Capítulo 15

“Não… jamais pensaria assim.”

“Então, por que não fez o mínimo exigido?”

“É que…”

O pobre ficou sem palavras, queria defender seu posicionamento e se desculpar por sua má conduta, mas não conseguia.

Era impossível, como se agarrasse sua glote e impedisse que qualquer som saísse.

“A cama.”

“Posso explicar, senhor….”

“Era o mínimo a se fazer, qualquer hotelaria inferior sabe, mas parece que o melhor hotel do Brasil e considerado o melhor do mundo não sabe exercer o que é proposto.”

Apesar de as palavras soarem contidas, a entonação exibia um alto grau de cólera.

“Eu posso explicar, o tempo….”

“23 de dezembro de 2023. Meu secretário enviou o PDF contendo todas as informações do protocolo de higiene exigido para todas as instalações onde me hospedo.”

“…”

“E só houve apenas uma que não seguiu. E sabe o que aconteceu, Sr. Beltrão?”

Engolindo saliva, com um barulho audível, lembrou-se do acontecimento há dois anos, premiado em 2021.

O La Grand Royal, em Mônaco, foi fechado após uma denúncia à vigilância sanitária do país.

Um hóspede, que ficaria na suíte presidencial, encontrou várias irregularidades, incluindo pelos de ratos e infestação de ácaros na cama e toalhas.

Fora mofos na parede do banheiro.

Desse modo, processou em milhões de dólares e ganhou a causa em primeira instância.

Entretanto, não foi só isso que ajudou a fechar as portas, e sim o pronunciamento, relatando a não indicação do estabelecimento como ponto turístico.

Fazendo o marketing negativo, o qual manchou a reputação.

Levou à falência em 2022, um ano após o recebimento do prêmio.

E esse hóspede?

É o mesmo desse exato momento, só pelo fato de não obedecer totalmente à lista desse protocolo.

Beltrão queria alguma saída, não deveria ser tão ganancioso e arriscar deixar alguém usar esse quarto, dois dias antes da chegada desse, que foi encaixado para curtir o Réveillon.

Era muita grana, bem mais que o presidente Haroon.

Uma proposta tentadora, fora que é um grande influencer americano ligado ao ramo automobilístico de luxo.

Além de oferecer o alto pagamento, ainda prometeu fazer alguns reels, o que para qualquer estabelecimento é semelhante a adquirir diamantes, porque injetaria mais turistas para o lugar.

Só foi embora no dia anterior à chegada do Mohammad, de madrugada, porque seu voo de primeira classe foi adiado pelo clima.

Não tendo opção, pulou algumas etapas do protocolo, usando métodos rápidos para se tornar imperceptível aos olhos de qualquer ser humano, por mais exigente que fosse.

Entretanto, não foi o esperado, o Belmopan, considerado um dos mais valiosos do país, está em risco de ser fechado em menos tempo que o hotel de Mônaco.

Deveria impedir, tinha que fazer alguma coisa, qualquer coisa, senão…

Nunca poderá se erguer em nenhum canto.

Mohammad ficou parado, em frente a esse obeso, que suava frio, com os olhos expandidos, procurando alguma solução nesse beco fechado.

Os empregados sabem o pós-créditos.

O que sucedeu em Mônaco foram apenas grãos de areia tirados dos pés dele, com esse não será diferente.

“Presidente, tenha misericórdia, prometo que posso encontrar a solução que deseja para acabar com o problema que nós mesmos causamos. Mas não seja tão impiedoso com nossa cidade… nosso país.”

“Hum. E o que pode fazer? Dá sua bunda para satisfazer minha raiva pela negligência dessa espelunca?”

“…”

“Acredito que meus cachorros vão amar comer seu cuzinho na cama imunda que prepararam para mim, em rede mundial para homens bem gulosos que gostam desse tipo de entretenimento.”

“…”

“Seja rápido, Sr. Beltrão, esse lugar necessita da sua atenção para não falir.”

O som da respiração estava alto.

Seu tronco subia e descia com o movimento da parede torácica, que trabalhava em capacidade máxima para expandir e contrair a intensa movimentação respiratória.

Intensificando a ansiedade.

Queria chorar; na verdade, o mecanismo de sobrevivência pela forte descarga de adrenalina para a fuga queria expelir líquido salgado para aliviar o fardo e convencer o coração do senhor do inferno.

Todavia, nada disso funciona, apesar de marejados, não tinham força o suficiente para escorrer pela face, apenas o seu nariz encheu de muco, entupindo.

Logo fez o que podia: implorar.

