Capítulo 35
Ainda não conseguia raciocinar direito o que havia acontecido. Ou melhor, o que havia cometido e praticamente obrigado o deus a quase cometer.
A certeza que tinha era que daquela vez havia sentido que não tinha nenhuma influência do deus sobre si, sentia que aquele desejo não só vinha de sua abstinência por todo esse tempo sem alguma atividade daquele tipo, e sim vinha de seu coração, que até aquela hora batia acelerado, havia uma felicidade estranha também, quase como uma… completa satisfação.
Ainda mais quando em sua mente rodava aquelas lembranças do deus ainda adormecido, tendo sonhos inadequados com ele, ele! Chamando seu nome! Não era o da deusa, era dele!
O que fazia aquelas questões de antes virarem simples suposições para lhe fazer sofrer. Mas também não podia deixar-se cegar por isso… Devia dar atenção a grande força de vontade do deus em se manter “limpo” e sem culpa para sua deusa. Afinal de tudo, era com ela que ele tinha um compromisso, um vínculo eterno, assim como dizia Tânatos em sua conversa com Panoptes.
— Hm… ah meu Deus! — despertou, se sentando assustado, olhando pra janela primeiro, e agradecendo mentalmente por ainda estar escuro.
A segunda coisa que percebeu foi estar arrumado, limpo, coberto com um lençol branco e fino. O que o intrigou.
No ocorrido de antes, quando seu corpo ferveu com aqueles toques cheios de paixão com o deus do amor, havia se derramado de forma um tanto… demasiada. Tanto que até molhou o futon, e sujou toda sua calça com sua própria semente. Foi realmente algo muito intenso. Nunca em sua vida tinha sentido ou se derramado daquela maneira.
Foi… impressionante.
Só de lembrar sentia seu corpo começar a ficar quente e seu coração começava a bater um pouco mais rápido…
— Será que ele… — um pequeno sorrisinho apareceu sem querer em seu rosto ao pensar naquela possibilidade do deus limpando-o.
E em sua análise, tinha sido com muita delicadeza, já que não sentiu nenhuma movimentação sequer em seu corpo ou onde estava deitado.
Seu rosto esquentou ao imaginar toda a cena, e irresistivelmente pensou em coisas bobas como receber um beijo de leve em seus lábios como uma despedida depois de ter limpado, era do feitio do deus. E por isso, sem querer, quando percebeu já estava acariciando seus próprios lábios, imaginando que isso pudesse ter acontecido.
— Espera! O que estou pensando?! Não posso ficar aqui como um adolescente apaixonado! Não que eu esteja, é claro. Foque na missão! Somente nesta missão! Isso ter acontecido foi só… deslize! Ninguém é perfeito… mas ele é. E como é… — disse, mordendo os lábios, mas de novo fechou os olhos e balançou a cabeça em negativa, tentando se convencer e espantar aqueles pensamentos e distrair seu peito de sentir tais sentimentos inoportunos pelo loiro.
E em meio a pequenos puxões de cabelo e esfregar de seu rosto para cortar tais lembranças de ficarem rondando sua mente, um terceiro pensamento surgiu em sua mente:
— A chave! — disse, apalpando seus bolsos, na busca pelo objeto, mas não o encontrando.
Mas o pequeno susto pela perda logo foi abafado quando o encontrou caído ao lado do futon, quase sumindo de suas vistas ao ir para debaixo de onde estava deitado.
Pegando depressa, se levantou do mesmo jeito, escolhendo qualquer janela para servir de porta.
Abotoando sua camisa, e passando uma mão pelos cabelos, ajeitou a chave em suas mãos para direcioná-la no buraco da fechadura.
Na mesma hora, uma luz suave e dourada emanou da linha dos cantos da janela.
Nervoso, ficou por curtos segundos olhando a porta da janela, criando coragem para abri-la.
— É só ter cuidado. Essa porta é pequena, então deve ter dado em algum lugar bem discreto… não é só pensar? Não é assim?
A sua resposta foi respondida assim que ouviu sons de pássaros e de animais pequenos passando, assim como também sons de grilos e sapos, um exato sinal para onde a porta estava o levando naquele momento.
Respirando fundo, abriu a porta.
Se espantou ao ver que tinha dado para um cômodo da mansão.
O que lhe deixou bastante confuso.
