Capítulo 70

O tom é sério e calmo, como se repreendesse uma criança que desrespeitou um pai.

 

Bruna, que não entendeu, não conseguiu sair dessa situação constrangedora.

 

Seus lábios, que são grossos, ficaram agrupados formando uma protuberância maior, que atraiu a esse que queria encostar os seus.

 

“Por que não posso xingar?”

 

Era engraçado, pois a boca estava sendo contida e o som saído não expressava uniformemente, dando um tom leve a esse rosto jovem.

 

“Uma mulher como você não pode falar essas coisas tão inapropriadas, ainda mais na minha frente. Exceto se….”

 

A frase, não completada para não assustar, era, na verdade, de conotação sexual, onde é permitido falar vários tipos de palavreados chulos, porque é no momento do prazer, e nesta ocasião o xingamento é sempre bem-vindo.

 

No entanto, controlou-se pela promessa de não falar nenhum tipo de sacanagem enquanto não fosse permitido.

 

Os empregados que presenciaram a cena controlaram um riso que sairia muito alto.

 

Essa atitude fofa é totalmente contra aquelas que não podiam ter esse tipo de afeto.

 

Como muitos deles, quando xingavam sem intenção e, no final, ganharam um tapa forte que deixou a área inchada, a tal ponto de deformar o lado da extremidade atingida.

 

Quando um irmão aparecia com esse tipo de marca, já sabia que foi o presidente que causou.

 

Principalmente os mais antigos, que presenciaram diariamente Smith, o mais rebelde, ter seu rosto marcado com essas disciplinas até ser domado e manso perante seu dono.

 

Entretanto, ver esse tipo de cena ‘meiga’ de um homem que pode deslocar a mandíbula com um único tapa é um tanto bizarro.

 

“Mas não estava ofendendo ninguém, é só um hábito para expressar intensidade.”

 

“Mesmo assim, não gosto desse tipo de atitude, então pare, ou vou bater na sua bunda.”

 

“Seu idiota.”

 

Ao perceber essa atitude, apertou um pouco, aglutinando mais, deixando-se destacado.

 

E isso quase fez cair em tentação, se cedesse, com certeza, não pararia e ficaria assim até seu corpo encher de euforia excitante.

 

Vendo que não pararia, prometeu não cometer a atitude e entendeu que precisava respeitar as limitações do próximo, de igual modo que ela.

 

Mohammad soltou, fazendo-o voltar ao aspecto natural. Bruna, que teve suas bochechas invadidas, massageou para aliviar os sintomas de formigamento.

 

“Vai fazer alguma coisa amanhã?”

 

“Vou. E era isso que queria falar, não vou poder vir.”

 

Mohammad escutou toda a conversa e fez de desentendido para ouvir seu depoimento e logo se oferecer para ir juntos.

 

Por isso, esperou explicar os detalhes.

 

“Vou visitar minha mãe, as cinzas dela foram jogadas no Parque Lage, e queria fazer uma primeira e última visita para encerrar essa história e seguir em frente.”

 

“Por que jogou as cinzas lá?”

 

“É que queria que, pelo menos, estivesse em algum canto que não causasse tanto estresse, sabe? Só por isso.”

 

Realmente, esse amor foi muito forte, a ponto de desencadear um desastre antigo que estava sendo mantido por uma porta velha sem tranca.

 

E atiçar uma suspeita que vem formulando nesses últimos bate-papos.

 

E entender que estava disponível para encerrar esse ciclo e iniciar outro é um tanto reconfortante, e que quando levar para longe não sentirá o grande peso do arrependimento.

 

Assim, queria estar perto, para ouvir um último adeus a essa tão valiosa e iniciar um novo rumo com ele.

 

“O que queria fazer de fato se pudesse?”

 

“A real intenção?”

 

“Sim.”

 

“Bem, queria passar nos lugares que fizeram parte desse passado muito feliz. Como visitá-la, andar pelo parque todo, os lugares que vivi e tirar várias fotos para meu antigo Facebook…”

 

Prestando atenção, percebeu-o ser tão bom, na verdade, melhor que as sinfonias apreciadas de grandes compositores.

 

Se pudesse, gravaria e colocaria como despertador.

 

“É tantos lugares assim?”

 

“Sim, quero passar pelo túnel Zuzu Angel, ir à Rocinha na parte baixa, onde fiz o pré-vestibular, que na época minha mãe me levou para fazer o cadastro, depois na praia de Copacabana, em frente ao Belmopan Palace….”

 

“Por que na praia?”

 

“Foi onde fui com meu amigo de infância, após sairmos do caótico bloco do Cordão da Bola Preta. Sério, depois desse dia ganhei um trauma para nunca mais ir em nada com uma grande aglomeração.”

