Capítulo 13

A chuva açoitava o vidro da janela. Raios iluminavam o quarto, apesar da pesada cortina azul escura estar puxada, e estrondosos trovões estremeciam as paredes.

 

Eram eles a causa de tudo aquilo. Sempre que eles soavam, poderosos e barulhentos, Shin se encolhia mais dentro do abraço de Hayato.

 

Eles estavam na porta do quarto do hotel, totalmente molhados. Mas abraçados. Shin chorava sempre que um novo trovão soava. Hayato o apertava cada vez mais, querendo protege-lo daquele medo. Em que momento aquilo havia acontecido?

 

****

 

Aquela era sem dúvida uma cena adorável. Pelo menos para Hayato.

 

Shin havia sumido completamente devido ao leão que residia em cima de seu corpo. O macho havia pulado em Shin assim que eles entraram na jaula, o derrubando no chão.

 

— Isso é normal? — perguntou Hayato.

 

— Mais ou menos. — veio a resposta abafada de Shin. — JAMES! Saia de cima de mim.

 

E o leão obecedeu. Ele se sentou a frente de Shin, que se sentou. Ele estava cheio de pelos da volumosa juba.

 

— Se eu soubesse que você estava trocando de pelos eu não teria vestido preto. — suspirou Shin. — Hayato este é James, e James este é Hayato. Espero que vocês se dêem bem.

 

Ah, claro. Como se, se tornar amigo íntimo de um leão fosse coisa fácil.

 

— Venha aqui, James, deixe Hayato o acariciar. — o leão se aproximou e Shin pegou a mão de Hayato, a levando até a testa do animal.

 

Hayato sentiu os pelos bem tratados. Ele encarou os olhos castanhos do animal, engolindo em seco. Que ele não o devorasse.

 

Mas surpreendendo Hayato, ele se inclinou, pedindo carinho. Após receber um aceno de cabeça de Shin, Hayato por fim acariciou a volumosa juba.

 

Isso era a coisa mais incrível que já havia feito. Desde criança que leões eram seus preferidos. Havia se inspirado neles para se manter sempre corajoso.

 

— James tem apenas três anos. — contou Shin. — Estamos pensando em trazer uma companheira pra ele. Mas acho que vai ser difícil.

 

— Por quê?

 

— Porque James é extremamente tímido. E covarde. — Shin o olhou de canto ao dizer aquilo. A mensagem estava clara. Até mesmo o rei da savana poderia sentir medo.

 

— Certo, certo. Eu entendi. — Hayato fez bico.

 

— Ah, vamos lá, não fique assim amor. — a frase foi dita e a palavra simplesmente estava ali, de forma natural. Shin nem notou que a havia dito, por isso estranhou Hayato o estar encarando com o queixo escancarado. — O que foi?

 

— Você…. Vo-você me chamou de amor. — era evidente o choque. Algo faiscava nos olhos verdes de Hayato, algo que Shin não reconheceu.

 

O entendimento caiu sob seus ombros.

 

— Ah, Hayato, desculpe, desculpe mesmo… — nem mesmo sabia por que estava sem desculpando. — Eu… Eu…

 

— Shin! — bradou Hayato. — Por que esta assim?

 

— Achei que você tinha ficado bravo. — a frase mau passava de um sussurro. E ele encolhia os ombros.

 

— Shin, eu não estou bravo. — Hayato pegou uma das mãos do pequeno. A segurando com carinho. — Na verdade eu…

 

— Você…. — incentivou Shin.

 

— Eu fiquei muito feliz. Ouvir você me chamar de amor, fez meu peito se apertar e meu coração bater mais forte.

 

— Então você gostou? — residia um bico nos lábios de Shin.

 

— Sim…. — o sorriso de ambos estava ali.

 

O som de dentes batendo foi ouvido. Era James, abrindo a boca e a fechando, em um bocejo.

 

— James também é ciumento e extremamente e assustadoramente carente. — contou Shin, os lábios fazendo a curva de um sorriso.

 

— E você gosta que ele seja carente? — perguntou Hayato, sentindo o leão deitar no meio dos dois. Ele encarva a boca de Shin.

 

— Talvez… — Shin acariciou a juba de James e Hayato o imitou. Os dedos se encontraram em meio aos fios.

 

Ambos sorriram. Nada poderia estragar aquele dia.

 

****

 

— Você realmente pensa em tudo. — exclamou Hayato conforme eles lanchavam.

