Capítulo 68

[Quero visitar a minha mãe na sexta-feira.]

Era o que Mohammad queria tanto escutar, diferente da voz presencialmente, pela escuta o tom é jovial, dando menos idade que atribui.

[E o que faz querer tanto ir onde foi enterrada?]

Perguntou à enfermeira.

As coordenadoras sabem tudo que se passa com as pacientes devido ao histórico escrito ao longo da doença, e que a mãe dela não foi enterrada, e sim cremada.

Porém, desconhece onde jogou as cinzas e queria aprofundar mais o motivo desse ato incomum.

[Colocar um ponto final… quero pôr uma pedra e encerrar esse capítulo para começar um recomeço, e agradecer por tudo que fez por mim mesmo não estando presente.]

O tom é melancólico de ter perdido algo valioso, mas também, a vontade de sair dessa situação e alcançar novos voos para um caminho onde tem que seguir sem ela.

[Onde jogou as cinzas?]

Dessa vez, é a assistente social.

[Jardim Botânico, no Parque Lage. O único lugar em que foi feliz e tenho memórias doces das nossas idas para o trabalho juntas de madrugada, trabalhávamos no mesmo bairro, há pouca distância da outra e….]

As outras atentaram aos detalhes de um relato de uma adulta que estava se recuperando e agora concluirá um capítulo que a atormentou por quase cinco anos.

E presenciar uma coisa que não acontece tanto é surpreendente e fascinante, pois não é qualquer um que consegue se recuperar de uma doença que destrói tudo.

[E por que na sexta? Qual a razão que a motiva a encerrar esse capítulo no dia 19?]

[Bem… essa data é muito importante, porque foi o último dia que vi com vida. Foi num sábado, e pela primeira vez, fui acompanhante no período da tarde até o anoitecer.]

[Sim, estamos escutando.]

[Lembro do seu humor, igual antigamente, mal sabia que era a ‘melhora da morte’. E no dia 21… meu pai chorou tentando acordá-la, mas já era tarde.]

Sem perceber, tinha entrado em choque, só que rapidamente se recompôs e continuou.

[E aquela cena me traumatizou tanto que não percebi que paralisei. E, não guardo esse dia, e sim o último sábado que passei com ela no melhor momento, e foi uma das melhores despedidas da vida…]

Esse longo testemunho, de quem quer largar o passado para viver o futuro, foi arrebatador.

As que continuam lutando essa guerra estão desesperadas porque não veem a solução para acabar com esse sofrimento interminável. Saber disso é incrível.

Ouvir o relato de quem tentou se matar diversas vezes e agora quer finalmente seguir em frente, se despedindo do marco importante que ficou ao seu lado mesmo não estando fisicamente, é surpreendente.

Apesar de ser deísta e não acreditar em vida após a morte ou alguma punição divina, expressava o quanto a falta de existência da mãe auxiliou a evoluir mais do que o restante com sua presença.

E estava pronta para pôr um final e seguir, como deve ser, como uma adulta responsável, preparada para receber os bons e maus momentos que podem surgir.

[E como pretende fazer esse agradecimento à memória dela?]

[Haha…. No melhor estilo que a dona Eliana gostava.]

[Hahaha.]

[Usarei um vestido amarelo comprado ano passado, um salto plataforma, deixando o cabelo solto e bem-arrumado, claro, me maquiar, uma prática que não faço há milênios, mas é pra ela.]

[Fico feliz que esteja iniciando um novo capítulo e queira encerrar o que também foi importante para você. Sua mãe, onde estiver, e sei que não acredita nisso, é desse jeito que quis vê-la e seus irmãos. Feliz.]

Por algum instante, todos bateram palmas por essa notícia de quem lutou bravamente contra uma doença autodestrutiva e, neste segundo, não estaria aqui para contar esse testemunho maravilhoso.

Inspirando outras que estão passando por isso.

Filtrando tudo, entendeu um pouco mais do que enfrentou, e que nenhum relatório poderia revelar.

O amor profundo e a dor de ter perdido alguém querido, que não sucumbiu a esse mal, é o seu desejo.

Isso que queria, a ponto de faltar o fôlego, e saber sobre o compromisso, faria de tudo para acompanhá-la.

