Cap 20. Confiar.

A noite estava baixa e a brisa, leve.
Shen Mu virou-se e esticou o pescoço para olhar o céu repleto de estrelas. Um momento depois, fechou os olhos da mesma forma. Sua voz soou muito suave, acompanhando a brisa fresca:

— Sempre que fecho os olhos assim, sinto que a pessoa de quem sinto falta está ao meu lado.

Uma outra voz, profunda, soou em seus ouvidos:

— E se essa pessoa também não estiver por perto quando você abrir os olhos?

— Isso não vai acontecer.

Shen Mu abriu os olhos e girou o corpo, olhando para trás a tempo de se deparar com os olhos negros excessivamente brilhantes de Xiao Fan. Seus longos cílios tremularam por um momento, ele baixou o olhar e disse:

— Mesmo que os olhos não possam ver, a pessoa de quem sentimos falta estará ali, em algum lugar no fundo do coração.

Sob a luz brilhante da lua, os traços esculpidos do jovem eram quase impecáveis, e seus olhos profundos pareciam ter um magnetismo infinito na escuridão da noite.

— E se eu quiser vê-la com meus próprios olhos?

Ver um falecido com os próprios olhos?

Shen Mu não era bom em compreender as pessoas e não conseguia empatizar com a dor que Xiao Fan sentia pela mãe. Depois de um momento de reflexão, concluiu que precisaria trazer o grampo de cabelo até, no máximo, o dia seguinte. Assim, ao vê-lo, Xiao Fan poderia se lembrar da mãe, o que também era um método.

— Existem muitas formas de ver alguém.

O chá já não estava fervendo, então Shen Mu serviu uma xícara e a colocou diante de Xiao Fan, sorrindo:

— Sua Majestade certamente encontrará uma maneira de manter por perto aqueles de quem sente falta.

Os olhos do jovem piscaram e uma expressão pensativa surgiu em seu rosto.

— Então, segundo Ya Fu, fazer o que for necessário também é uma maneira?

As pontas dos dedos que seguravam a borda da xícara bateram levemente contra ela. Essas palavras combinavam com a natureza de Xiao Fan, mas Shen Mu sentiu que havia algo a mais nelas. Ele não tinha o direito de interferir na forma como Xiao Fan lidava com o luto por sua mãe falecida, então, no fim, só pôde dar uma resposta vaga.

O chá era bom, mas se bebesse demais teria uma noite de insônia. Após alguns goles, Shen Mu pousou a xícara de porcelana sobre a mesa. Não conseguiu evitar tocar no assunto novamente:

— Sua Majestade, sobre a questão da tabuleta…

Xiao Fan desviou o assunto mais uma vez:

— O que Ya Fu disse há pouco… não foi algo inventado só para me agradar, certo?

Shen Mu pensou consigo mesmo que não havia como verificar se era uma mentira ou não, então imediatamente balançou a cabeça com uma expressão sincera de negação.

— Nesse caso, a responsabilidade pela tabuleta ficará inteiramente nas mãos de Ya Fu.

Xiao Fan levantou-se da mesa, hesitou por um instante ao se virar e, como se falasse consigo mesmo, murmurou em voz baixa:

— … Gostaria de confiar em Ya Fu, só desta vez.

Após deixar o Palácio Ming Cheng antes que os portões se fechassem, Shen Mu apressou-se a retornar à residência real, apenas para descobrir que os portões da cidade já estavam trancados. Se quisesse partir para Yao Zhen, teria que esperar, no mínimo, até o amanhecer.

Depois de uma lavagem simples, deitou-se cedo para descansar. Seu corpo magro afundou no colchão macio, e o edredom o envolveu.

Talvez tivesse bebido chá demais; seu corpo estava claramente exausto, mas sua mente permanecia incomumente ativa e desperta.

Pensava em que tipo de justificativa poderia encontrar para deixar a Cidade Imperial, caso Xiao Fan não tivesse nenhuma objeção quanto a ele.

Shen Mu acreditava que, com o poder e as táticas de Xiao Fan, não seria difícil manter sua autoridade dentro daquele palácio repleto de intrigas. Além disso, admirava seu estilo de governo — firme, mas sem arrogância ou irracionalidade.

No entanto, servir a um governante era como conviver com um tigre, e Shen Mu compreendia o tamanho da tentação e a profundidade da armadilha que o poder e os benefícios representavam. Não queria ficar preso à capital, com corpo e alma acorrentados para sempre à tirania do poder imperial.

Virou o rosto para o lado de fora e, de relance, notou as garrafas e potes no canto da mesa. Ficou surpreso.

Eram todos os unguentos que Xiao Fan lhe dera. Alguns para o pulso, outros para as costas e outros para a garganta. Somando os de antes e os de agora, já havia um verdadeiro monte deles.

De repente, sentiu-se um pouco confuso: o que faria depois de deixar Xiao Fan? Viveria uma vida tranquila, comprando terras, cultivando hortaliças, criando galinhas para obter ovos e peixes em um lago?

De repente, sentiu-se um pouco irritado. Virou-se novamente na cama, enquanto sua mente começava, involuntariamente, a se perguntar se havia deixado passar algum detalhe que pudesse fazer Xiao Fan voltar a suspeitar dele.

Uma doença na cabeça.

Sim, ele tinha uma doença na cabeça.

Se Xiao Fan tivesse um ataque repentino e delirasse a ponto de querer reabrir velhas questões, então, caso Shen Mu não estivesse na capital, provavelmente seria executado de surpresa.

