Capítulo 36: Sino de Yan’er
Aviso: Esse capítulo contém partes sensíveis, como tentativa de auto-mutilação, mas ela não ocorre.
Num momento, Gu Fuyou tentava abrir caminho para o palácio central. No instante seguinte, havia desaparecido.
Zhong Michu franziu a testa, olhando ao redor. Gu Fuyou havia sumido — e Gu Huaiyou e os outros dois também não estavam em lugar nenhum.
Normalmente, Zhong Michu teria percebido de imediato que algo estava errado e teria ficado em alerta. Mas, naquele momento, sua mente estava vazia, incapaz de formar qualquer pensamento.
Ela deu um passo à frente. Ao seu redor, a vegetação florescia, nuvens brancas flutuavam no céu, olmos formavam florestas à esquerda, e à direita havia um lago esverdeado de jade.
Era um lugar acolhedor e sereno.
Zhong Michu coçou a testa e sentiu algo duro. Caminhou até a beira do lago e olhou seu reflexo na água.
Na superfície, viu uma pequena figura, delicada como porcelana, vestida com um robe de cetim vermelho bordado a ouro. O reflexo tinha olhos grandes e inocentes que a encaravam.
Zhong Michu a fitou, chocada. No reflexo, havia dois chifres em sua testa.
Ela segurou um dos chifres, puxou e depois torceu. Com um grunhido, aplicou mais força, causando uma leve dor.
— Ai! — usou força demais e doeu.
Sentindo-se perdida, começou a correr em direção à montanha, na esperança de encontrar sua mestra e obter respostas.
Apesar da estatura pequena, movia-se rapidamente pela floresta.
Em pouco tempo, chegou diante do Pavilhão Hechen. Antes de entrar, avistou uma silhueta azul familiar e exclamou, radiante:
— Mãe!
A Anciã Yunran estava saindo, parada no caminho de pedra do pátio, quando ouviu a voz. Virou-se — e se abalou visivelmente com o que viu.
Zhong Michu, sem perceber nada, correu em sua direção com alegria.
Ela vivia no Pico Gushen, cuidada por duas irmãs. Fora das aulas diárias com sua mestra, eram apenas ela e as irmãs naquela montanha. A Anciã Yunran não morava com elas.
Yunran aparecia de vez em quando, mas raramente e por pouco tempo. Zhong Michu sempre aguardava essas visitas com expectativa — mesmo que a Anciã Yunran quase sempre parecesse distante e fria.
Ao se aproximar, querendo segurar a mão da mãe, Yunran reagiu como se tivesse sido atingida por algo insuportável. Sacudiu Zhong Michu com força e gritou:
— Afaste-se!
Zhong Michu cambaleou para trás e caiu. Confusa por ter sido empurrada com tanta violência, ergueu os olhos — e viu a mãe tremendo visivelmente.
Com a voz suave, murmurou:
— Mãe…
— Não me chame de mãe! — Os olhos da Anciã Yunran mudaram do choque para o ressentimento e a raiva.
Zhong Michu jamais a vira tão furiosa e não conseguia entender o motivo, mas o olhar de ódio nos olhos de Yunran a apavorou.
Ela se levantou, e uma névoa começou a se formar ao redor, tornando a figura da mãe embaçada. Através da névoa, Zhong Michu viu a Anciã Yunran discutindo com alguém, empunhando uma espada reluzente e afiada.
Assustada, Zhong Michu recuou — e, quando se deu conta, estava de volta à floresta.
Seguiu adiante e logo avistou algumas feras espirituais descansando à frente. Pensando que encontraria algum conforto, aproximou-se. Mas, ao senti-la, as feras se dispersaram em pânico.
Pássaros bateram asas e voaram, e as feras fugiram pelo chão, criando um caos generalizado.
Zhong Michu correu atrás deles, confusa, dizendo:
— Por que estão fugindo? Sou só eu…
Mas vê-la se aproximando só assustou ainda mais as feras espirituais.