 

Quando Shin disse que havia comida esperando por eles na área de alimentação, ele realmente não estava brincando. Shin havia explicado rapidamente que havia alguns funcionários trabalhando no local, para dar comida aos animais, e que eles haviam arrumado aquilo para eles a pedido de Shin.

 

— Bem, fui eu que propôs o encontro.

 

— Vai ser difícil surpreender você então.

 

— Já está pensando em uma próxima vez, Hayato?

 

— Talvez, Shin.

 

O pequeno deu a língua em um ato infantil. O clima entre eles estava leve e divertido. A brincadeira rolava solta. Foi em meio a essas brincadeiras que eles terminaram sua refeição.

 

Shin respirou fundo, tornando-se sério. Hayato notou a mudança imediatamente.

 

— O que foi?

 

— Desculpe, fui egoísta ao fazer você sair comigo hoje. — apesar de dizer isso não havia uma única gota de arrependimento no olhar de Shin. — Sei que hoje era um dia especial pra você.

 

De início, Hayato se perguntou do que ele estava falando. Mas então se lembrou. Naquele dia em especial era o dia de lançamento da novel de Hashimoto Akira, a autora favorita de Hayato.

 

— Bem, eu havia me esquecido completamente disso. — confessou Hayato. — Mas não me importo.

 

— Por quê?

 

— Porque estou com você, Shin. E você é mais importante do que alguém que eu não conheço…. Está chorando de novo? — Hayato se ergueu para secar as lágrimas que haviam se acumulado nos olhos se Shin.

 

Ele afastou a franja do olho esquerdo de Shin, tocando a cicatriz em sua temporã com a ponta dos dedos.

 

— Eu avisei que eu sou emotivo. — o sorriso foi leve e ele terminou de secar suas lágrimas.

 

— E eu avisei que sempre secaria suas lágrimas. É o mínimo a fazer por quem se ama.

 

— Sim, você tem razão. E isso me lembra que eu tenho um presente pra você.

 

Shin pegou algo do banco ao lado, que Hayato nem havia percebido que estava ali. Shin lhe entregou um pacote. E ao abrir, encontrou a edição autografada da novel de Hashimoto Akira-sensei.

 

— Shin, você, como? — faltavam palavras a Hayato.

 

— Eu gostaria de pedir desculpas pra você. Eu estive escondendo algo. — o rosto de Shin corou e ele baixou os olhos para a mesa.

 

— Shin..

 

— A pessoa que fez todas as ilustrações das histórias de Hashimoto sou eu. — confessou Shin, ele agora apertava os olhos com força, se recusando a olhar qualquer coisa. — E Hashimoto Akira, sua autora favorita, e Shinkai Akira, meu irmão, são a mesma pessoa.

 

Apenas silêncio. Hayato não conseguia pensar em nada coerente pra falar. Ele realmente não esperava por aquilo, e tentava assimilar tudo rapidamente. Ele sabia o que quanto Shin era inseguro e não queria demorar de mais.

 

— Você…. Está bravo? — veio o sussurro baixinho de Shin, ele lentamente abriu os olhos.

 

— Não. — Hayato respondeu imediatamente. — Eu não estou bravo. Só estou tentando assimilar tudo.

 

Shin ficou em silêncio diante daquilo. Deixando Hayato pensar.

 

Ele já suspeitava que Shin poderia ser o ilustrador de Hashimoto Akira, ele sabia que o namorado vendia arte sob encomenda. A surpresa havia vindo pelo fato de seu futuro cunhado ser a, o autor que mais adorava.

 

— Posso fazer uma pergunta? — perguntou Hayato.

 

— Claro.

 

— Por que Akira escolheu se passar por mulher ao publicar?

 

— Não foi bem uma escolha. Quando ele postou pela primeira vez na internet as pessoas começaram a tratar ele como ela, ele teve preguiça de arrumar e resolveu deixar assim.

 

— Ah, entendo.

 

— Você está bravo? — perguntou Shin, novamente.

 

— Não.

 

— Decepcionado?

 

— Não. Pelo que eu estaria decepcionado?

 

— Bem, é que você idolatrava Hashimoto Akira e meu Nii-san não é…

 

— Nem complete isso. Não estou nem um pouco decepcionado por ser Akira, só estou surpreso. Eu só não estava esperando por isso.

 

— Então está tudo bem?

 

— Sim. — uma lâmpada acendeu para Hayato. — O motivo pelo qual insistiu para o nosso encontro ser hoje é por que você queria me contar isso?