— Acho que eu devo ter mudado de repente de pensamento… ou será que isso funciona de acordo com a nossa vontade e não com coisas de nossa mente? Hm… seja como for, vai me levar onde quero. Só é um pequeno desvio. Será moleza. — disse, olhando uma última vez para trás, ouvindo somente as folhas balançarem suavemente com a brisa suave e morna de Tokio.
E pulou, atravessando. Fechando a janela atrás de si, esta que deixou de existir às suas costas.
A mansão parecia diferente da segunda vez em que esteve ali, quando tudo estava imerso em uma sombra fria e raízes sangrentas, mas agora, tudo estava limpo, silencioso, tudo muito bem arrumado e elegante como era em suas lembranças.
Tudo perfeitamente… suspeito.
A porta da janela tinha levado a um cômodo cheio de armas, dos mais variados tipos, e se lembrou da vez em que o deus o levou a uma clareira cheia de arcos e espadas para treiná-lo um pouco.
Sorrindo contido com a lembrança se encaminhou até ao lugar onde as espadas estavam penduradas na parede.
E de repente, algo pesou em seu bolso…
— A lança? Mas… como que…. — Intrigou-se, ao ver uma miniatura em seu bolso, esta que vibrava como se quisesse avisar de algo.
Assim que a tirou de seu bolso, a arma cresceu, expandindo-se em dobraduras que foram tomando forma e consistência firme.
Ao fim, lá estava a lança, medindo duas cabeças a mais que sua altura, vívida em um brilho metálico dourado com pequenos círculos prateados e outros em bronze.
— Erictônio… — sussurrou, lembrando-se enquanto passava seus dedos em alguns círculos.
E diferente da vez que um dia o deus do amor ficou ali e por isso tremeluzia, a lança se manteve imóvel ao seu toque. Mas sempre que apontava para as espadas, vibrava.
Despertando a curiosidade de James, o colocando para raciocinar diante daquele pequeno enigma.
— O que está querendo Senhora Lança, ein? — apontou para as espadas, sempre vibrando mais forte ou mais fraco a cada arma.
Com isso em mente, ligou esse fato às orientações e informações de Psiquê.
— Hm… Será que… é claro! Ora, sua malandra calculista! — disse, em tom agradecido por descobrir o porquê de ter parado justamente ali naquele cômodo e não onde tinha pensado antes.
Se colocando com mais ânimo, começou a apontar para todas as armas daquele cômodo, tanto espadas, bestas, lanças, maças e até para os arcos.
Sempre que apontava, a lança vibrava de um jeito diferente, lhe fazia recordar das cordas de um piano, porque toda vez que mudava a direção, o metal da arma soava um pouco diferente de maneira sonora e musical.
— Certo, certo… aquelas castanholas devem ter algum som estranho… se não me engano, pelas informações de Psiquê, soavam estridentes… mas qual tipo de estridente? — se perguntou, olhando ao redor para todas aquelas armas.
Na dúvida, resolveu optar por separar as armas que irritassem seus ouvidos.
O trabalho não era tão cansativo, mas seu corpo estava relaxado demais, lhe dando uma espécie de preguiça, uma vontade de dormir, de deitar-se numa superfície macia, de se aconchegar em alguém…
— Foco! — disse a si mesmo, dando um tapa em seu próprio rosto e tentando também não sentir borboletas em sua barriga.
Se endireitando, continuou a separar todas aquelas armas, e se garantindo que ali naquele lugar as horas estivessem um pouco mais cedo por estar em outro lado do mundo, tranquilizou-se quando conseguiu depois de uma hora organizar todas aquelas armas.
— Tudo bem… o que for mais irritante é o metal é o certo. — disse, pegando a sua lança que estava encostada na mesa.
Mas parou no meio do caminho por se assustar com um vulto que passou pela janela.
O primeiro instinto foi logo pegar a lança, o segundo foi de se esconder embaixo da mesa, atrás de uma fina toalha de seda dourada, esta que se conseguia ver lá fora por causa de sua transparência, mas que o ocultava perfeitamente por causa dos reflexos das chamas das velas do cômodo.
Olhando para a janela e para todos os lados, procurou por algo estranho, ou por algum ser que pudesse estar ali, ou ter passado somente, mas não encontrou nada. Isso até ouvir um sibilar ao longe, vindo da porta principal do lugar.
