Capítulo 59: Aquela Noite

An Ge se levantou e continuou andando em direção a Wei Chi Die. Wei Chi Die ficou tão assustada que desesperadamente arrastou Wei Chi Li para trás. Wei Chi Li foi puxada pela gola da roupa, revirou os olhos e quase sufocou.

Vendo isso, Liu Luo Yi, que estava ao lado, estendeu rapidamente a mão e colocou-a no ombro de Wei Chi Die, lembrando-a:

— Princesa mais velha, seja gentil.

Só então Wei Chi Die soltou Wei Chi Li, mas ainda se escondeu atrás dela, sem ousar mostrar o rosto.

Após ser libertada, Wei Chi Li tocou o pescoço e tossiu, então estendeu a mão para impedir An Ge, mas não sabia o que dizer. Afinal, parecia que a culpa era de sua irmã.

— Uh… Vamos nos sentar e conversar. Xin Ran, depressa, sirva chá para esta Senhorita An.

— Wei Chi Li, expulse ela daqui! — Wei Chi Die beliscou a cintura de Wei Chi Li, que sugou o ar frio, quase caindo de joelhos.

Do outro lado, An Ge parecia inquieta. Seus olhos estavam vermelhos e ela olhava para Wei Chi Die com uma expressão cheia de descrença ao dizer:

— Princesa, esqueceu como ela a tratou no Território do Norte? Então por que ainda quer que esta subordinada seja expulsa?

Ao ouvir isso, Xin Ran, que estava por perto, não gostou nem um pouco. Imediatamente pulou para frente como se tivessem pisado no seu rabo e gritou:

— Pequena An’zi, como ousa ser tão rude com a princesa, desrespeitando sua superiora?!

— E daí se eu for rude?! — Os olhos de An Ge ficaram frios enquanto ela gritava.

Sem dizer mais nada, Xin Ran cerrou os punhos e avançou. As duas começaram a lutar de novo. Dessa vez, além dos golpes, os xingamentos ferozes de Xin Ran também se misturavam à briga.

Os servos ao redor começaram a se reunir, mas ficaram à distância, apenas assistindo à confusão. Até Liu Wen Chang, que estava treinando artes marciais no próprio pátio, apareceu por ali, comendo um pão enquanto observava a cena.

Diante do caos no pátio, Wei Chi Li soltou um longo suspiro. Cobriu os ouvidos. Que pecado ela tinha cometido para merecer aquilo?!

Sem saber quem havia cortado um galho, este rodopiou no ar e seguiu direto na direção de Liu Luo Yi. Wei Chi Li se moveu rapidamente, posicionando-se na frente de Liu Luo Yi, pegou o galho no ar e o jogou para o lado, rugindo:

— Parem todos agora mesmo!

Ela usou força interna ao gritar, tornando sua voz ensurdecedora. As duas, que estavam no meio da luta, finalmente pararam. Quando pararam, Xin Ran estava puxando o cabelo de An Ge, enquanto An Ge segurava o pescoço de Xin Ran.

As duas arfavam, encarando-se.

Wei Chi Li ordenou:

— Xin Ran, volte para cá!

Embora ainda estivesse irritada, Xin Ran soltou An Ge obedientemente.

Wei Chi Li cutucou Wei Chi Die e sussurrou:

— Irmã, essa garota é teimosa. Diga alguma coisa.

Wei Chi Die fez um biquinho, lançou um olhar pidão para Wei Chi Li e balançou a cabeça.

— Irmã, seja boazinha e ouça. — Wei Chi Li suspirou, impotente.

Só então Wei Chi Die gritou, relutante:

— An Ge, pare de agir feito maluca, chega.

Ouvindo isso, An Ge, que ainda segurava o pescoço de Xin Ran com força, soltou a mão imediatamente, caminhou rapidamente até Wei Chi Die e, mais uma vez, se ajoelhou sobre um joelho.

— An Ge foi imprudente. Princesa, por favor, aplique o castigo.

Wei Chi Die estava prestes a dizer algo, mas foi interrompida por Wei Chi Li:

— Irmã, devemos nos sentar e entender o que aconteceu entre vocês duas. Se houve um mal-entendido, precisamos conversar, certo?

Finalmente, o pátio voltou a ficar silencioso. O grupo se sentou no pavilhão à beira do lago, com alguns pratos à sua frente, observando An Ge devorá-los.

Ela comia tão rápido que limpou a mesa num instante. Então ergueu a cabeça, tomou a tigela de chá de um gole só e só então parou.

Vendo que ela havia terminado, Wei Chi Li disse num tom gentil e agradável:

— Senhorita Negra…

Liu Luo Yi, ao lado, deu-lhe um leve tapa por baixo da mesa. Só então Wei Chi Li mudou suas palavras:

— An Ge, você veio do Território do Norte. Como acabou ficando assim?

