Capítulo 23

No dia seguinte, Mo Yuxin acordou bem cedo. Estava exausta depois de toda a confusão do dia anterior. Hoje, escolheu um visual casual: calça jeans branca clara, tênis brancos e uma camiseta preta básica.

Com medo de se atrasar, havia programado o despertador para as sete da manhã. Depois de se arrumar, pegou seus livros, tomou café no refeitório e seguiu para a sala de estudos. Quando chegou à porta da Sala de Estudos nº 6, ainda eram 8h15. Para mostrar que estava levando aquilo a sério, decidiu esperar Su Yubing no corredor.

Encostada na parede, distraída no celular, acabou formando uma cena por si só. Muitos rapazes e moças olhavam para Mo Yuxin de vez em quando. Ela recebia os olhares sem problema algum. Afinal, ter um rosto bonito não é defeito. Gostar do belo é natural para todo mundo.

No entanto, enquanto mexia no celular, percebeu claramente um olhar hostil. Instintivamente levantou a cabeça e encontrou um par de olhos cheios de malícia.

Era um beta de aparência bem comum. No entanto, naquele momento, encarava Mo Yuxin com uma ferocidade estranha. Ela não desviou o olhar. Pelo contrário, sustentou o contato direto. Se tem uma coisa de que não fujo é de encrenca. Aliás, até gosto de arrumar uma de vez em quando. De qual bueiro será que esse barata subiu pra ousar me olhar assim?

O rapaz claramente não esperava que Mo Yuxin fosse erguer os olhos de repente. O olhar feroz se transformou em pânico quase imediato. Assim que encontrou o olhar firme dela, desviou apressado e entrou na sala de estudos de qualquer jeito, atabalhoado.

Mo Yuxin acompanhou a figura dele se afastando, os olhos semicerrados.

Quando Su Yubing chegou, viu Mo Yuxin encarando a porta da sala com uma expressão nada agradável. Chamou de longe:

— Mo Yuxin.

Só então ela retirou o olhar. Sorrindo, foi até Su Yubing para ajudá-la a carregar os livros:

— Yubing, você trabalhou duro. Esses livros estão pesados demais, deixa que eu levo. Vou levar, vou levar. Esse copo d’água também parece pesado, deixa comigo.

Su Yubing lançou um olhar para a atenciosa Mo Yuxin.

— Para com isso. Vamos logo começar. Aliás, o que você estava fazendo agora há pouco?

Enquanto carregava as coisas, Mo Yuxin explicou:

— Enquanto esperava você no corredor, cruzei com um beta. Ele ficou me encarando com um olhar super hostil. Então eu encarei de volta. No fim, ele amarelou e entrou correndo na sala.

— Você o conhece? — perguntou Su Yubing.

Mo Yuxin balançou a cabeça.

— Nunca vi na vida. Com certeza não é da nossa turma. Não tenho nenhuma lembrança dele.

Quando terminaram a conversa, já estavam dentro da sala de estudos. Ainda era cedo, e, contando com as duas, havia apenas sete pessoas ali. No canto dos fundos, Mo Yuxin reconheceu o mesmo estudante que a encarara há pouco.

Ele também estava olhando para elas — ou melhor, para Su Yubing.

Su Yubing lançou um olhar rápido e, ao ver que era Yan Fangping, colega de turma, não deu importância. Sentou-se com Mo Yuxin na segunda fileira, bem à frente dele.

Mo Yuxin se inclinou e sussurrou:

— Foi o cara atrás da gente que me encarou.

Su Yubing apenas balançou a cabeça:

— Você se envolveu com tantas mulheres ricas… e se, por acaso, acabou chamando a atenção da que ele gostava? Não é natural ele guardar rancor?

Mo Yuxin murmurou em voz baixa:

— Yubing, isso já é passado. Eu não sou mais assim. Qual a graça de correr atrás de mulheres ricas? É bem mais interessante se tornar uma mulher rica por conta própria.

— Você? Se tornar uma mulher rica? — Su Yubing riu, claramente sem acreditar. Em seguida abriu o livro. — Tá, vamos deixar esse papo de lado. Na aula passada caíram várias questões. Presta atenção e vê se consegue entender. Se não, decora primeiro.