 

Não sabe nada a respeito desse antigo amigo, em nenhum relatório é mencionado.

 

E ver falando com muita alegria, de um acontecimento que traumatizou, deixou um tanto possesso.

 

Também foi fantasiada, pelo que lembra sobre o carnaval, as fantasias são um tanto escandalosas que somente eram vistas em momentos íntimos entre o parceiro.

 

Queria descobrir que tipo foi usado.

 

E, por causa dessa curiosidade masoquista, não esperou e perguntou o tipo, mostrado para várias pessoas, inclusive homens.

 

“A fantasia? Sim… foi um modelo de presidiária, estilo desenho dos EUA, sabe? Só que um pouco menos decente, mas amei, pena que nunca mais vou poder vesti-la…”

 

“Algema, corda de alpinista, chicote….”

 

“Ah! Meu sonho sempre foi me fantasiar de enfermeira ou coelhinha.”

 

“Por quê?”

 

“A minha vizinha, sendo uma negra linda, usava, quando vi, fiquei fascinada e queria tanto. Mas… Meu corpo nunca correspondia a esse desejo. Uma pena, eu usaria.”

 

“Hum….”

 

Mohammad buscou na memória se alguma usou esse tipo de fantasia quando rolava o sexo, não tinha.

 

A maioria era enfermeira, médica, policial e até Marilyn Monroe, mas nenhuma presidiária.

 

Talvez façam isso para momentos a dois, será divertido foder uma presidiária.

 

“Depois, queria passar no McDonald’s e comer um combo de hambúrguer de cheddar, batata e suco de uva.”

 

“Por que o hambúrguer de cheddar?”

 

“É o meu favorito, só gosto desse hambúrguer, e tem que ser do McDonald’s, não aceito de outro porque não é o mesmo.”

 

A brisa balançou levemente seus fiapos que não sofreram sob um sistema chamado xuxinha.

 

“E, por último, passar pelo mesmo trajeto do 409 quando sai do Jardim Botânico. Esse seria o passeio dos sonhos.”

 

“Quer muito fazer?”

 

“Claro, relembrar todos os lugares em que fui feliz é meu sonho. Quero tirar belas fotos e deixar guardadas na pasta do meu notebook.”

 

Esse sentimento nostálgico nunca fez presença na sua existência.

 

Não tem nada de novo ou impactante sobre o passado que queira relembrar, e ouvir esse sonho bobo de passar em lugares que fizeram parte da memória soou um tanto encantador.

 

Todas com quem ficou, até sua atual esposa, nunca cogitaria fazer uma coisa dessa que não recebesse uma gratificação muito cara.

 

A única coisa que fez foi comprar um espumante caro, pois no apartamento não tinha nem água.

 

E a razão dessa bebida suave foi para que as mulheres, depois de uma intensa noite de sexo, preenchessem o estômago com essa bebida adocicada.

 

Já que, depois do ato, só dava apenas cinco minutos para pegar suas coisas e sair de lá, enquanto entrava no banheiro e tomava um banho.

 

As que se sujeitavam, com fome e sede, depois de várias posições e um gasto calórico alto, em que não era oferecido nem um chocolate, tinham que se precaver para comer algo antes de transar com essa divindade.

 

Usando esses poucos minutos, pegava a bebida e, pelo gargalo, engolia o álcool que espumava em sua boca, deixando-a mais desequilibrada, saindo com roupas e aparência deplorável.

 

“Por favor, Mohammad, deixe ao menos usar a torneira do lavabo, não posso chegar assim em casa…. Meu marido e filhos, então…”

 

“Quem disse que tenho a ver com isso? Na rua tem um bar, compre algo e pode utilizar o banheiro deles. Agora, saia, tem três minutos.”

 

Só de lembrar, uma gargalhada interna invade, eram tempos gloriosos, que no final repetia o processo porque era ótimo no que fazia.

 

Deixando-as sedentas e viciadas por mais, mesmo passando por toda humilhação de se comparar a uma prostituta barata sem receber um puto sequer.

 

Entretanto, de alguma forma, queria fazer isso, ver a chance em que termina algo para abraçar o futuro incerto que já é predestinado.

 

Ouvir seu adeus, deixando um buquê de rosas a quem ensinou a ser o que é hoje, é algo valioso, pois poderá presenciar uma mulher que perdeu muita coisa e, depois de muita luta, conseguiu vencer algo que mata diariamente.

 

Mesmo sem cura, ainda considera uma vencedora.

 

Quer ser o que esteve nessa oportunidade histórica, para a bela, o olhar em seu rosto e recordar com muito carinho que não ficou sozinha nesse momento delicado.

 

Enquanto estiver aqui, levará a vários lugares que não teve a vez de conhecer.

