Capítulo 30
A noite foi longa. E mais um vez, James passou a madrugada toda acordado.
Tinha voltado pro cômodo quando viu os primeiros raios solares começarem a iluminar os céus daquele esconderijo de Ares. Seus olhos pesavam de um sono que o corpo exigia, havia se agitado tanto naquelas longas horas antes que o cansaço lhe pegasse.
A cama de penas ainda estava ali, mas o dono delas não. Pensou por um momento em procurá-lo, mas pensou que era melhor mesmo ficar longe do deus por enquanto, respeitar o pedido dele.
Quando acordou e chegou no cômodo onde estava a fogueira, só quem estava ali era Ares, e a jovem Li-Hua, que admirava sua adaga, que brilhava mais que um espelho.
— … e é assim que se deve fazer. Se quer muito algo, destrua tudo que o faz ficar forte, pisoteie e esmague-o se for preciso. E só então, o embosque quando pensar que está tudo bem, destrua seu psicológico. Assim seu inimigo ficará completamente em suas mãos.
— Mas, isso não machucar?
— Depende do quanto o inimigo resiste. Mas aí não é problema seu, e sim dele. — o deus deu uma gargalhada, e jogou na fogueira um osso de algum animal que ele já tenha assado e feito para seu desjejum.
Li-Hua parecia uma esponja, seu olhar era concentrado enquanto absorvia tudo que ouvia. Mas quando viu o rapaz, seu semblante ficou radiante, e correu até ele, inclinando para frente o corpo para fazer uma reverência de seu costume.
— Shifu! Eu aprender algo! Venha ver! — disse, correndo até perto de Ares que assim que a viu se colocar em posição de luta, jogou para a mesma uma ratazana morta, que foi pega no ar pela lâmina do punhal da moça, que a cortou em duas metades.
James ficou espantado pela habilidade da menina. E ficou enjoado pelo destino da ratazana, que foi juntada pela moça que a jogou na fogueira.
— Shifu? — perguntou, vendo que o mesmo estava pálido.
— Realmente… muito bom Li-Hua. — Elogiou, fazendo a moça ficar muito contente.
— Não falei que ele ia gostar? Ele sabe o que é bom. — disse Ares e fez um sinal de mão para que o rapaz se aproximasse — Está pálido.
— Ah, sim, não é nada. É só uma indisposição matinal. Tenho me esforçado muito ultimamente…
Ares lhe mirou cúmplice com um sorriso de canto maldoso.
E James rapidamente entendeu o significado.
— N-não é isso! Não é o que está pensando…! Eu só estou…
— Pegue. É bom para recuperar as forças depois de muitas atividades. — disse, jogando um frasco com conteúdo esverdeado — É pra curar ressaca, e também tem muita vitamina. É bom para fraquezas pós grandes esforços.
— Ares, preciso dizer que não é o que…
— Beba. E tome seu desjejum. — Ordenou, meio impaciente.
James bebeu o líquido do frasco, não era ruim quanto parecia ser. Lembrava ao néctar que outra hora bebeu quando estava no submundo. E como o deus havia prometido, começou a sentir-se revigorado, até o enjoo passou na hora e um rubor apareceu em suas bochechas.
— Onde estão Panoptes e Tânatos? — perguntou, querendo cortar aquele silencio que Ares fazia enquanto lhe encarava como se quisesse iniciar um interrogatório.
— Foram caçar. Liberei a floresta-oásis ao norte. Só para se distraírem. Criei para me divertir, mas não adiantou… Esse lugar é um porre de vez em quando.
James logo pensou “Mas não foi você mesmo que o criou?”. E claro, não iria dizer isso.
— Kýrios também foi?
— Sim. — respondeu, seu semblante se fechando, indicando que ainda estavam brigados — Apesar de estar com uma aparência pior do que um defunto deixado no sol por três dias, fiquei feliz. — disse, atiçando o fogo com um galho, lançando outro daquele olhar maldoso para James — Que todos os deuses sejam abençoados por terem concedido essa bênção de ter colocado alguém na vida de meu filho. Um alguém digno dessa vez.
James respirou fundo, se segurando para não iniciar um discurso para provar que ele o deu do amor não tinham nada.
— Deuses também oram?
