Capítulo 29
Mais secreto que aquele lugar somente um salão de tortura nos recantos mais profundos no Tártaro. E Ares parecia gostar de ter uma “quadrilha” de foras da lei ali em seu pequeno mundo que criou para passar o tempo sozinho, era o seu paraíso particular, que ninguém além de Afrodite sabia. E agora, mais cinco sabiam.
— Bando de amadores! Isso é o que vocês são! Se eu soubesse que um filho meu foi morto eu mandaria, ou melhor, eu mesmo iria na linha de frente capturar o que mais importa do meu inimigo, iria torturá-lo até que perdesse o brilho de viver, depois, iria matá-lo bem na frente do meu inimigo para sentir o gosto amargo e doloroso de minha vingança. E por fim, eu queimaria todo seu lar, e olharia de camarote todo seu legado ser consumido pelas chamas enquanto uso os ossos de seus familiares como cadeira de praia. E das cinzas, usaria como pavimento para a calçada do jardim de meu palácio no Olimpo. E aliás, anotem aí, esse meu invento da cadeira um dia vai ser sucesso no mundo todo. — disse, com peito estufado e orgulhoso de suas “ideias”.
Todos ficaram olhando em silencio para o deus da guerra, que exibia um olhar de orbes vermelhas, e uma estrutura que era oposto de seu filho: Pele morena escura, cabelos de cor de azeitonas pretas e um ar sanguinário, que parecia esperar qualquer movimento brusco de qualquer um dali para tirar sua adaga da cintura e cortar a jugular de quem fosse o primeiro a desafiá-lo com a audácia de um duelo.
— Achei muito interessante a tal cadeira de praia. — comentou James, cortando aquele silêncio que se instalou. Ares ergueu muito contente a sua taça de metal em cumprimento.
Já Kýrios… parecia que queria se esconder em qualquer buraco…
— Lorde Ares — começou Tânatos — Antes de iniciarmos a nossa conversa sobre qual será nosso próximo passo, gostaríamos de saber sobre Zeus. Sobre o que ele vem fazendo, eu venho pensando em algumas coisas… Mas gostaria de confirmá-las e compará-las com suas informações.
— Sim. Zeus vem planejando muitas coisas… principalmente em relação aos filhos dos deuses menores. Ele tem andado muito paranoico, até com os próprios filhos. Dionísio está desaparecido desde quando… aquela kolotripida o ajudou a escapar do Olimpo. Eu mesmo já o cacei pelos quatro ventos, mas não há nenhum sinal daquele bêbado e nem tenho pistas do que ele anda aprontando, a única coisa que eu soube, e isso foi a dez anos, era que ele tinha fugido para o domínio do extremo ocidente. Nada mais.
Kýrios ficou com os lábios em uma linha fina, seus olhos semicerrados e sua postura tudo indicava um alto nível de aborrecimento. James não havia entendido o que Ares havia dito sobre Psiquê, mas dadas as reações do loiro, com certeza não era algo bom.
O relato do deus da guerra também lembrou James de algo muito parecido a uma história de seu domínio, quando um rei egípcio mandou sacrificar vários primogênitos. Então… será que seria isso que estava prestes a acontecer com os demais filhos dos deuses gregos? Assim como aconteceu com o filho de Kýrios?
James torcia que não. Ou então isso complicaria mais as coisas, pois com certeza Zeus estaria usando da chantagem sobre seus pais para mantê-los vivos enquanto jurassem e obedecessem às suas loucuras.
— Eu estou já apostando que um dia, ele vai se voltar contra mim. — disse Ares — E por essa razão, quero contar com o auxílio de vocês.
Todos se entreolharam.
— Sim pai, é claro que pode contar com a nossa ajuda. Estamos com uma dívida a lhe pagar, mas, mais que isso, estamos com um objetivo em comum. Assim espero que se siga até o fim. — disse Kýrios, muito sério.
— Bom saber, filho. Então isso significa que posso lhes dar isso. — disse Ares, tirando um pergaminho de dentro de sua armadura — Sabem o que é isso?
Tânatos franziu o cenho.
— Onde conseguiu? — perguntou o deus.
— Vamos dizer que Megera já estava a um tempo sendo uma espiã de Zeus. E eu, o braço direito de meu pai… Ha ha, eles estão tão cegos em suas loucuras que nem imaginam que estou contra seus ideais insanos. Ser um duas caras tem suas vantagens.
James arqueou uma sobrancelha, mas gastar energia com desconfianças era inútil. Ares era o único meio, questionável, por hora, que poderiam baixar a guarda e… confiar. Não era uma escolha boa, mas era algo que podiam ter a chance de trabalhar para as coisas andarem um pouco.
