Capítulo 56 - Quebra De Confiança

No final da manhã, o navio de cruzeiro atracou.

Lu Kongyun desembarcou junto com seu guarda-costas pessoal temporário, Capitão Hao Dali, com Dai Lanshan caminhando por perto.

No cais, o Tenente-Coronel Lu Renjia, do Departamento de Inteligência do País S, já os aguardava. Ele os cumprimentou com um sorriso. “Vocês dois vieram juntos? A equipe 208 está toda aqui de novo.”

Então, seus olhos se moveram brevemente em direção ao Ômega ao lado de Lu Kongyun. “E este é?”

“Um guarda de segurança comum da propriedade da Família Ye.” Respondeu Lu Kongyun. “O gerente o designou para cuidar de mim.”

“Oh.” Lu Renjia lançou um olhar breve e avaliador para Yu Xiaowen antes de desviar o olhar.

Yu Xiaowen não sabia quem era esse homem, nem a que ‘208’ se referia. Mas sua atenção foi atraída para um carro preto estacionado ao longe. O homem ao volante era Dai Jingxi, aquele que o salvara no País S, e o infeliz irmão mais velho constantemente importunado por Dai Lanshan.

Os olhares deles se encontraram. Eles se reconheceram, mas depois desviaram o olhar.

Dai Lanshan também notou o carro imediatamente. Mas, em vez de correr até o irmão como normalmente faria, voltou sua atenção para o Capitão Hao Dali, observando atentamente sua reação.

A troca silenciosa entre os dois fez o sorriso de Dai Lanshan escurecer.

Yu Xiaowen olhou para Lu Kongyun e Lu Renjia com um sorriso educado e neutro.

Talvez reencontrar seu ‘salvador’ no mar tenha sido um sonho grande demais. Agora que seus pés estavam em terra firme novamente, o instinto de detetive, que havia enfraquecido nos últimos dias, retornou com força total. A realidade parecia sólida sob seus pés mais uma vez.

Cada olhar ao seu redor parecia carregar um significado diferente. De repente, Yu Xiaowen sentiu como se estivesse no centro de círculos sobrepostos, com a atenção de todos voltada para ele. Dada sua identidade atual, ele precisava manter a cautela.

Lu Kongyun se virou para ele e disse baixinho: “Lembre-se do que eu lhe disse.”

Sua única tarefa sou eu. Você me seguirá e não poderá me deixar.

…Isso era realmente algo para dizer ao Capitão Hao Dali?

Não parecia. Mas também não era algo destinado a Yu Xiaowen.

Será que foi isso mesmo que o suposto mestre disse a um guarda-costas e seguidor particular?

Yu Xiaowen não demonstrou nenhuma reação, apenas assentiu. “Entendido, Sr. Lu.”

Enquanto o grupo se preparava para entrar nos veículos que os levariam para o interior, Yu Xiaowen disse: “Sr. Lu, gostaria de voltar ao dormitório dos funcionários primeiro para vestir um uniforme limpo e deixar minhas coisas. Depois disso, encontro-me com o senhor.”

Lu Renjia interrompeu imediatamente: “Venha conosco, podemos lhe dar uma carona. O carro é grande; tem bastante espaço.”

“…Não está no caminho.” Disse Yu Xiaowen.

“Vamos lá.” Insistiu Lu Renjia com um sorriso. “A regra do nosso chefe é nunca deixar ninguém para trás.”

Dai Lanshan acrescentou com fingida casualidade: “Capitão Hao Dali, por que não entra no carro do meu irmão e vamos juntos? Talvez vocês dois se deem bem.”

O ar mudou ligeiramente. A atenção de todos se voltou para Yu Xiaowen.

“Não precisa, não precisa.” Disse Yu Xiaowen rapidamente. “Presados convidados, sou apenas um segurança. Vou pegar o ônibus da equipe. Senão, o gerente vai achar que estou relaxando. Está tudo bem, sério.” Ele se curvou educadamente com um sorriso ensaiado.

Lu Kongyun não disse nada, apenas o observou.