— É claro. Mas oramos para nós mesmos. Só formalidades, protocolos. Para nos lembrar de quem somos. Uma merda toda. Vocês humanos é que tem sorte. Quando querem algo, é só pedir ou fazer uma oferenda. Quando nós queremos algo, temos que marcar uma audiência com o deus que queremos algo e só assim, depois de muitas trocas de favores, executam nosso propósito. É tanta burocracia, negociações, chantagens… Uma coisa bem “divertida”. — Ironizou a última parte.
— E pensei que ser um deus era fácil…
— E é. Mas também não é. — disse Ares dando de ombros — E então, vai passear hoje com meu filho lá no oásis ou vai fazer mais daqueles seus estudos de adivinhações?
— Creio que vou trabalhar nas adivinhações. É meu dever, e não posso parar.
— E eu poder ajudar shifu? — disse Li-Hua, se animando.
— Sim, claro. Toda ajuda é bem-vinda. — Sorriu amigável para a moça.
E bem nesse momento, Kýrios entrou pela porta junto dos outros dois.
— Que bom que acordou. Estava ansioso para trabalhar nisso tudo logo. — disse Panoptes, se aproximando e sentando-se ao lado do rapaz.
Tânatos carregava algo em uma mão, talvez coelhos, não dava para saber.
Já o deus do amor… Olhou rapidamente para o moreno e saiu a passos apressados por onde havia entrado, sem dizer uma única palavra. Todos naquele cômodo perceberam, e houve-se um silêncio.
— Acho que eu conseguir pensar em algo shifu! — disse Li-Hua, quebrando o clima tenso.
— Vou buscar as coisas então, com licença a todos. — disse James, se levantando e indo em direção ao seu cômodo, pois se sentiu indisposto novamente.
•
Os estudos foram até depois do almoço, e já estava no final de tarde quando James adormeceu recostado em uma das paredes do cômodo de reuniões. A exaustão bateu, e ele não resistiu ao sono.
Mas pelo menos tinha feito um grande avanço, havia descoberto que era para uma região ainda ali pro extremo Leste, era já metade do mapa do mundo descartado, o que era uma boa coisa.
— Hm… — murmurou James, se espreguiçando quando se surpreendeu ao ver que estava deitado sobre a cama de penas, que cada vez mais se parecia a um ninho.
Abrindo os olhos lentamente, olhou ao redor, e não viu ninguém.
— Onde arranjaram isso? — perguntou-se baixinho ao ver que estava coberto com um manto muito fino e prateado, e logo reconheceu de quem era — Isso não do… Tânatos?
Apesar de gostar da boa ação, ficou entristecido de não ter sido o de outro deus… não que ele estivesse pensando em algo mais, mas era porque pela personalidade do loiro, ele é quem faria isso, e como não aconteceu era um sinal claro de que estava mesmo evitando ele.
— E o pior é que não tenho como resolver isso… — murmurou pra si, já que se tratava da “fisiologia” do deus. Ele era um rapaz de vida bem ativa então sabia como era ser privado de algo como “aquilo” quando ficava de castigo por conta de seus prejuízos econômicos ou notas baixas na faculdade.
Então decidiu não tomar mais nenhuma atitude, iria deixar que o outro fosse tomar o primeiro passo quando se sentisse bem para conversar com ele.
— Espero que ele esteja bem… — sussurrou, se levantando e se assustou um pouco quando viu que o manto evaporou diante de seus olhos, mas não se surpreendeu.
Quando foi para o outro cômodo, lá estavam todos reunidos, menos quem ele esperaria ver. Todos estavam comendo algo enquanto pensavam em algo sobre os desenhos que estavam feitos ali no chão com areia molhada com vinho, deixando tudo um pouco mais colorido em tom avermelhado.
Quando se aproximou, Panoptes logo lhe puxou pelo braço e o pôs sentado ali ao seu lado.
— Alguma novidade? — perguntou por perceber a ansiedade do gigante.
— Sim, mas você tem logo que descobrir. Ares nos disse que as coisas estão ficando um pouco mais complicadas lá no Olimpo. Zeus ordenou mais bestas nos caçarem. O que quer dizer que temos logo que estar a frente desse bando. E a segunda coisa é: Estávamos falando sobre todas as montanhas que existem aqui pelo extremo leste. — O gigante apontou com a ponta do galho o mapa-mundi feito de areia — Monte Huashan, China, mas já passamos por lá, então está descartado. — Riscou o país da China desenhado na areia.
