Capítulo 75
Usando o wi-fi do carro, conectou o aparelho no bluetooth para ouvir música durante o trajeto, impedindo um clima chato.
Antes de prosseguir viagem, soltou algo conflitante e acabou amando desde a prática.
“O quê?”
“Posso beijar seus pés?”
“Puff! É o quê?”
O riso espontâneo, que não foi freado, escapou por seus lábios, por não acreditar que pudesse gostar disso.
Sendo inédito.
Claro, foi uma luta para mandar parar, devido a não desgrudar de seus pés, mas agora, fazendo um pedido para algo que foi proposto para sacanear sua arrogância, deixou desconcertada.
Portanto, só para sentir essa sensação de superioridade diante do ser mais poderoso do mundo, e pelo prazer adquirido, deixou e atiçou um pouco além.
“Se for bonzinho, deixarei ser agraciado até aqui.”
Revelou a perna esquerda, sem se importar de levantar o vestido e mostrar sua calcinha, onde o limite de ontem foi estendido até o joelho.
E, como bom lobo, suas orelhas levantaram-se como se apreciasse a quinta maravilha do universo, e faria de tudo para tocar nesse terreno delimitado até se empanturrar.
“Não se preocupe, serei tão bonzinho que me confundirá com um anjo.”
Sorridente, ligou a carruagem.
Nesse instante, achou que deu o tiro no próprio pé por iniciar um ato sem medir as proporções.
“Espero que não seja o Lúcifer.”
“Hahaha.”
Sendo liberada para ouvir o que quiser, pôs na playlist do Coachella da Beyoncé, o último antes da Covid-19 se instalar.
Mohammad, que sempre ouviu sinfonias e não agradava tanto o movimento pop ou outros gêneros não embalados pela singularidade do século 18, sentiu-se estranho, mas, ao mesmo tempo, agraciado.
Se um conhecido visse esse ser de alma diabólica, escutando em alto som ‘Crazy in Love’, com uma expressão de felicidade verdadeira, acharia que o abduziram.
E esse não era o verdadeiro Mohammad bin Ali, e sim, outro que se faz passar pelo presidente.
Apesar de os seguranças estarem em outros carros, somente observando, a janela abaixada, para agradar ao desejo da matriarca, e de dentro escapava a agitação do pop, era surpreendente a não expulsão nesse tapete de asfalto.
E a teoria formalizava sobre o afastamento dela entre os mortais, soava como o descobrimento da eletricidade.
Equiparando as criaturas mitológicas, como as sereias.
“Será que esse é o mesmo presidente que quebrou o dedo de uma mulher e jogou no meio da estrada porque ousou trocar a sinfonia de Beethoven para ouvir um som de sua preferência?”
Qualquer um que cobria a segurança do casal não estava acreditando no poder radioativo emanado dela.
A primeira parada seria na paróquia, localizada na Tijuca, onde se batizou, e lá acenderá velas.
O caminho para o bairro não foi demorado, embora seja uma manhã de sexta-feira, o trânsito não estava caótico como de costume.
O batizado foi numa idade tardia, o que era comum nos primeiros meses de vida.
Antigamente, a religião evangélica não aprovava o ato em menores de 16 anos, porque crianças eram puras demais para o ato.
Já que remete à ‘purificação’ dos pecados e à aceitação do amor de Cristo.
E, estritamente, a limpeza de algo praticamente ‘inexistente’ não possuía o critério praticado pela católica.
Isso no Velho Testamento dessa jovem.
Que, diante da modernidade, um ser humaninho que mal desenvolveu córtex pré-frontal, ministrava a sabedoria de uma privada e era adorado pelos que nem acreditavam no próprio salvador que venera.
A religião sempre se tratou do antropocentrismo.
Entretanto, a mãe, que mesmo simpatizante pela religião cristã, desejava seguir o rebanho e batizar os filhos como manda a católica.
Pois a ‘moda’ ditava que o batismo era equiparado a um ato semelhante à mudança de skin lendária.
Tanto que teve todo um processo, como vestimenta, fotos e uma pequena comemoração para celebrar, o que na realidade não era o real intuito pregado.
Até hoje, nunca entendeu a razão, assim como a festa de 15 anos, que no final, nenhuma optou por esse evento canônico.
Naquele tempo, para se batizarem, precisava seguir o critério e fazer a crisma, mas misteriosamente, passaram batidas, sendo batizadas do mesmo jeito.
