Capítulo 30: Você Já Ouviu Essa História?
Quando o Dragão Branco cruzou a linha de chegada carregando Gu Fuyou, não havia sinal de mais ninguém atrás deles.
Os espectadores que aguardavam na linha de chegada costumavam explodir em aplausos para saudar o vencedor. Mas, dessa vez, suas vozes estavam carregadas de espanto.
O Dragão Branco pousou no penhasco. Perto dali, um altar havia sido montado, com um oficial da associação dos mercadores ao lado. Um cavalheiro escrevia um documento e, ao ver o primeiro a chegar, ficou boquiaberto, incapaz de continuar a escrever.
Sentada sobre o Dragão Branco, Gu Fuyou tentava recuperar o fôlego, o coração ainda acelerado.
Os olhares dos presentes estavam cheios de choque e reverência. Quando Gu Fuyou desceu do Dragão Branco e ficou ao seu lado, sentiu o que é brilhar com uma glória emprestada.
O oficial foi o primeiro a se recompor e anunciou em voz alta:
— A vencedora — Gu Fuyou, da Cidade Xiaoyao.
Então a multidão irrompeu em aplausos, embora seus gritos estivessem misturados com confusão e incerteza.
Gu Fuyou não conseguia definir claramente suas próprias emoções. No passado, aquele teria sido um momento de glória, algo que sempre desejara. Ela teria ficado radiante, mas agora, depois da jornada cheia de adrenalina — pela floresta de pedras, sobre as correntes turbulentas e alçando voo no céu — o senso de conquista parecia um tanto insípido.
Quando o cavalheiro terminou de escrever o documento, o oficial o entregou a Gu Fuyou, dizendo:
— Terceira Senhorita, esta é a prova da sua vitória. Mais tarde, você pode trocá-la na casa de apostas pelo seu prêmio da corrida.
Antes que Gu Fuyou pudesse pegá-lo, ouviu um outro suspiro vindo de trás. Virando-se, um vento frio bateu em seu rosto, fazendo-a apertar os olhos.
Tudo o que pôde ouvir foi o som de algo agitando os ventos e as nuvens. Protegendo os olhos, ela viu o Dragão Branco decolando em direção àquela perturbação.
Um sentimento pesado apertou o coração de Gu Fuyou. Ela agarrou o documento e, sem pensar, saiu correndo atrás dele.
Correndo pela elevação do desfiladeiro, ela gritou para o Dragão Branco que voava:
— Espere por mim! Espere!
O ambiente ficou sombrio, com um vento frio soprando.
Sabendo que provavelmente não conseguiria alcançá-lo, continuou correndo na beira do penhasco, gritando para o céu:
— Por que você me ajudou?
Depois de correr metade do caminho, a distância aumentou. Suas pernas começaram a doer e enfraquecer, forçando-a a parar. Com os lábios trêmulos, sussurrou:
— Por que você veio me ajudar?
De repente, ouviu um uivo familiar ao longe.
Olhando para cima, viu uma figura escura se aproximando rápido, como uma rajada de vento negro. Abraçando-a com alegria, exclamou:
— Ah Fu!
Ah Fu havia seguido eles desde os altos do desfiladeiro.
Fazendo carinho na cabeça de Ah Fu, ela disse:
— Eu te disse claramente para esperar no ponto de partida pela sua irmã mais velha.
Ah Fu respondeu com uma série de uivos.
Gu Fuyou retrucou:
— Eu não sou sua irmã mais velha, e não te entendo. Mas é bom que você esteja aqui.
Com a ajuda de Ah Fu, ela montou em suas costas e ordenou:
— Ah Fu, persiga aquela nuvem lá na frente…
Antes que terminasse a frase, Ah Fu já disparava atrás do Dragão Branco que se afastava.
Embora ainda jovem e no auge da Prática do Qi, Ah Fu, sendo uma besta Zhenmao, corria como o vento. Em velocidade, estava no mesmo nível das bestas espirituais do estágio do Vazio Oco.
Com o Dragão Branco voando alto e Ah Fu correndo fervorosamente no chão, não conseguiam alcançá-lo, mas conseguiam mantê-lo à vista.
