Capítulo 94: Escuta Clandestina

Yuchi Li nunca imaginou, em toda a sua vida, que algo assim lhe seria jogado dessa forma. Ficou atordoada por um momento, depois caiu na gargalhada.

— O que você está pensando? — disse, impotente.

Deixa pra lá. Olhando para Xin Ran agora, ela não conseguia lhe dar uma explicação. Apenas estendeu a mão em silêncio.

Xin Ran hesitou, mas, ainda assim, colocou sua palma sobre a de Yuchi Li. Yuchi Li a puxou com força.

Yuchi Li suspirou e, olhando diretamente nos olhos de Xin Ran, articulou cuidadosamente:

— Vou explicar para você o que eu disse em outra ocasião. Mas tenho uma pergunta. Você falará para alguém sobre o que eu disse hoje?

O olhar de Xin Ran continha uma rara timidez, mas, ao ouvir a pergunta de Yuchi Li, ela balançou a cabeça sem um pingo de hesitação, absolutamente firme.

Ela ainda acreditava em sua Princesa, como sempre.

— Então está tudo bem. — Yuchi Li deu um tapinha em seu ombro, aliviada.

— Princesa… — Xin Ran começou, cautelosa.

— Fique tranquila, encontrarei um general bonito para você no futuro. — Yuchi Li bagunçou seu cabelo e deu de ombros para Liu Luoyi.

Xin Ran soltou um suspiro audível de alívio e logo se animou. Ela saltitou até a porta alegremente e mostrou a Yuchi Li a cadeira entalhada, acolchoada com várias camadas de almofadas, que havia arrumado meticulosamente para ela.

As três permaneceram dentro do quarto por um tempo. Quando perceberam que o meio-dia se aproximava, partiram em busca do restaurante indicado por Yuchi Die.

As ruas estavam muito mais vazias do que antes, com menos pessoas se esbarrando, então encontraram rapidamente o maior restaurante de E’gu. Podiam ver os tecidos multicoloridos pendurados na janela do restaurante, tremulando ao vento, um espetáculo que deslumbrou Yuchi Li.

Seus assentos ficavam no segundo andar, no quarto mais externo. O espaço era bastante amplo e, da janela, podiam ver as ruas movimentadas abaixo e as vastas pradarias ao longe.

An Ge estava parada à porta, observando Yuchi Die de longe, mas sem coragem de se aproximar. Yuchi Die estava sentada à mesa sozinha, com uma jarra de vinho vazia diante dela. O passo de Yuchi Li hesitou por um momento antes de seguir normalmente. Ela se sentou ao seu lado.

— Irmã, por que está bebendo sozinha sem comer nada? Pode acabar prejudicando sua saúde. — Yuchi Li disse, tirando lentamente o copo de vinho de sua mão.

No entanto, Yuchi Die subitamente apertou sua mão. Ela ergueu os olhos para encontrar o olhar de Yuchi Li, os seus próprios repletos de fúria. A visão surpreendeu Yuchi Li.

— Solte. — disse em um tom seco.

Yuchi Li não soltou. Retratou seu sorriso e arrancou o copo de vinho, colocando-o de lado.

Yuchi Die abaixou os olhos e não disse mais nada, comendo diligentemente os acompanhamentos sobre a mesa. Liu Luoyi e Xin Ran assistiam, apreensivas, trocando olhares aflitos e se perguntando o que havia acontecido.

Yuchi Li fez um gesto para que se sentassem. Elas só ousaram pegar seus hashis quando o garçom colocou vários pratos diante delas, mas a atmosfera permaneceu tão fria quanto antes. Ninguém falava.

Até a comida perdeu o sabor.

Yuchi Die ergueu a mão, deu algumas instruções ao garçom e, em pouco tempo, várias mulheres de beleza e charme requintados entraram no cômodo, seu perfume doce preenchendo o ar. Pareciam muito familiares com Yuchi Die e lhe ofereceram reverências acompanhadas de sorrisos encantadores. A mulher vestida de amarelo era a mais íntima, chegando até a se sentar diretamente ao lado de Yuchi Die.

— Princesa mais velha, faz tanto tempo. — A mulher de amarelo cobriu a parte inferior do rosto com a manga ao sorrir.

Yuchi Li não disse nada e cerrou os dentes, pegando uma taça de vinho de algum lugar e virando de uma vez.

Ao ver isso, as unhas de An Ge cravaram-se em suas palmas. Tremendo, desviou o olhar, sem querer assistir.

Liu Luoyi, que estava sentada ao lado de Yuchi Li, de repente tossiu, fazendo Yuchi Li levantar a cabeça e perceber que uma das mulheres estava se insinuando para ela. Assustada, rapidamente se esquivou.