Os padrinhos da caçula e da mais velha tiveram uma pequena alteração, principalmente da parte da mais velha.
Porque sua madrinha, escolhida desde o nascimento, faleceu dois anos antes do evento.
No final, a segunda que não tinha tanto contato acabou ficando no lugar, enquanto o papel da segunda ficou a cargo de sua vizinha, cuja mãe era chegada desde que se instalou nesse beco.
E também as meninas eram muito amigas da neta dessa senhora, o que fechou o time para ocorrer a cerimônia.
Até hoje, tem muita consideração pela segunda madrinha, pois continuam sendo vizinhas, mas no coração dela, a única e insubstituível que sempre será sua madrinha, é a que morreu quando tinha apenas 10 anos.
Tendo seu papel de forma vitalícia.
Atualmente, a sua presença estava guardada em várias fotos nos porta-retratos.
Porém, o ato de acender velas, para quem é religioso, é um sinal para guiar aqueles que se foram para não ficarem perdidos na eterna escuridão.
Nisso, quando esse familiar sonhava com a pessoa, sendo impactante demais, esse vivo vai até uma igreja mais próxima e acende uma vela para ajudar esse falecido a encontrar a luz, se guiado eternamente.
Mas, pelo que é, entende que não existe, e que sonhos são desejos ocultos no subconsciente, que estouram a bolha dos sentimentos, fortalecendo o vínculo de saudade.
Claro, há certas situações que antecedem um prelúdio de algo, porém não era constantemente.
Sendo a representação desse amor que jamais se apagará.
“Como essas velas.”
É por causa disso que é necessário esse afogamento, para relembrar que esse indivíduo foi precioso.
E pelo fato de ser uma despedida, não significa um apagamento.
Jamais tem esse intuito e sim, tirar essa dor que assolou por anos e seguir em frente.
E apenas recordar como a própria mãe lembrava de seus pais, com muito amor e carinho, e uma boa dose de risadas.
O luto sempre será um brinde a uma nova chance, igual ao término do ciclo da translação terrestre.
O lado charmoso era ocultado pela atmosfera caótica dos fundos, onde realmente fazia o ritual, é tão macabro, igual a uma rua abandonada.
Os dois são figuras destacadas nesse meio, atraindo a atenção dos poucos pelo mesmo objetivo.
Um homem alto, vestindo um terno informal distinto, de beleza inquestionável e olhos dourados, seduzia aqueles que buscavam pela maior riqueza.
Só de permanecer ali, o espaço distorceu, fazendo com que essas luzes perto do horizonte de eventos fossem sugadas, ocasionando um desespero mudo diante de uma entidade maligna moldada pelo seu Senhor.
Já sua companheira é o oposto.
Baixa e negra, o vestido amarelo trazia a gota da felicidade para os deprimidos, e seu jeito simplório nada plastificado, completava sendo a sacerdotisa de Maria.
Apesar da melancolia, não escondia a luz que rodeia, dando assim, um ambiente plano e equilibrando a maldade natural de seu companheiro.
Os mais religiosos, que compreendem sobre o assunto, se questionam como duas entidades opostas podem transitar em um mesmo meio sem uma anular a outra.
Como o verdadeiro yin e yang.
Enquanto compravam velas, o responsável pensou que o belo cidadão viria cobrar pelas almas daqueles que tiveram uma vida profana e cheia de pecado.
No entanto, por mais que esse pensasse desse modo, o senhor do submundo olhava com tanto carinho e amor para essa, confundindo se é sua redenção ou apenas seu complemento.
A educação dela ao pedir as velas foi tão doce que seu coração aqueceu, percebendo que existem pessoas boas nesse mundo.
Porém, o outro… dava um certo desconforto em não fixar nessa direção.
“Obrigada.”
“Não foi nada, que Deus te acompanhe.”
Sorrindo em retribuição, automaticamente foi impedido, só com o olhar, desafiava a audácia.
Claro, tem apreço à própria vida e não queria beijar os pés de seu Salvador tão cedo.
Para aqueles que já não se encontram mais, o espaço estava cheio de várias derretidas.
Confusa por onde começar, já que de certa forma não havia um espaço para firmar, Mohammad foi ligeiro e ajudou a acender as lamparinas para essas que não conhecem e nunca tiveram intimidade.
As lâmpadas foram acesas por um isqueiro com o intuito de saudar seu cigarro, corroendo rapidamente o barbante, iluminando como tantas mais cedo.