Gu Fuyou se perguntou por que aquele Dragão Branco tinha aparecido ali, como se tivesse vindo especialmente para ajudá-la.
Ela desconfiava, mas a ideia era tão absurda que não se permitia pensar muito nisso.
No entanto, quanto mais Ah Fu perseguia, mais familiar era o caminho e a paisagem, e sua suspeita ficava mais forte.
Gu Fuyou respirava ofegante, a voz trêmula:
— Ah, Ah Fu, vamos cortar caminho. Rápido, vamos por aqui.
Gu Fuyou ordenou a Ah Fu que mudasse a rota, seguindo para o quarto da estalagem que haviam reservado antes.
Enquanto Ah Fu carregava Gu Fuyou pela estreita trilha da montanha, um vento gelado soprava. Gu Fuyou olhou para cima e viu uma nuvem de névoa entrando no quarto mais alto, no topo do penhasco.
— Ah Fu, rápido.
Ah Fu, com Gu Fuyou, correu para o quarto. Ela desmontou depressa, tropeçou em alguns passos e entrou apressada.
Na pressa e com a mente acelerada, ela não pensou muito. Entrando no quarto pouco iluminado, notou sombras se movendo lá dentro.
Seus olhos se fixaram numa pilha de roupas na cama. Ela se rolou até lá, pegou rapidamente as roupas e as abraçou contra o peito.
A figura em movimento parou, e o silêncio dominou a câmara de pedra por um instante. Gu Fuyou ouviu sua própria respiração descompassada, limpou a garganta e deu dois passos na direção das sombras, dizendo:
— Eu sei que é você, você está aqui.
Uma figura lentamente surgiu das sombras, revelando-se como o Dragão Branco, seu corpo enrolado na parede, abaixando a cabeça em direção a Gu Fuyou.
O Dragão Branco soltou um suave resmungo pelas narinas, exalando um sopro frio. Depois de correr contra o vento, o cabelo de Gu Fuyou já estava todo bagunçado. O sopro gelado do dragão fez alguns fios de seu cabelo caírem sobre o rosto.
A cabeça do Dragão se aproximou, fazendo Gu Fuyou recuar até encostar na cama. O Dragão abriu a boca levemente, mostrando suas afiadas presas brancas.
Fitando os olhos dourados do Dragão, um medo instintivo fez as pernas de Gu Fuyou fraquejarem, e ela sentou-se na cama.
Segurando seu vestido branco, emoções de excitação e medo se misturavam, fazendo-a tremer, com a mente atingindo um ápice de agitação, quase desmaiando.
Respirando fundo, Gu Fuyou perguntou cautelosamente:
— Você é minha irmã mais velha?
Sua voz ficou mais firme:
— Você é a Irmã Mais Velha Zhong, não é?
As pupilas do Dragão se estreitaram ligeiramente, parecendo mais afiadas e imponentes.
O corpo do Dragão se moveu devagar, seus bigodes parecidos com névoa esvoaçaram. Ele a encarou, mas não respondeu.
Engolindo em seco, Gu Fuyou começou:
— Em Xiaoyao City, há uma história…
— Certa vez, uma fada do palácio celestial desceu ao mundo mortal. Ela pousou numa floresta de pessegueiros, com uma paisagem serena e elegante. No fundo da floresta, havia uma fonte cristalina. A fada tirou seu manto de penas e o deixou na margem, banhando-se na fonte.
— Um pastor passou por ali, e ao ouvir o barulho, se aproximou da fonte. Surpreso, ele pegou o manto da fada, impedindo que ela voltasse aos céus…
Gu Fuyou olhou para o Dragão Branco, puxando a barra do vestido branco que segurava, abraçando-o mais forte e recuando um pouco:
— Se você não me contar, eu… eu não vou devolver esse manto de penas para você.
O Dragão Branco a observou por um momento e, com um suspiro resignado, falou:
— Gu Fuyou.
A voz era familiar. Embora mais abafada que a voz clara de Zhong Míchū, Gu Fuyou a reconheceu.