Forçado, ignorou seu orgulho como homem e como pessoa, caindo de joelho no chão duro, e como um escravo diante do seu senhor, clamava por misericórdia para não morrer.

E chorou como uma criança inconsolável que perdeu algo valioso.

Para não o apagar do mapa.

Não é a primeira vez que Mohammad testemunha essa cena, na verdade, era comum no seu cotidiano.

O primeiro a ajoelhar-se diante dele foi quando tomou posse.

Um idoso de 85 anos, considerado o lobo do mercado de ações, com um empreendimento multinacional, acabou perdendo todas as suas ações e propriedades para ele.

Que fragmentou, vendendo todos os pedaços para grandes empresários que tinham a fome de um gigante.

O velho, considerado magnata por gerações, perdeu para uma criança que ia completar 26 anos.

E, no final, cometeu suicídio com uma bala no crânio, sendo encontrado por sua esposa, que também faleceu um ano após a morte do marido de infarto.

Um sorriso sadista surgiu em seu rosto; estava com raiva e queria se divertir, momentos como esses proporcionam uma intensa sensação de prazer, semelhante após um intenso orgasmo sexual.

“De novo, não.”

Apesar de o secretário estar acostumado com essa atitude perversa do seu senhor, ainda é incomodante ver a degradação humana.

Entendendo que poderia ficar pior, assim ficou quieto, esperando terminar.

“Sr. Beltrão é uma pessoa importante, está à frente desse hotel tão valioso para o setor hoteleiro brasileiro há muitos anos, comanda e gerencia tudo.”

“Qu..?”

“Como sou compreensivo, ouvirei e entenderei a razão de não ter obedecido à ordem básica. Desse modo, explique o que aconteceu de fato para cometer tal deslize?”

Beltrão tirou a cara do chão, olhando pra cima.

A fisionomia de seu carrasco é bela, tão lindo como o anjo mais belo feito por Deus, porém, apesar da frase que denota compaixão, é tudo falso.

Ao redor, havia uma energia escura e densa que apenas Hades poderia emanar. E, com muito custo, falou a verdade.

“Na véspera de Ano Novo, um cliente muito importante mudou seu destino para curtir a festa de réveillon no Brasil, pedindo para se hospedar na melhor suíte.”

Era chato, mas esse processo era tão divertido quanto o futuro desse homem.

“E fez tudo que prometeu?”

“Sim…”

Como um pecador, que declara suas iniquidades aos pés de Deus, o funcionário ainda estava no chão clamando que a divindade perdoasse seus erros.

Sem chance.

Apesar dessa aura, era idêntica à de Lúcifer após sua corrupção.

Não é só o pai da mentira, mas rei de toda crueldade que assola a humanidade há muitos anos.

E queria fazer o mal para aquela ovelha desgarrada.

Ao se abaixar para ficar na mesma altura e segurando seu braço na tentativa de fazer o incrédulo prestar atenção, o gerente parecia flácido, como se toda a energia estivesse esvaindo, declarando derrota.

“Tenho uma proposta, creio que vai gostar da solução e poderá salvar esse lugar.”

Como o suspiro de um ressuscitado condenado à morte.

O empregado restaurou a pouca esperança com qualquer proposta dita por Mohammad.

Sabia que, se submeter a qualquer coisa, era melhor do que sofrer as consequências por ser responsável por afundar um estabelecimento de prestígio.

Essa culpa é muito pior para suportar e se arrastaria por todas as gerações futuras.

Quase beijando a mão dele, agradecendo antes mesmo de ouvir o que tinha a dizer. Deu o golpe de misericórdia.

“Sabe, realmente odeio este lugar, estar aqui é igual a adentrar em um zoológico preenchido por macacos, esse país não me faz bem.”

“…”

“Pelo compromisso, sou obrigado a permanecer em meio a animais irracionais que apenas jogam suas próprias merdas umas nas outras. É assim que vejo seu país e seu povo. Meros animais…”

Achando graça, continuou.

“Só servem para sustentar outros bem mais acima. Não é à toa que aqui é um caos onde qualquer idiota possa ficar no poder, mas você é diferente, Sr. Beltrão.”

“Sim…”

“Apesar de nascer nessa gaiola que denomina como sua casa e exercer uma profissão de pouco destaque, está acima do resto. Assim, percebo que merece uma chance, só pelo fato de mostrar características de lealdade.”

“Obrigado, obrigado.”

“E espero valer o seu sacrifício, creio que a diretoria recompensará seu ato nobre, evitando que isso aqui se torne poeira.”

São doces, ditas por um cavaleiro com palavras açucaradas, contudo venenosas.