A jovem não orou ou fez alguma coisa, apenas observou o ato, retornando ao passado quando presenciou a sua morte.
Ao redor, desapareceu e não sentia a presença de ninguém igual àquele dia, petrificada, permitiu a dor vagar pela corrente sanguínea.
Esse é o intuito.
Precisava mensurar o fim e a urgência dessa quebra de corrente.
A dor, raiva e incapacidade estavam varrendo para longe.
Vendo o estado, tenso e imóvel, com respiração lenta, seus olhos vitrificados reviviam o trauma.
Por mais que entendesse, isso deveria ser canalizado para um poço que coubesse os litros dessa fonte parada.
Assim, segurou sua mão esquerda para entender que tem alguém ali.
Ao tocar e fechar em volta, não sentiu a mesma reação, parecendo que a alma estava em outro ponto e só havia a casca.
Rejeitando o desespero, esperou que voltasse de sua viagem e respondesse ao seu toque.
Demorou alguns segundos, segundos esses que foram uma eternidade.
Entretanto, quando saiu, sentiu uma mão quente envolver a sua com leve pressão, um sinal de que não estava sozinha.
Antes acordada pela enfermeira, que precisava concluir sua função, dessa vez, foi confortada por um invasor desconhecido.
Enquanto lia várias obras japonesas, existia uma citação sobre o indivíduo de mãos frias que, num claro sinal, representava a bondade e gentileza pelo altruísmo em se importar com o próximo, que consigo próprio.
Exemplificando o contraposto do egoísmo.
Mas o que fazer quando a mão dessa pessoa é tão quente quanto o fogo consumidor?
O que falam sobre toques quentes? Significa que é o oposto? Não é amável ou gentil?
Por que, então, essa mesma lhe traz uma boa sensação de pertencimento e seguridade?
O que fazer quando se trata disso?
Os milhares de BL não ensinaram a partir desse ponto, e sente que terá que aprender sozinha.
“Vamos sair daqui.”
O som estava carregado de agonia e queria concluir o mais rápido possível.
Talvez, voltar para casa e entrar mais uma vez em seu casulo gelado debaixo de um edredom verde-musgo.
“Vamos concluir, pôr um ponto final.”
Calmo, o consolo motivava o encerramento desse capítulo.
Estava tão animada e disposta, que logo no início queria voltar para seu casulo, como ficou durante tempos, basicamente 1630 dias de pura dor e solidão.
Pode não parecer muito, porque existem quem vive com isso três vezes mais, mas não diminuiu em nada, sua dor não deve ser menosprezada só pelo curto período passado.
Mesmo sendo um ano, ainda é longo e difícil para qualquer um que perde muita coisa, igual a ela.
“Eu quero ir embora…”
“Estou aqui, não vai passar por isso sozinha como das outras vezes, dividiremos essa dor e passaremos tudo juntos.”
“Sabem como dizem, dizer adeus é necessário, mas é um percurso doloroso e difícil. Que tal dividir essa dificuldade com outra pessoa?”
As suas palavras soaram em sua memória, juntando-se com todo o clima pesado, atingindo a alma.
Caso estivesse naquele fatídico dia, segurando sua mão com esse calor reconfortante, talvez não tivesse penado o que penou durante metade de uma década.
E realmente, precisa fazer, se não, ficará presa no passado pela eternidade e nunca dará um passo à frente, e estava cansada de viver o mito do caranguejo.
“Sim, tudo bem.”
“[…]Exú lonan. Exú lonan. Modilê lodê elegbara. Exú ona kewa ô. Exú lonan. Modilê lodê elegbara. Exú ona kewa ô[…]”
Orgulhosos de seu posicionamento, os dois partiram dessa de mãos atadas, como se nascessem juntos.
Os seguranças observaram até a volta para a SUV, respirando o ambiente triste, nem o enterro do antigo patriarca teve o milésimo dessa atmosfera.
E o presidente não expressou esse olhar.
E quando se presenciaram de mãos dadas, sem um vínculo concreto, perceberam quem de fato mais gostava.
Imaginaram que, se a jovem surgisse antes da primeira esposa, provavelmente não haveria consumação.
E o presidente não casaria com mais ninguém, em razão de encontrar sua outra metade, a tampa que faltava para seu caldeirão, que perdia tempo em panelas erradas.
E mesmo tentando se adequar, não era a esse que pertencia.
Nesse fragmento, a sua outra metade estava lá, pena ser um objeto onde rolam as magias mais sinistras e obscuras.
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Capítulo 75
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