Capítulo 40
Os pássaros foram dizimados, todos tinham uma sequela daquele confronto que os deixou com fios prateados e um cansaço constante, como se todo o peso do mundo estivesse em suas costas.
Mas mais que isso… James mais uma vez se sentia o pior ser humano do mundo. Se culpava pela morte de Tânatos, se culpava por não ter pensado mais e por ter agido tão precipitadamente quando atacou o deus com aquela lança, que fazia já horas olhando para ela e se lembrando do quão impulsivo e emocional foi por não ter conseguido ver as coisas com mais clareza, e não só pelo que aparentavam ser.
— Aí está você. — lhe chamou o gigante com certo escárnio irritadiço.
— Panoptes, por favor… eu não posso falar agora…
— Shifu. — lhe chamou dessa vez a moça, muito preocupada em seu tom.
— Gente, eu não quero falar agora, eu peço, me compreendam que…
— Shifu tem que ficar forte! Deus do amor precisa cuidar. Ele precisa muito você.
James sentiu uma centelha de vergonha surgir em seu peito ao se lembrar disso, de que havia um outro deus a quem ele tinha que lidar e possivelmente… sofrer as consequências de uma punição por ter matado o deus da morte. Porque claro, como iria sair ileso quando tinha assassinado o seu melhor amigo? E pior, possivelmente dificultado muito mais as coisas, já que uma baixa desse nível era algo como voltar cem passos naquele jogo pela sobrevivência.
— Como ele está?
— Veja com seus próprios olhos. — disse o gigante.
James não entendia como que o gigante não ainda tinha partido pra cima dele e pelo menos quebrado algumas costelas por ter matado seu amigo também, mas dadas as circunstâncias, pensou que o gigante tenha escolhido o caminho por seguir em frente e deixar para se vingar depois de tudo do que fazer mais uma baixa e deixar as coisas ainda mais complicadas do que se tornaram agora.
E a teoria se provava verdade por causa do tom magoado do gigante, que parecia se segurar para seguir tudo de forma o mais profissional possível.
— Shifu. — correu até o rapaz, se colocou a sua frente e lhe fez uma reverencia antes de sair do quarto da hospedaria — Não ficar culpado. Não fazer nada errado. Shifu queria proteger. Intenção de cuidar! E eu não acreditar traição do deus cabelos brancos também. Ele me deu isso. — apontou para o segundo fragmento na sua mão, este que estava ao lado do seu, e ambos vibravam um pouco, parecendo buscar um lado onde poderiam se unir como dois ímãs.
— Obrigado, Li-Hua… mas…
— Shifu está certo! Não errar! E cabelos brancos… ser acidente! Engano! Não ter como saber se deus é mal. Ninguém saber. E ele… estar bem.
James franziu o cenho diante daquele último comentário.
— Li-Hua… — fungou em agradecimento — Como pode confiar em mim? Como pode não ficar brava? Eu falhei. Não sou digno de sua admiração. E… Como pode saber se ele está bem? Você não viu? Eu o matei!
— Ele morrer. Mas está bem. Sentir isso. Vive na morte. — disse, pondo uma mão contra seu próprio peito.
— Será que você realmente herdou algum dom de bruxa de sua mãe?
— Não ser bruxa… mamãe disse isso. Não ter talento. Não ter dom. Nenhum.
James semicerrou seus olhos, tentando notar se a moça escondia algo sobre aquilo. Mas parecia mesmo que nada ocultava.
— Mas ainda sim… sente coisas especiais. Talvez você…
— Será que pode parar de conversar e se mandar? Vá, Pista de Parca, vá fazer suas obrigações. — disse o gigante, de forma muito grosseira, havia claramente uma vermelhidão em seus olhos que tentava segurar para não transbordar.
James assentiu sem rebater, sabia que não tinha esse direito depois de ter contado a situação toda para ele e para a moça, mesmo que tivesse explicado que, assim como Li-Hua tinha dito, não tinha como saber se Tânatos estava os traindo naquele momento. Tudo tinha uma grande suspeita. Mas agora ele podia ver que o gigante e o deus da morte tinham uma amizade mais forte do que ele pensava, e por isso, mesmo entendendo que foi um acidente, estava magoado, sentindo a morte do amigo, assustado em pensar em quão poderosa era aquela lança para ter essa força e capacidade de matar um deus do porte de Tânatos.