— Encontrei um grupo de bandidos, salvei uma caravana, causei confusão no covil dos ladrões. Mas quem diria que, no meio da luta, eu perderia minhas despesas de viagem e meu cavalo? Foi uma jornada longa e cansativa até o sul. Acabei ficando assim.

Wei Chi Li assentiu. De fato, era uma experiência bem incomum.

— Princesa, você partiu sem avisar esta subordinada. Eu já havia jurado segui-la por toda a vida. Como poderia quebrar meu juramento? — An Ge disse para Wei Chi Die, os olhos cheios de determinação.

Wei Chi Die ficou tão irritada que quase chorou. Ela bateu na mesa com força e gritou, furiosa:

— Eu lhe dei um cargo oficial, lhe dei dinheiro. Por que ainda não está satisfeita? Por que insiste em me seguir por aí como uma mera guarda?!

— Esta subordinada só deseja seguir a princesa. — An Ge não vacilou.

Wei Chi Die se levantou, puxou a espada flexível da cintura e a girou na frente de An Ge. Seus olhos faiscavam de raiva.

— Ou volta para o Território do Norte agora ou morre sob minha espada. Escolha!

— Irmã, irmã, você não pode… — Wei Chi Li se apressou para intervir.

Wei Chi Die girou a lâmina e a encostou no rosto de Wei Chi Li. Ela imediatamente fechou a boca, sentou-se numa cadeira de pedra e começou a beber chá.

An Ge olhou para a espada na mão de Wei Chi Die, e uma lágrima escorreu do canto de seu olho. Ela baixou a cabeça e disse suavemente:

— Morrer sob a espada da princesa… esta subordinada não teria arrependimentos.

Wei Chi Die estava prestes a atacar quando ouviu An Ge continuar:

— Mas, naquela noite… aquelas coisas que a princesa fez comigo enquanto estava bêbada…

Wei Chi Die largou a espada e avançou para cobrir a boca de An Ge, gritando furiosa:

— Nunca mencione isso de novo!

An Ge suspirou:

— Mas a princesa quer me expulsar… quer que eu morra. Então, antes de morrer, An Ge só pode relembrar aquela noite, para não esquecer da princesa nem no submundo…

Wei Chi Die sentiu uma forte dor de cabeça e seu tom vacilou com um leve soluço:

— Tá, tá bom! Eu não vou te expulsar. Mas não diga nada sobre aquela noite para ninguém, entendeu?!

— Esta subordinada obedece! — An Ge respondeu prontamente.

Wei Chi Li estava tranquilamente bebendo chá e assistindo ao espetáculo quando ouviu a voz suave de Liu Luo Yi em seu ouvido:

— Princesa, o que aconteceu naquela noite?

Ela mordeu o lábio, pensou por um momento e então respondeu:

— Acho que minha irmã ficou bêbada e bateu em An Ge. Depois, achou isso vergonhoso demais e mandou ela não contar para ninguém.

Satisfeita com sua própria explicação, nem sentiu peso na consciência por enganar uma garota inocente.

Liu Luo Yi abaixou os olhos, ponderou um pouco e perguntou:

— Mas não foi An Ge quem bateu na princesa mais velha? Acho que as habilidades dela são superiores às da princesa.

Wei Chi Li refletiu por um instante e assentiu várias vezes:

— Faz sentido, faz sentido.

— Certo, já que ela é da minha irmã, então que minha irmã a leve de volta. Eu quero ir descansar. — Wei Chi Li se levantou, bocejou e acenou para Wei Chi Die antes de seguir para seu quarto.

O som das discussões foi se afastando. Wei Chi Li encostou-se no ombro de Liu Luo Yi e resmungou:

— Estou exausta.

Liu Luo Yi riu baixinho e segurou o braço dela, dizendo:

— Então vá descansar logo.

— Liu’er, precisamos encontrar um dia em que muitas pessoas estejam presentes para apresentar a injustiça do Lorde Liu publicamente. Assim, garantimos que tudo será feito de forma transparente. Mas a ocasião não pode ser grande demais, senão o imperador não terá como sair dessa situação sem perder a dignidade. E também não pode ser pequena demais, senão, se ele decidir não libertar o Lorde Liu, não haverá nada que possamos fazer.

Liu Luo Yi assentiu:

— Todos os anos, quando o outono se aproxima, o imperador sai pela cidade com os ministros para realizar um ritual de oração ao céu, pedindo bom tempo e prosperidade. A cerimônia é grandiosa, mas o banquete estatal depois dela é ainda melhor. Os convidados são todos parentes da família imperial e oficiais de terceiro escalão para cima, junto com suas esposas e filhas.

Ao ouvir isso, Wei Chi Li sentiu-se um pouco aliviada:

— Então eu apresentarei as provas durante o banquete. Com tantos olhos observando, a notícia se espalhará pela capital e poderemos redimir o Lorde Liu de uma vez.

De repente, Liu Luo Yi segurou a mão de Wei Chi Li e balançou a cabeça.

— O que foi? — Wei Chi Li perguntou, surpresa.

