Capítulo 31

Colocou o prato, consumindo seu café com certa pressa, já que faltavam 10 para as 9h.

“Caralho…”

Não era uma entrevista de emprego, todavia, era mais significativa.

Limpando os vestígios de farelo com as costas da mão, retorna para trocar de roupa.

O top tem um tecido maleável e elástico, bem desgastado com alguns arrombos no lado esquerdo, mas dava para sustentar os seios.

Trocou de short e vestiu um de malha azul-escuro com listra verde e branca em cada lado, e por cima, uma blusa grande com o logotipo da banda Nirvana.

Vai ao banheiro, molha a parte de frente para formar um coque sem frizz, e solta a juba cacheada que caiu como cascata, até um pouco acima da cintura.

Bruna tem cabelo ‘misto’ que migra entre o cacheado e crespo, mas a maioria é classificada como 3C.

Era bastante elogiada por sua mãe e irmã, ao ser a única da família a nascer com a cabeleira menos rebelde de lidar.

Antes, fez dois big chop pelas cagadas do passado.

O segundo corte aconteceu depois do terceiro término, devido às inúmeras tentativas de descoloração e tinturas para mudar o visual, deixando-o colorido, sem ajuda de um profissional em um salão.

Nisso, seus fios ficaram elásticos e danificados, dando um aspecto poroso.

Ao cortar pela segunda vez, resolveu tratar até que estivesse preparado para realizar uma nova química de relaxamento consciente.

E foi o que aconteceu, com os cuidados certos e produtos ideais que podiam custear, o período de 2017 a 2023 fez as madeixas que não passavam das costas ficarem extremamente longas.

Seco, sofria o fator encolhimento, ficando desse tamanho.

Naquele pesadelo, parou de cuidar de si própria, principalmente do cabelo, e só lavava apenas uma vez por mês.

Os efeitos colaterais de remédios fizeram-na perder a força muscular, impossibilitando-a em muita coisa, e apenas esfregava na parte frontal, esquecendo o resto.

O que danificou, gerou embolo, sujeira e foi domado pela dermatite seborreica.

Foi preciso da ajuda da caçula para lavar e pentear, aquela sensação foi humilhante porque era extremamente vaidosa.

A doença e os remédios fizeram experimentar as piores versões de si.

Somente agora, após dezembro, conseguiu cuidar melhor, lavando constantemente para não dar outro surto de caspa.

Na hora de fazer o penteado, vê vários fios brancos, demonstrando a idade.

Apesar de estar no início, não ligou com alguns deles aparecendo. Na realidade, envelhecer é até bem-vindo, porque o destino está dando mais um fôlego de vida.

Ao prender bem alto, formando um enorme pompom emaranhado em um denso castanho escuro, os fios brancos se tornaram imperceptíveis.

Observando a face, viu o processo de uma vida inteira, com algumas manchas de espinhas estouradas e olheiras escuras pelas noites maldormidas.

A blusa cobria até um pouco abaixo do short, atingindo até um palmo acima da metade da coxa.

A cachorra queria ir mais uma vez, porém foi impedida.

O livro tem marcas amareladas, as páginas e a capa estavam acabadas com alguns rasgos, provavelmente foram as traças, pelo longo período na prateleira com outros livros e mangás que nunca foram limpos.

Acumulando poeira igual a uma velha biblioteca abandonada.

Após passar o creme de pele nos lugares ressecados, colocou o celular carregado no top firme com o fone plugado e saiu porta afora.

Observou os lances para chegar na Borda, impregnando a preguiça, querendo retornar e ficar aconchegada no seu lar. Onde, se não der o primeiro passo, enrolaria a vida toda até chegar o próximo ano.

Dessa forma, lentamente, desceu para acessar o último complexo.

O som alto fez esquecer o que cercava.

Nessa hora, não havia ninguém ou vizinhos do lado de fora, era somente ela nesse pequeno trajeto.

Quando concluiu os lances, a padaria ficava ao lado de onde antigamente era um salão de beleza muito famoso.

De frente, dava para ver várias lojas de comércio sem muito esmero, do lado esquerdo ao direito, várias barbearias pequenas brigando pelos clientes.

Todos os estabelecimentos estavam abertos, o antigo bar se transformou na extensão do dono que vende material de construção, que ocupou com galões de água mineral para os bebedouros elétricos.

A rua não estava movimentada, igual ao final de ano, também alguns garotos curtiam as férias escolares, um típico dia normal.

Assim, seus pés tocaram o chão cimentado da calçada.

Diferentemente do outro, em que a estrada é repleta de paralelepípedos, aqui é plano, facilitando que automóveis e motos trafeguem sem problema.

Porém, é estreita, na qual somente um carro e uma moto podem andar paralelamente.