Não. Shen Mu descartou essa ideia em seu coração. Era arriscado demais.

Partir às pressas só lhe daria uma falsa sensação de paz. Pelo menos, deveria esperar até que a doença de Xiao Fan estivesse completamente curada.

A montanha de dificuldades à sua frente era evidente, mas, de maneira inexplicável, sentiu-se aliviado. Shen Mu enterrou o rosto no travesseiro macio e, assim que seu espírito relaxou, seu corpo também cedeu. Fechou os olhos e logo mergulhou em um sono tranquilo.

• ¤•

Era cedo pela manhã, e o mundo ainda estava coberto por uma névoa tênue. Ao chegar à rua e olhar ao redor, Shen Mu percebeu que, além dos vendedores que haviam madrugado para montar suas barracas, quase não havia pedestres.

— Ah Qing, vá e remova os adornos chamativos da carruagem — Shen Mu abaixou a cabeça para ajustar o cinto e nem sequer levantou o rosto ao dar as ordens. — Não a deixe muito chamativa. Melhor evitar que as pessoas percebam que essa carruagem pertence à residência do Regente.

O rosto corado de Ah Qing, que claramente ainda estava sonolenta, piscou forte ao ouvir a ordem. Ela sacudiu a cabeça antes de sair correndo apressada.

A presilha tinha uma aparência comum e já circulava há quase dez anos, por isso, no livro original, Xiao Fan havia investido muito esforço para encontrá-la.

O método de Shen Mu foi usar a localização onde Xiao Fan a encontrou para deduzir seu paradeiro. Acontece que a presilha esteve o tempo todo em Yao Zhen. Os agiotas conseguiram encontrá-la rapidamente ao visitar penhoraria após penhoraria, reduzindo o raio de busca aos poucos.

Não havia problema em ostentar dentro da cidade, mas havia muitos olhos no palácio vigiando a residência do Regente, então manter um perfil discreto sempre era a melhor opção.

O tempo era curto. Assim, uma pessoa, um servo e uma carruagem logo chegaram aos portões da cidade, prontos para sair.

A menos que fosse um momento especial, os guardas do portão não costumavam revistar as carruagens de famílias ricas e nobres. Pessoas como Shen Mu e seu grupo passariam direto.

A algumas dezenas de metros da saída da cidade, um som forte de cascos de cavalo ecoou à distância. Instantes depois, através da cortina grossa da carruagem, Shen Mu ouviu os soldados gritando na porta:

— Nono Príncipe!

Xiao Huan?

Como ele apareceu aqui?

Xiao Huan não parou, e o som dos cascos se dissipou rapidamente.

Dentro da carruagem, Shen Mu permaneceu alerta e ordenou ao cocheiro que parasse logo antes do portão, ao lado da primeira grande árvore.

Sem falar que Xiao Huan tinha visto Ah Qing e provavelmente pensou que ele estava no veículo. Além disso, sair da cidade tão cedo pela manhã… Shen Mu suspeitou que aquele homem já viesse preparado.

Ao erguer a cortina da carruagem, viu Xiao Huan parado ao lado de seu imponente cavalo. Assim que o viu, Xiao Huan arqueou a mão e se curvou, seu olhar límpido e um sorriso inofensivo nos lábios.

— Senhor Regente, que coincidência.

Que azar.

Shen Mu não desceu da carruagem. Sentado de maneira desleixada, respondeu com expressão indiferente:

— Posso saber para onde vai o Nono Príncipe?

O jovem, vestido de azul, não fez rodeios e respondeu diretamente:

— Pretendo ir para Yao Zhen. Gostaria de saber se o Regente deseja me acompanhar.

— Não.

Olhando para o sorriso impecável de Xiao Huan, Shen Mu sequer se preocupou em ser cortês e recusou sem piedade:

— Nunca viajo com pessoas que não conheço bem o suficiente.

• ¤•

— Ele pediu licença por questões de saúde?

Dentro do estúdio imperial, Xiao Fan largou as pastas que segurava e ergueu os olhos para Jing An, que estava diante dele, as sobrancelhas franzidas.

— Por que ficou doente de repente? Você ordenou que os eunucos do palácio fossem verificar?

Ontem à noite, ele claramente estava bem.

— A governanta disse que é apenas uma febre comum — Jin An respondeu sem demonstrar emoção. — Mas o Governador dos Nove Portões veio relatar algo há pouco. Disse que, durante uma patrulha ao amanhecer, viu alguém parecido com o Regente do lado de fora dos portões da cidade. No entanto, essa pessoa permaneceu dentro da carruagem e não desceu, então ele não ousou confirmar.

Após uma breve pausa, Jing An continuou:

— O governador também mencionou que uma das pessoas que viajava com ele era o Nono Príncipe.

O ar congelou no instante em que Jing An terminou de falar.

O rosto de Xiao Fan, até então calmo, escureceu. Seus olhos negros brilharam com frieza, e até a mão sobre os documentos se fechou com força.

Levantando o olhar para Jing An, Xiao Fan sorriu em vez de demonstrar raiva, e sua voz baixa e gelada ecoou na sala, agora mortalmente silenciosa:

— Então, o que você está me dizendo é que Ya Fu pediu licença… para ir embora com Xiao Huan?

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O autor tem algo a dizer:
Xiao Fan (com os punhos cerrados): Então, o amor vai simplesmente desaparecer, é isso?