Capítulo 91: Isso Definitivamente Foi Causado pelo Demônio Interno

Si Yunshang sentia os efeitos do remédio secreto se dissipando aos poucos.

Sentada no quarto escuro, uma estranha secura arranhava sua garganta, deixando-a inquieta. Seus pensamentos se voltaram para a água.

Se ao menos houvesse um pouco de água…

Como se respondesse ao seu desejo, um clique suave soou da porta de madeira fechada.

Uma voz mecânica se seguiu:

— Verificação do cartão de identificação concluída.

A porta que Bai Lian havia transformado se abriu automaticamente, inundando o quarto com uma luz cintilante e colorida.

Si Yunshang cambaleou para a frente, sua voz rouca escapando:

— Eu… eu quero… beber…

— Ah? — Bai Lian arqueou a sobrancelha, surpresa.

O que essa Mulher Demônio está aprontando agora?

Irritada, Bai Lian bloqueou o caminho de Si Yunshang.

— Senhorita Si, comporte-se! Há outras pessoas aqui!

Si Yunshang piscou, confusa. Outras pessoas? Ela quer dizer que alguém vai me impedir de beber água?

Sua pergunta morreu na garganta quando notou a figura parada em silêncio ao lado de Bai Lian.

Era ele — o homem de meia-idade que havia enfrentado o tigre branco perto dos terrenos proibidos do Salão do Tigre Branco.

Bai Lian falou em um tom neutro, mas firme:

— Este homem esteve diretamente envolvido na captura de civis inocentes para o Salão do Tigre Branco. Não sei se a destruição do barco em que você estava foi obra dele, mas o trouxe até você. Pergunte a ele mesma.

— O quê?

Si Yunshang congelou, as palavras de Bai Lian ecoando em sua mente.

Ela…

Não. Não era hora de se perder em detalhes desnecessários.

— Como você sabe de tudo isso? — perguntou Si Yunshang com cautela.

— Você fala dormindo — respondeu Bai Lian, casualmente.

— … … …

Por um longo momento, Si Yunshang permaneceu em silêncio.

Por fim, suspirou:

— Eu não queria trazer isso à tona antes. Aquela memória é…

Sua voz se quebrou, o peso do passado ameaçando esmagá-la.

— Dolorosa demais!

Bai Lian assentiu solenemente.

— Eu entendo. Muitas pessoas têm passados que não suportam revisitar. — Ela deu um tapinha suave no ombro de Si Yunshang. — Não se preocupe. Eu não vou contar a ninguém, e a Irmã Marcial Bai Lian certamente também não!

Si Yunshang sentiu um nó subir em sua garganta.

— Obrigada.

Suas palavras carregavam mais do que gratidão. Não era apenas pela discrição de Bai Lian; era também por “Chen Lu” ter lembrado de sua dor e lhe trazido o encerramento que há tanto tempo buscava.

— Bem, leve o tempo que precisar para interrogá-lo — disse Bai Lian, caminhando em direção à porta.

O interrogatório transcorreu surpreendentemente bem. O homem de meia-idade confessou tudo antes mesmo de Si Yunshang apertá-lo.

Ele não havia destruído o barco pessoalmente, mas foi ele quem deu a ordem.

Si Yunshang cerrou os punhos, a respiração pesada e irregular. Seus olhos ardiam em vermelho, e sua intenção assassina era tão densa que gelava o ar ao redor.

Naquele momento, ela encarnava perfeitamente a imagem de uma Mulher Demônio.

Observando da porta, Bai Lian não pôde evitar de se lembrar de Su Youwei. Quando conheceu sua terceira irmã marcial mais nova, a intenção assassina dela era ainda mais sombria, uma aura tangível de desespero e fúria impossível de ignorar.

Embora Su Youwei tivesse se acalmado com o tempo, Bai Lian sabia que sua irmã mais nova ainda lutava contra seus demônios internos. Essa luta seria longa e árdua.

— Ah…

A expressão de Bai Lian suavizou. As pessoas eram tão complicadas, não eram? Apesar das memórias sangrentas que carregava do jogo, o que sempre surgia primeiro era a imagem de Su Youwei encolhida em uma estalagem, seus olhos apavorados revelando sua vulnerabilidade.

