Capítulo 36

[O quê?]

 

Latifah não assimilou bem a frase e perguntou novamente, já é tarde e chegou nesse instante em casa após ficar na rua o dia todo.

 

“Dia 4, quinta-feira, não voltarei.”

 

[Por quê..?]

 

“Surgiu um imprevisto e tenho que resolver.”

 

Nesse instante, ficou em silêncio, tentando entender que tipo de imprevisto o fez querer ficar em um lugar que detesta.

 

Portanto, continuou.

 

“Não se esqueça de sair antes das dez. O apartamento já foi vendido, e logo a equipe de mudança chegará para recolher todos os móveis.”

 

[Hm…]

 

“Também cuide da burocracia dos novos empregados. Não se preocupe com a equipe de segurança, posso resolver todos os trâmites aqui mesmo.”

 

[…O quê? Como assim? Mohammad, sabe quem lida com isso é você. E prometeu fazer a entrevista para apresentar a nova casa. O que farei caso cheguem e não te encontre?]

 

“Resolva, já lidou com problemas maiores, isso não é nada.”

 

Não acreditava no que estava ouvindo, não cogitava que aconteceria o que estava acontecendo, sabe sobre a venda do duplex e o horário para sair.

 

A casa nova já está mobiliada e pronta para o uso, mas o problema é a burocracia dos novos empregados que vão prestar serviços na nova residência.

 

Desde o início do casamento, nunca lidou com nada disso, simplesmente é serviço de seu parceiro devido às suas exigências sobre a limpeza e muitas outras coisas.

 

Além disso, a equipe contratada será totalmente nova, uma vez que é usado serviço terceirizado para a limpeza do espaço.

 

Mas dessa vez não, como é gigante, com mais de 65 mil metros quadrados, o número de funcionários para manter a organização e a manutenção é infinitamente maior que o atual.

 

Só para lidar com a higiene de todo o território, são mais de 200 funcionários com turno de 12h, e mais a equipe de segurança.

 

Juntando o resto, são mais ou menos 400 funcionários.

 

É muita gente, claro, não é nada difícil, já que possui uma empresa que administra muitos funcionários.

 

No entanto, como nunca precisou fazer nada no período de quase 10 anos, não sabia o que de fato proceder, em razão de que sua concepção de limpeza é diferente de seu esposo, com misofobia extrema.

 

“Filho da puta!!!!!!”

 

O homem explicou que os responsáveis estavam cientes do protocolo, era só checar se estava no padrão.

 

[Vai retornar quando?]

 

Já desistindo da ideia de fugir dessa obrigação.

 

“No próximo mês.”

 

[O… vai ficar um mês?]

 

“Sim, quando for dia nove de fevereiro, retornarei para casa.”

 

[… Tudo bem.]

 

“Assim, passarei alguns detalhes que precisarei que faça.”

 

[O que está tramando?]

 

“Quando voltar, deixarei ciente de tudo. Preciso desligar.”

 

[Mas…!]

 

A linha foi cortada antes mesmo de fazer alguma objeção.

 

Mohammad, nessa hora, ligou para o secretário passando as especificações.

 

“Aumente o período da estadia até o dia nove de fevereiro, às 18h30, lide com o restante dos funcionários e com o aluguel do aeródromo. Compre novas roupas e seis pares de sandálias na cor branca.”

 

[Sim, presidente, tem alguma preferência do estilo da roupa?]

 

“O mesmo modelo que usava em Londres. E também alguns relógios mais simples. Quero tudo isso antes da Asr.”

 

[Sim, senhor.]

 

“Encontre uma mesquita para fazer as Salat Jumuat. Não esqueça o meu lanche, e para jantar, sushi e sashimi, envie a degustação antecipadamente para avaliação. E mande Takano entrar.”

 

[Tudo bem, presidente.]

 

Como previsto, já deixou avisado sobre o possível prolongamento da estadia, tudo que tinha que fazer era avisar sobre o check-in, claro, pelo aviso em cima da hora, pagará uma pequena multa que é irrelevante.

 

Trajando a mesma roupa, sai do quarto e avisa os presentes sobre a nova ordem. Imediatamente, o líder repassa a informação para os outros não presentes.