Pelas sombras da fresta no sopé da porta, deu-se para ver duas figuras, pareciam ser humanoides por causa de estarem em pé, mas nem um pouco humanos, por causa de sua maneira de andar.
— Mestre Zeus é tão inteligente, ha ha ha. — Riu a primeira criatura.
— Inteligente? Ele é um sovina! Nos dar essa porcaria de mansão foi o mesmo que nos dar esmolas! Eu consigo um lugar melhor em qualquer esquina em Atenas! Mas aqui… não tem nada! E essas portas só nos levam a aquele muquifo do Olimpo. — Reclamou a segunda criatura.
— Mas pelo menos é melhor do que no Submundo. Eu não quero nunca mais ter que voltar pra aquele lugar!
— Você e sua visão distorcida do que é bom. — disse — Mas voltando a Zeus ser inteligente… nessa parte, posso concordar um pouquinho. Aquele Órtros vai dar um trabalho…, mas isso não é nosso problema. O nosso problema é agora achar esse intruso. Que não deve estar muito longe…
James tampou a boca e o nariz, sentindo seus nervos estremecerem de medo ao ouvir aquilo, temeu que pudessem estar sentindo seu cheiro, ou que pudessem ouvir sua respiração.
Os seres então ficaram um pouco por ali fora, onde era o corredor, podia ouvir e sentir que estavam procurando por cada canto daquela parte da mansão, mas algo parecia os distrair, porque toda vez que paravam em frente a porta da sala de armas onde estava, outra vez se viravam para procurar, mas nunca entravam ali.
E mesmo que isso estivesse lhe mostrando ser seguro, não ousou sair debaixo da mesa enquanto não vesse ou sentisse que estivesse fora do alcance daqueles seres desconhecidos e um tanto estranhos, mesmo que não tivesse visto como eram.
— Certo, certo… vamos continuar o trabalho. — Sussurrou para si mesmo depois de sair debaixo da mesa.
Mas não sem um pensamento: O que foi que tinha passado pela janela, o que eram aquelas coisas no corredor, e o que seria Órtros.
Tais questões não poderiam ser respondidas, teriam que ficar para depois.
Indo até entrada para ter certeza de que não havia ninguém por ali no corredor, encostou seu ouvido na porta, não ouvindo nada mais.
Mas de novo, sentiu um outro vulto passar pela janela, e dessa vez se virou com a lança, apontando mesmo que suas mãos estivessem ficando trêmulas.
Mas ao focar sua visão na janela, a única coisa que via eram as cortinas de renda se movendo com a brisa morna que entrava e saía do cômodo.
— Não é nada, não é nada. Sem paranoias, por favor. — Dizia, tentando se convencer.
Olhando para tudo ao redor e até para as vigas no teto que havia naquela sala, conferiu que não tinha nada além de ripas grossas segurando o telhado, este feito todo de madeira. Bem diferente da arquitetura dos outros aposentos.
Sentindo ainda um certo receio, voltou a trabalhar em sua busca.
A lança foi apontada para os mais diversos tipos de metal, e todos que se apresentavam suspeitos, eram separados.
E mesmo com a cautela de não fazer barulho, conseguiu finalizar a peneira, restando somente sete armas: três espadas, duas adagas, uma besta e uma maça.
— Hm… vejamos… espero que eu não fique surdo depois disso. — disse, se aproximando das armas, colocando seu ouvido perto quando encostava a lança sobre elas.
Testando uma a uma, cada uma apresentava um agudo bastante sonoro, até que, se assustando de novo por causa de uma pena que caiu em cima da mesa e diante de seus olhos, derrubou a sua lança, que fez um som alto quando caiu sobre as outras armas.
E como consequência, um som muito agudo mas não muito alto, chamou a atenção de quem não devia…
— Porra… — murmurou, correndo para pegar sua lança.
Mas não deu tempo, e teve que se esconder antes que aqueles seres desconhecidos o vissem.
— Eu ouvi! Foi aqui! — disse um primeiro entrando na sala de armas.
— Nossa… Olha isso tudo… todas essas espadas… — disse o segundo.
— Não podemos nos distrair! Se concentrem no cheiro! — disse um terceiro, passando no meio dos outros dois.