 

— S-sim…. — outro bico foi formado nos lábios de Shin. E Hayato, se erguendo sobre a mesa pequena, mordeu aquele bico. — O-o o que?

 

— Eu apenas quis morder esse bico fofo.

 

— Hayato! — Shin estava mais vermelho que um pimentão.

 

— Você é adorável, Shin. — em uma mão ele segurava o presente que Shin lhe dera, enquanto com a outra ele entrelaçou seus dedos aos de seu namorado.

 

— Besta. — Shin retribuiu o aperto, as bochechas coradas com um rosa leve, e sorriu.

 

****

 

Estavam agora caminhando pra casa. O encontro havia sido perfeito para ambos.

 

Hayato, havia confessado o que queimava em sua alma.

 

Enquanto Shin, havia conseguido contar o segredo que estava guardando.

 

Além é claro, de que estavam na companhia um do outro. Isso, por si só, já deixava o dia perfeito. Isto é, até um trovão soar.

 

Hayato ergueu os olhos para o céu, mas não havia nuvens de tempestade. Só havia azul até onde a vista alcançava.

 

Estava prestes a voltar a andar, quando notou que Shin não estava mais ao seu lado. Ao olhar para o chão, encontrou o namorado agachado, cobrindo as orelhas com as mãos e tremendo muito.

 

Hayato estava de joelhos antes que pudesse notar. Shin resmungava para si mesmo.

 

“Está tudo bem”

 

“Você está bem”

 

“Já passou”

 

“Não tem batida”

 

Ficou claro ali o que estava se passando. Shin havia perdido os pais em um acidente de carro. Um acidente em que ele estava. Além de deixar cicatrizes em sua pele e coração, o acidente também devia ter deixado um grande trauma em sua alma.

 

Outro trovão ecoou e Shin se encolheu mais. O som que repercutia pelo céu azul era muito semelhante a uma estrondosa batida. Uma batida de carro.

 

Hayato não tinha idéia do que fazer. Nesse momento, seu celular começou a tocar. Era Akira, irmão mais velho de Shin.

 

— Você está com Shin? — foi o comprimento de Akira para Hayato, quando este atendeu a chamada.

 

— Sim… — Akira não lhe deu tempo para continuar.

 

— Vocês estão perto de casa?

 

— Não.

 

— Droga. Escute! Não pergunte e apenas faça o que eu digo. — a voz de Akira estava incrivelmente seria, parecia até outra pessoa falando. — Quero que pegue Shin e vá até um lugar em que possam passar a noite. Vem tempestade por ai e Shin não reage bem a trovões.

 

— Certo!

 

— E Hayato?

 

— Sim?

 

— Eu estou confiando Shin a você. Por favor, tome conta dele.

 

E assim se encerrou a ligação.

 

— Shin, nós temos que ir pra um hotel. Consegue andar? — perguntou Hayato, acariciando os cabelos negros. Um aceno negativo com a cabeça foi sua resposta. — Então vamos fazer assim.

 

Hayato tirou seu casaco, o colocando na cabeça de Shin. Ainda bem que o pequeno já estava vestindo o dele. Sem perguntar nada, ele pegou Shin no colo. Para sua surpresa, ele era mais leve do que o imaginado.

 

Ele o segurou em seus braços como uma noiva. E então correu. A altura dos trovões parecia aumentar a cada passo que dava e não tardou para que o céu estivesse repleto de nuvens escuras e carregadas.

 

Os pingos começaram quando ainda estava correndo, procurando por um hotel. Em segundos já estavam encharcados. Ele lançou apenas um olhar para Shin, e notou que este abraçava o livro que era seu presente, evitando que molhasse.

 

O coração de Hayato se aqueceu. Mesmo mordendo de medo e paralisado, uma parte de Shin ainda pensava nele. Depois de correr por um longo tempo, ele finalmente achou um hotel vago.

 

Ele nem se lembra direito das etapas que vieram a seguir. Pedir o quarto e seguir até o mesmo. Ao entrar, ele deixou Shin na entrada e correu para fechar as cortinas.

 

1. Depois voltou para Shin, que chorava. Ele o agarrou em meio as lágrimas, tremendo e molhado. Hayato retribuiu o abraço, o embalando em seu colo como um bebê.

 

Partia seu coração ver seu amor daquela maneira. Mas a única coisa que poderia fazer no momento, seria dar o apoio que Shin precisava.