 

O secretário seleciona dois deles para carregar inúmeras sacolas de compras, basicamente vão rodar toda a capital.

 

Aliás, conseguiu encontrar alguns restaurantes que se adéquem ao gosto de Mohammad, e por sorte, um deles é um tradicional e luxuoso restaurante de gastronomia asiática.

 

Lá, as especiarias são frescas, obedecendo ao regimento das estrelas recebidas.

 

Apesar do limite, é extremamente eficiente desde sempre.

 

Assim, o carro já esperava e falou imediatamente o endereço da primeira loja.

 

Quando a porta fechou, o veículo ganhou vida rumo ao primeiro ponto.

 

Takano estava no quarto de Mohammad, alto e forte, num belo uniforme negro, com as mãos para trás e seus instintos domados, apenas escutando as ordens de seu chefe.

 

“Esses.”

 

Apontou para as fotografias em cima da mesa: três homens e uma mulher, todos ligados ao seu objeto obsessivo.

 

“Onde e o que fazem. Quero todos os passos e os pontos fracos que possam ser usados. E também, não esqueça de vigiá-la.”

 

Uma nova fotografia foi adicionada às quatro restantes, tirada nesta manhã, então, entendeu, é mais um trabalho comum.

 

Com o objetivo diferente dos usuais.

 

Dessa vez, uma mulher, não de beleza requintada ou de grande influência, mas uma simples mortal que não tem onde cair morta.

 

“Não preciso dizer para serem discretos, não é?”

 

“Não, presidente.”

 

“Oito dias. Esse é o limite para trazer as informações que peço, caso não faça, já sabe as consequências, não é, Sr. Ryuichi?”

 

“Sim, presidente.”

 

O homem, que não tem a visão esquerda, entendeu o recado: uma única falha ocasionou a tortura de 24h e perdeu o olho esquerdo.

 

Feito especialmente por esse.

 

“Como está, Sr. Ryuichi? Doí?”

 

“Urr….”

 

“Estou finalizando a retirada, como qualquer coisa, esse não será jogado fora.”

 

“…”

 

“Valerá uma boa quantia. Fique orgulhoso, realizará o desejo desse comprador.”

 

A imagem de Mohammad, com avental plástico manchado de sangue e um bisturi arrancando seu olho sem anestesia, formalizou um novo tipo de medo em seu vocabulário.

 

Hoje, usa um de vidro pela falta do natural.

 

Todos que o miram pensam duas vezes em não desobedecer às ordens, por saberem o quão maluco e insano é.

 

É proibido vacilar, se for preciso matar seu próprio sangue, fará sem remediar.

 

As quatro fotografias foram colocadas num pequeno envelope pardo, o líder sai com o plano em mãos.

 

Tem que fazer a segurança de Mohammad e o trabalho pedido, como havia nove disponíveis, e Oliver presente, três ao dispor no andar, enquanto os seis fariam o serviço.

 

Para não chamar atenção, precisava mudar o modelo dos carros e as roupas, dado que a mulher mora em uma favela.

 

Imediatamente, avisa os que estão do lado de fora e envia o recado para Oliver para transmitir para o restante, fazendo assim o início.

 

O secretário que saiu da última loja estava com várias sacolas em mãos, os guardas selecionados também.

 

Apesar de serem muitas, não eram pesadas, já estavam acostumados a isso pela primeira esposa, que costuma renovar constantemente.

 

O último é o relógio, embora as lojas demonstrem requinte, nem todos agradariam, pelo simples fato de serem falsificados, mesmo que aparente ser um produto de luxo, é, na verdade, o oposto.

 

Os únicos de boa providência ficam na zona oeste.

 

Quando colocou todas as bolsas no porta-malas, o carro seguiu o último destino.

 

‘The King of Switzerland‘ é uma das tradicionais relojoarias do Brasil, o fundador Albert Müller, suíço, veio no período da Segunda Guerra Mundial.

 

Seu pai era um joalheiro muito famoso em sua cidade e, através disso, trouxe esse trabalho para cá ao fundar sua loja no Rio de Janeiro.

 

The King tem comércios em muitas partes do país, mas sua sede é na cidade maravilhosa. Suas obras-primas estão nos pulsos de príncipes e reis da realeza mundial e famosa.