Seguindo a ordem do terceiro, os outros se puseram a procurar.
“Meu Deus… o que espécie de coisa são eles?!”. Perguntou-se James.
Eram somente três, mas era o suficiente para fazer uma multidão de pessoas correrem em horror por causa de suas aparências. Eram três humanoides, assim como tinha analisado, mas seu porte tinha um desiquilíbrio um tanto… bizarro.
Da cintura pra cima, tinham cabeça, braços finos e sem qualquer músculo, olhos grandes, tão escuros que pareciam dois buracos na face, seu torso era igualmente magro, o que deixava mais estranho, porque contrastava com a parte inferior do corpo, que possuía uma única e fortalecida perna com um pé de tamanho anormal, equivalendo quase a todo seu torso, ou mais.
Era estranho vê-los, ainda mais de onde estava…
— Eu sinto o cheiro… está impregnado nessas espadas. Mas parece que também não está. É muito confuso. — disse o primeiro.
— Talvez seja porque já faz tempo. Então significa que não há ninguém aqui. — disse o segundo.
“Isso! Não tem ninguém aqui! Vai, vai, vai!”. Torceu James, muito aflito.
Mas sua sorte não estava páreo para o terceiro integrante de um pé…
— Mesmo assim, temos que olhar tudo. Como Lady Ártemis disse “Olho em tudo, até nos cantos de sua sombra”. Então vocês, olhem na varanda e nos móveis, enquanto isso olharei os armários.
James chorou internamente, seu coração ganhou batidas mais aceleradas em apreensão, enquanto sua mente já tentava pensar em algo que não fosse ser pego por aquelas criaturas ou ter que lutar, porque isso atrasaria todo seu plano, e acabaria com todo seu progresso.
E assim como foi ordenado, os dois primeiros monstros foram averiguar seus respectivos lugares, enquanto o terceiro se encaminhou para onde combinou com os outros.
O primeiro foi olhar logo e justamente embaixo da mesa, para sua “grande” sorte.
James sentiu seu coração pular.
A criatura franziu o cenho e ergueu a mão por ver algo suspeito…
— O que é isso? Tá tremendo. E tem cheiro muito estranho.
— Assim como tudo aqui! Pare de ficar brincando e continue a procurar! — advertiu o terceiro ser, se aborrecendo um pouco por ver seu companheiro não querer largar aquela lança, mas o mesmo desistiu de insistir na arma após receber um olhar ameaçador.
James havia se escondido atrás de uma parede que foi feita para guardar e manter em pé lanças, e agradeceu naquela hora por ter um porte magro que o possibilitou de caber naquele pequeno espaço.
Embaixo da mesa seria muito óbvio demais… mas aquele lugar era também, mas ainda sim garantia alguma proteção, mesmo que fosse temporária.
Os três monstros varreram todo canto, seus braços pareciam alcançar tudo por conta de sua finura, e até os cantos mais escuros não estavam nas vistas de seus olhos cor breu.
— Ah um cheiro diferente aqui… — disse o primeiro, chegando perto de onde James estava.
E James, mais uma vez tampou a boca e o nariz, numa tentativa de prender sua respiração, mas quanto mais fazia isso, mais sentia que sua transpiração piorava, pois sentia um suor escorrer pela sua têmpora. E em sua dedução, o seu cheiro ao qual aqueles monstros sentiam, se intensificaria.
E para seus pesadelos, foi isso mesmo que aconteceu.
O terceiro ser se direcionou bem onde estava escondido, seu nariz farejava um canto, e quando sentiu que um lado estava mais forte, se virou, e aproximou seu nariz, franzindo o cenho.
“Meu Deus, Meu Deus, Meu Deus! “Gritou mentalmente, ao ver a criatura pousar suas duas mãos nas portinholas do armário, se preparando para abrir.
Torcia para que não o visse, mesmo que fosse um pouco ser demais para dar certo mesmo estando escondido por trás de tantas lanças que faziam uma espécie de parede de aço. Mas sabia que assim que o móvel fosse aberto, sua presença seria denunciada pelo seu odor de humano que eles sentiam.
Como os braços do ser de um pé eram fracos houve uma dificuldade.
— Ei, você que está mais perto, me ajude aqui. — Ordenou o terceiro ao primeiro que estava mais perto por ali vendo debaixo até de pequenas mesinhas, mesmo que aquilo fosse ilógico caber alguma pessoa ali embaixo.