Assim que Mo Yuxin ouviu que iam resolver exercícios, murchou na hora.

— Tá bom, Yubing, vou tentar prestar atenção. Mas duvido que eu entenda muita coisa.

Su Yubing quase riu de raiva. Então até a fama de “gênio acadêmico” de Mo Yuxin não passava de fachada. Na verdade, ela não sabia de nada. Eu era tão cega antes que nem percebi que essa mulher era só um fracasso nos estudos.

— Hum, presta atenção na primeira questão. Essa precisa aplicar uma fórmula que já ensinei antes. Repara nos passos que eu vou escrever no rascunho… — Como estavam na sala de estudos, as duas falavam baixo e bem próximas uma da outra.

Aos olhos de quem olhava de fora, Mo Yuxin e Su Yubing pareciam um casal trocando sussurros.

Na última fileira, Yan Fangping cerrava os dentes com tanta força que pareciam prestes a se quebrar. Ele simplesmente não entendia: mesmo sabendo que Mo Yuxin era uma mulher sem vergonha, como Su Yubing ainda podia se aproximar dela daquele jeito? Na aula passada já tinham sentado juntas, e agora de novo.

Na cabeça dele, uma ômega como Su Yubing — grávida, abandonada, rejeitada pela própria família — não teria valor nenhum. Para ele, aceitar Su Yubing e o bebê era uma sorte que ela jamais deveria ousar desprezar. E agora? Como podia ser desse jeito? Não diziam que Mo Yuxin só gostava de ômegas ricas? Então por que estava grudada em Su Yubing agora?

Essa ômega não conhece o próprio lugar. Mesmo depois de tudo, ainda estava com alguém como Mo Yuxin? A raiva de Yan Fangping era tanta que ele quebrou a borracha na mão.

Seu olhar era tão venenoso que até Su Yubing e Mo Yuxin, concentradas nos exercícios, sentiam como se algo malicioso as observasse sem parar.

As duas se entreolharam e, devagar, voltaram a cabeça para frente. Su Yubing viu aquele colega discreto da turma olhando para elas com um olhar ressentido, os olhos até vermelhos.

Su Yubing franziu levemente a testa. Normalmente, ela nunca tinha contato com essa pessoa. Por que ele estava olhando para ela daquele jeito?

Mo Yuxin percebeu o olhar do outro e revidou diretamente com um olhar feroz, chegando até a ter vontade de arrastar o sujeito para fora e ter uma boa conversa sobre “princípios”.

Quando percebeu que as duas tinham se virado, Yan Fangping notou sua perda de compostura e apressadamente abaixou a cabeça no livro. Há pouco, ele até teve o impulso de xingar Su Yubing de sem-vergonha e Mo Yuxin de canalha, quase indo tirar satisfações com ela. Mas, na realidade, só encarar as duas já tinha consumido quase toda a sua coragem.

Mesmo assim, Yan Fangping não desistiu. Rasgou uma tira de papel branco e escreveu uma frase nela, dobrando o bilhete com reverência, como se tivesse tomado uma decisão importante. De rosto vermelho, desceu rapidamente de seu lugar, foi até a segunda fileira onde Su Yubing e Mo Yuxin estavam sentadas e colocou o bilhete na mesa de Su Yubing.

Su Yubing estava explicando uma questão para Mo Yuxin e foi de repente interrompida, ficando visivelmente contrariada. Ao ver que era um bilhete, ficou ainda mais intrigada. O que aquele colega queria afinal?

Mo Yuxin lançou um olhar ainda mais frio para Yan Fangping. Ele apenas deixou o bilhete e correu de volta ao seu assento no fundo, escondendo-se atrás do livro.

Su Yubing nem queria olhar para o bilhete e já se preparava para continuar explicando o exercício. Mas foi Mo Yuxin quem abriu. Nele estava escrito claramente: Su Yubing, fique longe daquela canalha da Mo Yuxin. Ela não é uma boa pessoa.