— Tân, o que é isso? — perguntou Kýrios.
— É um pergaminho-mapa, onde está localizado cada criatura monstruosa de nosso domínio. Não dá para saber exatamente qual, mas declara seu nível de perigosidade.
— Exatamente. E é assim que Zeus está reunindo os mais fortes e lançando-os como cães em seus encalços. Estão espalhados pelo mundo todo, vocês tiveram sorte de não ter os encontrado ainda. Todos estão ávidos para conseguir a chance de se manterem vivos e com várias regalias que Zeus lhes prometeu. — Contou Ares.
— Pai, isso é… muito mais do que estamos precisando… Eu realmente não sabia que…
— Não pense que estou ajudando você. — Interrompeu Ares — Estou fazendo isso por ele. — Olhou para James, que se surpreendeu.
— Eu?
— Sim. Um bom guerreiro sempre precisa de ajuda divina, e eu posso lhe conceder essa benção. Viu só como sou um bom sogro?
— Por deuses, pai! — empertigou-se o deus do amor.
— Se você não toma atitude, eu tomarei por você! Já passou da hora de seguir em frente. Aceite logo que aquela kolotripida te deu um chute na bunda! Séculos de sinais se preparando pra tal ação. Só você não percebeu isso ainda!
— Já chega! Não vou permitir que fale mais assim dela! Mais uma falta de respeito, e eu tomarei medidas drásticas! — se levantou, pisando duro.
— Sério? — Ares também se levantou, como um lobo prestes a atacar — E como vai fazer isso? Atirar em mim aquelas flechinhas de amor? Vai me bater com aquele livro idiota de várias posições de como foder alguém que você e ela fizeram naquele domínio de merda de monges meditadores e toda sua idiotice de “Namastê” e gratidão? — disse Ares, e o lugar todo tremeu um pouco pela sua menção ao outro domínio.
Ares e Kýrios estavam prestes a elevar o nível da discussão para algo mais tátil, mas James logo se colocou no meio dos dois.
— Por favor! Lembrem-se da missão! A missão! Temos que pensar! Temos que descansar e nos preparar para o que está aí afora! Eu preciso também me recuperar! — disse James.
Ares recuou, e voltou a se sentar, arrancando a pele de um roedor que trouxe consigo quando foi buscar o restante do grupo, o preparando para a janta mais tarde.
Já Kýrios ainda se mantinha de pé, seus punhos fechados tremiam, querendo ainda acertar as contas com o seu pai.
— Kýrios, olhe pra mim. — pediu James, que logo teve seu pedido acatado — Podemos nos concentrar nessa reunião de estratégia?
— Podemos, James. — disse, voltando a se sentar, mas virando-se de costas para seu pai, que bufou em deboche para aquele gesto do filho.
— Tapete tapado. — Murmurou Ares, fazendo uma veia na testa do loiro ficar saliente, mas James logo interviu, e pôs uma mão em seu ombro para lhe acalmar.
Mas logo a tirando por sentir uma quentura da pele do deus, uma quentura que formigou sob sua palma, e que o fez sentir um borbulhar delicioso em seu abdômen…
Assim que as coisas amenizaram um pouco, James pôs uma mão na própria testa, respirou fundo e também voltou a se sentar entre os dois deuses. Era tão irônico aquilo… Estava literalmente entre o amor e o ódio, e literalmente estava achando muito complicado de se equilibrar aquilo.
Quando olhou para frente, viu Tânatos com uma sobrancelha erguida, Panoptes tinha um semblante risonho, e Li-Hua o olhava assustada, sua mão esquerda apoiada em cima da bainha que guardava o seu punhal, parecia esperar alguma ordem de seu shifu.
— Ok… Certo… Voltando ao plano… — começou James, respirando fundo — Ares, quero muito agradecer por essa bênção, de verdade. Toda ajuda é bem-vinda. — disse, recebendo do deus um aceno de mão sujo com o sangue do roedor — Tânatos, você pode ficar com o pergaminho? Pois acho que já tenho uma função muito trabalhosa aqui, além do mais, é o melhor para analisar esse mapa. — disse, recebendo o pergaminho de Ares e em seguida dando à Tanatos, que assentiu em cumprimento.
— É agora que vem a segunda parte? — perguntou Panoptes à James, que fez que sim e se voltou para o loiro, que sem ao menos ele abrir a boca, lhe deu aquela pequena flecha prateada que parecia um pingente, mas na verdade era uma chave que funcionava como guia para encontrar Pistas de Parcas como ele e também um ponteiro para indicar os próximos passos.