Tendo ajuda, a portinhola foi preparada para ser aberta.
James já contava por ser descoberto, e por isso, pensou logo num plano de ataque para fuga, onde seria requisitado ter que machucar o braço de qualquer um dos dois que estivessem mais perto de si, pegar sua lança e correr para a próxima porta mais cerca para ir a qualquer outro lugar.
Mas no mesmo segundo em que os dois seres abriram a portinhola, um braço agarrou sua cintura, e uma mão tampou sua boca, e lhe puxou para trás para um cubículo estreito, do mesmo tamanho que o armário.
A primeira coisa que pensou foi que seus planos tinham ido por água abaixo e que em sequência teve a proeza de ser capturado por algum outro ser que estivesse naquela mansão, pois era fato de que não eram só aqueles com um pé que estivessem ali.
— James, acalme-se. — Sussurrou uma voz grave e rouca em seu ouvido, ação feita por estarem em um espaço apertado.
E todo seu corpo que estava imerso em uma adrenalina desesperada mergulhou em um oceano de alívio.
Mas ao mesmo tempo, segundos depois seu coração começou a bater de um jeito diferente, assim como suas pernas, que teimavam em querer ficar bambas, acompanhando daquele delicioso bater de borboletas em sua barriga, que se transformavam em uma quentura que ia para suas bochechas.
Claro, como não ia ter alguma reação com alguém tão próximo às suas costas, lhe segurando daquela maneira tão preocupada, sentindo seu peitoral em suas costas e que ainda por cima, foi alguém que a poucas horas atrás tinha o levado ao céu?
Libertando o rapaz depois que sentiu o mesmo se acalmar por reconhecê-lo, não resistiu de sorriu de canto quando seus olhos se encontraram…
— Que porra está fazendo aqui?! — questionou ao se virar.
É, nada era perfeito…
O deus arqueou uma sobrancelha e balançou a cabeça em negativa, mas ainda mantendo um sorrisinho de canto.
— Eu é que pergunto, James. Não foi avisado que minha mansão estava invadida?
— N-não mude de assunto! — sussurrou — Aliás, como veio até sem… — Antes de completar sua indagação, o deus mostrou uma chave, igual a que tinha roubado dele, e por isso, foi obrigado a ter que mudar sua postura — Você me enganou. — disse, acusando o deus de ter deixado aquela chave com ele de propósito.
Era certo que tendo acordado limpo daquela forma em alguma hora iria encontrar sua chave com ele.
Mas James estava tão imerso naquelas quentes lembranças e sensações que não pensou nesse detalhe sobre o deus ter percebido pela falta da chave e de ter deixado esta primeira com ele de propósito para segui-lo.
— É claro. Eu queria saber o que um certo rapazinho teimoso e ardiloso queria fazer com um pertence valioso meu. E aliás, eu é que fui enganado aqui.
— Você?
— Sim. Você estava ali no meu aposento, estava roubando… eu pensei que fosse poque… pensei que…
— Pensou o quê? — questionou, o interrompendo propositalmente, por entender do que o deus estava querendo dizer.
E como se o deus tivesse tido toda sua coragem de continuar o que queria dizer, respirou fundo e mais uma vez balançou a cabeça em negativa. E continuou:
— Em nada, James.
— Pode me responder como fez isso? — perguntou, apontando para a porta fechada que batia em seu peito atrás de si, e que naquela hora havia dois seres de um pé tirando de forma dificultosa aquelas lanças do armário onde estavam.
— Eu tenho o domínio sobre todas portas de minha mansão.
— Mas aqui não havia nenhuma! — disse, apontando para atrás de si.
— Tem certeza? — disse o deus, apontando para a parede atrás do rapaz.
James se virou de novo, tendo que ficar de costas para o deus pelo lugar ser apertado, e consequentemente tendo que sentir o peito do deus em suas clavículas.
E lá estavam, linhas douradas, tortas por causa da textura irregular da madeira, esta que era o fundo do tal armário de lança.
James achou muito curioso e interessante aquilo.
— Fiz em vários lugares. Por precaução. Nunca se sabe. Ainda mais quando se conhece como é o temperamento de seu rei. — disse Kýrios, respondendo à pergunta silenciosa do rapaz, que tocava nas linhas douradas.