— E tem esses — começou Tânatos — Monte Rinjani e Monte Bromo, na Indonésia. Monte Kinabalu e Monte Ophir, na Malásia. Há a Montanha de Jade ou Yushan, no Taiwan. Monte Apo, na Filipinas. Monte Fansipan, no Vietnã. Monte Kuiten, na Mongólia… E mais esses outros como esse Monte Annapurna, no Nepal, e no Japão, o Monte Fuji. — Listou, indicando cada um ali no mapa.
James pegou o bilhete na caixinha, e leu mais uma vez os dizeres daquele enigma.
Estava tão óbvio e ao mesmo tempo tão disperso… se ao menos tivesse pelo menos uma dica mais direcionada…
Ao olhar novamente para a montanha que estava desenhada com areia e seu sangue, de repente pensou em algo:
“Se eu fosse uma deusa… Onde eu esconderia uma pista dessa?”. Pensou, se vendo escondendo algo importante em alguma dessas montanhas, e nunca lhe parecia ser certo tentar chutar ser alguma delas.
Até que se lembrou que Kýrios e Psiquê gostavam de rodar o mundo em lugares exóticos e turísticos importantes…
“Será que seriam tão loucos de visitar e ter suas aventuras num lugar tão inóspito como aquele que tantos alpinistas perdiam suas vidas? Não que esse este segundo item fosse um problema para eles, mas… é obvio demais. Mas também…” Pensou.
Era um chute com chance de um em cem. E eles não tinham o direito de errar o lugar.
Se pudessem ter mais tempo…
— Eu arrisco no Monte Fuji. — disse James por fim, interrompendo os murmúrios do grupo — “Na primavera florescem”, isso faz referência a alguma flor. E uma vez minha mãe disse que me levaria para conhecer as cerejeiras do Oriente. “Façam suas oferendas, e todos seus bons desejos, serão realizados com festejos”, isso só pode significar uma data comemorativa. E nós sabemos que cada país tem a sua. Mas a que mais conheço pelas histórias é o das cerejeiras, no Japão. O desenho dessa montanha poderia ser o Everest, mas tudo apontou que era uma montanha de região oriental. — Tomou fôlego para continuar — “Na manhã seguinte, quando olho para o sol.” Todos nós sabemos que quando amanhece, e quando olhamos para o sol, ele sempre aparece no leste, onde o sol nasce. O que embasa ainda mais o argumento de que seja esse país, que é o conhecido como “A terra do sol nascente”. Agora, a questão é: Devemos procurar na cidade ou na montanha? Eu arriscaria que fosse na montanha, pelo perfil de toda essa trajetória que fizemos até aqui. Psiquê não iria deixar uma pista assim num lugar tão óbvio e popular como Tókio, por exemplo. Mas também pode ser o contrário. Aquela velha psicologia reversa e tudo mais.
Todos ficaram olhando admirados para o rapaz, até Ares cortar o silêncio batendo palmas.
— Não esperava menos do pretendente de meu filho.
James corou, queria rebater argumentando ou negando, mas seria em vão, só causaria ainda mais embaraços e confusão.
Tânatos, Panoptes e Li-Hua lhe miravam curiosos. O que o fez pensar “Por favor, acreditem em mim, já basta esse deus louco praticamente me casando com o filho dele.”
— Obrigado pelo elogio… — disse, voltando a se sentar, pegando um galho, fazendo pontos no mapa de areia — Então, o que me dizem? Tókio ou Monte Fuji? Temos a lança que está com um alcance de um raio de cem quilômetros agora. O que significa umas… duas ou três horas de viagem. É a única vantagem que temos, menos tempo gasto. Se tudo ocorrer bem, é claro.
— Creio que teríamos que ir para Tókio primeiro. Os deuses de lá geralmente visam muito os montes, seria complicado, e também uma perda de tempo irmos para um lugar sem recompensas. — Opinou Tânatos.
— Mas ir para Tokio seria a mesma perda de tempo, e essa é uma coisa que não temos. Mesmo com esses cálculos. — disse Panoptes.
— Lembre-se, James não está muito apto para mais conflitos diretos com seres mais superiores que ele. Creio que para Zeus começar a executar esse plano pode demorar um pouco. Há centenas de deuses com milhares de filhos espalhados por esse mundo. E exterminar cada um deles será uma tarefa bastante difícil até para ele, isso porque…
— Cronos está do nosso lado. — Se pronunciou Ares interrompendo o deus da morte.