Seus olhos se iluminaram com a realização, fitando intensamente o Dragão Branco:
— Irmã Mais Velha Zhong, é realmente você. Você é o Dragão Branco… Você é…
— Eu…
Lágrimas encheram os olhos de Gu Fuyou, a voz trêmula:
— Posso… posso te abraçar?
Gu Fuyou se levantou e se aproximou do Dragão Branco. O Dragão, porém, recuou e perguntou:
— Você não tem medo de mim?
Gu Fuyou insistiu:
— Posso te abraçar?
Antes que o Dragão Branco pudesse responder, um baixo ronronar saiu de sua garganta. Mas Gu Fuyou já havia aberto os braços e puxado o Dragão Branco para um abraço.
Dado o tamanho imenso do Dragão Branco, Gu Fuyou não conseguiu envolver seus braços completamente. Em vez disso, ela acabou totalmente envolvida pelo abraço do Dragão.
O Dragão Branco baixou gentilmente a cabeça, repousando-a sobre a de Gu Fuyou. Esse abraço inesperado pegou o Dragão desprevenido, fazendo sua majestosa expressão parecer comicamente surpresa quando seus olhos dourados se encontraram.
Gu Fuyou apertou o abraço e enterrou o rosto abaixo da cabeça do Dragão, segurando as lágrimas que começaram a escorrer sem controle.
O ritual inicial de invocação não tinha falhas. Ela realmente havia convocado uma besta espiritual — não, mais precisamente, uma besta celestial.
Ela convocou um Dragão Branco.
Suprimindo as emoções, Gu Fuyou perguntou:
— Eu não sou inútil, não sou?
Mesmo que sempre demonstrasse orgulho diante dos outros, lá no fundo ela tinha consciência aguda de suas próprias habilidades. Cercada de dúvidas e desprezo, sua resistência externa escondia uma dúvida crescente, que afundava tanto que dava frutos de inferioridade.
Ela oscilava entre a automotivação e o autoódio, sem saber se algum dia cederia ao desespero ou realizaria seus sonhos.
Então, Zhong Míchū chegou.
O Dragão pausou, soltando um suspiro enevoado. Recuou um pouco, sua mandíbula roçando em Gu Fuyou, como se estivesse afagando sua cabeça:
— Gu Fuyou, eu te disse, você é incrível, você é uma gênio.
Soltando um soluço, Gu Fuyou enxugou as lágrimas do rosto. O Dragão Branco continuou:
— Agora você pode devolver meu “manto de penas”?
Entre as lágrimas, Gu Fuyou sorriu:
— Só se você prometer não sair voando de repente.
Ela colocou o manto sobre a cabeça do Dragão Branco, cobrindo seus chifres feridos.
O Dragão Branco a fitou, repetindo sua pergunta anterior:
— Gu Fuyou, você não tem medo de mim?
Gu Fuyou entendeu por que ele perguntava. Tanto o clã do Dragão quanto o da Fênix Azul tinham talentos únicos.
O talento do clã da Fênix Azul era “a alma nunca morre, o corpo é imortal.” Enquanto o espírito não fosse completamente destruído, eles podiam passar por incontáveis ciclos de renascimento.
O talento inato do clã do Dragão é a dominação. São os reis naturais, os senhores de todas as bestas espirituais. Exceto pelo clã da Fênix Azul, todas as bestas espirituais naturalmente se submetem a eles. Mesmo que uma besta espiritual tenha poder espiritual maior que o de um dragão, ainda assim sentiria afinidade por eles e não os atacaria facilmente.
Por isso Zhong Míchū não conseguia invocar — não porque não podia convocar uma besta espiritual, mas porque se o fizesse, todas as bestas espirituais iriam se aglomerar ao seu redor, tentando agradá-la. Ela poderia, sem querer, causar uma estampida bestial.
Esse talento dá ao clã do Dragão uma majestade inviolável. Mesmo os pares, quando diante de um dragão, sentem um medo profundo. Principalmente considerando que Gu Fuyou é apenas uma praticante de Qi.