Então Yu Xiaowen segurou a alça da mala e disse: “Sr. Lu, vejo você em breve.”

Ele se virou e começou a se afastar. Mas, depois de alguns passos, ouviu passos cadenciados atrás dele. Parou e olhou para trás.

Lu Kongyun os seguiu. Depois de alguns segundos, ele diminuiu a distância entre eles.

Ele abriu a boca para dizer algo, mas ao ver os outros por perto, franziu a testa e disse: “você precisa voltar rápido.”

“Tudo bem.” Disse Yu Xiaowen.

Enquanto sua figura desaparecia na multidão, Lu Kongyun se virou para Lu Renjia e perguntou: “Você veio sozinho?”

Lu Renjia desviou o olhar do segurança que se afastava e respondeu: “Vim com seu irmão. Ele está esperando por você.”

Isso pegou Lu Kongyun desprevenido. “…Por que ele viria? Ele não deveria estar ocupado agora?”

“Você tem razão.” Disse Lu Renjia, igualmente confuso. “Ele deveria ter me deixado cuidar disso sozinho. Mas quando viu informações do País M que o Segundo Mestre Dai havia me pedido para verificar, ele imediatamente reservou um assento no meu voo. Até entregou aquele estojo de drone furtivo que ele estava gerenciando pessoalmente. Essa é uma operação de alta prioridade. É estranho.”

Todo esse trabalho só para desenterrar uma pista malfeita sobre um traidor da polícia há muito desaparecido? Não valia a pena. Mas ele guardou esse pensamento para si.

Dai Lanshan bufou friamente. “Seu idiota. Peço que você desenterre informações para mim e, depois de todo esse tempo, você não só não descobriu nada, como vazou tudo o que coletei para o próprio mestre espião.”

“Isso não é justo.” Disse Lu Renjia, despreocupadamente. “Qualquer cidadão do País S deve estar ciente de que ter seus dados pessoais mantidos pelo Departamento de Inteligência não é espionagem, é segurança nacional.”

Dai Lanshan lhe lançou um olhar furioso. “Um ninho de cães do governo.”

Lu Renjia sorriu. “Diga isso de novo na frente do Diretor Lu, e talvez eu fique impressionado. Sua mosca barulhenta.”

Lu Kongyun franziu a testa, a tensão entre eles era óbvia.

Nesse momento, Dai Jingxi buzinou baixinho do carro preto. “Lanshan.”

“Minha esposa veio me buscar.” Disse Dai Lanshan, trocando a hostilidade por um sorriso maroto. Ele se virou e caminhou em direção ao carro.

Mas, mesmo enquanto subia, sua mente fervilhava. O fato de Lu Qifeng, o próprio chefe da inteligência, ter abandonado um caso de alto nível em andamento para voar para lá depois de ver os arquivos de Dai Lanshan sobre Ye Yisan significava uma coisa: Ye Yisan e Hao Dali eram muito mais importantes do que aparentavam.

Agora, com Hao Dali provavelmente correndo para fazer um relatório, esta era a melhor chance de Dai Lanshan descobrir a verdade.

Depois de pensar um pouco, ele se virou para Dai Jingxi: “Ge, tenho algo para resolver primeiro. Volte para o hotel e descanse. Eu procuro você mais tarde.”

“Vamos comer primeiro.” Disse Dai Jingxi calmamente.

“Jantar, então.” Respondeu Dai Lanshan. Ele olhou para o irmão, franzindo a testa levemente. “Você emagreceu. O que está acontecendo? Sente tanta falta assim?”

Então ele sorriu, abrindo a porta do carro. “Eu compenso você hoje à noite.”

“…Lanshan.”

Dai Lanshan congelou. Ele se virou.

O tom de Dai Jingxi se suavizou de um jeito que nunca acontecia.

Normalmente, ele o chamaria pelo nome completo ou, ao repreendê-lo, por ‘Xiao Shan’. Mas apenas ‘Lanshan’… era íntimo demais. Era inédito.

E naquele momento, Dai Lanshan entendeu. Seu irmão, que havia chegado ao País M antes, já devia saber mais, talvez até tivesse encontrado Ye Yisan.