Quando tudo isso terminar, vou confortá-la como deve ser, decidiu Bai Lian.

Virando-se de volta para a cena, Bai Lian viu que Si Yunshang havia prensado o homem de meia-idade contra a parede, suas unhas afiadas cravando-se em sua carne.

— Não! Você não pode me matar! — gritou o homem desesperado. — Bai Lian me prometeu! Ela disse que se eu confessasse, ela me deixaria ir!

— …

A mão de Si Yunshang parou no ar.

Isso é verdade?

Se matasse aquele homem, sem dúvida causaria problemas para “Chen Lu”. Pior ainda, Bai Lian provavelmente repreenderia Chen Lu depois. Poderia ela arriscar o vínculo entre elas por causa disso?

Si Yunshang mordeu o lábio. Chen Lu certamente já havia pensado nesse risco, mas ainda assim trouxe o homem até ela.

Seu peito se apertou. Fungou baixinho, uma onda de emoção crescendo dentro dela.

Fazia tanto tempo — tanto tempo desde que alguém se importara com ela de forma tão pura.

Desde que colocou os olhos na destruição da Seita Huaxin, havia abraçado a solidão e a escuridão. Mas agora, Chen Lu — uma mulher aparentemente vulgar e simples — havia rompido suas defesas e tocado seu coração.

Seus pensamentos vagaram para as duas “fofas” irmãs marciais de Chen Lu.

Ela não podia. Não era de seu feitio trazer problemas para sua benfeitora.

Si Yunshang abaixou o olhar e disse:

— Deixe-o ir.

Sua voz era plana, desprovida de emoção, mas resoluta. Preparou-se para uma onda de fraqueza, esperando que suas pernas cedessem no momento em que aquelas palavras saíssem de seus lábios. Mas, em vez disso, um leve alívio encheu seu peito.

Graças a Chen Lu.

— Ela me tratou com honestidade, mas eu… —

Si Yunshang levou uma mão trêmula ao peito, sentindo uma pontada de arrependimento. Não havia sido honesta. Enganara Chen Lu fingindo estar dormindo.

Eu não sou uma Mulher Demônio, mas sou uma mulher ruim.

— Hã? — Bai Lian ficou atônita.

— Deixá-lo ir? O que ela está pensando?

Então caiu a ficha.

Ah, só pode ser o demônio interno!

Bai Lian franziu o cenho. Lembrou-se do demônio interno de Su Youwei, nascido de um ciclo interminável de matança. O de Si Yunshang, por outro lado, parecia surgir de seu medo de matar.

Bai Lian avançou a passos firmes, agarrou a mão de Si Yunshang e prendeu seu olhar.

— Senhorita Si, pare de fugir!

As estrelas nos olhos de Bai Lian ardiam como fogo.

O coração de Si Yunshang falhou uma batida. Ela desviou o olhar, murmurando:

— Eu… você…

— Eu sou eu, e você é você! — a voz de Bai Lian era impositiva. — Por que você se preocupa tanto com os meus sentimentos? Eu trouxe esse homem até você. Quer mesmo viver para sempre com esse arrependimento? Olhe nos meus olhos!

O corpo de Si Yunshang estremeceu, e sua determinação vacilou. Lentamente, voltou-se, encontrando o olhar de Bai Lian com olhos tímidos.

Naquelas estrelas em chamas, sentiu a determinação inabalável de “Chen Lu”. Apesar dos riscos, apesar da possibilidade de ofender a Fada Bai Lian, Chen Lu a havia colocado acima de tudo.

Aquele cuidado inocente e altruísta queimava mais forte do que o vazio mais profundo em seu coração.

— Eu… eu entendi — disse Si Yunshang, agora com a voz firme.

Bai Lian assentiu em aprovação. Mais uma vitória contra um demônio interno!

Obrigada, Mestre, pensou Bai Lian, recordando-se de seus ensinamentos. Sem você, eu não teria essa sabedoria.

No entanto, o homem de meia-idade gritou, rompendo o momento:

— Não! Você não pode me matar! Bai Lian prometeu me deixar ir!

