas costas dele. Pobre James, ficará com uma cicatriz horrível de cauterização. — Continuou Kýrios, completando a mentira do rapaz.

— Sim, claro, sei… Caminhar nessas condições é difícil mesmo… — disse Panoptes, semicerrando os olhos muito desconfiado — Que bom que vocês estão bem. Ok… Estou com fome. Vocês já comeram algo? — perguntou, e James agradeceu mentalmente pelo gigante estar ajudando a sair daquela situação.

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Capítulo 28
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Missão Ágape

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O Olimpo está em crise, e tudo porque de repente uma profecia disse que um deus iria dizimar o seu sistema e tudo que eles lutaram para conquistar e poderem estar no poder até hoje.

E é...

Chapters

  • Capítulo 47 Proemial
  • Capítulo 46 Alto Mar
  • Capítulo 45 Anelos
  • Capítulo 44 Verdades da Alma
  • Capítulo 43 Premências Difíceis
  • Capítulo 42 Enraizados
  • Capítulo 41 Chaves Sinceras
  • Capítulo 40 Presença
  • Capítulo 39 Luz Misteriosa
  • Capítulo 38 Possibilidades
  • Capítulo 37 Espólios
  • Capítulo 36 Fogo
  • Capítulo 35 Visitas Indesejadas
  • Capítulo 34 Penalidades
  • Capítulo 33 Mais, ou Menos
  • Capítulo 32 Temerário
  • Capítulo 31 Serviços Extras
  • Capítulo 30 Zelus
  • Capítulo 29 Magnetismo
  • Capítulo 28 Despertando
  • Capítulo 27 Sem Céu para Inocentes
  • Capítulo 26 Entre Mortais
  • Capítulo 25 Nuances
  • Capítulo 24 Céu de Luzes
  • Capítulo 23 Sobreposição (parte 2)
  • Capítulo 22 Sobreposição (parte 1)
  • Capítulo 21 Café Quente
  • Capítulo 20 Conselhos
  • Capítulo 19 Muros em Chamas (parte 3)
  • Capítulo 18 Muros em Chamas (parte 2)
  • Capítulo 17 Muros em Chamas (parte 1)
  • Capítulo 16 Cem Olhos
  • Capítulo 15 Nobre Amizade
  • Capítulo 14 Impulsos
  • Capítulo 13 Abaixo da Superfície
  • Capítulo 12 Fim de Festa
  • Capítulo 11 Fagulhas
  • Capítulo 10 Noite de Cores
  • Capítulo 9 Sopa de Ossos
  • Capítulo 8 Saindo do Ninho
  • Capítulo 7 Dádivas
  • Capítulo 6 Reunião Cancelada
  • Capítulo 5 Sonhos?
  • Capítulo 4 Empecilhos
  • Capítulo 3 Efúgio
  • Capítulo 2 Bençãos á Vista
  • Capítulo 1 Sem Opção
  • Capítulo 0 Prólogo dos Contratempos do Amor

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