A compreensão o atingiu como uma onda.

Após uma longa pausa, Dai Lanshan fechou a porta novamente e puxou Dai Jingxi para um abraço, pressionando seu rosto contra seu ombro.

“Tudo bem.” Murmurou ele. “Então me abrace.              Não, isso não é suficiente. Beije-me.”

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Enquanto isso, Yu Xiaowen havia retornado ao dormitório dos funcionários perto da propriedade. Ele deixou sua bagagem, arrumou uma mala menor e saiu por um portão lateral discreto.

Ele precisava falar com Ye Yisan.

Suas mensagens não foram respondidas, então ele decidiu ir pessoalmente.

Algo naquele dia o deixou estranhamente alerta. Depois de trocar de veículo várias vezes, ele chegou à residência pública de Ye Yisan, mas a encontrou vazia.

Então ele circulou por ali, pegando becos até chegar a um esconderijo escondido nos limites da expansão industrial da cidade.

É claro, Ye Yisan estava lá.

Yu Xiaowen digitou o padrão codificado, pegou a chave reserva escondida sob um ladrilho de concreto e entrou.

Ye Yisan estava sentado dentro do quarto escuro e sem iluminação, uma sombra imóvel.

Yu Xiaowen entrou, examinando o local. “Podemos acender a luz?”

Uma pausa.

Então Ye Yisan disse baixinho: “Mm.”

A luz do teto se acendeu bruxuleante. O rosto de Ye Yisan estava pálido, seus olhos desfocados. Havia até marcas de dentes nas costas de sua mão.

Yu Xiaowen ficou surpreso. “…O que aconteceu com você?”

“Você veio sozinho?” Ye Yisan perguntou.

“Claro.” Respondeu Yu Xiaowen. A pergunta soou estranha, aquele era o local de encontro combinado; claro que ele viera sozinho.

Ele serviu um copo de água para Ye Yisan. “Imaginei que você ficaria preocupado por eu estar no exterior, talvez ligando todos os dias para saber como você está. Mas lhe mandei uma mensagem e não tive resposta.”

Ye Yisan ficou em silêncio por um tempo antes de responder.

“O camarada que foi comigo na última missão está morto. Zhao Hebian. Você o encontrou uma vez.”

“…”

Suas missões eram sempre perigosas. Yu Xiaowen se lembrou de como Ye Yisan certa vez escalou um penhasco durante uma tempestade, matou a tripulação de Ding Qi, recuperou a maleta e ainda o carregou para um lugar seguro. Pessoas como eles viviam todos os dias à beira da morte.

Ele deu um tapinha no ombro de Ye Yisan em sinal de condolências.

“Foi obra do Sr. Ye.” Disse Ye Yisan depois de um tempo, com os lábios tremendo.

“…O quê?”

“Ele falhou na tarefa e se expôs. O Sr. Ye ‘limpou’ tudo depois.” A voz de Ye Yisan estava rouca. “Eu deveria estar acostumado. Nossas vidas pertencem a ele. No momento em que nos vendemos, aceitamos isso. Mas ainda dói.”

Yu Xiaowen já ouvira histórias como essa antes, mas nunca as compreendera completamente. A ordem brutal das coisas no País M era insensata, mas para aqueles que viviam nela, era lei.

Ele agarrou o ombro de Ye Yisan com mais firmeza. “Ele era seu irmão de armas. É normal sofrer.”

Ye Yisan esfregou o rosto.

“Ser ‘limpo’ pelo Sr. Ye significa morte.” Disse ele calmamente. “Mas agora… Eu conheci algo pior que a morte.”

Sua expressão se tornou vaga e assombrada. Yu Xiaowen o observou atentamente. Ele parecia abalado, nada parecido com o agente calmo que conhecia. Mais parecido com aquele homem assustado que conhecera anos antes no País S.

“Capitão Hao Dali,” disse Ye Yisan de repente, “no navio, você estava com a Família Lu, certo?”

