Capítulo 44

“O que acha?”

 

Na cama, observava seu companheiro questionando sobre seu físico.

 

“Bom.”

 

“Não brinca, acha que ficaria bom caso ganhasse músculos?”

 

Levantando, sua parte íntima estava impregnada com seu suco e o esperma dele, entrelaçando-se na tentativa de virar um só.

 

“Gosto assim.”

 

Logo, o beijo acende novamente o desejo.

 

***

 

Segunda-feira, primeiro dia da terceira semana.

 

O mês de janeiro era considerado algo maçante e torturante pelo acontecimento há quase cinco anos, porém estava demonstrando fluir mais rápido do que esperado.

 

E o final de semana teve uma breve frente fria que foi embora na madrugada de segunda, em que o céu estava pintado em tons azuis com nuvens brancas bem tímidas, que seriam diluídas ao longo do dia.

 

O sol, que nasceu no leste, mostrava o seu poder em abençoar essa terra com sua luz e energia.

 

As árvores e plantas, que tiveram seu solo encharcado, agora esperavam o seu amigo querido chegar com sua luz para iniciar o processo da fotossíntese.

 

O dia, aos olhos dela, dizia que seria fantástico, e não tão quente quanto as semanas que antecederam a frente fria.

 

O destino, pela primeira vez, disse ser seu dia especial e uma coisa ótima acontecerá.

 

Normalmente, os seres humanos têm instintos aguçados para conseguir ler ao seu redor, esse mecanismo ajuda a escapar de certas periculosidades ou indicar um bom pressentimento.

 

Não é à toa que a maioria das religiões criadas pelo homem glorifica esse instinto aguçado, principalmente quando se trata de sonhos proféticos.

 

Contudo, não acredita mais nessas coisas, abandonando não só a religião, mas as pseudociências criadas ao longo da jornada. Assim, passou a ver como uma criatura que é e nasceu para ser.

 

Desse modo, certos sentimentos gerados para determinado credo e crença foram trocados pelo olhar mais realista e científico.

 

Mesmo sendo apaixonada por descobrir sobre os dogmas e sua real função.

 

Por perder essa peculiaridade, deixou de ser uma ovelha branca para se tornar negra, como a famosa música da Rita Lee.

 

Escolher e viver esse dilema fez confrontar inúmeras que precisam dessa muleta invisível para sobreviver.

 

E, devido à sua fala recheada de metáforas e deboche, acaba se tornando o pesadelo daqueles que vivem na margem da ignorância e covardia.

 

Que fazem de tudo para continuar usando esse item, que é desnecessário.

 

No entanto, sente uma ligeira inveja dos ignorantes, por serem bem mais felizes que aqueles que tomaram o soro da verdade.

 

Acabou se tornando o que não queria ser, uma pessimista.

 

Diante de uma determinada situação, prever sempre um resultado indesejável e até negativo, como se a doçura do positivismo até os 26 anos tivesse evaporado.

 

Ficando mais firme no chão, sabendo que o planejado não acontecerá na realidade — mesmo que seja incontrolável traçar — como se ao redor não quisesse que coisas boas acontecessem.

 

E passou a olhar a vida como deve ser vivida, sem esperar que os planos aconteçam como bem quer.

 

Realista.

 

Acordou bem mais cedo, quase na hora de seu pai sair de casa e enfrentar mais uma semana de trabalho.

 

Concluiu as necessidades, escovou os dentes e trocou de roupa para seu famigerado uniforme social, claro, tudo isso na companhia de sua sombra, Belinha.

 

A cachorra reconheceu a rotina da irmã, quando sairia para a rua.

 

No momento em que a vê colocando um top de malha e sua famosa camisa preta, entende que estava chegando perto de partir.

 

Resolvendo assim, arriscar mais uma tentativa de ser levada junto.

 

A alegria, esboçada no balanço de sua cauda e nas súplicas através dos gemidos, gritava para levar junto.

 

Querendo também saber o gosto do exterior, como um prisioneiro ansioso para fazer sua pequena atividade do lado de fora da cela.

 

Quando sentou na cadeira para tomar café, a euforia duplicou, porque além de querer um pouco do prato, tentava mais uma vez convencê-la a levar junto.

 

E ficou desse jeito, até sair e trancar a porta, deixando para trás.

 

Durante isso, choraria e reclamaria, ficando indignada pelo abandono da moça.

 

A jovem, que descia a escadaria, pensou se juntava a sua mesada que ganhava do pai para vacinar a pequena criatura.

 

Diferente da Nina, que foi vacinada quando era filhote, Belinha nunca teve essa proeza. Sem a vacinação para andar tranquilamente na rua e também sem a vermifugação, estava à mercê da crueldade externa.

 

O motivo de sua cachorra ser vacinada foi porque, na época, trabalhava, e para colocar no ambiente de cima, precisava pelo menos proteger para que não morresse como outros cachorros.