— Isso é… icor?
— Consegue distinguir?
— Sim. Quer dizer, acho que consigo, porque… bem, já estou convivendo tempo suficiente com vocês para saber que tudo é feito a base sangue e sacrifícios.
— Muito esperto. — Sorriu sem mostrar os dentes — Sim, toda mansão de qualquer deus tem a sua essência. Cada um usa como julgar melhor. E eu decidi por fazer portas com meu sangue. — explicou.
— Muito sensato.
— Obrigado, James. — disse, em seu ouvido.
James sentiu todos os poros de seu corpo se eriçarem, mas fechou os olhos, e respirou fundo para se conter de soltar alguma bobagem de sua boca, ou de fazer qualquer ação mais… ousada, a aquilo que ao seu ver pareceu uma provocação.
Então, para isso não acontecer e também para se distrair daquilo que sua mente volta e outra pensava, continuou a falar:
— Eles podem nos sentir?
— Podem, mas não vão achar nada. Vão continuar confusos como estão. Aqui é meu lar, meu pequeno domínio. Então é claro que sentirão minha energia em tudo. Assim como a sua, já que com certeza foram informados que você esteve hospedado aqui comigo. Mas, qual é o seu plano, James?
James mordeu os lábios, sabia que essa hora chegaria.
— Me lembrei de algumas coisas sobre aqueles pássaros. Coisas que minha mãe, que é uma historiadora, me contava. Esses pássaros só podem ser derrotados com metal de deuses, e com flechas embebidas em sangue de hidra. Então…
— Por deuses, James. E você queria fazer tudo isso sozinho?!
— Sim! Pelo simples fato de que ter toda nossa equipe chamaria a atenção de quem estivesse aqui. Assim como eu chamei! Ou melhor… essa pena é sua? — tirou do bolso uma pena de cor creme.
— Não. Essa pena é justamente do que está nos caçando.
James arregalou os olhos.
— Merda… Então foi isso! Ah um pássaro que me seguiu! E é inteligente! Me assustou de propósito para aquelas coisas me procurarem aqui neste cômodo!
— É bem possível que algum deles esteja aqui. O que quer dizer que podem ficar sabendo de seu plano.
— Ou não. Acho que é somente essa ave daqui. Ou então já teriam mais outros em meu encalço neste momento. Mas de qualquer forma, temos que sair daqui sem muito alarde, pegar minha lança, achar o metal certo e irmos até onde vive uma hidra. E já que está aqui, vai ter que ajudar.
— Nem precisa me ordenar, James. — disse o deus já animado, se preparando para executar plano do rapaz.
Os três seres ainda procuravam pelo rapaz, e pareciam não querer sair tão cedo daquele cômodo. Vendo isso, James pensou em algo um tanto arriscado.
— Kýrios, você pode invocar agora seu arco e flecha?
— É claro que posso. Mas creio que aqui ficará um pouco mais apertado se eu fizer isso agora.
— Não tem… problema. O que importa é sairmos daqui ilesos, e voltarmos logo pro Japão. — disse, um tanto nervoso pela ideia de ter seu corpo ainda mais pressionado naquele espaço pelo deus.
Acatando o pedido do rapaz, Kýrios invocou sua arma, e como tinha previsto, ficou tudo mais apertado ali dentro.
James por sua vez se focou em olhar pelas brechas da madeira os dois seres ainda tirando as lanças, suas posturas e guarda estavam baixas, totalmente distraídos em sua função.
— Kýrios, suas flechas conseguem atravessar essa expessura de madeira?
— Minhas flechas atravessam qualquer coisa, até o mais duro dos corações.
— Kýrios.
— É verdade! Não estou falando só figurativo. Elas literalmente atravessam qualquer coisa. Mas sempre de acordo com minha vontade. Sabe, coisas relacionadas a sentimento e sua força…
— Certo. Então… — olhando mais uma vez para fora, mas agora em uma outra fresta, encontrou um ponto onde achou que seria o ideal — acerte aquele ponto. — Indicou.
O deus teve que se mover para poder ver onde teria que acertar, e por isso, ocasionou de mover certas partes do corpo…
James mordeu os lábios para não soltar algum som pelo susto que teve quando sentiu uma parte saliente do deus encostar em sua cintura.