“Sim.” Yu Xiaowen assentiu. Ele planejava contar isso de qualquer maneira, mas não tivera a chance antes. “O segundo filho, Lu Kongyun. Já nos conhecemos antes, embora não tão próximos. Ele acha que sou irmão gêmeo de Yu Xiaowen…”

Havia inconsistências naquela história, mas ele se manteve firme por enquanto. “De qualquer forma, ele vai embora em três dias. Você não precisa se preocupar. Ah, e Dai Lanshan também veio, com o irmão. Ele pode vir procurar vocÊ.”

Com isso, o rosto de Ye Yisan ficou ainda mais sombrio.

“Os registros de entrada mostram que Lu Qifeng, diretor do Departamento de Inteligência do País S, chegou ao País M.” Disse Ye Yisan. “Ele abandonou um caso em andamento e veio pessoalmente. Isso não é coincidência. Acho que seu disfarce foi descoberto no navio. Talvez Lu Kongyun tenha contado a ele.”

“Isso é impossível.” As costas de Yu Xiaowen se enrijeceram ao dizer isso. “Ele não faria…”

No navio, o comportamento incomum entre Lu Kongyun e ele sempre esteve presente; ele simplesmente estivera tão imerso em seu sonho que não percebeu. Agora em silêncio, Yu Xiaowen encarou Ye Yisan, esperando que ele explicasse o motivo de sua dedução.

Ye Yisan disse: “Você levou sua pulseira do País S para o navio, certo?”

“Sim.” Respondeu Yu Xiaowen. “Mas eu nunca liguei.”

Então ele ficou em silêncio novamente.

Ele começou a sentir medo.

“A pulseira foi ativada.” Disse Ye Yisan. “Antes de a devolver, liguei-a em uma área com sinal bloqueado e copiei seus dados operacionais para o meu próprio dispositivo. Desculpe. Eu não confiava totalmente em você naquela época.”

Ye Yisan continuou: “Depois disso, ela permaneceu inativa. Mas enquanto você estava no navio, ela ligou, por exatamente um minuto e trinta segundos, e fez login com seu ID de usuário.”

Um calafrio percorreu o topo da cabeça de Yu Xiaowen até suas costas.

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Lu Kongyun olhou ao redor da sala. Era completamente selada, à prova de som, com portas duplas e paredes isoladas. Ele a escolhera deliberadamente.

Momentos depois, Lu Qifeng chegou.

O chefe da inteligência entrou com uma intensidade incomum; Lu Kongyun raramente tinha visto seu irmão mais velho em tal estado.

Lu Kongyun lhe serviu chá e deslizou a xícara sobre a mesa. “Beba um pouco de água.”

Lu Qifeng se sentou pesadamente, esvaziou metade da xícara e a colocou sobre a mesa com um sorriso. “Caso resolvido. Quer ouvir?”

Seu comportamento frio e sarcástico de sempre havia desaparecido. Hoje, ele parecia radiante, quase triunfante. A mudança era perturbadora.

Lu Kongyun o encarou calmamente. “Este caso realmente vale o seu entusiasmo?”

“Não estou nem aí para o seu policialzinho vagabundo.” Zombou Lu Qifeng. “Estou falando de Ye Yisan. Você já ouviu falar dele?”

“Ouvi o nome no navio.” Disse Lu Kongyun.

“Ye Yisan,” declarou Lu Qifeng, “é o espião que escapou de mim há dois anos.”

A revelação deixou Lu Kongyun atordoado. Ele ficou paralisado por vários segundos.

“…Você quer dizer o mesmo Ye Yisan que você plantou com Gao Yuting, aquele que escapou depois?”

“Exatamente.” Disse Lu Qifeng. “Após sua fuga, mais ou menos na mesma época, Yu Xiaowen desapareceu durante o caso Ding Qi, caiu de um penhasco e a maleta preta desapareceu com ele. Agora, Ye Yisan reapareceu no País M, acompanhado por alguém chamado Hao Dali. Este Hao Dali é quase idêntico a Yu Xiaowen. E, pela minha pesquisa, Ye Yisan é especialista em disfarces. Mas você sabe tão bem quanto eu que o disfarce pode mudar o rosto, não o cheiro. Principalmente os feromônios.”