— Não fujam. A mestra levou embora as duas irmãs que cuidavam de mim, e agora não tenho mais com quem conversar. Por quê?… Só porque meus chifres cresceram?
Nenhuma das feras respondeu. Todas tentavam fugir desesperadamente.
Ela observou a retirada apavorada, com amargura e raiva brotando no coração. Com a voz fria, ordenou:
— Nenhuma de vocês tem permissão para fugir!
Com essa ordem, todas as feras espirituais tombaram no chão, paralisadas. Um filhote de tigre branco alado caiu do céu, aterrissando diante de Zhong Michu.
O pequeno tigre, tremendo, perdeu até o controle da bexiga.
Com os olhos dourados brilhando e pupilas afiadas, Zhong Michu perguntou:
— Você tem medo de mim?
Ela olhou ao redor, para as feras caídas, e continuou:
— Todos vocês têm medo de mim?
Confusa e furiosa, gritou:
— Do que vocês têm medo em mim?!
Seu grito foi tão intenso que o tigre branco começou a espumar pela boca e a ter convulsões.
Ela ficou chocada, jamais imaginaria uma reação daquelas. Assustada, recuou e disse:
— Não, não fui eu, eu não queria machucar vocês…
Ao ver as feras espirituais caídas no chão, o medo aumentou. Virou-se e fugiu.
Vagou sem rumo, sem saber para onde ir. Quando voltou a si, estava parada no pátio do Pavilhão Hechen.
O inverno se aproximava, o tempo estava sombrio, e as folhas douradas das árvores de ginkgo haviam caído, deixando apenas troncos nus.
Vozes vinham do estúdio. Zhong Michu caminhou até a porta, mas não entrou.
Ouvindo as vozes, reconheceu Ji Zhaoling e a Anciã Yunran.
Sua mestra e sua mãe estavam discutindo algo.
— Irmã, por que você colocou Dongli ao lado dela? — perguntou Ji Zhaoling.
— Você não queria alguém de confiança para cuidar dela, alguém que pudesse contê-la? Dongli é adequada — respondeu a Anciã Yunran.
— Você sabe que não é isso que eu quis dizer. Quer mesmo que eu diga em voz alta?
— Quero que Dongli a vigie… e a mate, se for necessário.
— Você… ela ainda é sua filha!
— Se ela crescer e se tornar como ele, então eu não a quero.
Zhong Michu caminhou, atordoada, até o salão de hóspedes, com os olhos se enchendo de lágrimas. Enquanto andava, as lágrimas escorriam pelo rosto. Após dar a volta no salão, seguiu até a cozinha.
Na ponta dos pés, contendo o choro, estendeu a mão até a faca sobre a tábua de cortar. A lâmina brilhava fria, e ela estava prestes a se cortar.
A porta da cozinha se abriu de repente, inundando o cômodo de luz. Uma silhueta correu contra a luz, agarrou sua mão e gritou:
— O que você está fazendo?!
…
Quando Gu Fuyou entrou no palácio central, encontrou um espaço amplo, com um teto de pedra alto e sinais de reparos, parecendo uma tumba.
Ela saiu por uma abertura e se viu em um corredor de pedra. O corredor circundava um vasto espaço aberto, muito parecido com um pátio de residência.
Suspenso no ar, havia um objeto que parecia um sino, emitindo uma luz vermelha que iluminava o entorno.
Ela escalou a balaustrada de pedra para olhar de perto. Ao observar o sino, sentiu uma sensação de familiaridade. Depois de examiná-lo cuidadosamente e dar a volta, ficou cada vez mais animada.
Pensou que o sino se parecia com o Sino Yan’er, mas não tinha certeza absoluta.
Se instrumentos mágicos fossem classificados, o Sino Yan’er estaria no topo.
A lenda falava de uma mulher cujo amado morreu. Em sua imensa dor, em vez de se tornar imortal e enfrentar sua tribulação, ela invocou seu instrumento mágico para suportá-la.