Esse medo é algo que Gu Fuyou conhece profundamente. Quando Zhong Míchū estava em forma humana, esse sentimento era tênue, e só bestas espirituais sensíveis podiam percebê-lo. Mas, quando ela se transformava em dragão, essa sensação aumentava intensamente, permeando todos os poros.
Gu Fuyou disse:
— Eu não tenho medo.
Os olhos de Zhong Míchū se estreitaram um pouco. Quando se transformava em dragão, não estava acostumada; muitos instintos eram difíceis de controlar. Ela não achava que parecia muito amigável:
— Por quê?
Gu Fuyou repetiu:
— Por quê?
— Porque você é minha irmã mais velha — respondeu Gu Fuyou, coçando a bochecha. Embora falasse com sinceridade, ela parecia um pouco tímida, talvez envergonhada por seu comportamento inicial mais leviano. — No começo, quando te encontrei na Seita Xuan Miao, eu talvez tenha sentido um pouco de medo, mas depois percebi, eu sabia…
Sabia o quê?
— Não existe pessoa mais gentil no mundo do que você.
O Dragão Branco sussurrou:
— Na primeira vez que você me viu, não teve medo de mim.
A voz do Dragão era abafada e profunda. Gu Fuyou não entendeu direito e perguntou:
— O quê?
— Preciso trocar de roupa.
— Ah? Tudo bem.
Percebendo o que estava acontecendo, Gu Fuyou se virou lentamente. O Dragão Branco se transformou em uma nuvem e voltou à sua forma humana.
Pelo canto do olho, Gu Fuyou viu um padrão preto descendo do ombro de porcelana de Zhong Míchū, parecendo um dragão escondido na névoa. O desenho se estendia até o peito dela.
Um rubor tomou conta do rosto de Gu Fuyou, que pensou: “Então é aí que fica a marca da besta da Irmã Mais Velha Zhong.”
Enxugando as lágrimas e ajeitando o cabelo, uma dúvida surgiu:
— Irmã Mais Velha Zhong, todos os dragões precisam tirar a roupa antes de se transformar?
Após um silêncio prolongado, Gu Fuyou não conseguiu evitar olhar para trás. Zhong Míchū, já vestida, estava prendendo o cabelo. O rubor em seu rosto normalmente frio a deixava incrivelmente charmosa e fofa.
— É minha primeira transformação. Não sou muito habilidosa — confessou.
De fato, não era. Quando voltou à forma humana, ainda havia escamas brancas na bochecha e um par de chifres quebrados na testa.
Ao olhar para aqueles chifres, Gu Fuyou se sentiu inexplicavelmente triste.
Zhong Míchū disse:
— Gu Fuyou, não conte para ninguém que eu sou do clã do Dragão.
Filha do Ancião Yunran, por que Zhong Míchū era do clã do Dragão? Por que foi criada na Seita Xuan Miao? O líder da seita sabia sua verdadeira identidade? Qualquer um podia perceber que havia um mistério ali.
Mas, como Zhong Míchū não queria que ninguém soubesse, Gu Fuyou não insistiu nem perguntou mais nada. Apenas respondeu:
— Tudo bem.
Observando Zhong Míchū por um momento, Gu Fuyou percebeu que, daquele jeito, ela atrairia muita atenção.
Vasculhando sua bolsa de armazenamento, puxou um chapéu com véus brancos e colocou na cabeça de Zhong Míchū, rindo:
— Agora, ninguém vai notar.
Enquanto Zhong Míchū tocava o chapéu, Gu Fuyou rapidamente segurou seu braço e disse sorrindo:
— Vamos sair daqui agora.
Para evitar curiosos que tivessem visto o Dragão Branco.
Sem esperar a resposta de Zhong Míchū, ela a guiou para fora. Ah Fu estava esperando do lado de fora e se levantou abanando o rabo ao vê-las.
As duas e a besta deixaram a Passagem da Saída da Lua e seguiram de volta para Wantong City.
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The Dragon
Todos dizem: “Tal pai, tal filha”, mas Gu Fuyou tem um talento medíocre. Tão medíocre que, ao vê-la, as pessoas zombam, se perguntando como Gu Wanpeng poderia ter uma filha...