Lu Kongyun não disse nada.

Vendo a expressão do irmão mais novo endurecer e empalidecer, Lu Qifeng sorriu satisfeito.

“Ótimo, você não está completamente morto de cérebro. Não preciso explicar. Ainda acha que o Departamento está caluniando o seu ‘mártir’? Você passou dois anos agindo como um idiota.”

Ele observou a garganta do irmão se apertar, os músculos se contraindo enquanto ele engolia as palavras. Então, seus olhos se voltaram para o pulso em que Lu Kongyun agora usava apenas uma pulseira. Estalando a língua, ele disse: “Coloque seu estabilizador médico de volta. Quem mandou você tirar?”

Lu Kongyun não se mexeu. Seu tom era rígido. “Estabilizador médico para quê? Se eu morrer, eu morro.”

“Patético.” Murmurou Lu Qifeng. Olhando para o relógio, perguntou: “Onde está Yu Xiaowen agora?”

“Ele disse que estava voltando para o dormitório para deixar sua bagagem.” Respondeu Lu Kongyun.

“Aquele homem foi avisar Ye Yisan.” Disse Lu Qifeng friamente. “Ye Yisan. Pobre coitado abandonado. Uma tartaruga num pote. Vamos ver onde você está se escondendo agora.”

Seus olhos brilhavam de forma anormal, sua excitação era quase maníaca. Ao tentar se levantar, uma onda repentina de tontura o atingiu. Seu corpo ficou mole e ele desabou de volta na cadeira.

Alguns segundos depois, ele compreendeu. Ele riu entre dentes.

“Lu Kongyun, eu acabei de dizer que você não é idiota, e aqui está você me provando o contrário. Você me drogou? Em vez de perseguir aquele vigarista que enganou você, você foi atrás do seu irmão, um oficial nacional em serviço?”

“Porque você é barulhento.” Disse Lu Kongyun. “E imprudente. Eu queria que você ficasse calmo. Eu cuido deste caso. Certo?”

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A mente de Yu Xiaowen relembrou tudo o que aconteceu no navio.

Ele não conseguia acreditar que Lu Kongyun, o tipo de homem que era, inventaria uma mentira elaborada só para baixar a guarda, reunir provas secretamente e depois o denunciar. Mesmo que isso fosse verdade, não seria errado. Se Yu Xiaowen estivesse vivo, então, pelas leis do País S, ele era um traidor. Para um oficial como Lu Kongyun, qualquer ação era justificada.

Mas por que ele faria tanto esforço por mim?

“Se o Sr. Ye descobrir que eu o ajudei a assumir uma identidade falsa, nós dois seremos ‘limpos’. E se Lu Qifeng nos pegar, a morte será uma misericórdia.” Ye Yisan disse: “Temos que ir. Imediatamente.”

Yu Xiaowen se forçou a parar de pensar em círculos.

A única coisa que importava era determinar se eles realmente corriam risco. Ele não podia deixar Ye Yisan, que um dia salvara sua vida, ser arrastado para baixo com ele. Todo o resto era insignificante.

“Calma primeiro.” Disse Yu Xiaowen. “Precisamos confirmar se nossa conexão foi realmente exposta. Mesmo que Lu Qifeng me queira, isso não significa que ele virá atrás de você.”

Ye Yisan cobriu o rosto. “Não. Eu já fui exposto. Eles vão rastrear tudo até nós.”

Yu Xiaowen notou suas mãos trêmulas e se assustou. O que havia acontecido com ele? Este homem que sempre caminhara através do fogo e do sangue sem vacilar.

Lu Qifeng era um homem ocupado; ele não voaria para o País M sem motivo. Ir atrás de um caso antigo já era um exagero.

Yu Xiaowen pensou por um momento e disse: “Não entre em pânico ainda. Vamos pensar bem. Talvez ele esteja aqui por outro motivo. E, além disso, Lu Kongyun não é do tipo que denuncia alguém em segredo.”

