Capítulo 30
O tempo é traiçoeiro, principalmente para aqueles que gostam de curtir um feriado longo.
Assim que piscou, já era noite, e devia ir para a cama repousar o sono da beleza e comprovar que acordaria viva.
Por ser tarde, tinha que tomar seus remédios. Com metade do copo d’água, na copa, pegou ambos os potes dos medicamentos.
75 mg de amitriptilina e 50 mg de cloridrato de prometazina.
Esses dois auxiliam no tratamento para ansiedade e depressão, barrando também a insônia adquirida há quase 5 anos.
Apesar de amar, há certos problemas, caso falte.
Isso ocorreu em outubro do ano passado, quando a clínica estava em falta de amitriptilina, ocasionando um desequilíbrio na qualidade do sono, porque dormia tardiamente e acordava cedo, basicamente estava tendo 3 a 4 horas de descanso por dia.
Apesar de tomar a recomendação certa do prometazina, só ele não fazia efeito.
Então, quando retornou no mês seguinte, sofreu com a falta longa, que nas primeiras semanas ficou meio dopada e as horas descansadas não estavam fazendo efeito, no qual tirava duas horas de cochilos para poder aguentar o dia.
O efeito passou, o organismo estava se adaptando novamente, suas tarefas em casa continuavam as mesmas e não havia sintomas graves.
Entretanto, é frustrante enfrentar os efeitos das alucinações visuais ao acordar devido aos efeitos colaterais da amitriptilina.
Tomar os medicamentos era tranquilo, a quantidade era pequena e não causava nenhum desconforto ao ingerir, mas quando colocou a metformina na boca, na hora veio a vontade de cuspir.
Os remédios começam a fazer efeito depois de duas horas, então sempre tomava cedo para dormir cedo também.
“[…]Eu prometi não mais te procurar. Mas hoje não é meu dia de sorte. Achei sua foto no meu celular. Não te esqueci, me diz como é que pode. Você me tirou do coração. E eu não te tirei da mente. O álcool não apaga. A saudade da gente, amor, amor[…]”
Ao longe, Os Barões da Pisadinha tocam numa sintonia que pertencia ao final de domingo, como um loop maldito de que o bom acaba e o prelúdio é um total desgaste.
“Acabou o feriado…”
Ligou o ar-condicionado.
Ao sentir-se mareada, a lembrança vaga do sonho a atingiu, e nele escutava sua mãe ressoar para ser feliz.
Assim, uma lágrima de saudade caiu sob sua bochecha, e depois de dois anos sem falar essa palavra, expeliu automaticamente o que vinha guardando por muito tempo.
“Mãe…”
***
“!!!”
Surpresa, pensou ser tarde demais.
Colocou o celular para despertar mais cedo e voltar rapidamente, mas no meio do sono agradável não ouviu. Seu cabelo estava revirado e indomável, como se não o penteasse.
Com movimento brusco de quadril, saiu da cama e desligou o ar-condicionado.
Está fresco e não queria sair e enfrentar o mormaço.
Ao pegar o aparelho, não havia notificação, contudo, só eram coisas aleatórias.
Embaixo, o aviso relatando o horário programado. Bruna coça a cabeça e lamenta por não ouvir o despertador, mas já é tarde.
Já eram 8h20, influenciando para tentar amanhã.
O corpo sinaliza, como tantas vezes em situações similares.
E sabia que, caso adiasse, nunca faria, havia um compromisso consigo mesma para ajudar a se empenhar no melhoramento do quadro, portanto, abriu a porta, sendo recepcionada pela cachorra que a cumprimenta com alegria.
A janela estava aberta e o cenário exterior é belo, um lindo céu azul sem uma nuvem branca, como se o acontecimento desastroso de ontem não passasse de uma garoinha.
Pelo fato de a janela estar aberta, sua irmã já acordou e estava na sala, como sempre, vendo algum programa no TNT Séries.
Acertando em cheio, logo no sofá encostado na parede esquerda, abaixo da grande janela de madeira, que perdeu a funcionalidade após reformar a varanda, fechando de vez.
A série passa e a espectadora não presta atenção, focando apenas no celular com uma capa verde-claro. Ao contrário dela, que não liga muito para a vida e o cotidiano dos outros, era o oposto.
Beatriz amava ficar navegando no Instagram, para captar os detalhes da vida alheia, como uma fofoqueira que não perde o cargo.
Sua página é cheia de conteúdos variados que mostram a vida perfeita que tem, ou simplesmente caçando alguma intriga que possa surgir nessa utopia perfeita.
Também é viciada em conteúdo fitness, hipnotizada pelas musas e as rotinas motivacionais.
De certa forma, está preocupada com essa vida ‘saudável’ que leva.
A caçula está praticamente obcecada com emagrecimento e dietas que às vezes beiram o extremo.
Em teoria, acha que o bullying enfrentado ao longo da vida, incluindo um ser que sentia vergonha de assumi-la. Influenciou a fazer essa loucura disfarçada de ‘dieta saudável’.
Também não foi só esse cara, e muitas outras vieram juntando nesse relacionamento.