A dificuldade é pelo fato de os moradores andarem no meio da rua, visto que as calçadas estão repletas de estabelecimentos que tomam uma boa parte.

Portanto, nessa área, os motoristas tomam muito cuidado em não ir rápido, devido às crianças pequenas que saem da creche, que trafegam no primeiro e no final da tarde.

A jovem removeu um fone, porque quase se envolveu em um acidente de moto, que descia em alta velocidade e, pelo barulho alto da música, não escutou os alertas, que ao frear caíram com a moto.

Depois disso, nunca mais andou dessa forma.

O enorme campo de futebol, usado por décadas, agora está repaginado, o chão batido de areia que levantava poeira por mínimo de movimentação é repleto pela grama verde sintética colocada no ano passado.

Não sabe de quem foi a ideia, mas aposta que foi algum político que vai se candidatar ou reeleger neste ano.

A pracinha se mantinha largada, e os brinquedos a frangalhos.

Os balanços quebrados sem conserto fizeram recordar a infância com o irmão mais velho, brincavam e, para assustá-la, balançava forte para ir mais alto e se divertia com os gritos desesperados.

Foram bons tempos, que não voltam mais, atualmente é um point para pré-adolescentes e adolescentes se juntarem e paquerarem.

A antiga árvore, perto das caçambas de lixo, foi queimada pelo acidente que ocasionou um incêndio.

Na adolescência, várias casas precárias feitas de madeira e papelão pegaram fogo, alastrando-se para outros pontos, o que também gerou queda de energia pela altura das chamas.

Bruna, com a vizinha, viu o fogo engolir tudo enquanto as famílias que moravam ali choravam por perder tudo o que tinham.

O terreno pertence à companhia hidroelétrica, então, quando o incêndio ocorreu, expulsaram os moradores e pegaram de volta.

Agora, está repleta de oficinas mecânicas e algumas lojas.

O sol, que ilumina, estava ficando mais forte e quente.

Por estar acostumada a usar roupa preta, não se incomodou com a alta temperatura na pele. Aproximou-se da entrada da usina, atravessou para o outro lado e repetiu o mesmo processo.

Quando chegou próximo ao primeiro prédio, viu algumas senhoras em frente à entrada que cochichavam algo entre si como uma saborosa fofoca.

Nunca percebeu quem eram os moradores desse prédio, ficou meio surpresa por conhecê-los nesse exato momento, e que não os veria novamente.

Por curiosidade, olhou na direção em que apontava e viu dois carros bem bonitos, como novos, e retornou a atenção para frente.

“Esqueci que tudo é novidade.”

Igual ao interior.

Cruzando a mão dupla, prestou atenção ao atravessar.

Não existe faixa de pedestre, portanto, aqueles que caminham ficam atentos para não ocorrer o risco de um acidente fatal.

E o 422 virou para descer e, instantaneamente, ela colocou os pés de volta na calçada, aguardando o ônibus seguir seu percurso.

A Canavieira estava quase vazia, havendo poucos fazendo atividade pelo horário, as árvores que bloqueavam os raios solares desenhavam seu formato em forma de sombra.

Observando que não haveria veículos, passou para o outro lado com facilidade, chegando em poucos segundos na calçada oposta.

Era o sempre, desceria pela Canavieira, depois viraria na rua Grajaú e seguiria reto pela Júlio Furtado, onde dava acesso ao destino.

Não leva 15 minutos, é relativamente perto de onde mora.

Passando pelo bar, virou em direção à próxima rua que se estendia até o primeiro ponto de ônibus.

O chão estava úmido, devido à chuva intensa de ontem, e o cheiro característico liberado pelas árvores purificava o pulmão que agradecia intensamente.

Ainda que reclame do calor, não trocaria para viver em um que nunca chovesse, lugares assim são a preparação para maratonar eternamente no inferno.

Nesse momento, cruzou para ir nessa direção, pensou em várias coisas desconexas como: o que fazer no almoço, continuar lendo o livro, ouvir músicas que não escuta mais e se vai desmarcar a consulta no grupo de mulheres.

Isso navega aleatoriamente, sem formar um ponto fixo.

Passando pela pequena vila de casas e, sem notar a ação involuntária, virou-se olhando para a entrada do pequeno conjunto de apartamentos.

Havia quatro homens altos e fortes usando roupas belas e caras demais para custear, e no meio, o destaque, adornado casualmente.

Apesar de não perceber, em razão de estar embriagada com a melodia favorita, os seus olhos miram por três segundos o belo rapaz que também fixou em sua direção.

A ação foi tão rápida que nem sequer guardou na memória o que foi filmado, se concentrando puramente no caminho e na música que continuava a expelir coisas sem sentido.

⇼