Nem James sabia disso.
Li-Hua, que mesmo entendendo o erro do seu mestre não quis abandoná-lo, ainda tinha esperança de que tudo não passava de um mero plano bem elaborado tanto dele quanto do deus da morte, e de que ele não havia morrido, de que era tudo parte de algo maior.
Se despedindo da moça, dando um aceno de cabeça para ela, enfim saiu do quarto.
•
O deus do amor se encontrava adormecido, e seus cabelos, assim como o de todo o grupo, estavam com alguns fios brancos, junto de uma aparência pálida, as asas ainda estavam visíveis, ainda bem que não havia ninguém pelos corredores aquela hora da manhã a não ser a dona da hospedaria, que perguntou o que havia acontecido com o “moço loiro” para ele estar envolvido no “cobertor de penas”, mas como ninguém sabia falar japonês tiveram que ir por mímicas, tentando fazer uma interpretação de que ele havia bebido demais e que eles só estavam mareados com alguma comida. Quanto aos fios brancos… tinta. Uma aposta de bêbados.
James sentou ao seu lado no futon, de frente para seu corpo, velando seu sono enquanto se preparava para explicar como tinha matado seu amigo acidentalmente. Ensaiava mentalmente e buscava palavras e discursos diplomáticos de que se lembrava quando desembargadores ou políticos amigos de seu pai iam lá em sua mansão visitá-lo para negócios extra confidenciais os quais nunca foram compartilhados nem com a Sra. Imogen Payne.
— Hm… — murmurou o deus, franzindo o cenho ao se mexer.
James inquietou-se, engolindo em seco e se levantando do futon, ficando em pé, arrumando sua postura e respirando fundo para aguentar qualquer discussão ou lamentos onde ele poderia sair mais machucado do que já estava em sua culpa.
Ao abrir os olhos, o deus buscou por uma referencia familiar quando se deparou com o teto amadeirado, suavizando seu semblante quando encontrou o rapaz ali em pé encostado contra a pilastra central do quarto.
— James… — sorriu, e com um pouco de dificuldade em seguida se sentou, olhando mais uma vez para o moreno, e franzindo o cenho ao perceber algo em sua figura — Você está pálido… E o que houve com seus cabelos?
— É uma longa história…
— Nós… ganhamos? — perguntou, ao dar-se conta de que estava um sol forte lá fora e se lembrando da última coisa que tinha feito antes de apagar de vez: que foi tocar castanholas.
— Ganhamos, Kýrios.
— Então porque está assim? Porque sinto uma confusão intensa e tristonha em você? O que houve? Alguém se feriu? Onde está todo mundo?
Aquela série de perguntas uma atrás da outra deixava tudo mais complicado em sua mente, não havia um melhor jeito de começar, e nem de anunciar, só havia a verdade, que em breve lhe destruiria.
Respirando fundo e pousando as mãos em sua própria cintura, recomeçou:
— Primeiro de tudo, Kýrios, sim nós vencemos. Foi um tanto confuso e caótico, mas aqueles pássaros se foram. Panoptes e Li-Hua estão no outro quarto, e estão bem, mas assim como nós, estão exaustos e com essa aparência estranha.
— Espera, eu também estou assim? — o deus rapidamente invocou sua aljava e tirou de lá uma flecha, uma em que a ponta era tão polida que o metal parecia um espelho de tão impecável — Deuses… estou horrível! Essas olheiras! Essa pele! E… meus cabelos! O que aconteceu? Houve alguma interferência divina? Foi Apolo? Hécate?!
— O quê? Não! Estamos assim porque… sim, teve uma interferência divina. Mas é que… — passando as mão no rosto, tomou forças para encarar o deus e de uma vez por todas contar — Kýrios, eu cometi um erro. Um erro que custou uma vida. — e abaixou sua cabeça, sentindo uma dor em seu peito, uma grande vergonha e uma culpa sem tamanho. E estava agora pronto para arcar com as consequências — Tânatos.