— O que disse? — perguntou Panoptes.
— Eu estava fora do Olimpo, em específico, eu estava aqui. Estava pensando em como tirar Afrodite no meio de um pseudo ataque que eu iria armar para libertá-la. Mas então, quando saí daqui vi tudo e todos paralisados. E vi um rapaz caminhando por entre tudo, e até voando de mal jeito com uma asa horrenda. Pensei que fosse uma criatura do submundo, e segui para emboscar. — Ares se inclinou para frente, e encarou o fogo — E então quando entrei no salão de reuniões, vi os deuses do mesmo jeito. E somente aquele rapaz e Hécate dialogavam diante do corpo de meu filho. Foi aí que soube que era ele no corpo do rapaz. Eu não sabia que ele tinha apelado para uma coisa tão baixa como essa de possessões em corpos humanos, ainda mais ele que tanto se vangloria de não ser como nós. Vi todo o processo e a luta para fazerem o ritual, vi que resistiam a Zeus, e foi aí que vi a cena mais gloriosa em mais de três milênios: meu filho, em um duelo com Hermes! Eu sabia que havia uma salvação para meu filho, sabia que ele podia causar violência com suas próprias mãos! E então, vi aquele humano moribundo também fazer a mesma coisa! Meu coração se encheu de orgulho por dois motivos: meu filho molenga estava em seu auge bélico, e havia alguém lhe defendendo com a mesma paixão e ferocidade! Tudo isso enquanto Zeus tentava romper a barreira de tempo, esta que fui sortudamente protegido. Na hora soube que era Cronos quem havia feito isso por todo o Olimpo. Tanto ódio, tanta raiva… Aquilo tudo foi melhor do que uma garrafa de ambrosia!
O relato de Ares surpreendeu a todos, havia um brilho muito feliz em seus olhos, era como se estivesse embriagado, era até estranho de vê-lo tão animado.
— Então isso quer dizer que… Um titã está… — James estava sem palavras e foi interrompido pelo deus da guerra.
— Não o titã. É o Tempo, o tempo personificado! Só ele teria tanto poder para fazer aquilo no Olimpo todo. Por isso Zeus está mais furioso e paranoico que nunca. Isso é como música para meus ouvidos! Ele, que tanto se orgulhava por disseminar sua semente para seu próprio poder, agora se vê amedrontado pensando que um deles irá fazer com ele o que ele fez com o próprio pai. Isso não é irônico? Não sabia que essa guerra tinha alcançado patamares mais altos de nosso panteão.
— Mas Zeus confia em você. — lembrou Tânatos.
— Até quando? Eu mesmo se tivesse no lugar dele, não confiaria. Ou talvez sim. Pois tenho talentos que ele precisa, e eu mostro boa vontade, já que tudo isso que está acontecendo me dá forças, Zeus se vale nisso, é vantajoso pra ele e pra mim. — disse.
— Isso muda tudo então. — Começou James — Então agora sabemos que temos apoio de deuses mais superiores. Isso me deixa mais tranquilo… Eu acho. — disse.
— Eu creio que não. — Rebateu Ares — Esses deuses foram banidos e trancafiados por um motivo. Confiar demais neles é o mesmo que entregar seu pescoço para a forca. Se eles estão ajudando, é porque tem seus interesses. É o mesmo sistema de nossa relação aqui: temos um objetivo em comum, derrotar Zeus e suas sandices e loucuras. E nos ajudar é praticamente um contrato de dívida com eles.
— Aproveitar somente, agir no agora. — Opinou Li-Hua de forma tímida.
— Concordo plenamente com você, Li-Hua. — disse James — Temos muitos problemas, nos preocupar com o interesse oculto desses outros deuses é coisa para outra hora. Aproveitar a ajuda deles para encontrar essas pistas e as Prova de Psiquê é a nossa prioridade.
— Exato, você está certo. Bem, aonde estávamos mesmo? — questionou Ares apontando com o galho lá para os desenhos na areia.
— Oh, sim, estávamos entre escolher ir diretamente para o monte Fuji ou ir para Tókio e procurar por ali discretamente para descartamos um local e focar em um mais rápido. — respondeu James.
— Monte Fuji. — disse Panoptes.
— Eu voto para Tókio. — Votou Tânatos.
— Tókio. Para shifu melhorar mais saúde. — disse Li-Hua. O que era um bom argumento.