 

Mas a Belinha não teve tanta sorte, pois a sua dona não estava mais trabalhando e toda a carga financeira ficava nas costas do marido, que além de ajudar na feira de casa, tinha que pagar a pensão.

 

Sobrando nada para investir na prevenção e saúde do animal.

 

Era por isso que nunca a levava consigo para onde ia, e se limitava apenas a ir à padaria e voltar, já que o contato com outros animais era menor e, caso surgisse uma ameaça, a levaria no seu colo.

 

Hoje é impossível, e Beatriz ficará suportando os gritos altos e chorosos de sua criatura.

 

Dessa vez, resolveu descer mais tarde, quando colocou os pés para fora, já eram 6h30, e estava disposta a acrescentar um pouco mais do que nas últimas semanas.

 

No início, foi um pouco difícil, queria sair assim que chegou, mas quando insistiu em manter até os minutos permitidos, foi se habituando, com ajuda da música no último volume.

 

Ignorando a maré de desconhecidos e os insistentes pensamentos negativos que seu cérebro cisma em jogar.

 

Com a mente ocupada e os olhos prestando atenção na história que passou a amar, os agentes do caos não conseguiam fazer seu trabalho, deixando assim uma placa de ‘volto no outro dia’, para tentar novamente.

 

Percebeu que, durante o tempo que esteve mal e até a recuperação, o organismo humano é um sistema benéfico, mas também uma bomba-relógio.

 

Ao mesmo tempo que luta para sobreviver, também produz coisas que o destruirão, fazendo o hospedeiro ficar limitado ou até falecer.

 

E, pelo poder misterioso, compreende que o certo não era guardar todo aquele trauma adquirido na infância até o meio da adolescência.

 

Deveria ter gritado por ajuda.

 

Logo, para o sistema que a controla, achou melhor juntar toda a tralha pesada por trás de uma porta sem cadeado.

 

No final, acabou rompendo essa fina barreira, causando um transtorno maior, que o próprio não soube controlar e precisou ficar por anos recebendo ajuda externa.

 

Mesmo conseguindo organizar o departamento, não voltou a ser o mesmo, precisando assim, para o resto da vida, sobreviver do auxílio extrínseco.

 

Com o livro em mãos, estava animada para sentar naquele banco de concreto e continuar sua leitura, como faz durante cinco vezes na semana.

 

A obra selecionada é a mesma que escolheu para tentar ler, e ficou surpresa pelo adiamento dessa maravilha.

 

Assim como no filme, o personagem principal ‘Logan Thibault’, que atraiu atenção quando mais nova, voltou a encantar mais.

 

Como sempre, os personagens literários só ficam bons ou melhores na imaginação do autor.

 

E, desse jeito, aquele sentimento bobo que acompanhou até os 24 anos, sobre as características que atraem em alguém, voltou como uma nostalgia.

 

Vendo que ficou desde 2015 sem encostar nele.

 

Notou que foi um pecado ignorar essa obra de Nicholas Sparks.

 

A única memória negativa do filme, que mudou totalmente no livro, foi a escolha da personagem feminina, não casando bem com o estilo de mãe divorciada, ‘Beth Clayton’.

 

Diferente dos outros filmes, que foram certeiros.

 

A jovem sente toda a dor de uma mãe que teve um parceiro tóxico e controlador, com um trauma forte causado pela morte de seu irmão durante a guerra contra os terroristas.

 

É nítido o impacto gerado de tantas coisas ruins que seu ex-companheiro faz passar, para manter sob seu controle, usando até o filho como ferramenta para que Beth não ficasse com ninguém.

 

Mesmo que possa curtir uma boa vida regada às mulheres ao seu redor.

 

Estava chegando na parte em que Logan chega na cidade e vai ao encontro dela, que ajudou a escapar de várias situações fatais que tirariam sua vida.

 

É essa parte que estava esperando, por causa disso, resolveu acrescentar cinco ou dez minutos.

 

Pela euforia, pelo tempo bom e o ato de desbravar o conteúdo feito de papel, não percebeu o mesmo carro bonito que apareceu no terceiro dia do ano.

 

Na verdade, ficou surpresa por chegar no ponto onde os passageiros esperam o ônibus da linha que vai até Cosme Velho.

 

Como é o primeiro período da manhã, havia algumas pessoas aglomeradas em vários pontos que tem pela Canavieira, que utiliza o transporte público.

 

A linha 422 é muito requisitada e cheia, pelo fato de passar na Tijuca, indo pela Praça da Bandeira e Central.

 

Áreas que aglomeram outras linhas que se direcionam a outras regiões da capital, ainda mais para aqueles que vão de metrô.

 

A sorte é que, neste mês, o recesso escolar se estenderá até o começo de fevereiro, então serão poupados de compartilhar o mesmo ambiente com adolescentes.

 

Que infelizmente estão na ebulição dos hormônios e aprendendo a lidar.