O deus do amor franziu o cenho, e sorriu em descrença.
— Tânatos… está tentando me dizer que… meu amigo… morreu?! O deus da morte morreu? Isso não é possível!
— Foi possível. E a prova está em nós, em nosso estado. — disse, apontando pros seus próprios cabelos e os do deus.
— Há algum engano… Isso não é possível. Não há como… Tânatos é a própria morte… ele não… ele não pode…
— Eu o feri com a lança porque fui burro! Descobri muito infelizmente que ela é capaz disso. Ele agia estranho… Ele fez aquelas coisas sem avisar… Agora não sei o que virá. Sei que alguma coisa vai acontecer, eu estraguei tudo! Mas se me der uma chance, eu posso resolver!
O deus franziu o cenho, e mirou para o rapaz numa mistura de confusão e descrença, seus olhos começavam a ficar marejados, assim como sua feição que mudava para um tom mais entristecido, e por isso, por ver o deus ir para este humor fúnebre, seu coração se apertou e um desespero lhe surgiu.
— M-mas se não quiser me dar esta oportunidade de arrumar as coisas, estou disposto a encarar qualquer merda! Quer me enviar pro inferno e ir atrás de alguma coisa pra consertar? Eu vou! Quer que eu rodeie esse mundo atrás de algo que possa substituir Tânatos até que achemos Psiquê? Eu faço! Ou eu posso fazer algum sacrifício! Exato! Talvez eu venda minha alma para algum deus que você conheça e que posso ter o poder suficiente para pelo menos nos dar um norte! E-eu só preciso de tempo… Kýrios?
Por estar muito nervoso, as palavras começaram a sair de sua boca sem que conseguisse contê-las ou filtrá-las, chegando ao ponto de institivamente querer tentar uma redenção se fosse possível.
Mas para sua surpresa, em vez de receber gritos ou a ira de um deus, recebeu braços envolta de seu torço.
— Kýrios…?
— Fique calmo, James.
— Não! Não posso ficar calmo! Eu errei! Você não pode me abraçar assim! V-você tem que…
— Te punir? Ou te executar para vingá-lo?
— Exatamente!
— James… — se afastando só o suficiente para lhe mirar nos olhos, continuou — Sim, você errou. Todo mundo erra não é?
— Sim, mas isso foi uma coisa grave! Eu assassinei seu melhor amigo! Eu coloquei tudo a perder! Você não pode agir assim com tanta…
— James, olhe pra mim. — disse, envolvendo o rosto do rapaz entre suas mãos por saber que só assim o moreno se acalmaria — Nada está perdido. Sim, estou muito triste por esta notícia, estou triste por você e por todos. Mas veja, tudo ainda está aqui. Você está aqui. Então há esperança em algo.
— O que quer dizer?
— Eu não sei… só sei que não quero te ver assim. Errou? Tudo bem. Siga em frente e não erre de novo. Por favor, não gosto de vê-lo assim. Gosto de ver aquele James esperto e orgulhoso pensando em mil estratégias. Gosto de ver… — de repente seua olhos abaixaram para um lugar abaixo do nariz do rapaz, mas rapidamente tratou de erguê-los e focar nos olhos do moreno — sua força. E eu estou aqui para ajudá-lo também.
— Me perdoe, Kýrios…
— Perdão concedido.
— Você não pode ser tão fácil assim! É injusto!
— James… — fungou, acariciando em seguida a maçã esquerda do rapaz — Não seja tão duro consigo mesmo.
— Falando assim parece até que não sente pela morte dele!
— Eu sinto. Mas também sinto que isso tudo pode ser revertido.
— Revertido?
— Sim. Olhe para nós. Estamos todos vivos ainda. Tânatos é muito esperto também. Antes de você chegar ele era o nosso cérebro. E com certeza ele deve ter deixado algo para você, já que esperto como ele.
Ao ouvir isso, um calor e uma luz de esperança se reacendeu dentro dentro de si.
— Ah, então acertei. — disse o deus, dando um pequeno sorriso de canto ao ver olhos do rapaz arregalados e agora com mais alto astral.