O gerente percebeu que não seria qualquer coisa, e vai ter que descer muito baixo, mas cederia, tudo para não perder o que batalhou para conquistar.

“Sim… obrigado pelas palavras, são muito gentis.”

“Sei que sou misericordioso quando é preciso.”

O empregado abaixou a cabeça, esperando o ato final, desse modo levantou-se e tirou do bolso seu celular.

“Gerente, recorda-se da proposta passada?”

Ainda sob o chão, sem força, levantou a cabeça em dúvida, pois não lembrava de nada.

“Proposta…?”

Em dúvida, o secretário abaixou a cabeça, pois não queria encarar o que sairia da boca desse monstro.

Mohammad olha em dúvida, pensando que o pobre decadente tinha uma memória muito curta, então fez questão de pontuar.

“Como assim? Não é sobre servir de brinquedo aos meus cachorros?”

“O q-?”

Uma leve risada nervosa saiu, incrédulo com a frase anterior. Apesar da anomalia dita, o gerente não estava crendo.

“Qual o espanto? Não disse que faria qualquer coisa para salvar este lugar? Então, satisfaça meus cachorros.”

“Mas… isso é…”

“Impossível?”

“Não… quero dizer, sim. Presidente, sou um homem, velho e tenho uma família com esposa e filhos. Sou casado há mais de 25 anos com uma mulher maravilhosa, além disso, sou cristão devoto…”

Mohammad observou cada palavra expulsa da boca daquele idiota e queria, nesse exato momento, socar.

Era muito engraçado, já que há um tempo despia sua honra e seu orgulho a troco de salvar isso aqui. Agora que a proposta foi feita, se comporta como uma vadia virgem.

Estreitou os olhos, pegando o pouco cabelo liso que tinha.

Sentiu uma dor forte como se tivesse arrancado seu couro cabeludo, e um arrepio que desceu até seus pés, o que o fez paralisar.

“Não pedi uma explicação; dei-lhe uma ordem. Vai satisfazer meus cachorros em troca do perdão pela negligência que fez comigo.”

A voz rouca penetrou em várias camadas do cérebro, que rejeitava; era humilhante e degradante.

Queria desistir, mas agora é tarde demais, não poderia fugir, visto que seria pego e forçado a fazer o serviço mesmo contra sua vontade.

Portanto, chorou, chorou já sabendo que não seria o mesmo depois de tudo acabado.

“Você… é um homem devoto, ora ao seu Deus e segue sua religião. Ela não permite um ato assim contra outra pessoa…”

“…”

“E os princípios que ele propõe.”

“Sendo assim, deveria cortar sua mão pelo ato que fez a mim, Sr. Beltrão. O senhor me roubou, paguei um preço pelo quarto e por todos os serviços que essa espelunca oferece.”

“Arrr!!”

“A sua ganância fez-se comportar como um rato, tentando me ludibriar como uma dançarina ilusória, e não cumprindo com as exigências que eu, como cliente, deveria ter.”

“…”

“Portanto, quem realmente foi lesado e feito de idiota fui eu, Sr. Beltrão.”

“Não.. Clemência…”

Mohammad continuou a segurar o cabelo que gemia de dor, mirou o secretário que ficou preparado, os seguranças se mantiveram em posição, indiferentes e alheios ao que estava acontecendo.

“Ligue para o serviço de quarto e peça uma garrafa de azeite extravirgem, indiferente à marca. Também camisinhas, muitas.”

“Sim, presidente.”

“Depois de concluir o Asr e tomar meu banho, leve-o à suíte e peça para se prepararem, vamos vender esse pequeno vídeo a qualquer site que queira pagar um bom preço. Não esqueça de deixar na suíte o licor com o copo.”

“Sim, senhor.”

Largou no chão, indo em direção ao quarto para fazer sua terceira oração e depois tomar banho.

Planejava se alimentar com uma boa refeição e apreciar a vista que o hotel tem a oferecer.

Claro, exigiria que tudo fosse trocado a seu gosto, inclusive o colchão.

Enquanto ia para o quarto, o homem, inconformado com seu destino, começou a gritar.

Os guardas o pegam brutalmente e o levam até a sala, fazendo-o esperar até que o presidente possa concluir seus objetivos e iniciar a ordem que lhe foi dada.

O secretário liga para o ramal 1, pedindo as coisas que ordenou. Estaria presente até o fim, assim como tantas outras vezes.

Era forçado a ver todos os atos cruéis que cometia a outras criaturas, por puro divertimento e deleite.

Acostumado, sua expressão se tornou impassível e, dentro de sua mente, a imagem da breve infância feliz rebobinava, fugindo da terrível cena que via constantemente.