 

Garantindo o conforto que não tem preço.

 

Ainda que esteja lotado de assalariados, que lutam contra o tempo para chegar no máximo cinco minutos depois do primeiro turno.

 

Também percebe o modo de se portar e vestir, alguns vão de uniforme para poupar minutos e só guardar suas coisas e iniciar o expediente.

 

Porém, os mais vaidosos iam com roupas bonitas, mas no padrão exigido pela sociedade e empresa, como calça e blusas.

 

No verão, época mais quente e úmida, é muito comum ver mulheres de blusa mais solta ou de alça fina para auxiliar no refresco.

 

Entretanto, o item indispensável, seja frio ou calor, é calça jeans, ou, muito mal, uma legging preta.

 

O intuito feminino em cobrir as pernas, principalmente com um jeans, é para ficar conforme a regra do seu trabalho, mas também evitar um caso delicado de assédio de certos homens sem escrúpulos.

 

Que, em momento de lotação, aproveitam para fazer alguma maldade.

 

Já houve casos de alguns passarem seus órgãos genitais nas passageiras, que não podiam se mover por estarem cheias demais, se tornando vulneráveis a essa situação.

 

Portanto, o governo criou certos projetos nos transportes públicos, como vagões exclusivos, feitos em 2006.

 

Em que essas passageiras podiam usar, sem precisarem se preocupar se algum tarado ejaculará em sua roupa.

 

No entanto, devido a esse avanço, nem tudo estava bem.

 

Porque em outros transportes mais utilizados, como ônibus, a coisa continuava feia para a comunidade feminina, que infelizmente tem que se sujeitar a essas humilhações.

 

Bruna nunca presenciou tal horror, principalmente quando se tratava de ônibus lotado no início ou final de expediente de trabalho, mas só por não acontecer, não significa que todas estejam imunes a esse fator.

 

Enquanto distraidamente descia para acessar a rua Grajaú, um predador a espreitava.

 

Em sua mão, segurava seu celular que exibia uma imagem de um sistema parecido com o mapa virtual.

 

Nele, há várias ruas e vielas que rondam toda essa parte do bairro, só havia uma diferença: dentro desse mapa indefeso, tinha um ponto vermelho que piscava o tempo todo, sinalizando a movimentação desse objeto.

 

Enquanto andava em direção ao local, o ponto vermelho piscava, revelando para onde o objeto seguia.

 

Embora não precisasse olhar, dado que segue a uma distância segura, o sistema o alerta para caso aconteça algum imprevisto.

 

Assim que esse ponto para e atravessa para o outro lado, o indicador faz o mesmo, idêntico a uma sombra.

 

Mohammad percebeu que o objeto de obsessão expressava um tom mais alegre, ocultando os dentes.

 

Seus olhos brilhavam como duas joias raras, como uma criança que abre os presentes de aniversário.

 

Deixando o semblante mais suave, queria entender o que estava acontecendo.

 

Caso fosse outro, removeria para ficar livre para sua investida, e continuaria até que ninguém a quisesse.

 

O ponto vermelho indicava que o objeto seguia reto, mas isso não importava, porque estava seguindo em tempo real.

 

A enorme blusa preta, que cobria até metade da coxa, deixava-a mais baixa e era larga o suficiente para não saber como era a curva de seu corpo.

 

A única base é obtida mediante antigas fotos tiradas em 2010.

 

Contudo, são de baixa qualidade e bem pixeladas, e como o tempo passou, a forma do início é totalmente inversa agora, pelas inúmeras transformações.

 

Desse modo, queria ver de frente ou até tocar para ter uma dimensão de como é.

 

O horário de saída desse ponto até chegar na Júlio Furtado foi de quase 17 minutos, bem mais lento do que nos outros dias.

 

O sistema de rastreio, implantado no celular, através dos dados colhidos por seus cachorros, mostrava todos os detalhes e movimentos feitos por ela.

 

Graças a isso, é possível achar quem foi sequestrado ou até inimigos.

 

Esse tipo de artifício, que só fica nas mãos de instituições governamentais ligadas à defesa, estava em sua posse e usava para muitas outras coisas, inclusive nesse momento para vigiar todos os passos dessa mulher.

 

Funcionava de forma simples, um anúncio qualquer que possa realizar um clickbait é mostrado em várias redes que a vítima possa utilizar.

 

Quando o usuário aciona essa armadilha, o vírus entra no sistema operacional do celular, se fundindo ao coração, utilizando o mesmo tipo de ataque que um vírus HIV.

 

Modificando o código genético do aparelho e se vinculando aos dados desse usuário, dando a localização dessa vítima.

 

E mesmo que tente se desvincular do aparelho, mudando o e-mail de cadastro, o vírus se instalará novamente nesse móvel, pelo acesso que tem dos dados vitais da vítima, ficando rastreável mesmo em telefones descartáveis.