— Eu iria logo para Fuji, mas a menina tem razão. Você só precisa de um empurrão para ser enterrado. Está horrível. Para mim é Tókio. — disse Ares.
— Então temos três votos para Tókio. E apesar de minhas condições, gostaria muito de ir logo para Monte Fuji, então esse é o meu voto. Porque quero descartar logo a possibilidade de fazer uma busca por lá. Odeio frio. Pra ser sincero. Então, três a dois. Falta somente um voto…
De repente Kýrios apareceu ali, mas estava sentado lá no alto em uma viga como se fosse uma gárgula de cimento.
— Eu voto para Monte Fuji. — disse, sem mais detalhes ou qualquer opinião para argumentar o voto.
O rapaz lhe mirou, mas o deus desviou o olhar para os céus, numa espécie de indiferença por ter já feito sua parte ali na reunião.
— Certo, então estamos empatados… — James apoiou seu queixo em uma mão, seu cotovelo apoiado no joelho, olhando para todo o estudo de adivinhação e dedução ali desenhado no chão — Podemos decidir com alguma coisa… Alguém tem alguma moeda?
Quando Ares estava prestes a lhe dar uma, Kýrios se pronunciou de repente:
— Vou mudar meu voto. Vamos para Tókio. — E saiu dali, dando um pulo um tanto desajeitado por conta de sua asa direita ainda estar despenada, mas já dava para ver algumas penas pequenas crescendo.
James ficou olhando para a viga por longos segundos, e sentiu seu peito se apertar. Quando voltou a olhar para grupo, viu que todos lhe miravam fixos e com semblantes que indicavam exatamente o que ele estava pensando.
— Ele deve estar com mal humor, só isso. Seja qual for o motivo da briga, ele voltará pra você rastejando aos seus pés. Ele é assim. É só birra. Não se preocupe. — disse Ares.
— Ares, tenho que dizer que eu e ele não…
— Se apresse, todos. Se preparem, vou levá-los até Tokio, vou estar esperando lá fora. — disse o deus da guerra, se levantando, saindo, ignorando-o totalmente.
James bufou em cansaço, e pôs suas mãos na cintura.
— Pessoal, não me olhem assim. Vocês mais do que ninguém sabem. Não sabem?
— Sim, sim, é claro que sabemos. — disse o gigante, se levantando, e ao passar pelo rapaz, lhe sussurrou — Vamos apoiar vocês dois, não importa o que pensem ou julguem. O que importa é que sejam felizes.
— Panoptes…!
— Vamos pessoal, temos mais um lugar de gente com olhos puxados e mal humorados pra irmos. Sem ofensas, Li-Hua, você é legal. — disse Panoptes, dando um tapinha no ombro do rapaz, e saiu para outro cômodo.
Tânatos deu um aceno de cabeça um tanto sem jeito, e evaporou numa névoa cinzenta.
Li-Hua se levantou e antes de ir pelo mesmo caminho do gigante, fez uma curta reverência e saiu correndo. Dava para ver claramente seu rosto corado e um olhar risonho para o rapaz.
Sozinho ali no cômodo, sentou-se no chão e recostou suas costas contra a parede.
— Porra…! — xingou baixinho.
•
Em meia hora todos estavam fora do castelo em ruínas de Ares, todos preparados. Até Tânatos estava novamente em seu disfarce de humano. Esta vindo uma tempestade de areia ao fundo, fazendo o cabelo de todos ficarem bagunçados, menos de Ares, que por ser o dono do lugar nada lhe atingia, e seus fios obsidianos se mantinham perfeitamente arrimados no lugar.
— Ele ainda não veio? — perguntou James, vendo que o loiro não estava ali.
— Aqui estou.
James sentiu sua pele arrepiar ao escutar a voz do deus, que estava com uma aparência boa, até sorria de canto, mas havia algo em seus olhos que dizia o contrário do que estava tentando transparecer.
— Ótimo. — disse Ares, fazendo aparecer uma porta de ferro meio gasta e enferrujada em algumas partes — Um último aviso: Tentem ser discretos, e nunca, em hipótese alguma, falem de mim ou mencionem meu nome, nunca se sabe qual parede tem ouvidos. Ou então serei obrigado a ter que caçá-los e entregá-los para Zeus. E essa é a última coisa que gostaria muito de fazer. Me entenderam bem?
— Sim, pai. Entendemos muito bem. — disse Kýrios, com um tom um tanto irritadiço.