O poder de um artefato forjado na tribulação de relâmpagos do estágio da Imortalização é inimaginável.
Esse artefato podia prender uma pessoa em uma ilusão tão real que era difícil distinguir da realidade, aprisionando-a tão profundamente que não podia escapar.
A mulher se imergia na ilusão criada pelo artefato, ansiando por ver seu amor perdido.
Mas uma ilusão é apenas isso, uma ilusão, um autoengano.
Quando a mulher percebeu a verdade, nomeou o artefato de Sino Yan’er.
O passo de Gu Fuyou parou subitamente, e ela avançou em direção ao sino. Mas ao tentar agarrá-lo, não segurou nada.
Uma ondulação formou-se no ar, e o sino desapareceu, reaparecendo apenas um passo adiante.
— Uma ilusão?
O sino soou zombeteiro, como se risse das tentativas fracassadas de Gu Fuyou.
Ela correu para frente, tentando agarrá-lo de novo, mas encontrou o vazio.
O sino apareceu ao seu lado. Frustrada, tentou espantá-lo como se fosse um mosquito, mas continuava sem tocar nada.
Irritada, Gu Fuyou rangeu os dentes:
— Não vou desistir de te pegar.
Ela começou a usar talismãs, mas continuava errando, perseguindo o objeto até a balaustrada de pedra do lado oposto, onde de repente percebeu uma figura escondida nas sombras.
Aproximando-se, reconheceu Zhong Michu, que estava ajoelhada com a cabeça baixa.
Aliviada, Gu Fuyou chamou:
— Irmã Mais Velha Zhong!
Ignorando o sino.
Antes que pudesse se aproximar, Zhong Michu convocou sua espada na mão com um flash de luz.
— Irmã Mais Velha Zhong?
Zhong Michu ergueu a espada, a lâmina afiada apontando para a própria cabeça.
Em pânico, um calafrio descendo pela espinha, Gu Fuyou avançou. Com uma mão, agarrou a mão de Zhong Michu, e com a outra, segurou a lâmina que caía.
Sem pensar duas vezes e sem tempo para se preocupar com o corte, ela instintivamente segurou a lâmina, imaginando se a mão seria decepada.
— O que você está fazendo, Irmã Mais Velha Zhong?!
Embora Zhong Michu não usasse poder espiritual e Gu Fuyou conseguisse reduzir a força, a lâmina afiada da espada cortou sua mão, fazendo sangrar.
A pegada de Zhong Michu permaneceu firme. Como cultivadora externa, sua força física era imensa, muito maior que a de Gu Fuyou.
A lâmina da espada se aproximava cada vez mais da testa de Zhong Michu. Inesperadamente, o chifre de Dragão que deveria estar oculto reapareceu em sua testa. A lâmina agora pressionava contra a parte recém-formada do chifre.
Gu Fuyou estava coberta de suor frio e gritou:
— Gengchen! Gengchen, pensa em alguma coisa!
A espada, Gengchen, emitiu um zumbido. Parecia relutante em ferir sua mestra, mas também incapaz de contrariar sua vontade.
— Irmã Mais Velha Zhong, Irmã Mais Velha!
Houve uma leve reação de Zhong Michu. Sua pegada enfraqueceu, permitindo que Gu Fuyou aproveitasse a chance para arrancar Gengchen de suas mãos e lançá-la para longe.
Gu Fuyou levantou delicadamente o rosto de Zhong Michu e disse:
— Irmã Mais Velha Zhong, olha pra mim.
No momento em que levantou o rosto dela, uma pontada de angústia apertou seu coração.
Com lágrimas brilhando, os olhos âmbar de Zhong Michu pareciam encobertos por uma névoa delicada. Havia tanto naqueles olhos — desamparo, mágoa, medo e desespero — que ver aquilo fez o coração de Gu Fuyou doer.
