Capítulo 1

— E é por isso. — terminou de falar o professor velinho que lecionava matemática.

 

Hayato não havia prestado atenção em nada. Havia se distraído totalmente com uma das várias rugas no rosto de seu professor que pareciam se mexer, formando um rosto no rosto, sempre que ele abria a boca pra falar.

 

— Desculpe, sensei, mas poderia repetir? — pediu Hayato. Seria pior se saísse dali sem entender nada. Ainda mais quando seu professor lhe pede um favor.

 

— Está distraído, Mizushima-kun? — questionou seu professor, o rosto sério.

 

— Sabe o que é, sensei, é que eu dormi pouco porquê fiquei estudando até tarde. A época de provas está chegando né? — não era de todo uma mentira. Ele ficou acordado até tarde e realmente tinha dormido pouco, mas não foi porquê estava estudando.

 

Hayato era fascinado pelas história de terror da Hashimoto Akira-sensei. Ela havia começado postando pequenos contos na internet, depois conseguiu o apoio de uma revista e recentemente ela assinou um contrato com uma editora.

 

Hashimoto-sensei estava se preparando para lançar sua primeira light novel e enquanto isso não acontecia a editora lançou um compilado de todos os contos dela. E era isso que Hayato ficou até tarde lendo.

 

— Entendo. Que menino esforçado! — e pronto. A expressão séria que seu professor fazia deu espaço para a de velhinho bonzinho que ele geralmente usava. — Os outros professores e eu discutimos e chegamos a conclusão de que você é o mais indicado para cuidar do assunto.

 

— Que assunto?

 

— Você conhece o rapaz que senta atrás de você nas aulas? — Hayato conhecia todo mundo na escola.

 

— Se não me engano o nome dele é Shinkai Shin. — ele estava ficando com medo do possível favor que seu professor queria lhe pedir.

 

— Esse mesmo. Sabe, Shinkai-kun é um aluno não muito esforçado mas com grande potencial. Então gostaríamos que desse umas aulinhas pra ele não ir mal nas provas.

 

— Por que vocês não dão aulas suplementares pra ele? — geralmente era assim.

 

— Nós tentamos. Mas ele não fazia absolutamente nada, isso quando ele aparecia. — seu professor parecia muito frustrado. — É por isso que pensamos que talvez ele reaja melhor se for um colega de classe.

 

— Mas por que eu? Eu nem sou o melhor aluno da classe.

 

— É que você parece se dar bem com as pessoas. Então pensamos que poderia se tornar amigo dele. — bem, isso era verdade, Hayato tinha amizade com boa parte dos alunos.

 

— Amigo, em? Ele não parece querer ter amigos.

 

— Aparentemente ele tem um amigo do terceiro ano. Mas ele sempre fica sozinho nas aulas. Então se puder…. — seu professor parecia estar implorando.

 

— Okay, sensei. Eu vou tentar, mas não prometo nada. — Hayato se levantou.

 

— Obrigado, Mizushima-kun. — foi o que ouviu antes de sair da sala dos professores.

 

Ele seguiu para sua sala. Hayato estava na metade de seu segundo ano do ensino médio. Ainda era começo de dia e logo as aulas começariam.

 

No caminho, as pessoas o cumprimentavam. Garotas e garotos, todos diziam ‘oi’ pra ele. Hayato não entendia o porquê.

 

Ele tinha uma boa aparência. Olhos verdes como grama fresca na primavera. E cabelos castanhos como terra. Ou era o que dizia sua mãe.

 

Ele não repudiava sua aparência, mas a única coisa que realmente gostava em seu rosto era a pinta que tinha no alto da bochecha esquerda. Ele tinha o costume de coçar o lugar com o dedo em certas situações.

 

Pensando nisso, ele chegou até sua sala. Deu bom dia ao entrar, sendo retribuído pelos poucos alunos na sala. Ele seguiu até o seu lugar, encarando quem sentava atrás dele. Sua fileira era a da janela e seu assento era o penúltimo.

 

Shinkai Shin era uma pessoa peculiar. Ele não conversava com ninguém na sala, nem fazia anotações. Até mesmo o uniforme dele era todo errado.

 

O uniforme de sua escola consistia em calça preta, camisa de botão branca e casaco azul escuro, isso sem contar a gravata. Para as meninas era a saia quadriculada azul e preta e um laço.

 

Mas Shin não vestia o uniforme. Ele usava a calça e um enorme moletom preto. A única diferença eram as estampas. Qual séria a de hoje? Hayato se encontrou curioso pra saber.

 

Ele largou sua mochila na carteira e se sentou virado para Shin. Ele ficou o observando. Ele até que era bonitinho.