— A princesa não pode fazer isso. Você é do Território do Norte e não tem ligação com meu pai. Inevitavelmente, as pessoas irão fofocar sobre isso. Sem falar naquele espião… De qualquer forma, você não pode se expor. — Liu Luo Yi disse com firmeza.

— Então…

— Eu irei. — Antes que Wei Chi Li terminasse a frase, Liu Luo Yi declarou com determinação. Ela apertou com mais força a mão de Wei Chi Li. — Princesa, confie em mim.

Ouvindo isso, Wei Chi Li ficou inquieta. Ela parou e encarou Liu Luo Yi:

— Não! Você tem que ficar longe do imperador. E se algo inesperado acontecer? E se alguém tentar te machucar? Como você vai se defender?

— Princesa. — Liu Luo Yi disse, palavra por palavra, com clareza. — Eu não posso viver para sempre sob a sua proteção. Espero que a princesa confie em mim. Eu não sou fraca. Sou capaz de enfrentar isso sozinha.

Wei Chi Li olhou dentro dos olhos dela e, por um momento, não soube o que dizer.

A expressão nos olhos de Liu Luo Yi era firme, determinada e carregava uma teimosia que lhe pertencia unicamente. Depois de um tempo, ela suspirou e finalmente assentiu.

— Esqueça, já que Pequena Liu’er quer voar, não vou impedi-la — disse Wei Chi Li. — Mas sempre estarei aqui para protegê-la lá de baixo.

Ao ouvir isso, Liu Luo Yi sorriu. Seu sorriso era tão doce que Wei Chi Li não conseguiu se segurar e estendeu a mão para beliscar seu nariz.

Vendo Liu Luo Yi se encolher com um sorriso, sentiu que seu coração estava prestes a derreter.

Aquela palpitação estranha em seu peito reapareceu, ainda mais forte do que antes. Wei Chi Li mal conseguia se conter. Ela se inclinou para frente, mas, antes de perder o controle, parou e se virou, fugindo às pressas.

Liu Luo Yi ficou surpresa e rapidamente chamou por ela. Mas, por mais que a chamasse, Wei Chi Li não parou.

— O que aconteceu…? — murmurou, sentindo uma leve frustração. Ela parecia perceber que Wei Chi Li a tratava de um jeito um pouco diferente, mas não tinha certeza.

Depois de resgatar seu pai, ela voltaria para o Território do Norte, certo? O Território do Norte era sua terra natal, e mesmo que Liu Luo Yi fosse com ela, qual seria sua posição?

Wei Chi Li era herdeira do trono e uma princesa. Eventualmente, encontraria um Fuma* e governaria seu povo com firmeza.

Enquanto isso, ela própria seria forçada por seu pai a se casar com um “bom marido”, estabelecendo-se para o resto da vida.

*Fuma (驸马): Título dado ao marido de uma princesa imperial.

Pensando assim, Liu Luo Yi ficou ainda mais triste. Caminhou sozinha de volta ao seu quarto e se deitou na cama. Assim que seu corpo cansado afundou no colchão, mergulhou no mundo dos sonhos.

Ainda havia marcas de lágrimas no canto de seus olhos.

Quando acordou, já era fim de tarde, e o clima havia ficado mais fresco. Liu Luo Yi ainda se sentia frustrada. Alisou suas roupas e decidiu caminhar um pouco pela varanda.

Mas, mal havia dado alguns passos quando ouviu passos apressados atrás de si. Virou a cabeça e viu Wei Chi Die carregando uma pilha de livros nos braços, andando furtivamente em direção ao portão.

— Saudações à princesa mais velha — Liu Luo Yi abaixou a cabeça e falou.

Wei Chi Die, ofegante, parou diante dela e olhou para trás, mas não viu a figura de An Ge. Só então soltou um suspiro de alívio, e aqueles passos apressados tornaram-se, de repente, graciosos.

— Ora, se não é a Pequena Liu’er? Por que está aqui em vez de procurar Wei Chi Li? — Wei Chi Die acariciou os livros grandes e pequenos em suas mãos e sorriu.

Liu Luo Yi lançou um olhar discreto e percebeu que os livros não tinham palavras, apenas imagens. Mas não deu muita importância e ergueu a cabeça para responder:

— A princesa ainda deve estar dormindo. E quanto à princesa mais velha?

— Aquela pestinha tomou banho, trocou de roupa e quis me ajudar a arrumar meu quarto. Eu tenho tantos tesouros lá, como poderia deixá-la ver tudo? Mas agora que os tirei de lá, não sei onde guardá-los. Que irritante! — Wei Chi Die bateu o pé, aborrecida.

Mas logo depois, seus olhos brilharam ao olhar para Liu Luo Yi.

— Que tal você cuidar deles para mim por enquanto? E, para ser generosa, vou deixar você dar uma olhada nesses tesouros. Talvez aprenda uma ou duas coisinhas.

— Aprender o quê? — Liu Luo Yi piscou e perguntou.