Capítulo 37

Killian abre seus olhos devagar, ainda sonolento, e logo percebe que está deitado no sofá do escritório, usando a coxa Lucian como travesseiro. Ele gira seu rosto e o vê conversando com uma esfera brilhante em um idioma estranho, como se estivesse em algum tipo de reunião importante.

– Continue dormindo… – Lucian desvia o olhar para ele e sussurra com um sorrisinho em seus lábios, enquanto acaricia o seu rosto.

– Estou bem. – Killian murmura com a voz rouca e um pouco fraca.

– Espere um pouco, estou terminando. – Lucian aperta sua bochecha e sorri novamente. Killian fica corado e desvia seu olhar para o lado, se encolhendo no sofá.

– Okay… – ele murmura novamente, no entanto, começa a sentir seus olhos pesados e decide fechá-los, dizendo a si mesmo que seria apenas por um instante. Enquanto esperava, Killian acaba adormecendo mais uma vez, mas acorda ao sentir algo estranho em seu corpo.

– Hm…? – ele olha ao redor e vê Lucian sentado ao seu lado, limpando seu corpo com uma toalha úmida.

– Eu te acordei ? – Lucian o questiona e acaricia seus cabelos. Era adorável vê-lo com o cabelo desarrumado e o rosto amassado ao acordar.

– Eu dormi de novo ? Deveria ter me acordado. – Killian murmura e se senta no sofá.

– Você estava dormindo tão bem que não tive coragem. – ele fala enquanto põe o pano úmido de volta na bacia com água que está sobre a mesinha de centro.

– E aquela coisa brilhante de antes ? – Killian questiona confuso ao mesmo tempo em que gesticula com as mãos, mostrando o formato de um círculo. 

– É apenas uma ferramenta que usamos para comunicações a distância. Aqui não tem internet ou torres de celular. 

– Aquela coisa é bem estranha… – ele sussurra.

– Bom, tudo aqui pode parecer estranho para alguém que viveu no mundo humano! – Lucian ri e se inclina em sua direção, ele acaricia seus cabelos e beija o canto da sua boca de forma gentil.

– Sei que está cansado, mas quero te mostrar uma coisa. Pode vir comigo por um instante ?

– Sim… – Killian concorda e lhe dá um beijo rápido.

– Ótimo, então se segure! – Lucian o pega no colo de repente e segue em direção a varanda do seu escritório.

– Espera! O que está fazendo ? – ele se agarra ao seu corpo assustado.

– Segure! – Lucian sorri e asas surgem atrás dele. Killian observa boquiaberto, sem conseguir tirar seus olhos delas.

Diferente do que se imagina quando se pensa em asas de anjos, as suas tinham penas negras e uma espécie de garras nas pontas superiores, além de serem enormes, pelo menos duas vezes o seu tamanho humano.

– Que lindo… – Killian sussurra com os olhos brilhando e estende sua mão esquerda, acariciando suas penas. Lucian se surpreende com seu elogio e se sente um pouco sem graça, fazia algum tempo que tinha ouvido esse tipo de coisa.

– Não pensei que gostaria tanto delas… – ele sussurra e sorri, logo depois estende suas asas e segue em direção ao parapeito.

– Ah! Espera, espera! – Killian esbraveja e o abraça com força. Lucian o ignora e alça voo em direção ao céu noturno. Assustado com a altura, ele fecha seus olhos e não quer nem pensar em olhar para baixo.

– Ei, abra os olhos. – Lucian sussurra próximo aos seus lábios. 

– N-não, eu estou bem assim!

– Pare de ser tão medroso. A vista é linda! – ele beija o canto da sua boca, o deixando corado e envergonhado. Killian deixa um longo suspiro sair e acaba cedendo, abrindo seus olhos devagar.

Ao ver a vista do céu noturno, ele fica impressionado com todas aquelas luzinhas brilhando. Nesses momentos, nem parecia que estava no inferno, onde supostamente só existe dor e medo.

– Lucian, é lindo! – Killian fala emocionado.

– É mesmo… – Lucian concorda enquanto o observa com um sorrisinho em seu rosto. Ver aquele rostinho iluminado e sorridente, era a razão da sua existência.