Quer conhecer essa, o que somente viu nas filmagens, durante o período em que não estava presente.

E admirar o vestido amarelo, de salto, cabelo solto e maquiada.

Nem que seja um dia, já bastava para acalmar sua curiosidade do que foi ocultado.

Uma ocasião especial, precisaria de mais itens únicos.

Identificando a personalidade e só de sentir, relacionar somente a isso.

“Tão fofo.”

“Tão bonitinho.”

A bochecha ainda arde, não acendendo a torre, mas o coração e entorpecendo o cérebro.

Esse novo desejo, invisível, que só estava no seu imaginário, precisava dar nome para essa mulher que se esconde debaixo de tantas camadas de roupas e descobrir a real persona.

Igual a uma cebola.

E mais, uma mulher sem joias é igual a uma que perdeu a feminilidade, porém, mesmo não sabendo o que agradava, comprou alguns modelos no escuro.

“Ela vai gostar?”

Esse dilema satânico o persegue, a ponto de sair comprando tudo que visualizava em seu corpo.

Desse modo, no armário e até na mesa, tinha itens que jamais deram a outras pessoas.

E buscará informações amanhã.

Ao pegar o celular, sem olhar, disca para o secretário, um dos escravos que não pode sacrificar.

Às vezes era um saco ter um animal de estimação e não usar do modo certo, sem descarte, como fazia com todos que seu pai dava para saciar o desejo psicopata aos seis anos.

Fazendo experimentos cruéis em pobres criaturas que só queriam ser amadas, e assim como todos que passaram por sua vida, quando não possuem a mesma função e desempenho de antigamente.

“Tão chato…”

Exclamou em inglês, por tamanho tédio do cuidado básico, a algo que ficará para sempre ao seu lado, com a garantia única de que esse escravo dará outros filhotes que serão eternamente escravizados para servir seus frutos.

Todavia, enquanto esse objetivo não chega, terá que cuidar e alimentar esse cachorro que só vai envelhecendo com o passar dos anos.

[Presidente.]

Atendeu roboticamente.

“Consiga a linha de banho que a Latifah comprou em 2021, e o perfume também. Notifique o Sr. Morillas, preciso que faça um pedido urgente.”

[Sim, presidente.]

A ligação é curta e direta, quando a ordem foi dada, desligou antes mesmo do empregado se despedir.

Essa linha era algo desagradável ao seu nariz, ao sentir na pele de sua esposa, obrigou-a a se lavar e jogar todos os produtos fora, que não entendeu a razão dessa repulsa, que suportou cheiros mais fortes.

Na convicção dele, esse tipo não combinava em nada com Latifah, como se fosse impróprio.

O repúdio era tão grande que, durante algumas reuniões ou idas a alguns restaurantes, o estabelecimento ou evento proibia o uso dessa linha, porque o olfato sensível conseguia distinguir cada essência de qualquer na face do planeta.

E, devido a isso, nunca mais sentiu essa fragrância.

Já o perfume tem um odor muito agradável de bergamota e um floral que não é enjoativo, mas envolvente e delicado.

Perfeita para uma mulher sensual e discreta, que esconde vários segredos em suas tantas camadas, e só poderá ser arrancada com as mãos nuas, como lingerie.

Em razão dessa associação, nunca encontrou de fato quem pudesse se encaixar com esse aroma único.

Que somente a pureza imaculada dos santos pode adquirir.

Até surgir ela.

E, conseguiu encontrar a ideal para tal bênção que não tinha uma dona definitiva.

Com a junção desses dois itens, se tornaria algo extremamente harmonioso, e só pertenceria a ela, que nunca teve acesso a algo que é seu por direito.

No entanto, entregaria todas essas coisas para uso diário, igual a um feromônio saindo de um ômega recessivo.

Latifah e tantas outras não eram dignas, apenas um protótipo que deu errado, uma anomalia que nunca deveria ter existido.

E é algo que só pertence a quem tem casca dura, inocência quase fatal e coração mole para tantas coisas ruins que a vida lhe trouxe.

“Preciso dela, preciso dela, necessito dela!”

Fixamente, idêntico ao mantra budista para atrair uma pseudociência da ‘lei da atração’.

E mesmo que não tenha, vai pegar onde somente possa sentir esse feromônio em sua pele.