— Cale a boca! — rosnou Si Yunshang, apertando ainda mais a espada em suas mãos. — A Irmã Marcial Bai Lian disse que cuidaria de você. Não é exatamente o que estou fazendo agora?

O homem cuspiu em desespero:

— Você é mesmo uma discípula da Seita Duxian? Como pode ser tão sem vergonha?!

Bai Lian ignorou as provocações, mantendo-se calma ao lado.

Si Yunshang, no entanto, ficou furiosa. Aquele último insulto — dirigido a Chen Lu — foi a gota d’água.

Sua espada atravessou o coração dele sem hesitação.

O sangue jorrou em um estalo, mas antes que pudesse manchar o chão, Bai Lian selou a ferida com um rápido movimento de seu Qi espiritual.

— Hoo~

As pernas de Si Yunshang cederam, e ela caiu no chão. Seu espírito estava mais leve do que em anos, embora seu corpo estivesse completamente exausto.

Bai Lian a segurou, guiando-a gentilmente até a cama.

— Descanse. Eu cuidarei do corpo. Durma bem esta noite. Amanhã, a Aliança dos Dez Mil Imortais marchará contra a Seita Huaxin.

Si Yunshang assentiu fracamente. Não tinha forças para falar, mas lutou para manter os olhos abertos, na esperança de ver Chen Lu mais uma vez antes que ela deixasse o quarto.

A porta se fechou com um clique, e Si Yunshang finalmente permitiu-se fechar os olhos.

Enquanto afundava na inconsciência, pensou ter ouvido um suspiro suave.

Do lado de fora do Barco da Aurora

Bai Lian obliterou o corpo do homem de meia-idade com seu Qi espiritual e então removeu o disfarce. Retornou ao barco, seus passos mais leves.

No convés, não muito longe de seu quarto, estava Su Youwei, fitando a noite com uma expressão melancólica.

Pobre criança.

Bai Lian não pôde deixar de comparar a pequena silhueta de Su Youwei à de Xiao Jinse. Embora tivessem idades próximas, a terceira irmã marcial era quase meia cabeça mais baixa.

Devia ser o peso de seu demônio interno que a atrasava.

— Irmã Marcial Sênior — cumprimentou Su Youwei suavemente, sentindo sua presença.

— Não fale.

Bai Lian se aproximou dela e afagou-lhe a cabeça com delicadeza, como se confortasse um gatinho assustado.

Aquele era seu momento sozinha com a Irmã Marcial Bai Lian. Sem Xiao Jinse para atrapalhar.

A felicidade inundou o peito de Su Youwei, e por um breve instante, ela esqueceu suas lutas.

Bai Lian, de repente, tomou-lhe a mão, olhando fundo em seus olhos.

— É difícil lutar contra o seu demônio interno, não é?

— … Sim.

O sussurro culpado de Su Youwei fez o coração de Bai Lian doer.

Pobre criança.

Bai Lian soltou sua mão, mas continuou acariciando sua cabeça. Seu olhar se ergueu para as estrelas acima.

— Não se preocupe. Sempre estarei aqui por você. Se algum dia se sentir perdida, venha até mim, até a segunda irmã marcial ou até o Mestre. Sempre estaremos ao seu lado.

— Mm.

Su Youwei mexia nervosamente nos dedos.

— Enquanto eu estiver com você, Irmã Marcial Bai Lian, não tenho medo.

Suas palavras eram sinceras, vindas do fundo do coração.

Nas sombras, a apenas dois passos de distância, Xiao Jinse estava agachada, espiando o par.

A princípio, estivera furiosa com o comportamento de Su Youwei. Mas, ao ouvir Bai Lian mencionar os demônios internos e ver a expressão vulnerável de Su Youwei, sua raiva suavizou.

Ela é a segunda irmã marcial do Pico Qiongming. Devia ser melhor do que isso!

Xiao Jinse suspirou, erguendo o olhar para as estrelas escuras acima.

Um pensamento peculiar cruzou sua mente.

O que seria necessário para criar meu próprio demônio interno? Se eu tivesse um, não receberia também esse tipo de atenção da Irmã Marcial Bai Lian?