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– E, chegamos. – ele pousa suavemente e logo depois o solta.

– Onde estamos ? – Killian questiona curioso e olha ao redor. Estava um pouco escuro e por isso só podia ver uma luz no final do corredor.

– Vem, eu te mostro. – Lucian segura sua mão e o guia pelo corredor, ao saírem, Killian vê uma grande estufa, com diversos tipos de plantas espalhados e um caminho de pedra que leva ao centro.

– Minha nossa… – ele murmura e começa a explorar o local, ao chegar no centro, vê uma grande árvore, a única ali.

– E essa árvore ?

– É um pé de romã. Já comeu ? – Lucian se aproxima e estende sua mão, colhendo um dos frutos vermelhos.

– Não, acho que nunca vi. – Killian responde pensativo.

– Vem, experimente um pouco. – ele segura a fruta com as duas mãos e com a ajuda dos seus polegares, pressiona o centro dela, partindo ao meio.

– Pegue.

– Obrigado. – ele pega o pedaço da fruta e fica um pouco confuso de como deveria comer.

– Como eu deveria comer isso ? – Killian questiona envergonhado.

– Coma só as sementinhas vermelhas. Mas não engula. – Lucian instrui e pega algumas sementes para comer também. Killian cheira a fruta, que tem um aroma sutil frutado e amadeirado, trazendo uma sensação de amargura e ao mesmo tempo plenitude. Uma mistura confusa, que o deixa paralisado por alguns instantes.

– Killian! – Lucian se surpreende ao vê-lo chorar de repente e segura seu rosto, preocupado com ele.

– O que está acontecendo ?

– E-eu… – Killian balbucia confuso e finalmente se dá conta de que estava chorando. Ele se afasta, se sentindo um pouco envergonhado e enxuga as lágrimas.

– Me desculpe, nem sei porque estou chorando! – ele força um sorriso doce.

– Killian, pare de fingir. – Lucian o encara com um olhar sério e ao mesmo tempo preocupado. Não o deixaria fugir tão facilmente.

– Se eu te deixei inseguro, ou fiz algo que…

– Não! O problema sou eu. – ele interrompe.

– O que ? 

– Tem algo errado com a minha cabeça, continuo vendo e sentindo coisas estranhas. – Killian agarra seus cabelos e um sorriso triste se forma em seus lábios. Se sentia como algum tipo de aberração. 

– Killian, você não… – Lucian tenta se aproximar, mas hesita, se sentindo culpado por deixá-lo tão angustiado novamente. Sabia que todas aquelas lembranças e ansiedade foram desencadeadas pelo seu egoísmo.

– Me desculpe, eu não… – ele murmura melancólico e repentinamente, um clarão toma conta do céu, os assustando.

– Killian! – Lucian o puxa pelo antebraço e o abraça com força, o colocando próximo ao seu peito, usando suas asas para envolver seu corpo e protegê-lo. Logo depois o clarão some e Killian ouve apenas o barulho de algo pousando suavemente pelo chão.

– Lucian, o que… – ele sussurra e ao desviar o olhar para o seu rosto, vê o sangue escorrendo pela sua boca e no mesmo instante se desespera.

– O que aconteceu ? – Killian grita de repente e segura seu rosto com as duas mãos, logo depois desvia seu olhar para baixo, procurando pelo ferimento, mas Lucian segura em seu queixo, o impedindo.

– Não foi… nada. – ele murmura e acaricia o seu rosto.

– Como nada ? Você está sangrando! – Killian murmura com a voz embargada. Lucian apenas apoia sua testa sobre a dele e deixa um longo suspiro sair.

– Feche os olhos… por favor. – Lucian lhe mostra um sorriso doloroso e o solta. Killian o encara atônito e imóvel, mas acaba cedendo e fecha seus olhos, ficando quieto e encolhido próximo ao pé de romã.

– O que quer, Gabriel ? – ele se vira em direção ao Arcanjo, o encarando com um olhar mortal, e mesmo sabendo que deixar suas asas estendidas o deixava vulnerável, Lucian mantinha Killian protegido atrás delas.  

– Me devolva meu irmão, traidor! – Gabriel ordena e ergue sua espada suja de sangue. Não sairia dali sem o Miguel.