— Kýrios, eu não posso fazer isso sozinho.
— E eu não posso olhar para ele, não agora. — disse o deus cruzando os braços como um menino birrento.
James fechou os olhos, e meditou por um segundo.
— Ok, pela paz mundial… — disse baixo para si mesmo, se levantou, e depois se ajoelhou de frente para ficar na mesma altura do loiro, e ofereceu a pequena flecha de prata e a sua mão esquerda.
O deus pegou a mão do rapaz e pousou na sua, e com um corte rápido, o sangue logo encheu o côncavo da palma, que James deixou derramar no chão de areia entre eles.
As gotas começaram a se mexer sozinhas, se juntando, se separando, até formarem um desenho que se misturou com a areia agora molhada pelo seu sangue.
— Uma… montanha! — disse Li-Hua, sendo a primeira a ver e associar a forma que tomou o desenho.
— Sim, uma montanha! Acertou em cheio Li-Hua. — disse James, dando um sorriso simpático de aprovação para a mesma, e deixando Ares com uma cara emburrada para a garota — Agora vem o terceiro passo, saber qual região ou cidade.
James pegou de seu bolso aquele cristal, que assim que deixou seu bolso fez uma caixinha aparecer e flutuar por ainda estar ligada a aquele encanto que Erictônio havia feito.
— Alguém de vocês sabem como desfazer isso? — perguntou.
— Aqui, use. — disse Tânatos, erguendo as duas mãos para frente e invocando um objeto longo sobre suas duas palmas.
— A lança! Eu… pensei que havia perdido lá no submundo. — disse, fazendo o deus do amor se encolher um pouco por se lembrar daquele ocorrido.
— Eu a resgatei assim que Kýrios entrou em descontrole… e por falar nisso, temos que discutir agora sobre uma outra coisa, mas vou deixar que termine o ritual. — Tânatos entregou a lança para o rapaz, que ficou intrigado para saber qual era o outro tópico que o deus da morte queria tratar.
James lembrou que a alma do filho de Atena e Hefesto estava ali, e consequentemente, sua alma e seus poderes estariam à mercê daquela arma mágica que absorvia tudo. Era estranho que a haste toda assim como a ponta haviam voltado ao normal. Não era mais enferrujada e também não tinha mais a pequena maça cheia de espinhos naquela extremidade. O bronze, a prata e o ouro estavam presentes e em harmonia pela haste da lança de novo.
— Então sua arma mãe também é uma lança? — Ares sorriu contente — Mais sinal do destino de que você é a pessoa certa não há!0 Que feliz coincidência. Temos que brindar a isso depois!
Kýrios que só ouvia calado e ficando mais emburrado toda vez que seu pai jogava-lhe uma indireta. E James tentava não levar a sério aquela tentativa do deus em jogar seu filho pra cima dele, havia coisas mais importantes para se importar.
— Vamos agora saber qual é nosso outro ponto de ida. Estejam atentos para as interpretações, qualquer coisa pode ajudar a pensar como uma pista. — disse, tentando desfazer aquele clima tenso naquela roda, mas era difícil quando se tinha uma energia constante e hostil vindo da divindade do deus da guerra.
O cristal foi posto no chão à sua frente, e apontando a ponta da lança forçando até que se quebrasse, a caixinha flutuante caiu perto da fogueira, e logo foi pega para que não virasse cinzas, mas também por muito curioso pra saber para onde seria a próxima viagem.
Quando pegou o pequeno bilhete que havia dentro, começou a ler:
“Na primavera florescem/
Façam suas oferendas/
E todos seus bons desejos,
serão realizados com festejos/
Na manhã seguinte,/
quando olho pro sol.”
Assim que terminou todos ficaram lhe encarando, esperando por mais.
— Acabou? — perguntou o gigante.
— Parece que sim. — respondeu James, verificando no verso do bilhete para ver se havia algo mais. Até no interior da caixinha foi ver. Mas só era aquilo mesmo — Ok, vamos todos agora pensar. Pelo menos temos algo em que se basear: o desenho da montanha. E em segundo, a lança com o imã. Ela vai nos ajudar aonde está exatamente a próxima pista, isso claro assim que definirmos mais ou menos o local.
— Lembrando que o imã que está na lança não é tão potente, seria se fosse absorvida toda aquela pedra maciça que aquele deus dragão tinha lhe dado, então, o exato local é por nossa conta agora. — disse Tânatos.
James murchou um pouco, e então olhou para Ares, mas claro, não ia pedir mais alguma coisa, não queria abusar da boa vontade dele.
Mas foi mais forte que sua timidez para isso.