Ares caminhou até ele, ficou a dois passos do deus e o encarou com cara de poucos amigos.
— Eu juro, filho, por tudo que é mais sagrado, que se você me envergonhar ou me decepcionar, eu mesmo entregarei sua cabeça numa bandeja para Zeus. Fui claro?
— Sim, pai. Como um cristal… de obsidiana. — disse com ironia.
— Excelente, boa viagem, meu filho. E trate de resolver logo as coisas. Siba que tem todas minhas bençãos para isso. — disse, olhando por cima do ombro para o rapaz, sorrindo amigável para o mesmo, mas James achou um pouco assustador. Kýrios revirou os olhos.
Ares caminhou até a porta e abriu.
Do outro lado havia uma paisagem muito bonita, era de algum lugar tranquilo, grama verde e árvores que a toda hora deixavam cair pétalas rosadas, enfeitando o chão num lindo tapete natural, contrastava muito com a paisagem desértica e com toque caótico do esconderijo de Ares.
— Que os deuses, os não filhos de cadela, nos ajudem. — disse Panoptes, dando o primeiro passo e saindo do lar do deus da guerra.
O restante do grupo fez o mesmo, por último saindo James, com Kýrios em seguida, mas sempre mantendo uma certa distância de uns cinco, ou mais passos do moreno.
Havia um certo frescor na brisa, e isso fez James se encolher um pouco, pois havia se acostumado com o clima quente e, surpreendente confortável, das ruínas de Ares.
— Pega. — disse o gigante, lhe jogando uma manta de pano cinza.
— Obrigado. — disse, se cobrindo, e ajeitou a lança em suas costas, e sentiu um pequeno vibrar acontecer na lança — Hm? Mas já?
— Um sinal? — questionou Tânatos.
— Parece que sim. Mas… parou. Talvez só tenha identificado algum vestígio, algum sopro de pista… — olhou ao redor, não conseguindo adivinhar em que lugar exatamente estavam — …em que lugar estamos?
— Templo. Ter monges ali. — disse Li-Hua, apontando para um prédio bem estruturado e pessoas com vestes compridas e escuras, indo de um cinza escuro para preto.
— Muito bom! Então, vamos logo pedir informações! Alguém aqui fala japonês?
— Eu. — respondeu Kýrios — Watashi no burunetto, watashi wa nani o tazunemasu ka?/ O que que eu pergunte, meu moreno? — disse, ficando mordendo os lábios em seguida por ter não conseguido se segurar em falar com o rapaz.
James ficou admirado, e se conteve para não demonstrar isso, mesmo que não tivesse entendido uma palavra, assim como o gigante e o outro deus, que perceberam algo nas reações do deus do amor e se entreolharam cumplices.
— Que bom. Pelo menos agora não ficaremos no escuro como ficamos em Pequim. Então, depois de pedir informações, temos que compra um mapa desta região. Quero planejar uma trajetória que seja mais curta para que nosso trabalho aqui seja rápido e mais eficiente. Alguém tem alguma objeção quanto a isso? — perguntou, não tendo ponderações do grupo, e se colocando numa postura mais determinada, logo andou em frente, pois também não queria ficar parado e tendo que manter algum tipo de interação a mais com o deus, estava tentando também ajudá-lo a se manter distante, já que era o mínimo que podia fazer por ele.
O templo era bem ornamentado, havia algumas esculturas de e figuras bem desenhadas nas paredes, e ao redor tinha vários túmulos bem cuidados. Apesar de ser uma paisagem que James não gostava pelo fato de sempre lhe fazer sentir tristeza, era bonito, o silêncio era diferente, uma mistura de apaziguador com o vazio.
Kýrios olhava para tudo ao redor da mesma forma, havia um ar melancólico em seu rosto, mesmo que a todo custo quisesse mostrar um rosto forte e de que estava tudo bem.
James sabia, e sentia que nada estava bem dentro daquele deus…
Assim que conseguiram um alguém que parecia orientar outras pessoas que passavam por ali, pararam.
O deus do amor tomou a frente para falar com um senhor muito idoso, que carregava uma vassoura nas mãos, limpando o caminho de entrada no interior do templo.
— Kon’nichiwa, watashitachi o tasukete kuremasen ka?/Boa tarde, o senhor pode nos ajudar?
— Anata, kiiroi kami no wakai otoko wa, tsukarete iru yō ni miemasu./Você, jovem de cabelos amarelos, parece cansado.