Após uma pausa, Ye Yisan pareceu tomar uma decisão. Ligou o celular, digitou algumas vezes e o jogou para Yu Xiaowen.

Yu Xiaowen pegou e olhou.

Na tela havia seis palavras: 【Há quanto tempo não nos vemos.】

Não era uma mensagem, era uma captura de tela. O cartão SIM havia sumido, e a pilha de restos retorcidos e carbonizados sobre a mesa deixava claro o que havia acontecido com ele.

Yu Xiaowen encarou aquelas palavras, depois Ye Yisan. Algo na expressão de Ye Yisan fez aquelas seis simples palavras parecerem vivas, perigosas, terríveis.

“Hoje.” Disse Ye Yisan baixinho. “No momento em que o avião de Lu Qifeng pousou. Tinha que ser ele.”

“…Vocês dois se conheciam?” Perguntou Yu Xiaowen.

Mas Ye Yisan se recusou a responder. Depois de um tempo, ele apenas disse: “Precisamos ir. Rápido. Quando isso acabar, ambos os lados virão atrás de nós, Lu Qifeng e do Sr. Ye. Não haverá tempo para nada.”

Yu Xiaowen franziu a testa. Se Lu Qifeng já havia localizado Ye Yisan, então seu próprio disfarce também havia desaparecido.

O telefone dele vibrou. O identificador de chamadas mostrou um número do País S. Ele soube imediatamente: era Lu Kongyun.

“…Lu Kongyun.” Murmurou Yu Xiaowen. “Ele provavelmente está ligando para perguntar quando eu volto.” Ele olhou para Ye Yisan. “Devo atender?”

Ye Yisan pensou por um momento, então pegou um dispositivo, ajustou-o e disse: “Atenda. Ouça o que ele diz. Desligue em trinta segundos.”

Yu Xiaowen obedeceu.

“…Alô.”

“Alô.” Respondeu a voz baixa do outro lado da linha. “Onde você está?”

Yu Xiaowen não respondeu. “O que houve?” Ele perguntou.

Após uma pausa, Lu Kongyun perguntou: “Você foi ver Ye ge?”

Ye Yisan podia ouvir cada palavra, seus olhos fixos no rosto de Yu Xiaowen.

Yu Xiaowen permaneceu em silêncio.

Ele parecia resignado.

Então a voz de Lu Kongyun soou novamente, calma, porém pesada: “Quando você vai voltar?”

Yu Xiaowen olhou para Ye Yisan. “…Breve.”

“Você se lembra do que eu disse?”

Com isso, algo se mexeu dentro de Yu Xiaowen. Pela primeira vez, ele entendeu aquela frase, ‘apenas fique comigo’, e talvez mais do que isso. Mas o perigo o espreitava demais para que ele refletisse. Ele engoliu em seco e forçou a saída: “Mm. Você disse que… Eu só preciso ficar com você.”

Silêncio.

Então, suavemente: “Volte logo. Estarei esperando.”

A ligação terminou. O olhar de Ye Yisan se tornou indecifrável. Ele desligou o dispositivo de sinalização. “Ele não está por perto por enquanto.”

Em seguida, ele desmontou o próprio celular, removendo o cartão. “Mas eles ainda podem nos rastrear facilmente. Não podemos levar nada. Vamos embora agora.”

“…Agora?” Yu Xiaowen hesitou. “Eu acabei de dizer a ele que voltaria…”

Ye Yisan estudou seu rosto cuidadosamente.

Então perguntou abruptamente: “Lu Kongyun também ama você?”

A palavra também o atingiu como um tapa. Yu Xiaowen instintivamente se encolheu. “…Claro que não.” Ele disse rapidamente, quase rápido demais.

“Então você tem certeza de que sabe no que está se metendo?” Ye Yisan perguntou.

Ele não sabia. Ele só sabia que havia dito que voltaria.

Era tolice, e com sua identidade atual, ele não podia se dar ao luxo de tolices. Mas ele sabia disso.

O que Lu Kongyun estava realmente pensando? Ele sabia a verdade, mas não a dissera em voz alta. Seria estratégia o segurar até Lu Qifeng chegar? Ou ele queria que Yu Xiaowen confessasse por conta própria, admitisse quem realmente era e se rendesse?