— Senhor Ares, quer dizer, Ares, será que você não teria…
— É claro que tenho. Vou fazer uma visitinha ao meu irmão querido e feioso. Só um momento. — disse Ares, se levantando e abrindo uma escotilha e saindo pela mesma.
Todos olharam para James, menos Kýrios, que murmurou algo em grego que James não conseguiu entender muito, parecia ser algo mais antigo do que ele sabia.
— O que foi? — perguntou o rapaz, mas somente o gigante se pronunciou.
— Eu faria o mesmo. Ninguém é vencedor desperdiçando oportunidades. Cada vez mais me surpreendo e cada vez mais gosto de você. — disse Panoptes, virando a garrafa de vinho e bebendo um longo gole como forma de parabenizar e cumprimentar o rapaz pelo feito.
James olhou então para Tânatos, e o mesmo deu de ombros de forma melancólica, mas parece ter também aprovado aquela atitude. E Li-Hua, o olhava como uma criança hipnotizada por algo novo sendo descoberto, processando, dava muito bem para ver isso em suas expressões concentradas naquela “lição” de seu shifu.
— Pra mim já chega. Vou acabar vomitando se eu continuar aqui. — disse Kýrios, se levantando, fazendo aparecer suas asas em uma brisa arenosa e dourada, tensionando-as, mesmo que estivessem meio depenadas e machucadas, mas as movendo para mais perto de suas costas e saiu andando a passos duros para o outro cômodo.
— Kýrios! — James lhe chamou, mas o deus lhe ignorou — Argh! Não tenho tempo para isso! — e se voltou para o bilhete, tentando botar seu raciocínio para funcionar, mas não conseguia se concentrar.
— Eu… achar que montanha é muita grande… Montanhas assim, ficar mais para leste. — comentou Li-Hua, como se quisesse timidamente tentar tirar um pouco daquele clima tenso.
Mas ninguém pareceu prestar atenção.
— Vou falar com ele. Com licença a todos. — disse Tânatos, desaparecendo no meio de uma fumaça cinzenta.
James bufou, fechando os olhos e baixando um pouco a cabeça.
— Vocês também pensam que está acontecendo algo entre mim e Kýrios, não acham?
— Não, é claro que não! Longe de nós. — disse o gigante, mas seu semblante parecia dizer o contrário — Nós só… é complicado dizer, mas de toda forma, eu apoio. — disse o gigante.
James revirou os olhos.
— Eu acreditar em mestre. Shifu ser livre. E sábio. Saber o que fazer. E… eu entender tudo. — disse Li-Hua, juntando as mãos em cumprimento.
— Que bom que pelo menos uma pessoa entende aqui. Porque… Não seria certo, não acham? Ele tem quem ama, e eu… Só sei que de toda forma é muito errado. Então, tudo que faço é pelo bem dessa busca. Estou nada mais que cumprindo meu dever. — disse James, mas não se convencendo muito da opinião dos dois companheiros de viagem.
E muito menos da sua própria…
•
Quando Ares retornou estava todo sujo de óleo e alguns arranhões pela armadura, mas fora isso estava bem fisicamente. E ainda por cima com o imã maciço dos deuses, era tão forte tanto quanto o imã que o deus Dragão Azul havia dado.
— Tenho novidades. Hades e Perséfone estão na mesma cela que Afrodite. Até segunda ordem, ficarão lá para serem executados quando conseguirem achar todos os “traidores”. — Contou Ares, seu semblante parecendo que estava dando uma boa notícia.
— Isso significa que temos que ter mais cuidado ainda. E, que o submundo é um lugar a menos para se refugiar… Merda…. — disse James, desfazendo mais um desenho na areia que estava molhada pelo vinho para que pudesse desenhar suas ideias, mas todas pareciam não encaixar, isso até o momento em que Ares lhe deu o imã.
Quando aproximou a pedra na ponta da lança, a mesma foi transformando-a em pó, sugando para dentro de sua haste o material até que não sobrasse nenhum vestígio.
A lança em seguida começou a vibrar em sua mão, gigando, era tão forte que James não conseguiu segurá-la, deixando cair no solo arenoso, e bagunçando todos os detalhes que ele, o gigante e a moça tinham trabalhado até que o deus da guerra voltasse.
E quando parou de vibrar, parou de se mover.
— Com isso o raio de alcance deve ter aumentado para uns… duzentos quilômetros? Talvez mais. Esse era o mais potente que achei. — disse Ares olhando analítico para a lança.
— Agradeço muito, Ares. Isso nos ajudará muito. Então só nos resta adivinhar para que cidade iremos. Vejamos… Li-Hua opinou que há montanhas grandes para Leste, mas há montanhas em vários lugares. Se pelo menos tivéssemos a primeira letra do nome dela. — comentou James, voltando a pensar novamente.