— Hm… tem certeza James?
— Sim, muita certeza. — respondeu, nervoso, mas tentando disfarçar isso com tom de seriedade.
O deus assentiu, e ajeitou o arco de maneira que ficasse ao lado de seu corpo. Pegando uma flecha e ajeitando na corda assim como a posição de seus braços somente para um lado totalmente desconfortável, esticou a corda e fechou os olhos depois de visualizar seu alvo.
E somente com três centímetros esticados, a flecha transpassou a porta e a portinhola, passando tão rápido entre as duas criaturas que nem perceberam uma haste praticamente mortal passar ao lado de suas cabeças.
E de modo certeiro, acertar um jarro de flores lá no corredor, quebrando-o em centenas de pedaços.
— Está tentando escapar! Temos que pegá-lo! — disse o segundo ser.
Isso foi o suficiente para chamar a atenção dos seres de uma perna, que sem qualquer orientação ou ordem de seu superior, que também correu, saíram avulsos atrás da tal coisa “invisível” que tentava fugir deles.
Com o cômodo liberado, James colocou a mão na maçaneta para poder já abrir a porta e sair daquele aperto.
Mas o deus o impediu, o agarrando pela cintura com um braço.
— K-Kýrios? — lhe chamou, sentindo o toque quente do deus em sua barriga.
— James, olhe. — Indicou um buraco para observar.
James não hesitou, e quando olhou para o buraco da fechadura, viu uma pequena movimentação na sala.
Um tilintar ritmado, não dava para ver de onde vinha, mas algo acontecia.
Um vulto passou por entre os móveis, pousando no braço de uma poltrona perto da lareira: era um pássaro, este de cor branca com penas escuras nas pontas.
— É um deles.
— Sim, assim como você disse.
— Merda…
— Não se preocupe, ele também está confuso, está lhe buscando, já que o viu entrar aqui e não ser encontrado.
— Temos que espantá-lo, e tem que ser já. Não podemos ficar aqui esperando a boa vontade deste pássaro ir embora. Ou talvez…
— O que tem em mente?
— Se eu conseguir acertá-lo com a minha lança, este pássaro será absorvido também?
— Hm… acho que sim. Mas como é um ser racional, é possuidor então de uma alma, e sabe, a alma pode ir para aquele lugar onde nós dois ficamos. E onde também está agora Erictônio…
— Ah, sim, má ideia. — disse James, lembrando da alma de seu ex-sogro, e na promessa de protegê-lo também.
— Eu posso acertar outra flecha, para distraí-lo. Eu posso fazer isso até você achar o metal, e então podemos voltar aqui e irmos para onde você planeja. O que acha?
— É um excelente plano, mas é arriscado. Você não pode se pôr em perigo, este é meu trabalho.
— E o meu é protegê-lo. E vamos ficar nesse impasse se formos ficar discutindo isso. — Argumentou.
James revirou os olhos e respirou fundo, esfregando o rosto.
— Você está certo. Não temos tempo a perder. E… — Se dando conta de que o deus ainda o segurava pela cintura, sentiu suas bochechas queimarem ao olhar para baixo e ver mesmo que pouca luz, aqueles músculos do antebraço ao redor seu corpo. Era uma visão que o fazia pensar em coisas indecentes, ainda mais por estarem com os corpos praticamente exprimidos dentro daquele cubículo —, acho que já pode me soltar, Kýrios.
— Ah, sim, é claro. Me desculpe. — disse, retirando seu braço, seu movimento parecia ser também de alguém que estava tenso por alguma coisa — Então estamos combinados?
— Combinados. Sua hora de brilhar, deus.
Kýrios arqueou uma sobrancelha ao ser chamado assim, mas não reclamou.
Alinhando de novo seu arco em uma outra direção, o deus tirou uma outra flecha de sua aljava, arrumou no arco e apontou para onde queria e, esticando a corda, lançou a flecha para a janela.
Tal objeto passou muito rápido, e como consequência, também chamou a atenção do pássaro, que olhou curioso para a janela e o céu lá fora, em seguida batendo suas asas para seguir o vulto dourado que saiu da mansão.
Dois segundos depois, James saiu do armário, junto de Kýrios que se encaminhou logo para a janela.
Mas antes que virasse de costas, James lhe chamou.