 

Não é à toa que vê alguns artistas hollywoodianos usando os confeccionados por Müller.

 

Por causa dessa carga e prestígio, muitos influenciadores lotam os estabelecimentos atrás dos modelos produzidos.

 

E o secretário sabia como era o gosto por esse item.

 

O presidente não é do tipo de se encher de joias caras como tantos e até alguns magnatas do mundo árabe, apesar das mais espalhafatosas e exageradas em sua terra natal, isso nunca encheu seus olhos.

 

Contudo, Mohammad é um amante fissurado por relógios.

 

Tem incontáveis modelos, do mais simples ao mais raro.

 

É tão fissurado que possui uma coleção e um enorme mostruário em seu escritório na sede Haroon.

 

Até o relógio de bolso, usado pelo físico Albert Einstein, foi adquirido em um leilão há cinco anos pela bagatela de 30 milhões de dólares.

 

Pelo fato de ser um colecionador, entende bem sobre o assunto. E aqui foi a escolhida.

 

O ambiente é iluminado e impecavelmente limpo, refletindo o ideal de luxo que muitos desejam.

 

Localizada em um dos shoppings mais prestigiados da Barra da Tijuca, a loja exibe uma seleção exclusiva de relógios que encantam os olhares mais exigentes.

 

A atendente, de belo uniforme no contraste branco e vinho, exibia um sorriso em seus olhos claros como a água.

 

Fazendo o coração de Charlie palpitar.

 

Os lábios, pintados num rosa pálido, transformavam-se em algo suculento de se comer.

 

O cabelo, perfeitamente alinhado num coque, não mostrava um único fio para fora, é uma funcionária exemplar, digna de um estabelecimento assim.

 

Beatrice Gouveia reconheceu o cliente, foi treinada para isso.

 

Apesar da modernidade e da era digital, é corriqueiro aparecerem uns artistas com roupas simples comprando aqui, como os cantores de hits populares.

 

Ainda assim, como Ahmad, eram fáceis, principalmente com suas vestes.

 

Um belo modelo de alfaiataria inglês, que somente poucos usam.

 

Ainda que rodasse a capital inteira, o secretário estava esplêndido e digno de tal posição.

 

Seu cabelo continua bem alinhado e sua roupa reta, sem um único amassado.

 

Seu andar é suave como pluma, é louvável diante dos aprendizados em torturas e etiqueta clássica.

 

Os dois guardas que o acompanhavam não expressavam uma única emoção, caso surgisse um perigo exponencial, estavam preparados para defender.

 

Beatrice, com toda classe, foi em direção a esse, sabendo que poderia ganhar uma boa comissão, portanto foi solícita e adocicada.

 

O empregado conhece bem esse perfil de vendedor e só seguiu a maré.

 

“O que posso ajudar, senhor…?”

 

“Ahmad bin Awad.”

 

“Sr. Ahmad, o que posso ajudar?”

 

Delicadamente, abriu o melhor sorriso que marcava suavemente seu bigode chinês.

 

Presumindo que estava acima dos 35 anos e utilizava procedimentos estéticos como a Sra. Latifah.

 

Logo, foi direto porque restava pouco tempo para o prazo limite.

 

“Necessito de alguns exemplares de modelo casual, de circunferência 8.3′ com diâmetro de 43 mm, material 904L e titânio, na coloração azul, preto e fumê. Sem ouro amarelo.”

 

Quando ouviu todas as exigências, ficou desnorteada, é uma exigência rara de acontecer, pela quantidade e também pelas características precisas do cliente.

 

O choque foi tanto que outras atrás do balcão ficaram tontas, semelhante a um soco na cabeça.

 

Beatrice não sabia se ria ou chorava.

 

“…O senhor tem preferência de orçamento?”

 

“Sim, até um milhão por peça.”

 

“Por peça?!”

 

A cabeça não estava conseguindo raciocinar bem, não é normal pedir tantos de uma única vez, normalmente, os ricos não gastam mais que dois milhões em uma peça.

 

Só que esse cliente está disposto a gastar o preço de uma propriedade em alguns relógios.

 

A experiente empregada estava diante de um cliente valioso.