— Ele me deixou iss…
James ficou atordoado quando de repente, e antes de se afastar, o deus deu um pequeno selar em seus lábios. Mas isso não foi o suficiente para deixar de inquerir sobre aquela ação inesperada, mas também não conseguindo, porque o deus se adiantou.
— Lhe dei um pouco de endorfina. Está melhor?
— E-estou. — respondeu, lembrando-se de respirar — Estou. — repetiu, enxugando seus olhos das lágrimas que conseguiu segurar.
— Que bom, isso significa que podemos continuar de onde paramos.
— De onde paramos? — perguntou, ainda um pouco tonto do selar e da sensação boa que se espalhava pelo seu corpo. Foi tão rápido e somente um rápido encostar de lábios… mas foi forte o suficiente para lhe dar um calor que se iniciava em sua nuca e ia para sua barriga, se transformando em outros tipos de calor, e por isso, sua mente logo o levou para assuntos inapropriados sobre aquela frase do deus.
— É, sobre buscar aonde se encontra a pista aqui em Tókio.
— A-ah, sim, as pistas…
— James.
— Sim?
— Sua pálidez está sumindo. Que bom ver isso.
— O-obrigado pelo favor. E… obrigado pela compreensão.
— Amigos são pra essas coisas.
— Verdade. Amigos são pra essas coisas.
Um pequeno silencio se instaurou, ambos pareciam estar se perdendo no olhar um do outro, talvez porque queriam falar muitas coisas, mas nada podia ser dito. Havia coisas, havia “ela”, e havia uma honra a zelar, pelo menos era o que o deus mentalizava enquanto se via preso naquele olhar esmeralda do moreno, este que por sua vez se continha para não pular em cima do loiro e por fim ceder a aquele pedido louco daquela deusa em “cuidá-lo”.
Mas o ambiente intimista logo se desfez quando a porta foi aberta. Os dois institivamente se afastaram como se fossem dois adolescentes fazendo algo de errado.
— Panoptes? Por deuses, você está terrivelmente horrível! — disse o deus do amor, verdadeiramente surpreso ao ver o gigante naquela estampa pálida.
— É, e você parecesse um pombo atropelado por uma biga. E já que está de pé, vamos logo embora daqui. — disse, ignorando a existência do rapaz ali no quarto.
O deus percebeu e sentiu a aura hostil do gigante direcionada ao rapaz, e por isso quis logo resolver aquela situação.
— Eu tenho uma sugestão. Porque não ficamos um pouco mais e descansamos enquanto Tânatos não chega?
O gigante franziu o cenho.
— Kýrios, o que está dizendo?
— Estou dizendo para esperarmos pelo nosso amigo.
— Mas ele… — e só então olhou para James, mas ainda em um tom muito magoado — Este humano matou nosso amigo!
— “Humano”, oras, Pano. Este humano tem nome sabia?
— Você está senil? Você está entendendo qual é a situação? Este rapaz matou o Tânatos com a merda daquela lança maldita!
— Ei, ei, calma Panoptes. Sim, ele me contou tudo.
— E?
— E que, bom, não sou esperto como vocês, mas sei sentir o ar e as coisas envolvidas em energia e sentimentos, e nisso eu sou um… deus. — disse, fazendo um trocadilho fora de hora que fez o gigante revirar os olhos por estar de mal humor — Panoptes, eu sinto a divindade dele. Não sei dizer, mas ainda sinto.
— A moça Li-Hua também disse a mesma coisa. Então há alguma esperança nessa merda toda… Mas isso não tira a culpa dele!
— Panoptes, eu sei que nesses cem anos você e Tânatos ficaram bem amigos, sei que está sofrendo.
— Não estou sofrendo! Estou furioso com o erro desse mortal!
— Ah, sim, “não está sofrendo”, mas tudo bem, o que está em jogo aqui agora é: o perdão. Como vê, e como você mesmo se vangloriou em frisar, James é humano, e como há um ditado entre eles, “Erra é humano”… então está dentro dos padrões deles. Seria estranho e imperdoável se ele fizesse tudo isso de caso bem pensado. Mas apesar de ele se mostrar inteligente, ainda sim pode errar. O que o torno inocente e culpado ao mesmo tempo.
