Cap 49. Qin Jing
Depois que os dois homens foram embora, Shen Mu e Xiao Fan permaneceram onde estavam, sem dizer uma palavra por um longo tempo.
Não era preciso perguntar — o homem que levou Su Xin à força só podia ser o Rei de Yu, Qin Jing.
— Você disse que viria me ver quando terminasse. Por que está aqui?
No fim, foi Xiao Fan quem falou primeiro. Depois de dispensar os funcionários do palácio, o jovem se aproximou e passou os braços pela cintura de Shen Mu. Inclinando-se, enterrou o rosto em seu pescoço e esfregou-se suavemente por um tempo.
Com a voz baixa e abafada, disse:
— Vou acabar com ciúmes.
A inquietação e a tensão no ar, que antes eram pesadas, se dissiparam um pouco com o tom manhoso de Xiao Fan.
Com uma risada leve, Shen Mu levantou a mão e acariciou os cabelos do jovem. Pacientemente, explicou:
— Eu ia te procurar, mas por acaso passei por aqui e troquei algumas palavras com o Senhor Su.
— Você tem estado de olho nele nos últimos dois dias — Xiao Fan franziu levemente o cenho, com um tom de evidente desagrado. — Jing An me disse que você não vai dormir no Palácio Ming Cheng esta noite. Vai voltar para a residência real?
Levantou ligeiramente o rosto, aproximando-se de Shen Mu, e o beijou no segundo seguinte.
— Ficar sempre no palácio é entediante — Shen Mu respondeu ao beijo com suavidade. Levantou a mão para tocar as têmporas de Xiao Fan e sorriu:
— Tenho que ir à corte daqui a dois dias, e há muitas pendências na residência real.
Desde que Xiao Fan o convencera a vir para cá naquele dia, Shen Mu não havia retornado à residência. Ele precisava voltar e resolver algumas coisas — sem falar na necessidade de evitar levantar suspeitas.
Xiao Fan sabia o motivo, mas ainda assim lançou dois olhares relutantes. Após um momento de hesitação, perguntou:
— Você tem algo pra fazer daqui a três dias?
A expectativa nos olhos do jovem era mais do que evidente. Shen Mu sabia que Xiao Fan queria passar o aniversário com ele, mas estava claramente envergonhado demais para dizer isso abertamente. As palavras estavam nos lábios, mas ele as engoliu antes que pudessem sair.
Com a intenção de surpreendê-lo, Shen Mu sorriu e fingiu estar confuso:
— Nada certo, por quê? Tem algo importante?
Xiao Fan arqueou uma sobrancelha:
— Então, se não for nada importante… quer dizer que você não vai me acompanhar?
Com um sorriso, Shen Mu respondeu em tom zombeteiro:
— Depende do quão importante for esse “algo”.
— Não me importa — Xiao Fan envolveu Shen Mu com seus braços longos, abraçando firme pela cintura. Com a palma da mão deslizando para dentro, semicerrando os olhos, murmurou:
— Mas aconteça o que acontecer, daqui a três dias, todo o seu tempo vai ser meu.
— Não só meu tempo… mas eu inteiro sou seu — Shen Mu inclinou a cabeça e deixou uma marca no longo pescoço do jovem. Nem forte demais, nem leve demais. Com uma voz suave e em tom de aviso, sussurrou:
— Hoje à noite não estarei com você, então comporte-se. Se eu descobrir que você trouxe alguém para o palácio…
Sentiu uma leve dor na cintura. Então, ouviu a voz baixa e rouca do jovem:
— E o que vai acontecer se eu fizer isso?
Shen Mu não conseguiu conter um “silvo” de dor. Fingindo um tom malicioso, respondeu:
— Então vou trancar você, pra que não possa ver mais ninguém de fora.
O jovem soltou uma risada abafada, e suas palavras foram acompanhadas de um riso impossível de conter. Ele levantou a mão e tocou o lóbulo da orelha de Shen Mu, beliscando-o e o acariciando suavemente, de forma irregular.
— Não poderia pedir mais.
Quando saiu do palácio e retornou à residência do Regente, o entardecer já havia passado.
Restavam poucos criados na casa e, depois da partida do Tio Wang e da Vovó Tian, o silêncio era ainda mais profundo.
Ao verem Shen Mu chegar, os poucos servos largaram rapidamente o que estavam fazendo e se curvaram, um após o outro, em saudação.
Ele fez um gesto com a mão para dispensá-los e atravessou o corredor sem dirigir o olhar a ninguém.
Ao dobrar a esquina para voltar ao dormitório, Shen Mu empurrou a porta e entrou. Ficou um instante parado na entrada, olhando ao redor com uma mistura de satisfação e desconforto, e então entrou no cômodo.
Estendeu sobre a mesa as plantas que havia recebido de Ah Qing naquela manhã e, ao analisar as anotações densas que o outro havia deixado, olhou para a decoração da casa correspondente e franziu o cenho, levantando a pena para adicionar alguns traços ao papel.