Ares olhou ao redor, como se sentisse falta de algo, ou melhor, de alguém. Fechou o semblante, ficando carrancudo, mas a única coisa que fez foi pegar mais uma garrafa de vinho de dentro de seu elmo que estava jogado ao seu lado na areia, se sentar perto da fogueira e começou a afiar a ponta de sua lança.
James voltou a se concentrar em seus raciocínios. Buscava lá do fundo de sua mente algo que pudesse lhe ajudar em mais esse desafio. Desde a sua infância era bom em adivinhar charadas, mas com o tempo foi ficando preguiçoso para isso, deixando as noitadas enterrarem seu raciocínio logico para dar lugar aos sentimentos de prazer e liberdade que mesmo naquela idade ele já sabia de cor como tê-los.
Estava chegando a ser tão previsível que… Por um momento, foi sentindo que as coisas começaram a ficar sem graça. E achou que se começasse a arranjar confusões daria mais vivacidade a tudo.
Mas estava enganado… Era somente momentâneo, nunca o preenchia de verdade. Aquela sensação de algo faltando nunca desaparecia.
James olhou novamente para o desenho da montanha, leu pela vigésima vez o bilhete, olhou de relance para a sua lança, rezando para que desse algum sinal para facilitar sua vida naquele momento.
Era realmente um belo desafio… Estaria aproveitando mais se não tivesse que se preocupar com Zeus planejando matar filhos de deuses e encarcerar mais inocentes e julgá-los injustamente.
E ainda tinha o fato da morte do filho de Kýrios… O deus havia deixado seu bebê no templo de Afrodite, praticamente foi enterrado embaixo de pedras. Não era uma coisa boa, já que o certo seria fazer todos os ritos fúnebres para que o bebê pudesse descansar em paz.
Pensar nisso lhe fez sentir uma agulhada na consciência, lhe distraindo com a culpa, já que o deus do amor estava fazendo o possível para se manter forte, e parecia se esforçar em manter sua vivacidade por conta daquele pedido que horas antes tinha feito à ele quando estavam a sós naquela cama de penas.
E agora, como se tivesse bloqueado suas emoções e pensado somente na estratégia de missão, esqueceu que o deus não estava bem emocionalmente.
“Acho que a busca poderia esperar um pouco… somente um pouco. O suficiente para acerta as coisas.”. Pensou, pois estava prevendo que não iria se concentrar direito tendo algo para resolver.
— Pessoal, estou ficando cansado. E vocês também… Que tal recomeçarmos amanhã?
— Pensei que não falaria isso logo. Eu já estava prestes a tacar uma pedra em sua cabeça como uma desculpa de que você caiu desmaiado por exaustão. — disse Panoptes, ganhando do rapaz um arquear de uma sobrancelha.
— Se shifu quiser trabalhar mais, eu ficar mais também e ajudar. — disse Li-Hua.
— Não, tudo bem, estão dispensados para relaxar. — disse James, pegando o bilhete, guardando na caixa e depois pagando sua lança, se pondo em pé, e em um aceno de cabeça, cumprimentou em despedida à todos — Tenham um bom descanso. E mais uma vez, Ares, agradeço muito pela ajuda.
O deus da guerra somente assentiu e voltou a afiar a sua lança.
Com todas formalidades feitas, se retirou, indo para um outro cômodo daquela ruína.
•
Quando foi para o cômodo onde ele e Kýrios dormiam, ele não estava lá. E isso o preocupou ainda mais.
“Será que ele consegue sair desse esconderijo assim com facilidade? Será que tem acesso livre para sair e entrar por ser filho de Ares?”. Perguntou-se.
Como aquelas ruínas tinham mais outros espaços vazios, decidiu se aventurar em procurar o loiro, podia ser que estivesse zangado com ele por ter se comportado daquela maneira lá com seu pai, alimentando aquelas investidas dele para ficar com o loiro. Mas era preciso. Alguém tinha que fazer o “trabalho sujo”.
O corredor nem era mesmo um corredor, já que não havia teto, e nem uma parede lá no final. Estava mais para um fenda entre dois prédios tombados um pouco para trás. Mas havia uma escada de pedras que dava para o segundo andar do “castelo” à direita.
A areia ajudava muito seus passos a serem silenciosos, então, poderia surpreender o deus com sua presença repentina.
— … agora que chegamos nesse ponto… temos que conversar sobre o que você disse lá no submundo.
Era Tânatos quem falava, disso James tinha certeza. O tom melancólico e vagaroso eram bem característicos.