O gigante arqueou uma sobrancelha, e olhou de esguelha para o rapaz, retornando sua atenção no deus.
— Deuses e seus caprichos. Era de se esperar que alguma hora aconteceria.
— O que está querendo insinuar Panoptes?
— Nada. A não ser o fato de que tenha ficado tão “perspicaz” assim do nada. Que bom James, pra alguma coisa ainda é util. — disse, olhando ainda magoado para o rapaz.
— Não ouse, Panoptes. — advertiu o deus, entendendo agora a indireta do gigante.
— Ah sim, eu ouso. — desafiou.
O deus e o gigante se miraram bélicos, e pareciam se preparar para alguma confusão, mas isso foi logo impedido por algo, ou melhor, por quem, que se interpôs entre eles dois de repente ao quebrar o piso e fazendo aparecer do chão uma mão cadavérica de pele envelhecida, ressecada, e cheia de arranhões e icor prata escorrendo de sua palma.
— Parem… de brigar. — disse o ser, chegando ali entre ambos em uma sombra que também surgiu do chão subindo como um morto-vivo saindo de sua tumba.
— Tânatos! — disseram os três ao mesmo tempo, cada um em seus respectivos sentimentos de alívio.
E claro, o primeiro a ir ajudá-lo foi Panoptes, que rapidamente ergueu o deus, que estava com vestes maltrapilhas, em algumas partes chamuscando, espalhando um odor forte de queimado.
— Por deuses! Onde você esteve?! Esse cheiro… Eee… parece até que esteve no estômago de um Kraken. — comentou Kýrios cobrindo o nariz com uma mão.
— Flegetonte. Era o único lugar onde eu poderia me erguer novamente sem ser visto ou seguido. — respondeu conciso.
— Você esteve naquele lugar?! Isso é uma injustiça! Sob que crime?! — questionou Panoptes.
— Nenhum. Só que… tive que me alimentar. E me curar.
— Flegetonte… o rio de lava? — se pronunciou James, e logo ambos deus e gigante lhe miraram, o primeiro parecia curioso, o segundo ainda tinha uma mágoa.
— Sim, James Payne. O rio do sofrimento, da dor, lugar punição de almas cruéis. — respondeu Tânatos, enquanto se esforçava para se levantar.
James se sentia envergonhado de estar diante do deus que feriu, e ficou ainda pior em saber que sofreu por causa de sua impulsividade e falta de percepção, mas também havia o que o deus do amor e a moça tinham dito, não tinha como ele saber se o pálido deus tinha alguma culpa. Ou tinha?
— Eu… estarei lá no outro quarto se precisarem de mim, com suas licenças senhores…
— James. — disse Tânatos, lhe impedindo de sair do aposento, e lhe dando sinal com a mão para se aproximar — Chegue mais perto.
James sentiu uma linha de pavor naquele pedido, mas de repente teve uma sensação mais branda de confiança, como uma intuição lhe dizendo que poderia arriscar, e mesmo se não tivesse esse sentimento, iria da mesma forma somente para aceitar qualquer punição pelo seu erro.
— Sim?
— Erga sua mão, e abra sua palma.
— Entendido. — Acatando a ordem fez como foi indicado.
E sobre sua palma, o deus fez um corte com sua unha, fazendo a palma do rapaz se encher de sangue até que transbordasse do chão. Os pingos vermelhos não ficaram em seu lugar como a física mandava, ao em vez disso começaram a forma uma espécie de agulha avermelhada que se tornou sólida, com uma textura metálica que tinha um anel na ponta. E assim que todo o sangue foi consumido do chão, tal objeto que se formou caiu, tilintando no piso amadeirado.
— O que é isso? — perguntou Kýrios, muito intrigado — Parece um alfinete…
— É um alfinete. — disse Tânatos.
— Eu… não estou entendendo. O que isso quer dizer?— perguntou James.
— Você recebeu uma flor, uma lótus amarela, amarela ao ponto de ser dourada. Em meus conhecimentos, representa felicidade, alegrias e dentre muitas outras coisas… mas principalmente, a mente.
James arregalou os olhos, entendendo a dica.