— Irmã, o que significa isso? — Yuchi Li franziu a testa e olhou para Yuchi Die.

Yuchi Die já estava um pouco bêbada. Observou Yuchi Li com seus brilhantes olhos de fênix, sedutora e provocante. Soltou uma risada baixa e disse:

— Yuchi Li, é a primeira vez que nos encontramos? Não fui sempre negligente com meus deveres, uma habitué do distrito da luz vermelha?

— Podemos chamar alguns homens também. Ficar só com mulheres é entediante. — Yuchi Die disse. Fez menção de se levantar para chamar alguém, mas tropeçou e quase perdeu o equilíbrio. An Ge correu para segurá-la.

— Certamente que não. — Exasperada, Yuchi Li puxou a mulher de amarelo de perto de si e a empurrou alguns passos para longe.

— Como você pode saber? — Yuchi Die olhou para Yuchi Li como se estivesse se divertindo com seu desempenho ridículo e então estendeu a mão para pegar mais vinho, mas Yuchi Li rapidamente tomou a garrafa de suas mãos.

— Irmã, o que aconteceu? Por que não me conta? — Yuchi Li estava começando a se sentir desgastada. Guardou a taça de vinho, mas Yuchi Die pegou a jarra ao seu lado e, de repente, ergueu a mão na direção de Yuchi Li.

Yuchi Li se esquivou com destreza, inclinando-se para trás para evitar o líquido, enquanto agarrava o braço da irmã. O confronto durou apenas um instante, mas os presentes se dispersaram assustados e quase perderam a noção do que estava acontecendo.

Tudo o que sabiam era que, quando a movimentação cessou, Yuchi Li estava parada exatamente onde antes, com o vinho escorrendo de seu queixo até o peito, gotículas deslizando por seu pescoço esguio.

Yuchi Die ficou atônita. Seu olhar pareceu clarear um pouco. Olhou para sua própria mão e, com um movimento abrupto, esmagou a jarra de vinho, espalhando estilhaços.

— Yuchi Li… — ela sussurrou.

Yuchi Li claramente poderia ter desviado do vinho, mas não se moveu e, em vez disso, deixou-se ser encharcada.

— Saiam. Todos. — Yuchi Li ordenou.

— Fora! — Sua voz se aprofundou, intimidadora. O grupo de mulheres se apressou em se curvar antes de fugir em pavor. Algumas, ao deixarem o cômodo, lançaram olhares receosos para trás, perguntando-se como a segunda princesa havia saído para um passeio tranquilo e retornado com uma presença tão avassaladora, que não permitia contestação.

— Venha comigo. — Yuchi Li disse, aceitando o lenço que Liu Luoyi lhe ofereceu cautelosamente e enxugando o vinho de seu corpo. Então, virou-se e saiu, indo para um quarto privado ao lado.

Depois de um momento, Yuchi Die abaixou a cabeça e, sem dizer nada, arrastou-se até a porta.

Antes que Yuchi Li pudesse falar, Yuchi Die avançou por conta própria, colocou as mãos para trás e girou levemente a cintura esguia, dizendo:

— Me desculpe.

Yuchi Li ficou sem palavras. Balançou a cabeça e suavizou a voz ao perguntar:

— Irmã, o que houve?

— Nada, apenas tive uma conversa com nosso pai real ontem. — Yuchi Die olhou para o vinho encharcando Yuchi Li e pareceu recuperar a sobriedade, um arrependimento profundo preenchendo seu coração.

— Você brigou com ele? — Yuchi Li perguntou.

Yuchi Die balançou a cabeça, ainda de olhos baixos. Quando os levantou, parecia uma bela dama prestes a chorar, os olhos marejados, o nariz vermelho e os lábios trêmulos.

O coração de Yuchi Li amoleceu. Com a mente ocupada, agiu antes de pensar e estendeu o lenço para ela, só então percebendo que era o mesmo que havia acabado de usar para secar suas roupas.

No entanto, quando Yuchi Die começou a enxugar as lágrimas, decidiu ficar calada sobre isso.

— O Pai Real me repreendeu ontem à noite, dizendo que eu não percebi nada antes, não trouxe você de volta mais cedo e quase deixei algo desastroso acontecer. Ele me criticou por ser negligente com meus deveres, por não ter ambição, por não ser digna de uma princesa. Mas sempre foi assim, desde que éramos crianças. Sou culpada pelos seus erros. Eu sou a mais velha, mas você foi adorada desde o dia em que nasceu, destinada a herdar o trono. E eu não sou nada!

Yuchi Die parecia ter despejado todos os pensamentos reprimidos de uma vez. Ela soluçava enquanto falava, depois assoou o nariz no lenço.