Mo Yuxin quase riu ao ler. Ela, Mo Yuxin, não era uma boa pessoa… mas esse sujeito sombrio, com jeito de voyeur, era? Coitada da protagonista, que tipo de gente ela estava atraindo?

Su Yubing só lançou um olhar rápido para o bilhete e imediatamente franziu as sobrancelhas. Depois de ter sido enganada por Mo Yuxin, ela já não acreditava em bondade incondicional. O fato de Yan Fangping estar lhe dizendo aquilo com certeza tinha outros motivos. Além disso, o olhar que ele lhe dirigira antes não era de preocupação, mas sim de uma posse maliciosa, o que a deixou profundamente desconfortável. Até o simples fato de olhar para aquele bilhete já lhe causava repulsa.

Ao perceber que a expressão de Su Yubing não estava boa, Mo Yuxin simplesmente pegou o bilhete, amassou-o numa bola e o arremessou em trajetória parabólica para debaixo da carteira da frente. O bilhete, junto com as intenções sujas de seu dono, foi jogado fora sem a menor cerimônia.

O rosto de Yan Fangping se contorceu de raiva. Ele odiava o fato de Su Yubing ter permitido que Mo Yuxin visse aquele bilhete e o jogasse fora. Aquela tinha sido a primeira vez que reunira coragem para escrever um bilhete a uma garota!

Depois de se livrar do papel, Mo Yuxin não se importou nem um pouco com o que o lunático que havia escrito aquilo poderia estar pensando. Voltou a prestar atenção à explicação de Su Yubing.

Por volta do meio-dia, às doze horas, Mo Yuxin já tinha, mais ou menos, entendido aquelas questões — fosse por compreensão ou pura memorização. A manhã tinha sido bastante proveitosa, exceto pelo encontro com aquele maluco.

Mo Yuxin e Su Yubing arrumaram suas coisas e saíram da sala de estudos. Caminhando ao lado dela, Mo Yuxin perguntou:

— Yubing, como se chama aquele sujeito de agora há pouco? Ele te conhece? Caso contrário, por que teria passado um bilhete pra você?

Su Yubing franziu o cenho e assentiu:

— Ele é da minha turma, mas já estamos no terceiro ano. Acho que nunca troquei uma palavra com ele. Você sabe como é na faculdade, normalmente as pessoas andam mais com os colegas de dormitório. Se for falar em proximidade, ainda são os companheiros de quarto os mais próximos.

— Então pode ser que ele queira te conquistar? — Mo Yuxin pensou um instante e continuou: — De qualquer forma, seja lá qual for o motivo, Yubing, eu sinto que a expressão dele não é nada amigável, e o jeito como ele olha para os outros é um tanto maldoso. Melhor você prestar mais atenção quando sair por aí nos próximos dias. O ideal é ir acompanhada das suas colegas de quarto… ou me chamar pra te acompanhar.

Su Yubing lançou para Mo Yuxin um sorriso meio irônico:

— Te chamar? Sair da boca do tigre pra cair na boca do lobo?

Mo Yuxin sorriu, impotente:

— Yubing, você já viu algum lobo tão bonito quanto eu?

— Narcisista. — Su Yubing fez um biquinho.

Aquela troca entre as duas caiu inteira nos olhos de Yan Fangping. O bilhete descartado também foi recolhido por ele. Ele simplesmente não entendia: por que Su Yubing não conseguia ao menos lhe dirigir um olhar?

Ele tinha planejado se declarar mais adiante, mas agora parecia que precisava fazer isso mais cedo. Se não se confessasse logo, Su Yubing seria enganada de novo por aquela canalha.

Yan Fangping acreditava estar protegendo Su Yubing em silêncio o tempo todo. Para ele, ela deveria reconhecer isso. Além do mais, para uma ômega como ela — que tivera um filho de uma canalha sem se casar —, ter ele, um beta “limpo”, disposto a aceitá-la, era uma sorte. Ele precisava se apressar e se preparar. Não suportava mais ver Su Yubing aparecendo ao lado daquela canalha… ou de qualquer outro. Para ele, Su Yubing já era sua.