— O que ele disse? — perguntou James, muito curioso.
— Disse que vai nos ajudar. — respondeu o deus, sem se virar para ele — Go shinpai o okake shite mōshiwakegozaimasen ga, jōhō o onegaishimasu. Watashitachiha kankōkyaku de, sukoshi mayotte imasu. Tōkyō no doko ni iru no ka shiritaidesu./Obrigado pela preocupação, mas gostaria que nos desse uma informação. Somos turistas, e estamos meio perdidos. Gostaríamos de saber em que lugar de Tokyo estamos.
A pronuncia do japonês do deus era perfeita, e James não conseguia não prestar atenção ao que ele dizia com tanta fluência. E mesmo que não fosse o momento para isso, sentiu um certo calor nas bochechas.
— Ā, anata wa Yanaka no Ten’nōji ni imasu./Oh, vocês estão em Yanaka, no templo Tenno-ji. — respondeu o ancião.
— Dōmo arigatōgozaimashita./Muito obrigado. — disse Kýrios, fazendo uma reverência em agradecimento, e se virou para seu grupo — Estamos no Templo Tenno-ji, o que quer dizer que estamos em um campo neutro. Então, não vamos incomodar ninguém e nenhuma divindade.
— É, nisso você tem razão. — disse Panoptes, olhando ao redor para aqueles túmulos — Mas então, vamos ao combate ou vamos começar primeiro estudando o terreno?
— Creio que a segunda opção. — disse James — Mas junto de um mapa. A lança vibrou quando chegamos, e já que estamos em um terreno neutro, isso quer dizer que ela não vai funcionar. Isso é minha teoria. Então sugiro que saiamos logo daqui e que compremos um mapa para ver por onde os sinais nos levarão. Então… A escolha de virmos a Tokyo foi certa. — disse, olhando rapidamente para o loiro, que desviou seu olhar, dando atenção para algo em sua roupa, uma pétala de flor de cerejeira que caiu em seu ombro.
O grupo prosseguiu até que saíssem do templo, e quando fizeram isso, logo deram de cara com a agitação de pessoas passando nas ruas. Era um pouco parecido com o centro de Pequim, com a diferença de que ali era mais limpo e organizado. As pessoas pareciam ser mais discretas em suas compras nas barracas que haviam por ali. E as carroças que passavam tinham uma locomoção calma, o jumento trotava tranquilo assim como o dono que o guiava em cima da carroça.
As pessoas pareciam não se importar com suas presenças, a não ser quando entraram em uma taverna.
James se sentiu um ator de teatro, onde todos os olhares eram fixos em sua apresentação, que no caso, não era só ele, havia mais quatro que estavam compondo aquela peça.
Escolhendo uma mesa de canto bem isolada e pouco iluminada, a não ser pela luz de fora que mal transpassava aquela fina janela que parecia ser feita de papel, se sentaram sem chamar atenção mais do que suas próprias presenças já chamavam.
Um garçom logo foi até eles, mas foi de mal humor, sendo empurrado pela dona do local.
— Nani ga hoshī?/O que vão querer? — perguntou o homem, com cara de poucos amigos.
— Amazake 4tsu to ocha 1tsu ga hoshīdesu./ Queremos quatro amazake, e um Ocha. — pediu o loiro, lhe dando uma moeda adiantando o pagamento, e logo o semblante do homem amenizou, se virando para pegar logo os pedidos.
— Tinha me esquecido disso, dinheiro. — comentou James, e o deus se inclinou, tirando de sua bolsa uma bolsa menor de moedas, colocando-a no meio da mesa.
— Meu pai me deu. Divirtam-se.
Antes que James pegasse, o gigante se adiantou.
— Eu fico no comando disso aqui. Vocês não sabem gastar. — disse, olhando para Tânatos, que franziu o cenho para aquela advertência.
— A moça não pode beber. — disse Tânatos, deixando pra lá a indireta do gigante e se virando para Kýrios.
— Eu sei. E nós também não. Por isso, pedi algo menos forte, vocês vão gostar. E para ela, chá.
— Eu não gostar de chá. — Se pronunciou Li-Hua.
— Ah, me desculpe minha flor, mas é o que tem pra hoje. — disse, com um sorriso sem mostrar dentes, descaradamente falso, que fez a moça lhe mirar feio e cruzar os braços.