Muito curioso para saber o que conversavam, se inclinou um pouco em uma parede, dando agora passos bem silenciosos mais do que já estavam, e se ajeitou para poder ouvir melhor ali atrás da parede, já que não tinha porta para fazer isso.
— Eu realmente não sei do que você está falando, Tân.
— Sim, eu sei. Por isso vou repeti-lo para você: “Do caos tudo veio, e pro caos tudo retornará.”
Kýrios ficou por um tempo calado, a atmosfera que James sentiu foi de que o deus pareceu ter se chocado com a informação do amigo.
— Tânatos… Isso é algum tipo de brincadeira, não? — perguntou, com tom apreensivo, e o outro deus nada disse — Por deuses…
— Isso com certeza foi uma mensagem bem clara. Como falei na reunião, eu venho pensando em muitas coisas. E toda informação possível é algo que pode ajudar. E quando Ares disse que Zeus está planejando praticamente fazer um genocídio de todos os herdeiros dos deuses… Kýrios, isso é o mesmo que fazer-nos entrar em extinção. E o que você disse quando estava em transe de ira foi explicitamente uma mensagem dele, do Caos.
— Não diga o nome dele, me dá arrepios. Aliás, porque eu seria seu porta voz?
— Kýrios, você deve saber que todos nós deuses, temos nossas funções e deveres. Temos também nossas essências naturais. E quando tentamos sair disso…
— A ordem se quebra. Sim. Eu sei.
— E “ele” está por todas partes, e quando há uma brecha como o que aconteceu com você no submundo… Kýrios, amigo, peço que apesar de tudo que vem passando, que não se descontrole mais daquela maneira. Não uma terceira vez.
— Sim Tân. Não o farei novamente. Mesmo se for algo que me machuque muito… — o deus deu um longo suspiro antes de continuar — Mas… meu filho… Eu o deixei no templo de minha mãe… Eu estava tão cego pelo meu ódio à Zeus que nem o enterrei descentemente… E ainda machuquei James. Deuses… eu sou o pior deus que existe! Faço tudo errado!
— Você não é o pior. E muito menos Zeus. Sabemos que há um outro realmente pior que tudo. E seguindo a indireta do “ele”, temos que ter cuidado para que Tártaro ou outros titãs, e quem sabe outras coisas desconhecidas por nós, não veja isso como uma fraqueza e tentem ou comecem a fazer avanços ou tramas. Para mim, “ele”, foi muito generoso em nos advertir disso.
— Eu não vou mais me descontrolar daquela maneira. Disso eu prometo. — disse Kýrios.
Uma longa pausa foi feita, antes da conversa começar de novo.
— E quanto ao James? Já se decidiu o que fazer?
— Eu realmente não sei, Tân. James é complicado. Ele está sendo um mistério para mim. Há algo de errado nisso tudo. Não está sendo como nós outros Pistas de Parca. Eu sinto… Não quero verbalizar isso.
— Isso não é porque sua natureza está necessitando disso? Kýrios, há tempos, décadas, que você não toca em ninguém.
— Eu sei! Mas… Depois dela e… Eu nunca mais senti nada por ninguém! Como eu ia fazer algo sem estar apto para isso? Não há como!
— Talvez ele possa te ajudar. Já que você conseguiu sentir algo por ele.
— Tân, por favor! Não quero isso pra mim!
— Kýrios. — lhe chamou em advertência.
— Tân, me ouça, como é que vou chegar nele e pedir uma coisa dessas? Aliás, para início de ponto, como se fosse fácil chegar nele e dizer “Ei, James, sabe, faz muito tempo que não me satisfaço, já me toquei milhares de vezes e isso não dá certo. Sou um deus do amor, e tenho que alimentar minha natureza, e isso está me enlouquecendo. Então o que acha de transar comigo?”.
James se engasgou com o próprio ar ao ouvir aquilo, mas antes que o ouvissem tampou sua boca e se sentou no chão, respirando fundo para se recompor.
James arregalou os olhos, seu coração começou a palpitar rápido, parecia estar à beira de um colapso nervoso.
— Ele tem inclinações para aceitar. Eu já percebi isso. — comentou Tânatos.
— Você deve estar percebendo errado. Sabia que, quando estávamos no acampamento circense, quando eu estava no corpo dele, eu tive de novo esses impulsos com ele, um fruto de coragem por eu ter bebido um pouco além da conta… E toda vez que lembro disso… está me dando nos nervos! Eu até implorei para que me deixasse tocá-lo, que dizer, me tocar, tanto faz, estávamos no mesmo corpo, então…
— E conseguiu?