 

Para depois, juntos, fazerem esses passeios e mostrar o que realmente tem a revelar, nesse dia que será tão deslumbrante quanto estará amanhã, com tudo que reservou para ser entregue e usado.

 

E depois disso, proibirá qualquer um de usar esse tipo de fragrância.

 

“Posso ir junto?”

 

Inocentemente, como quisesse participar, de certa forma não foi a real expressão e sim uma afirmação que iria, mesmo que jogue no carro.

 

Essa declaração, saindo da boca de um sem-vergonha, fez rir, porque estava sentindo que surgiria o convite por parte dele.

 

Mas não esperava que fosse real.

 

“Por quê?”

 

Essa pergunta, querendo buscar o entendimento por trás dessa causa, não foi nada positivo, e sim negativo, explicitando que não quer sua presença.

 

O tom ríspido revelou alegria, mostrando os belos dentes brancos, achando graça dessa carapaça.

 

Pedindo mais uma vez que colocasse a perna em sua coxa, que foi negado pelas situações dolorosas provocadas por essas mãos perigosas.

 

Como um bom insistente, pegou a perna direita e colocou teimosamente no lugar, causando um certo desequilíbrio.

 

“!!!”

 

Sem xingamento, em respeito, apenas cravejou em sua mente, querendo romper pelas cordas vocais nesse anjo inocente.

 

Logo, tentou ser mais intrometido, para ceder esse desejo, já que facilmente concede aos dos outros.

 

“Esse momento não é algo que possa ser feito sozinho.”

 

“E…”

 

“Sei que não conheço muito sua história, e nem fiz parte quando estava passando por esse processo. Só que quero participar, estar e fazer entender que não é mais sozinha.”

 

“…”

 

“Sabem como dizem, dizer adeus é necessário, mas é um percurso doloroso e difícil. Que tal dividir essa dificuldade com outra pessoa?”

 

Riu dessas palavras soltas, se confirmar que esse malandro é um galinha, terá o prazer de entregar o troféu do maior Don Juan do mundo.

 

Porém, entendeu, sim, fazer isso sozinha não é tarefa fácil, ter uma companhia que ajude mesmo em silêncio seria de bom tamanho.

 

Só não queria chorar na sua presença e, se puder, aproveitaria curtindo a solidão por estar dizendo um adeus que será bem doloroso.

 

Fixando bem, tão semelhante a um anjo, todavia que esconde a personificação de um lobo sanguinário.

 

Que, mesmo por agora, precisava de outro alguém para compartilhar o peso dessa responsabilidade, que suportou por muito tempo.

 

E também, seu lado romântico acabou sendo enlaçado por essas palavras doces… por que fui gostar somente desse gênero? Por que não terror, onde só tem sexo e sangue? Droga….

 

“Tudo bem…”

 

Cedeu às palavras verdadeiras de quem só mentia e iludia, estava feliz com essa vitória, como se ganhasse o maior prêmio da história.

 

Amanhã é um dia especial, podendo ocorrer várias coisas e fazer parte da estrutura do seu amor.

 

“Amanhã, às 7h30, não esqueça.”

 

“Sim…”

 

O intuito dela é sair nesse horário, mas, ouvindo, deu um pouco de preguiça, em que terá que acordar às 5h.

 

Enquanto analisava, as mãos antes brutas ficaram macias como algodão, oferecendo uma boa massagem nessa região, desse modo imaginou-se repetindo para sempre, até o final de sua vida.

 

“Esperarei por esse momento.”

 

“Tá.”

 

O edema, que ainda é proeminente, ficava relaxado, a ponto de a dona quase soltar um gemido de satisfação, mas caso fizesse aqui, mesmo na parte coberta, longe dos olhos explícitos, geraria um grande constrangimento.

 

“Porra, como é gostoso…. Que vontade de sentir pelo corpo todo….”

 

O pensamento do passado, fazendo várias loucuras para saciar seu espírito jovem e o ápice sexual, veio as maluquices que fez com o Marco, consideradas até hoje as melhores.

 

Mas, em vez do seu segundo namorado, era Mohammad.

 

E isso fez sua área íntima apertar novamente, como se implorasse pelo pau desse cara.

 

Portanto, devido a esse espírito rebelde reacendido, acabou fazendo um pedido que deu espaço a esse demônio adentrar mais ainda no seu território.

 

“Mohammad, beije meu pé.”

 

Olhando o pé estendido, ordenando para tocar com seus lábios, soou um tanto desrespeitoso.

 

Os seguranças, ao presenciar, expandiram a vista em choque e não acreditavam que seu chefe, que odeia qualquer tipo de submissão, não aceitaria essa proposta, por tamanha afronta e disparate.

 

“O que?”