— Meu De… deuses… — murmurou — Então isso é uma pista de…
— Psiquê. — disse Kýrios, seu semblante ficando numa mistura de felicidade e tristeza, uma esperança renovada em seu coração — Por todos deuses! Isso é uma mensagem direta dela! O que mais Tânatos?! O que significa agora esse alfinete?! E porque isto ser revelado para nós somente agora? Minha flecha não tem mais serventia?
— É uma chave, Kýrios. — disse James, sentindo em seu peito algo incomodo com a animação do deus do amor sobre aquilo — E creio eu que isso tem uma ligação com a pista principal que vamos encontrar? — perguntou, se dirigindo a Tânatos, pois percebeu que o deus tinha algo mais para contar.
— Sim, tem. Isso é uma chave, mas também é um presente. Quando eu estava conversando com Ortros, ele me disse que tinha algo de Psiquê que ele estava guardando dentro de si, mas como estava encantado a única maneira de tirar dele seria ceifando sua vida, mas eu não podia contar ou explicar para ninguém. Ele me disse… que era por causa de um ser que está a perseguindo, o mesmo que forjou toda essa profecia criminosa para você e ela
— Um… Presente…
— É uma ajuda de Psiquê. Esse alfinete serve para você sacrificar cada pétala que tiver nessa flor, e com isso, te protegerá da morte eminente, porque em cada pétala tem um pouco da divindade dela. — contou.
Todos no quarto ficaram em choque, menos Tânatos.
— Espera, eu ainda continuo sem entender isso tudo. Como que você recebeu estas informações? Porque a flor dourada apareceu em suas mãos? — questionou Panoptes.
— Quando estávamos naquela confronto com os pássaros, e quando chegou o momento em que Ortros começou a cavar, aquilo era uma mensagem para mim. Ele estava ao mesmo tempo nos ajudando a nos livrar dos pássaros, assim como também me dando uma direção. E foi então que vi algo embaixo de seu pescoço: uma marca de Hera.
No mesmo momento, Panoptes pegou em seu próprio pescoço e franziu o cenho ressentido, se recordando de tal marcação, mas se manteve em silencio, não querendo dizer nada sobre aquilo.
— Uma marca de Hera? Então quer dizer que Ortros estava sob o comando dela… então foi por isso que você o matou. E eu pensei que você… — James fungou, cobrindo o rosto ao entender tudo mesmo sem o deus terminar ainda, e Tânatos iria finalizar por aí, mas o deus do amor se pôs em sua frente pedindo com o olhar para que continuasse.
— Eu não podia parar para avisar e explicar, como eu disse antes. Eu também senti que havia algo nos observando.
— Algo? Ou é alguém? — perguntou Panoptes.
— Algo. Uma força muito maior que todos nós. E eu não tive opções a não ser ter que agir de forma estranha ao ver de todos. Mas também era meu dever como amigo, livrar você e… Ortros. Eu soube naquela hora que ele iria sofrer muito depois daquela traição à Hera. Eu não podia deixá-lo nas mãos dela. E ele também escolheu isso, me deu sinal verde para por um fim a sua existência. E assim fiz. Além de ter que me apressar em colher essa lótus, um presente de Psiquê. E foi então que tive que dá-la o mais breve possível a você James, ou então jogaria fora a chance dela em lhe ajudar com seu problema, pois isso queimaria enquanto eu estivesse mergulhado no Flegentonte.
— Isso tudo é tão… — James segurou as lágrimas e respirou fundo, olhando numa outra direção para se desfocar do choro e se manter forte, e resolver de uma vez por todas aquele erro — Tânatos, eu quero pedir…
— Não há perdão, James Payne, em algo que você não teve culpa.
— Mas eu te atrapalhei da mesma forma! Eu o feri, e você teve que ir pra aquele inferno! Eu quase fiz o presente dela virar um mero lixo! E fiz todos aqui sofrerem por algo impulsivo de minha parte! Era minha obrigação ser perceptível e ver isso tudo!