 

Shin tinha cabelos escuros, muito mas muito escuros. Os fios negros eram perfeitamente alinhados e pareciam muito sedosos. Havia uma franja cobrindo seu olho esquerdo, os fios delicadamente raspando contra o alto das bochechas coradas.

 

Havia um arranhado, provavelmente de gato, perto de sua boca. O que levou Hayato a encarar os lábios rosados. Sera que ele passava algo para ficar daquele jeito? Eles pareciam macios.

 

— É falta de educação ficar encarando. — Hayato se assustou com a voz de Shin. Era simplesmente muito boa de se escutar.

 

— Desculpe. Você é o Shinkai Shin né? Posso te chamar de Shin?

 

— Faça o que quiser. — ele não esboçava muita reação. Nem mesmo levantou a cabeça para olhar Hayato. Ele continuava focado na folha de papel branco a sua frente.

 

— Então eu vou te chamar de Shin e você pode me chamar de Hayato. — ele sorriu, esperando que Shin olhasse em sua direção. Não aconteceu. Hayato suspirou.

 

— Hm. — apenas isso. Mais nada.

 

— Então, Shin, o que você está fazendo? — ele apenas encarava a folha. Sem tocar a lapiseira.

 

— Por que quer saber?

 

— Bem, eu quero inciar uma conversa com você.

 

— Por quê?

 

— Porque eu quero ser seu amigo.

 

— Por quê?

 

— Eu preciso de um motivo pra querer ser seu amigo?

 

— Eu só quero entender porquê uma pessoa bonita e popular como você iria querer ser meu amigo. — Hayato corou ao ser chamado de bonito, ele nem se achava popular.

 

— Você me acha popular?

 

— Sim. Toda a escola sabe quem você é. Por isso não duvido nada que está aqui por causa de uma aposta. — Hayato quase soltou uma risada.

 

— Não tem aposta nenhuma, okay? Não vejo a menor graça nessas coisas.

 

— Hm. Não tem benefícios pra você ao se tornar meu amigo.

 

— Bem, eu vou ter a sua companhia. Isso já é benefício suficiente. Na verdade não. Não é benefício e sim privilégio.

 

— Privilégio? Por quê?

 

— Você parece ser uma pessoa que filtra suas amizades. Você provavelmente prefere qualidade do que quantidade. Isso já é uma coisa incrível de se fazer. Então, pra mim, que só tem amizades passageiras, você seria a pessoa que eu carregaria pra vida toda.

 

— Não fale coisas assim. Você nem me conhece. — Shin havia parado de encarar o papel e agora encarava o vidro da janela. O rosto dele estava corado. Era adorável.

 

— Então me deixe te conhecer.

 

Um minuto de silêncio. O sorriso de Hayato não vacilou em nenhum momento.

 

— E-então…. Se realmente quer ser meu amigo você tem que saber que eu…. — começou Shin.

 

— Você….

 

— Eu sou chato. — o biquinho que Shin fez foi extremamente encantador.

 

— Eu também. O que mais?

 

— E, bem eu sou….

 

— Você é…. — incentivou Hayato.

 

— Eu sou g-gay. Vai querer se aproximar? — Shin olhava para baixo agora.

 

— E o que tem?

 

— As pessoas vão falar se nos virem juntos. Vão espalhar boatos.

 

— E daí? Meras palavras não me atingem.

 

— Não tem medo do julgamento?

 

— Não. Quero ser seu amigo. Mas por que está me contando sua sexualidade?

 

— Achei que devia te avisar.

 

— Entendo. Só isso?

 

— E se eu me apaixonasse por você? Ainda diria isso? — questionou Shin.

 

— Eu me sentiria honrado se você se apaixonasse por mim.

 

— Mas iria retribuir meus sentimentos?

 

— Eu não sei. E também não quero te dar falsas esperanças. Mesmo que eu ache difícil alguém ser capaz de se apaixonar por mim.

 

— Por quê? Você é divertido, bonito, amigável.

 

— Você realmente acha isso? — Hayato estava surpreso.

 

— Qualquer um sabe só de olhar pra você.

 

— Acho que é mais capaz de eu me apaixonar por você. — Admitiu Hayato.

 

— Eu não tenho nada de bom. Então, por quê?

 

— Eu não sei. Só sinto. Você é…. — Hayato procurou a palavra. — Assustadoramente fofo.

 

— Ah…. — Shin, com o rosto corado, finalmente olhou na direção de Hayato, que perdeu o fôlego.

 

Os olhos dele eram de um negro devastador. O brilho da luz do sol refletido ali mais parecia uma solitária estrela em um mar de negritude.

 

Hayato sentiu seu coração bater mais forte. E com isso, ele pode confirmar. Talvez ele realmente se apaixonasse por aquele garoto extremamente e assustadoramente fofo.