Yuchi Li sentiu uma pontada de tristeza. Suspirou, sentindo-se um pouco impotente. Não sabia o que dizer.

— Eu te odeio desde que éramos crianças, até hoje. Você trata os outros tão mal, e mesmo assim todos ainda gostam de você. — Yuchi Die se agachou, envolvendo os braços pálidos ao redor dos joelhos.

Uma beleza extraordinária encolhida assim, como uma bolinha, era um tanto cômico.

Yuchi Li também se agachou ao lado dela e a abraçou, dando-lhe tapinhas suaves nas costas. Suspirou e disse baixinho:

— Se você quer a posição de herdeira, irmã, então eu irei dizer ao Pai Real que não a quero.

O corpo de Yuchi Die estremeceu. Ela olhou para Yuchi Li, incrédula.

— O que você disse? — Sua voz tremeu levemente.

— Você me ouviu. — Yuchi Li disse, os cantos dos lábios se curvando para cima, o olhar gentil. — Para dizer a verdade, a pessoa que sou hoje é completamente ignorante sobre esses assuntos, e você é melhor nisso do que eu. Se for minha responsabilidade, eu a assumirei, mas minha irmã mais velha pode liderar o Território do Norte, então eu não sou necessária para essa posição.

As duas se encararam. Yuchi Die viu uma sinceridade genuína e absoluta nos olhos de Yuchi Li. De repente, Yuchi Die riu, as lágrimas caindo enquanto o fazia.

— Você acha que eu conseguiria? — Ela perguntou.

Yuchi Li assentiu firmemente.

Yuchi Die enterrou o rosto nas mãos, os ombros tremendo. Parecia estar chorando, rindo, ou ambos. Depois de um momento, soltou um longo suspiro e se levantou.

— Me desculpe. Agora há pouco, eu não consegui me controlar. — Embora seu nariz ainda estivesse vermelho, Yuchi Die passou os dedos pelos cabelos para arrumá-los.

— Você é necessária como herdeira. Eu só estava insatisfeita com nosso Pai Real e precisava desabafar um pouco. — De repente, ela segurou a mão de Yuchi Li e disse, com os olhos baixos: — Durante nossa jornada, percebi que você faz muitas coisas que eu não ouso fazer. A visão do nosso Pai Real não está errada. Você é mais determinada, firme, corajosa e ambiciosa do que eu, e entende muito, muito mais do que eu.

— Por mais que me doa admitir, eu preciso aceitar isso. — Yuchi Die fungou.

— Mas… — Yuchi Li abriu a boca para intervir, mas Yuchi Die cobriu sua boca.

— Não diga mais nada, ou posso mudar de ideia. Nosso Pai Real disse que haverá uma grande cerimônia para nomear a Princesa Herdeira. Você precisa se preparar, pois enfrentará todos os ministros da corte. Tome cuidado para não passar vergonha.

Ela empurrou Yuchi Li para longe e disse:

— Que tal ir na frente? Quero ficar sozinha por um momento.

Yuchi Li ficou um pouco atordoada. Coçou a cabeça e saiu obedientemente do quarto, mas assim que fechou a porta atrás de si, ergueu a cabeça para procurar An Ge, acenando desesperadamente para ela.

— Segunda Princesa, como ela está? — An Ge correu ansiosa, mas antes que pudesse parar, foi empurrada para dentro do quarto por Yuchi Li, que trancou a porta atrás dela.

— Minha irmã não está bem, vá animá-la um pouco mais. — Então, Yuchi Li afastou todos os trabalhadores da hospedaria e agarrou Liu Luoyi, que estava cooperativa, mas confusa, gesticulando silenciosamente para ela. As duas entraram no quarto ao lado. Yuchi Li encostou o ouvido na parede para escutar.

— Shhh, acho que minha irmã não está apenas brava com nosso Pai Real. Ela e An Ge devem ter brigado. Caso contrário, por que estariam agindo de maneira tão distante quando está tudo bem? Até chamando aquelas mulheres. — Yuchi Li sussurrou o mais baixo que pôde.

Liu Luoyi assentiu, entendendo apenas em parte. Ela imitou Yuchi Li e encostou o ouvido na parede.

Um baque veio do quarto ao lado, seguido pelos soluços abafados de Yuchi Die e depois pelo choro intermitente de uma mulher. Yuchi Li sentiu que algo estava errado. Apressou-se em dar alguns passos para trás, puxando Liu Luoyi para seus braços e cobrindo firmemente seus ouvidos.

— Princesa, o que há de errado com elas? — Liu Luoyi olhou para cima, sua expressão pura fez Yuchi Li sentir vergonha de explicar.

— Uh… provavelmente estão brigando… — Yuchi Li respondeu com a consciência pesada, a mão pressionada contra o peito.