— Você estava protegendo a todos. Me enfrentou mesmo sabendo que eu poderia ceifá-lo em um movimento que cortaria até a luz, você não tem culpa senhor James, você só fez o que devia ser feito diante de um inimigo. O que quer dizer que se provou digno, de que a justiça está em você, mesmo que seja até seus aliados, estes sofrerão a sua fúria se lhe trair. E é isso que precisamos. De uma mão confiável para executar e limpar nossos caminhos de possíveis traidores. — disse Tânatos, e depois se virou para o gigante — Agora pare de mirá-lo assim. Estou bem, estamos todos bem. Não há motivos mais para sua ira de vingança.
— Minha vontade agora é de fazer você voltar para aquela banheira de lava! Você poderia nos dar um sinal! Um piscar de olhos! Alguma coisa! E onde foi parar nossas aulas de códigos secretos? Enfiou tudo no…
— Que bom que todos nós nos entendemos! — interviu Kýrios, se colocando ao lado do rapaz, pousando um braço ao redor de seus ombros — Ah, quase me esqueci… Pano, ainda falta uma coisinha, não acha?
— Vocês deuses… — bufou irritado, e se aproximou do rapaz, erguendo uma mão — Me perdoe. — disse, conciso.
— Eu perdoo. Mas também me perdoe pelo incomodo causado.
— Eu perdoo. Pronto, tudo resolvido agora, ou tenho que lamber a bunda de todos aqui também?
— Seria uma prova bem persuasiva de seus verdadeiros sentimentos de estar verdadeiramente me perdoando. — provocou James, ganhando um arquear de sobrancelha do gigante.
Kýrios pigarreou, chamando a atenção do amigo, mas o gigante por causa de uma repentina vinda de mais um integrante que apareceu ali na porta, deixando-o um pouco sem graça.
— Acho que terá que pedir desculpas de novo, Panoptes. Afinal, eu posso ter sido um tanto obtuso neste assunto, mas tenho uma sabedoria sobre etiquetas, e sei que falar em lamber bundas diante de uma dama não é muito adequado. — disse o deus.
É, Li-Hua estava ali parada na porta, um pouco assustada com a discussão, ainda mais por ter chegado num momento tão inoportuno do gigante falando aquilo.
— Shifu… eu ter que lamber…
— Não, é claro que não. Fique tranquila. — acalmou James, os receios da moça.
E claro, por não gostar de ofender moças, Panoptes tratou de corrigir-se mesmo a muito contra gosto, mas isso por causa do tom risonho do rapaz em provocação enquanto lhe mirava ter que quebrar seu orgulho.
— Li, me desculpa. Foi modo de falar. Não vou lamber sua bunda, e nem qualquer outra parte de seu corpo. Até porque não tem nada mesmo pra ser lambido. Pra mim você é como uma aqueles brotos de bambu, ou aquelas plantinhas ornamentais pequenininhas e fofas. — disse, recebendo um franzir de cenho de um rosto que logo se emburrou da moça, que estreitou os olhos e apertou zangada a adaga em sua mão.
— Panoptes. — lhe chamou em advertência Tânatos.
— O quê foi dessa vez?
— Nada. Quer dizer… que tal se agora irmos descansar realmente? Estamos todos muito exaustos. — interrompeu James.
— Antes de fazermos isso, gostaria de tocar em um último assunto: — se pronunciou Kýrios, apontando pra si mesmo, para sua pele pálida e os fios brancos que haviam por todo cabelo — Tân, você sabe, não posso sair na rua desse jeito. E nem James também. Estamos feios! Não que James seja feio, ele é lindo, mas é que…
— Sinto muito por isso, Kýrios. — interrompeu o deus da morte, ao ver que o rapaz havia ficado corado e sem jeito — Era a única forma de voltar pra vocês. Isso sumirá com um bom descanso, pois assim suas vitalidades retornarão e minha essência de morte voltará para mim em completo.
— Então… estamos assim porque… Isso são pedaços de sua alma? — perguntou James.
— Sim. Era o único jeito de ter uma ligação aqui na superfície.
— Entendo… então está tudo bem.
— Tudo bem nada! Estou horrível! Vamos, temos logo que ir dormir para que essas essencias saiam logo de nossos corpos! — disse, puxando o rapaz pelo pulso.