— Porque acha que fomos parar às quatro da manhã naquele lago gelado? Ele praticamente se arrastou e se jogou para dentro d’água! Tudo porque odeia esse tipo de coisa. Ele realmente não tem inclinações para aceitar! E mesmo se aceitasse, isso é errado! Eu já tenho alguém, se eu me sujeitar a isso estarei traindo o meu amor!
— Você tem razão.
— Eu realmente não estou lhe entendendo, Tân. Uma hora me sugere para pedir a aquele rapaz para fazermos amor, e agora está concordando que isso é mesmo errado. O que realmente você quer dizer com tudo isso? As vezes penso que você está escondendo algo de mim.
O deus da morte ficou em silencio por breves segundos antes de continuar:
— Kýrios, eu não sou bom conselheiro amoroso. Pelo óbvio. Eu sou o fim do juramento da união entre duas almas.
— Sim, eu sei. Você foi nosso padrinho. Ainda me lembro do lindo sorriso dela quando fiz aquele trocadilho na cerimônia “Até que a morte nos separe”. — James ouviu Kýrios rir breve, e uma clara ação do outro deus ter revirado os olhos diante daquela piada sem graça.
— Voltando aquela questão…
— Não quero voltar não naquela questão, Tân. Na verdade, eu não quero pensar nisso! Eu só amo Psiquê e é ela que amarei por toda minha eternidade!
O pálido deus fungou em cansaço, sabia que seu amigo era teimoso em querer enxegar as coisas ao seu redor.
— Kýrios, eu sei que seu pai é um tanto difícil para diálogos, mas já pensou que ele possa estar certo sobre ela?
— Tânatos, você é realmente meu amigo?
— É por eu ser seu amigo que estou lhe falando isso.
Houve mais um longo silêncio.
— Meu pai só quer me provocar. Tudo por causa dessa cisma tola que ele e mamãe tem pela minha amada.
— Há um ditado no mundo dos humanos que sempre estou escutando: “Onde há fumaça, há fogo”. E na maioria das vezes, eles estão certos.
— Tân, quando se trata de meu pai e de mamãe nunca é fumaça ou fogo. Tudo não passa de egos. Tudo porque não acatei ao que eles queriam. Tudo porque teimei em quere ela ao meu lado mesmo sendo uma humana.
— Mas…
— Não há um “mas”. Há vários motivos para essa coisa com aquele rapaz não ter futuro ou fundamento. Será que só eu tenho consciência nisso tudo?
— Kýrios, eu mais do que ninguém entendo sua dor. E entendo que tudo isso está confuso agora, mas tudo vai se resolver. Porque tudo, tem um fim.
— E é isso também que me dá forças para continuar. Tudo tem um fim.
O deus da morte ficou em silêncio mais uma vez, mas agora dando aquela conversa por encerrada.
James, pôs a mão no peito, passou as mãos pelos cabelos, e se abanou para poder amenizar um calor que não queria lhe abandonar.
Sua mente brigava entre sair correndo e aparecer ali. Se fosse embora, não resolveria sua pendência, ainda mais agora sabendo que o deus não sofria somente com o luto, mas também, ainda por cima, por sua causa, já que algo de errado ele estava fazendo para provocar os impulsos biológicos no loiro.
E foi nesse exato momento, depois de se recompor, que James apareceu ali na porta.
— Até que fim encontrei vocês.
Kýrios lhe mirou rapidamente, e se virou de costas para a paisagem, o deus estava sentado na murada, seus pés sendo acariciados pelas brisas mornas do deserto.
Tânatos se virou para o rapaz, e lhe deu um olhar de aviso, dando a entender como “Cuidado com suas palavras”, e então, sumiu em sua fumaça cinzenta.
— É, certo… — James pigarreou — Kýrios, podemos conversar?
— James, você precisa descansar.
— Não vou conseguir descansar até que possamos por todos os pontos às claras.
O deus sorriu de canto.
— Creio que alguns pontos não podem ser postos às claras. Eles estão muito bem lá em sua escuridão e ignorância.
— Quero me desculpar pela minha atitude diante de seu pai. — disse logo.
— Está desculpado. Agora vá dormir.
James ficou irritado com aquela atitude indelicada, e como de costume, não ia deixar por isso mesmo, e muito menos sair por baixo.
Andando a passos duros, se sentou do mesmo jeito que o loiro estava na murada, ganhando sua atenção.
— James, o que você está fazendo?
— O mesmo que você.
— Você pode cair.
— E você se importa? Hm, acho que não.
— James, se pôr em perigo não é muito inteligente.
— O que não é muito inteligente é você tentando resolver as coisas dessa maneira. Vim aqui me desculpar, mas o que recebo?