— Li-Hua, com certeza não deve ser tão ruim, e se for, pedimos outra coisa pra você, tudo bem? — disse James, ganhando um sorriso dela.
O deus virou o rosto, parecia muito aborrecido com alguma coisa. O que James não entendeu nem um pouco já que estava o evitando todo aquele tempo.
Os pedidos vieram, e como estava previsto, somente Li-Hua não havia gostado de seu Ocha. James então teve que pedir ao deus para que fizesse um outro pedido que não havia no menu deles, um suco de maçã, ao qual o garçom disse que sairia mais caro. E apesar de muito a contra gosto, o deus pagou.
Como tinham parado ali para organizar suas andanças e ainda não tinham um mapa da cidade, Tânatos se ofereceu para ir comprar em alguma livraria que tivesse o mais cerca dali, e não demorou muito para encontrar, o que James estranhou um pouco pois esperava que fosse ter mais dificuldades.
— A lança ainda não deu mais sinais, o que quer dizer que estamos muito longe do raio da pista. Então, sugiro que façamos um passeio por este caminho. Estamos no Norte, então devemos cortar Tokio pelo meio, indo pro Sudoeste. — Analisou James.
— Seria muito bom se tivéssemos mais dessa lança, assim poderíamos nos separar e procurar nas quatro direções. — comentou Panoptes.
— Mas como Ares disse, essa lança agora está com um raio de cem quilômetros de alcance. Então em alguma hora ela vai nos dizer pra qual direção temos que ir. — rebateu James.
— E se formar grupos? Ir direções diferentes? Ser mas maior rápido assim buscar.
Kýrios deu um riso contido da moça, e James franziu o cenho.
— É uma excelente ideia, Li-Hua. Mas creio isso poderia ser perigoso. Creio que devamos nos manter unidos por enquanto. E mesmo assim, muito obrigado pela sugestão, não vou descarta-la, será uma ideia de plano B caso as coisas fiquem bem críticas. E a propósito, é “mais rápido”, e não “maior rápido”. — disse James, de modo muito educado e gentil, desmanchando o sorriso de deboche do deus.
— Obrigado, shifu. – A moça sorriu, e deu um aceno respeitoso de cabeça para o moreno, e um olhar cortante e hostil para o loiro do outro lado da mesa.
— Isso é tudo? — perguntou Tânatos, olhando analítico para os dois mapas, o de Ares que mostrava os monstros, e o mapa normal.
— Por hora, sim. — James suspirou em cansaço — Eu sei que poderíamos fazer mais se pudessem usar seus poderes, mas temos que fazer as coisas o mais discretas possíveis. A não ser…
— Não, isso não é possível. — disse o deus da morte.
— Meu pai sempre dizia que deuses são forças naturais. E que a força natural é universal. E se você e Kýrios pudessem burlar isso mesmo estando em outros domínios? Usar essa deixa de “forças naturais” e ir trabalhando nesse “véu” como um disfarce?
— Isso geraria um caos, um desequilíbrio. Por isso há um acordo. Ninguém mexe ou se intromete ou intervém no trabalho e território de ninguém. — respondeu Tânatos.
— Sim, eu sei. Não estou dizendo para roubar o trabalho de ninguém, só que… bom, vocês estão aqui, sua presença já é um motivo para desequilibrar algo. — Argumentou James e em seguida a lança nas costas de repente caiu no chão, fazendo um som metálico muito chamativo.
Apesar de ter sido algo bastante coincidente, James viu naquilo uma luz para aquele empecilho.
Mas só havia um pequeno probleminha…
— Pessoal, talvez haja uma forma. Mas, novamente, creio que teremos de arranjar uma nova bruxa para isso. — disse James, deixando todos curiosos.
…
….
…..
Ao longe, como uma águia olhando para suas presas, alguém os observava, sorrindo em satisfação.
E o único ali na mesa que percebeu algo no ar enquanto analisava o mapa de monstros, foi Tânatos, que olhou discretamente para todos os lados, e encontrou o tal ser, mas, como se tivesse recebido alguma mensagem somente por aquele olhar, assentiu muito sutilmente e voltou seu olhar par o mapa.
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Capítulo 30
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Missão Ágape
O Olimpo está em crise, e tudo porque de repente uma profecia disse que um deus iria dizimar o seu sistema e tudo que eles lutaram para conquistar e poderem estar no poder até hoje.
E é...