Diferente do visual simples e monótono que tinha antes, muitos dos móveis haviam sido trocados por opções de cores mais festivas — especialmente as almofadas fofas do sofá e as colchas da cama, que agora exibiam um vermelho semelhante ao usado em casamentos.
Naquele momento, Shen Mu só havia falado sobre casamento de forma casual, mas desde que Xiao Fan mencionara o assunto, o brilho e a expectativa nos olhos do jovem não saíam mais de sua mente.
O aniversário dele estava próximo, e por mais que pensasse, Shen Mu não conseguia imaginar nada que ainda faltasse ao governante de um país.
Por fim, tomou sua decisão.
Queria se casar com Xiao Fan.
Por isso, pediu a Ah Qing que ajustasse e substituísse os móveis, e desenhou os detalhes das mudanças nas plantas.
Hoje, ele havia voltado apenas para verificar se havia algo errado.
Nesse momento, bateram na porta do quarto e, logo em seguida, a voz levemente infantil de Ah Yu soou do lado de fora:
— Wang Ye, a escolta de Sua Majestade, Jing An, está esperando no vestíbulo.
Para evitar que Jing An visse a decoração da casa e voltasse ao palácio para contar a Xiao Fan, Shen Mu disse:
— Tudo bem, diga a ele para esperar por lá.
Quando chegou à sala principal, Jing An estava de pé ao lado de Ah Qing. Os dois conversavam sobre algo.
Ao ouvir os passos, o jovem de preto levantou a cabeça e se curvou respeitosamente para Shen Mu, colocando o embrulho que carregava sobre a mesa quadrada à sua frente.
— Sua Majestade temia que não estivesse acostumado a comer aqui, então pediu à Cozinha Imperial que preparasse algo de que o senhor gosta, e me enviou para trazer.
Com habilidade, ele desatou o tecido que envolvia a caixa. As pontas dos dedos roçaram a lateral da caixa de madeira, e ainda era possível sentir o calor residual.
O coração de Shen Mu se comoveu e, por alguma razão, de repente sentiu saudades de alguém de temperamento difícil.
Ao abrir a caixa e experimentar a camada superior dos bolos, Shen Mu sorriu levemente para Jing An:
— Agradeça a Sua Majestade por mim e diga que voltarei amanhã.
Na manhã seguinte, um ourives foi recebido na residência real.
O homem já era um pouco idoso, vestia roupas rústicas e tinha um rosto honesto e amável.
Não se assustou ao ver Shen Mu. Após cumprimentá-lo com um sorriso, colocou cuidadosamente o estojo de madeira que trazia nas mãos à sua frente e falou em voz baixa:
— Este é o item que o senhor encomendou, Vossa Excelência.
Assentindo com a cabeça para indicar que havia entendido, Shen Mu abriu a caixa que estava sobre a mesa e olhou para os guizos de ouro que repousavam tranquilamente sobre a almofada espessa. Um sorriso surgiu em seus olhos.
Dois dias atrás, quando Jing An recebeu a ordem de levar as joias de ouro e prata oferecidas pelo Estado de Yu até o Palácio Ming Cheng, Xiao Fan demonstrou grande interesse por alguns guizos.
Havia mais de dez caixas repletas de joias preciosas diante dele para serem avaliadas, mas o jovem se fixou justamente em um cordão de guizos, quase imperceptível, e o segurou nas mãos por um longo tempo.
Shen Mu havia tirado o objeto das mãos do jovem, perguntando, confuso:
— Por que você gosta tanto desses guizos?
Naquele momento, a resposta de Xiao Fan foi ambígua:
— … Gosto do som que eles fazem.
Os guizos originalmente seriam destinados à Rainha Mãe, por isso Xiao Fan não podia ficar com eles. Após observá-los por um tempo, ele os devolveu ao lugar e ordenou que Jing An levasse os joalheiros até o Pavilhão Púrpura.
Eram apenas guizos — mas Shen Mu memorizou o padrão e o desenhou em um papel.
Depois disso, gastou uma boa quantia contratando o joalheiro mais renomado da capital para criar uma réplica exata.
O trabalho do velho artesão era tão preciso e ágil que ele havia prometido finalizar a peça no dia anterior ao aniversário de Xiao Fan, mas, inesperadamente, entregou o item logo hoje.
Após despedir-se do velho artesão, Shen Mu calculou que a corte matinal ainda não deveria ter terminado, então Xiao Fan provavelmente ainda estaria no estúdio imperial lidando com os assuntos do governo. Lembrando-se, de repente, da casa de chá para onde Chu PingTing o havia levado uma vez, pediu que Ah Qing preparasse a carruagem.
A casa de chá estava tão movimentada quanto da última vez. Até o contador de histórias no térreo era o mesmo, embora a narrativa agora fosse diferente.
Havia muitas pessoas lá embaixo, então Shen Mu subiu direto pelas escadas de madeira até o primeiro andar e sentou-se na única mesa individual que restava.