— Tenha cuidado, Kýrios.
Sorrindo sem perceber, assentiu em cumprimento.
— Voltarei ao seu sinal. Tenha cuidado também, James. — e deu uma piscadela, se virando enfim, abrindo suas asas e subindo na murada, se jogando no abismo para segundos depois estar nos seus assim como aquele pássaro.
James respirou fundo, sentindo umas batidas descompassadas no peito ao mesmo tempo em que sorria, correspondendo sem querer o deus.
Mas assim que se deu nota disso, deu pequenos tapas em seu rosto para voltar seu foco na busca pelo metal. Como tudo estava mais mastigado, só lhe restou pegar sua lança e continuar a fazer os testes.
Primeiro foi nas espadas, que faziam a lança vibrar numa frequência aguda, mas que não irritava o bastante para ser insuportável. Depois foram nas bestas, estas que deixaram uma dúvida terrível, pois mudava uma para outra parecia que ficava pior aos seus ouvidos, mas julgou que poderia ser uma conformidade que seu sistema auditivo estivesse formando. Passou para a adaga, esta foi reprovada.
Quando já ia passar para a maça, ouviu vozes ao longe.
— Merda…! — xingou, apreensivo.
Eram aquelas criaturas de novo.
Retornavam para terminar de fazer sua vistoria naquele cômodo, mas por parecerem estar cansados, vinham conversando, parecendo parar no caminho dos longos corredores que mansão tinha.
James não perdeu tempo, testou logo a maça.
— Porra! Qual é o metal certo?! — xingou.
As vozes do corredor se aproximavam, ele tinha que agir depressa, mesmo que não tivesse mais tanto tempo que pensava que fosse ter.
Um erro de cálculo, tinha que admitir. Culpou o fato de ter sua mente se distraindo com “bobagens” das quais de segundo em segundo rondavam sua mente, e por isso, sua capacidade de planejar estava bem abaixo do que se costumava ser.
— Você que é um bobo! — disse a primeira criatura.
— Você que é! Eu disse que poderia ser uma armadilha. Mas você nunca me escuta! — disse a segunda.
— Não adianta lamentar. Se fugiu, fugiu. Esse trabalho não está mais em nossas mãos. Fizemos nosso trabalho, aliás, vamos terminar aqui, só para seguir o protocolo e não sermos punidos.
James se via sem opções. Sentia que o metal certo estava perto, talvez diante de seus olhos, mas havia alguma coisa errada.
Até um pensamento lhe surgir e dar um sentindo a sua procura.
— É bem possível. — disse, olhando para todas aquelas armas as quais separou e que sobraram em sua seleção — Na dúvida, pegue todos. — disse a si mesmo, já procurando uma corda, encontrando somente aonde amarrava um estandarte na parede a sua frente.
Com sua lança, cortou de forma rápida, pegando a peça toda que lhe serviu perfeitamente para pôr tudo dentro do tecido e em seguida, amarrar todas aquelas armas dentro, fazendo uma espécie de rocambole de espadas, bestas, adagas e maça.
Era pesado, mas o que podia fazer?
Correndo para a janela, focou sua vista em procurar pelo deus, mas não havia nenhum sinal do mesmo.
— Porra, Kýrios, onde você está?
As vozes dos seres se tornavam mais próximas.
Voltando para o cômodo, resolveu com toda cautela possível arrastar aquele embrulho de armas até chegar à varanda.
Seus braços doíam pelo esforço, até a ferida em suas costas começou a dar pontadas de dor pela força exercida.
— Não me fode… — disse, ao sentir uma dor aguda vir de suas costas, provando que aqueles três dias não foram suficientes para lhe dar uma cura adequada.
Mesmo assim, persistiu. Mas foi nessa persistência em arrastar aquelas armas que uma de suas pontas se chocou contra o piso de mármore, tilintando, ecoando o som metálico pela sala.
— Meu Deus… — murmurou.
E lá veio…
Três seres lhe mirando estáticos, com feições incômodas, parecendo não acreditar que logo eles pudessem ter sucesso em sua captura.
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Capítulo 35
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Missão Ágape
O Olimpo está em crise, e tudo porque de repente uma profecia disse que um deus iria dizimar o seu sistema e tudo que eles lutaram para conquistar e poderem estar no poder até hoje.
E é...