— Ei! Kýrios! Mas nós não…
Antes que sua reclamação fosse ouvida, o deus puxou-o para fora do quarto para irem logo ao outro aposento, deixando para trás três integrantes que se entreolharam em um entendimento mútuo sobre aquela agitação do deus do amor.
Que era muito vaidoso, isso era evidente, mas sua preocupação naquela hora não era nada sobre isso…
Deuses tinham um certo apego em relação a ter suas essencias, vitalidade ou energia quando davam ou emprestavam a um humano… então ter uma essencia de um outro deus naquele rapaz foi algo… incolômodo.
— Amigo do shifu… ele estar com… aquilo ruim no peito? — ousou perguntar Li-Hua, conseguindo uma risada do gigante e um revirar de olhos e balançar de cabeça negativo do deus da morte por causa daquela reação do amigo.
— Você acertou em cheio Li. Só por isso merece um presente, o que deseja? — perguntou o gigante com bom humor.
— Ela não precisa de nada, Panoptes. — interveio o deus, com um cenho franzido e logo erguendo a mão para a moça — Vou acompanha-la até seu aposento. Enquanto isso — se virou para o gigante —, você fique aqui. Como castigo pelas suas faltas de senso.
— Falta de senso? Falta de senso é seu… — recebendo um olhar sério e obsidiano do maior, calou-se — Não me venha com essas bolotas de carvões, ou então irei incendiá-los com essa coisinha nova que tenho aqui. — desafiou, mostrando o matelo de forja incadescente ao deus.
— Tente. — rebateu em correspondencia ao desafio, convidando novamente Li-Hua para acompanhá-lo.
Ficando sozinho no cômodo, não restou ao gigante ter que se acomodar ali, já qur agora era a hora de uma folga de verdade.
E foi nesse momento, quando estava indo pegar água da pequena jarra em cima de uma mesinha perto da janela que também era uma porta para o fundo da hospedaria, ouviu um assobio passar por seu ouvido.
— Mas que merda foi isso… — disse, ao se espantar ao ver um pingo de sangue na região de sua orelha, onde uma ardencia lhe acometia, e perceber que se tratava de um corte.
Olhou lá pra fora, não havia nada e nem ninguém.
Quando retornou sua atenção para dentro do quarto, paralisou ao avistar algo… ou melhor, alguém.
— Os esforços estão indo bem. Interessante.
— Kýri…Ký… Tân… Tâ… Ja… Jame… Li… — sussurrou, mas não porque queria, era por alguma coisa que impedia sua voz de aumentar, sufocando também seu ar.
— Servo de Hera, Argos Panoptes. Um réles ser que pensa ser maior que todos… — o ser riu contido e se aproximou, colocando uma mão no ombro do gigante, seu pulso era encorberto por vários fios vernelhos e dourados, entrelaçados uns nos outros — E você pode ser. Ah. E será. — de repente, da costa mão do ser apareceu um olho com pupila dourada.
— Tân… Tân… — tentou ainda gritar, lutando para se mover, mas a força do ser era maior. Muito maior.
— Argos Panoptes, lhe darei esta benção, faça o seu melhor. — disse o ser, direcionando aquele olho para uma das orbitas costuradas, uma que ficava no peito.
O gigante lacrimejava pela dor, o olho de pupila dourada rompia os pontos e queimava as palpebras daquela órbita, fazendo com que ficasse numa tortuosa aparencia de carne, sangue e um olho em meio aquela bagunça de fios de ciliios.
— Bons sonhos, servo de Hera. — disse o ser, tocando em sua testa, fazendo o gigante cair para trás no futon, totalmente inconsciente.
O ser desapareceu, batendo suas asas, e o ar pesado daquele cômodo então ficou mais leve, a única coisa que foi deixada para trás foi um pedaço de pele dourada, que foi perdendo cor, se tornando pálida, para finalmente se desfazer como papel queimado quando uma brisa entrou pela janela.
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Missão Ágape
O Olimpo está em crise, e tudo porque de repente uma profecia disse que um deus iria dizimar o seu sistema e tudo que eles lutaram para conquistar e poderem estar no poder até hoje.
E é...