O aroma do chá era envolvente, e um único gole trouxe uma refrescância instantânea à boca.
Com os olhos baixos, Shen Mu servia o chá. A voz forte e clara do narrador ecoava aos seus ouvidos, e, daquele ângulo, ele podia ver o lado esquerdo do rosto do homem quando este se inclinava para frente.
No início, não prestou atenção ao conteúdo da história — até que a palavra “Su Xin” surgiu de repente no meio da narrativa, e os dedos de Shen Mu se contraíram sobre a xícara, focando imediatamente na história.
Su Xin?
A notícia de que ele estava no palácio já havia se espalhado tão rápido entre o povo?
—…O rei de Yu liderou pessoalmente suas tropas para o ataque… Dezenas de milhares de pessoas morreram em um incêndio durante a escuridão da noite, mas apenas Su Xin sobreviveu e ficou preso no palácio…
A linguagem do contador de histórias era rebuscada e empolgante, conseguindo se estender por muito tempo em um único ponto da trama. Após ouvir apenas algumas frases, Shen Mu percebeu que ele falava sobre Su Xin e Qin Jing, e que naquele momento narrava o enredo passado entre os dois.
Segundo a história, Su Xin era originalmente um príncipe de uma das tribos ao redor de Yu. Depois de um encontro inesperado, Qin Jing se apaixonou por ele à primeira vista e jurou levá-lo para seu harém. O chefe da tribo, no entanto, não estava disposto a enviar seu filho como refém e, após várias recusas, o brutal Qin Jing teria se enfurecido tanto que liderou pessoalmente uma expedição e exterminou todos os parentes de Su Xin.
Depois disso, capturou Su Xin, que não tinha mais ninguém a quem recorrer, impedindo-o de sair do palácio para sempre.
Não era de se admirar que a plateia no salão tivesse se escandalizado. Ao ouvir aquilo, Shen Mu se lembrou do jeito como Qin Jing havia falado com Su Xin naquele dia, e seu coração se agitou.
Se o que o contador de histórias dizia era verdade, a decisão de Su Xin de tirar a própria vida parecia bastante justificável.
Naquele momento, ouviu-se o som nítido de algo caindo sobre a mesa do outro lado da sala, seguido por uma tosse familiar, abafada. A certa distância, Shen Mu viu Su Xin sentado em outra mesa, exatamente de frente para ele.
A xícara de chá havia escorregado da mão de Su Xin, derramando-se sobre a mesa, mas ele sequer teve tempo de se preocupar com isso. Tossia violentamente, agarrando a gola da própria roupa enquanto o peito subia e descia em agitação.
Parecia sem ar, e seu rosto, normalmente pálido como papel, tornara-se vermelho, adquirindo uma beleza encantadora em meio à sua fragilidade.
O homem ao seu lado — ninguém menos que o Rei de Yu — franziu o cenho por um instante, depois ergueu a mão, segurou Su Xin e o beijou, como se tentasse aliviar sua respiração.
Qin Jing parecia extremamente paciente. Dava leves tapinhas nas costas de Su Xin, um após o outro. Assim que a respiração do jovem se estabilizou, foi recebido com um sonoro e estalado tapa no rosto.
Mesmo levando o tapa, Qin Jing não demonstrou incômodo. Continuou com sua expressão calma e voltou a bater de leve em suas costas. Apenas quando Su Xin respirava normalmente outra vez, Qin Jing apertou a nuca de seu pescoço delicado e sussurrou algo em seu ouvido.
O público não notou o drama que acontecia lá em cima. E como havia divisórias entre as mesas, somente Shen Mu — que estava bem de frente para Su Xin — pôde testemunhar todo o confronto.
O contador de histórias continuava a narrar incansavelmente, e o povo no andar de baixo ouvia fascinado.
Shen Mu olhava fixamente para Su Xin, cujas vestes estavam ficando cada vez mais desarrumadas. Por fim, não conseguiu se conter. Com um tilintar agudo, ele bateu a xícara de chá com força sobre a mesa, produzindo um som alto o suficiente para ser ouvido do outro lado da sala.
Como esperava, os dois levantaram os olhos assim que ouviram o estalo e, ao verem que se tratava de Shen Mu, ambos pararam imediatamente.
Su Xin manteve-se impassível, assentiu em direção a Shen Mu e formou um “obrigado” com os lábios. Em seguida, afastou Qin Jing com o braço, revelando um pulso branco como a neve — e as algemas douradas que brilhavam sobre ele.
Qin Jing lançou um olhar pensativo para Shen Mu, assentiu discretamente e virou-se para sussurrar algo ao guarda ao seu lado.
Com o rosto calmo, Shen Mu girou a xícara quente em suas mãos, observando os guardas de Qin Jing passarem. Sem olhar para trás, disse a Ah Qing, que estava logo atrás dele:
— Se eu não voltar em meia hora, vá ao palácio e chame Jing An.
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