De qualquer forma, Lu Kongyun não poderia estar errado. Como oficial, como homem de consciência, tudo o que ele fez foi justificado.

Yu Xiaowen sabia que a vida de Ye Yisan era brutal: dinheiro, afeto, tudo era escasso. Seu único objetivo sempre fora a sobrevivência. Um homem como aquele já havia arriscado a vida uma vez para o salvar; Yu Xiaowen não o poderia derrubar novamente.

Ele se acalmou e disse com firmeza: “Estamos expostos. A culpa é minha. Trouxe algo que não deveria e subestimei o risco. Mas não vou deixar você morrer.”

“Você também não pode morrer. Nós dois vivemos.” Disse Ye Yisan, pegando o celular de Yu Xiaowen. Ele o desligou, removeu o cartão SIM e o acendeu com um isqueiro.

Os dois observaram em silêncio enquanto o cartão escurecia, enrolava e se transformava em cinzas. Ye Yisan a esmagou com uma ferramenta até que não restasse mais do que fragmentos deformados.

“Vamos.” Disse Ye Yisan. “Estar vivo é o que importa. Você já morreu uma vez. Você deveria entender melhor do que eu.”

Yu Xiaowen olhou fixamente para os restos fumegantes. A ideia de que aquilo poderia ser realmente um adeus, para sempre, o arrastava como um peso preso à sua alma, afundando-o profundamente em águas escuras.

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Lu Kongyun esperou por um longo tempo. Quando percebeu que Lu Qifeng tentava se levantar novamente, calmamente pegou uma nova seringa, caminhou até ele e injetou outra dose.

Lu Qifeng observou a mão calma do irmão e riu. “Você tem coragem, Lu Kongyun, de drogar o próprio irmão.”

“Não fale.” Disse Lu Kongyun, secamente. “Minhas emoções não estão estáveis, e você não pode revidar.” Ele tampou a agulha e a colocou de lado.

“Idiota.” Disse Lu Qifeng. “Ele não vai voltar. Ele só lhe deu ouvidos no navio porque não tinha escolha. Agora que ele está em terra, já se foi há muito tempo. Se você deixar meu espião escapar, eu farei você pagar, irmão ou não.”

A voz de Lu Kongyun endureceu. “Se você tivesse entendido a diferença entre o meu e o seu, as coisas não teriam chegado a esse ponto. Foi você quem tocou primeiro no que era meu.”

Lu Qifeng deu uma risada. “Você é mesmo um idiota. Ele concordou em ser ‘seu’?”

Lu Kongyun olhou para ele friamente. “Seu ‘espião’ concordou em ser seu espião?”

“Por que você não liga para a rede de satélites de Marte e pergunta se um foguete acabou de passar por aqui?” Zombou Lu Qifeng. “Talvez o Departamento possa enviar uma mensagem para eles: ‘O Coronel Lu diz que a nação lhe deve um pedido de desculpas~'”

Lu Kongyun se virou para a janela. O céu lá fora estava vermelho, o sol estava se pondo, a luz se esvaindo no crepúsculo.

Depois de um momento, ele pegou o telefone e discou novamente.

“Desculpe, o número para o qual você está ligando foi desligado…”

A voz do alto-falante era baixa, mas clara o suficiente para Lu Qifeng ouvir. Ele riu, foi cruel. “Lu Kongyun, você é mesmo tão burro assim?”

A figura perto da janela não se moveu. Seus ombros ainda estavam retos, mas algo oco havia se apoderado de seu corpo, como se suas forças tivessem se esvaído. A mão que segurava o telefone tremia ao abaixar.

Lu Qifeng o observou. O riso desapareceu.

“Sim.” Disse Lu Kongyun por fim, com a voz distante. “Você tem razão.”

Ao vê-lo daquele jeito, lembrando-se do que os últimos dois anos fizeram com ele, Lu Qifeng, por mais severo que fosse, não conseguiu torcer a faca ainda mais.