Parecia que o sonho de Zhong Michu estava longe de ser agradável.
Gu Fuyou a abraçou com força e disse:
— Acorda, isso tudo é uma ilusão.
Perdida em seu sonho, os olhos de Zhong Michu estavam cheios de confusão. Ela levou a mão até o chifre de Dragão, soluçando:
— Eu… eu não quero… isso…
Lembrando que Zhong Michu já havia dito que detestava o chifre de Dragão e até o cortou uma vez, Gu Fuyou presumiu que sua ilusão estava relacionada a isso.
Segurando suas mãos com firmeza, Gu Fuyou exclamou:
— Irmã Mais Velha Zhong, não acredita nessas coisas, é tudo mentira. Seu chifre de dragão é lindo, o mais lindo de todos, eu juro! Eu juro pelo meu nome, Gu Fuyou! Quem disser o contrário, eu quebro a cara por você!
Ela continuou murmurando. Sabia que, se aquele artefato mágico fosse mesmo o Sino Yan’er, nem ela nem Zhong Michu, com o nível de cultivo atual, poderiam quebrar a ilusão diretamente. Para escapar, precisavam manter a mente firme e acreditar em si mesmas.
Era a única forma de ajudá-la.
Talvez seus murmúrios constantes tivessem surtido efeito.
Depois de um tempo, o olhar nos olhos de Zhong Michu suavizou, gradualmente recuperando a clareza. Talvez por ainda estar saindo da ilusão, sua expressão era vulnerável, os olhos cintilando de lágrimas.
Tão terna, tão frágil.
— Gu Fuyou? — A voz de Zhong Michu tremia a cada palavra, sua mão agarrando o braço de Gu Fuyou, como se quisesse confirmar se aquilo era real.
Gu Fuyou enxugou as lágrimas dos olhos de Zhong Michu com a mão limpa, exatamente como ela já fizera por si antes. Sorrindo, Gu Fuyou a tranquilizou:
— Irmã Mais Velha Zhong, já passou, tá tudo bem agora.
Gu Fuyou achou que talvez Zhong Michu ainda não tivesse se recuperado completamente, pois continuava olhando fixamente para ela, como se estivesse mergulhada em pensamentos.
Depois de um tempo, a respiração de Zhong Michu se estabilizou. Ao tentar se levantar, cambaleou. Gu Fuyou estendeu a mão para ampará-la.
— Irmã Mais Velha Zhong.
Zhong Michu se firmou, retirou o braço da mão de Gu Fuyou e virou-se um pouco de lado, dizendo:
— Gu Fuyou, obrigada.
Sua voz soava cansada.
— Irmã Mais Velha Zhong, você está bem…
Zhong Michu balançou a cabeça, caminhou lentamente até a balaustrada de pedra e apoiou as mãos nela.
Ao olhar para sua silhueta, Gu Fuyou achou que ela parecia tão frágil. De repente, desejou poder ser como aquela balaustrada de pedra, algo para ela se apoiar.
Ainda assim, parecia que Zhong Michu queria ficar sozinha. Então, Gu Fuyou tentou tornar sua presença menos perceptível, dando-lhe espaço.
No entanto, algo interrompeu o momento.
O Sino Yan’er tilintou de forma irritante ao lado dela, com um som particularmente estridente no silêncio.
Irritada, Gu Fuyou pensou: Esse troço tá pedindo uma lição.
Ela deu um tapa nele e, surpreendentemente, acertou o sino esquivo.
Sua palma direita havia sido cortada anteriormente por Gengchen e agora estava coberta de sangue vivo. Ao acertar, ela manchou o sino com seu sangue.
O sino soou com um estrondo e caiu no chão.
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The Dragon
Todos dizem: “Tal pai, tal filha”, mas Gu Fuyou tem um talento medíocre. Tão medíocre que, ao vê-la, as pessoas zombam, se perguntando como Gu Wanpeng poderia ter uma filha...