Beatriz busca o emagrecimento e não o bem-estar geral, para provar aos que a insultaram durante uma vida.
Por causa desses comentários maldosos, restringe-se a comer certos alimentos, até saudáveis, para obter um ‘corpo perfeito’, nos parâmetros dos moldes tóxicos.
Alertou sobre o acompanhamento e ajuda psicológica, para tratar esse medo e a rejeição suportada por anos, para que finalmente tenha resultados benéficos.
Todavia, nesse ritmo, o que se pode prever é um futuro incerto e sombrio acompanhado de um distúrbio alimentar, como bulimia ou anorexia.
E não quer isso, contudo, não consegue dizer porque é teimosa, e caso alertasse, refutaria sobre o progresso, formalizando a ideia de que quer o mal, forçando a ser como antes.
Entretanto, não é isso, só quer o bem para verdadeiramente se amar, não arriscando a saúde para tentar se encaixar no padrão que deteriora a alma.
Pois, quando estiver obsoleta com os efeitos colaterais desse processo negativo, ninguém ajudará.
E restará apenas a si própria a lutar para curar e reverter o quadro.
Por isso, incentiva-se o amor-próprio, devido a situações assim que são vistas como ‘banais’, porém ferem a tal grau que esse receptor mude seu ser para agradar aos outros.
Em troca dessa ‘aceitação’ vazia.
Com certeza tinha que comprar pão, porque a outra odiava fazer a tarefa. Precisando trocar a camisa, para disfarçar o fato de não usar sutiã.
Como sairia, já deixaria o cabelo no esquema pronto pra partir.
Ao encontrar a primeira roupa no cabideiro de madeira, a cachorra está eufórica, sabendo da ação e queria ser levada junto.
Seus resmungos, misturados com agitação e choro, já explicitavam tudo.
“Quer ir pra a rua?”
Agitando o rabo descontroladamente, achou graça, decidindo levar também.
A jovem só se importou em vestir uma blusa decente, mas não mudou a vestimenta inferior, que era um short de dormir de pano mole.
Na sala, vai à única gaveta grande da cômoda, pegando a coleira cor-de-rosa que a dona comprou para esse caso.
Antigamente, ficava grande demais pelo tamanho em fase de crescimento, mas agora o objeto cabe perfeitamente, dando segurança em não sufocar ou ficar largo demais.
Beatriz viu a euforia do animal, que queria passear.
Na hora de colocar, era uma luta, ficava se contorcendo para pôr os pés para fora de casa.
As lamúrias deixavam ambas impacientes, porque toda hora errava o buraco para prender. Mas quando conseguiu, imediatamente dá um salto e puxa o braço da mais velha para frente, onde dá acesso à saída.
“Vai comprar pão?”
“Sim, os que têm aqui tá pra a hora da morte. Nem dá mais pra comer.”
“É.”
Antes de sair, pediu o favor de trazer o polenguinho.
Não tomou café e, com certeza, esperava alguém acordar para comprar.
Belinha puxa, implorando para abrir.
Quando abriu a porta de alumínio, como um cavalo indomável pronto para partir rumo à liberdade, tenta subir os degraus de cima, só que é impedida pela moça, que ainda estava trancando o portão.
Subindo alguns degraus, caminhava pelo beco, a pequena criatura fazia o mesmo processo de sempre, cheirava, sentindo vários aromas estranhos, procurando um lugar para fazer xixi.
Assim que subiu uma pequena rampa, dando acesso à parte alta, mijou bem no meio da passagem, o líquido farto indicava que estava segurando um bom tempo e rapidamente desceu, seguindo o curso da gravidade.
Qualquer estranho é recebido pelo seu latido na tentativa de afastar, mas é fofo e engraçado, até brincavam um pouco.
Chegando ao destino, que não é grande, viu o piso quadriculado bem desgastado, a prateleira onde ficam as guloseimas e biscoitos de várias marcas diferentes, amontoados um do lado do outro, causando calafrio em quem gostava de organização.
Fora que o ambiente tinha um aspecto desleixado, como se os donos não estivessem ligando para o estabelecimento, apenas vendendo o produto.
A cesta enorme, onde é depositado o pão francês, estava pela metade, indicando que vários clientes vieram, e viu que o aspecto do produto é bonito, com uma casca crocante como deve ser.
Além disso, havia um enorme pano branco que impedia o contato com insetos. Ao lado, vários outros produtos e depois a banca dos salgados.
Os salgados… coxinha, enrolado de presunto e queijo e de salsicha eram sua tentação.
Mesmo o pão não sendo do seu agrado, era viciada nos salgados, principalmente o de queijo e presunto.
Sem enrolação, é ligeira e curta no pedido. A atendente, uma mulher velha de cabelos lisos e grisalhos, é a esposa do dono do local.
Em cima, na visão frontal grudada na parede, tinha outras coisas, o que assemelhava a uma mercearia.
Apesar disso, o pessoal só compra quando há uma emergência, porque é caro.
A sua família faz o mesmo, para no final evitar uma conta absurda no final do mês.
Ainda que o atendimento seja bom, não anulava o fato de ser hipócrita.
Como a maioria dos religiosos.
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Capítulo 30
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