— Não estou com cabeça para discutir isso agora. E você… — quando virou sua cabeça para olhar para o moreno, voltou rapidamente a sua posição inicial — James… É melhor você ir. Eu já te desculpei, você está certo, em tudo, então boa noite. Que Morfeus te dê bons sonhos.
— Sinto muito, não estou sentindo veracidade em suas palavras.
— Então eu não sei o que quer que eu faça.
— Mas eu sei. Talvez… — as mãos do rapaz estavam suando, seu coração batia tão acelerado que parecia estar saindo pela boca — quero me peça algo, qualquer coisa, para que eu possa me redimir de verdade.
O deus lhe mirou de volta, e engoliu em seco, principalmente por ver que o moreno estava com uma respiração irregular.
— James, é melhor você ir. Agora.
— Não posso.
— James.
— Tudo que vem passando é por minha causa. Sei que posso ser um babaca as vezes, mas você também é um idiota, então estamos quites nessa parte. Quanto às outras… Ei, Kýrios!
De repente o deus saiu da murada, ficando em pé na parte de dentro, tentando fugir do rapaz, que pegou seu pulso tentando o impedir de ir embora, mas num movimento muito rápido em um reflexo automático, o deus lhe empurrou.
James se desequilibrou, e acabou acontecendo o que o deus tinha previsto…
Tentou se segurar na murada, mas suas mãos suadas por estar transpirando pela situação lhe fizeram falhar nessa tentativa de se salvar, e consequentemente, caiu para trás.
Uma sensação de vazio às suas costas junto de um desespero tomou conta de sua mente, que só pensava em o quanto foi burro de estar ali, de que muito bem poderia estar agora seguro lá naquele cômodo, mesmo que sua mente e coração estivessem inquietos.
O vento morno em suas costas nuas machucava sua ferida cauterizada, e imaginava que iria doer ainda mais com a queda. Ou talvez nem iria sentir, já que o impacto que sua cabeça iria fazer no chão iria poupá-lo da dor.
Como seria? Ele era batizado em outro domínio. Será que algum anjo iria buscá-lo ali? Ou, será que Tânatos teria essa permissão para guiar sua alma ao lugar certo? Ou então… poderia ter sua alma perdida ali?
Seus pensamentos foram cortados quando sentiu duas mãos macias envolver seu torso e lhe salvar da queda mortal, caindo junto com ele, mas o salvando de ferir-se ainda mais.
— Me perdoe!! Por deuses James! Me perdoe! Eu não queria! Eu não… — dizia o deus, seus olhos aflitos.
— Obrigado… — disse James, ofegante pelo susto.
O deus lhe mirou em alívio, e lhe abraçou.
De impulso, correspondeu. Mas por dois motivos: Um, estava mesmo precisando de um conforto depois daquela quase morte certa. E dois, eles estavam muito juntos, juntos mesmo, com o deus em cima de seu corpo, enquanto que sua asa, a não depenada, lhe cobria as costas. E por isso, a areia não machucava sua ferida.
— Isso está ficando muito recorrente… — disse James, afastando sua cabeça e a deitando na asa do deus, que lhe mirava fixamente.
— Concordo. Acho que o destino está me testando se sou capaz de manter você vivo até o final disso tudo… — disse, sua respiração ofegante igual ao do moreno.
De repente James sentiu algo começar a pressionar seu umbigo.
— Kýrios… O que… — arregalando os olhos, se espantou com um certo volume, franzindo o cenho — Você está…
— Jamesquertransarcomigo?! — disparou tão rápido que quando acabou de pronunciar aquele pedido, arregalou os olhos se dando conta do que fez.
— O-o que?!!
— Oh deuses! POR DEUSES! — exclamou atordoado.
Se levantou rapidamente, tropeçou para trás caindo de bunda na areia e cobriu o rosto com as mãos.
— Kýrios…
— Me desculpe!! E-eu não quis dizer isso! É-é… F-fica longe de mim! — esbravejou e se levantou aos tropeços, fazendo o corpo do rapaz girar quando a asas foi puxada, e quando se pôs em pé espalhou areia por todos os lados por conta de sua asa boa estar toda atrapalhada por tentar voar, mas assim que se lembrou que não podia, se moveu rapidamente com as pernas mesmo, correndo em disparada.
E James, ficou ali sentado, sem conseguir raciocinar direito o que acabou de acontecer.
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Capítulo 29
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Missão Ágape
O Olimpo está em crise, e tudo porque de repente uma profecia disse que um deus iria dizimar o seu sistema e tudo que eles lutaram para conquistar e poderem estar no poder até hoje.
E é...