Capítulo 77

Do silêncio e tristeza, agora a inquietação a domina, qualquer lugar é fotografado, poderia ser de uma erva daninha, não importa, ia para sua galeria.

 

Não tinha intenção de colocar no Facebook, porque é uma conta fake, mas guardaria na pasta que separou todos os momentos vividos durante sua infância até seus 26 anos.

 

Mohammad, que parecia mais um babá do que o convidado, estava com a câmara ativada, filmando suas reações.

 

O problema é a falta de habilidade com o salto alto, tropeçando muito, tendo que ser segurada para não cair no chão.

 

Mas, mesmo se erguendo, repetia como uma criança curiosa e bem arteira.

 

E isso o encantava, porque queria ver esse tipo de reação, todavia, automaticamente, parou de frente a uma grande árvore.

 

A grama baixa, cuidadosamente mantida para os visitantes, servia como um convite para um piquenique.

 

Um pano ou toalha estava estendido sobre o solo, onde um grupo desfrutava da sua refeição ao ar livre, criando uma cena encantadora que se desenrolava naquele momento.

 

Observando a ventania da fascinação e tristeza, soava que naquela jornada alegre, era, na verdade, muito triste.

 

Notando a demora, se aproximou para entender o que de fato remete a esse misto sem queijo e carregado de aflições.

 

“Está bem?”

 

“Não sei….”

 

Esse tipo de silêncio, em estocar dentro de si, o incomoda muito, sempre tentando esconder essa farpa cravada na unha.

 

Todavia, permaneceu nesse semblante de culpa e saudade.

 

O que ao certo não sabe dizer, mas queria entender a razão.

 

“O que aconteceu?”

 

A brisa, antes suave, tornou-se forte, balançando seu cabelo, deixando-o navegar por outra maré já resolvida.

 

Bruna detestava o período dos 24 aos 25 anos, não foi bom, apesar do carinho, isso nunca lhe agradou.

 

“Vamos tirar foto!”

 

“Peraí aí, mô.”

 

A fala reproduzida dele, que nomeou como namorado, sonda juntamente com o sexo, causando um turbilhão de revolta e arrependimento.

 

Odiava, principalmente na doença.

 

Supôs que, depois do Marco, o destino se encarregou de cumprir a sua justiça em fazer tão mal para quem precisava da sua ajuda.

 

Por que fez aquilo?

 

Não deveria ter ficado, se não estava pronta para um novo relacionamento.

 

Após terminar com o Márcio, apesar da sensação de liberdade, estava ferida e com muita raiva.

 

E ter tido uma paixão precipitada era a hora ideal para ter desistido quando rejeitou sua declaração.

 

Só que depois, de alguma forma, ficou afim dela e decidiram ficar juntos.

 

Sem se conhecerem, ou esperar para uma reflexão sobre essa decisão.

 

No final, acabou estragando a vida de um homem que sofreu um combo de azar e dor, onde a rejeição foi sua condenação.

 

Logo, ficar emputecida por passar na mão do terceiro namorado é um eufemismo para a primeira parte da colheita plantada durante o período que fez mal não só a ele, mas a muitas outras.

 

Não foi a vítima, e nem se vê dessa forma, e sim, a culpada que pagou pelos seus crimes não prescritos nas leis humanas.

 

E tudo bem, porém a enoja tanto que, até o momento atual, não esqueceu que permitiu o toque.

 

Chamar de namorado, ou abrir as portas do seu jardim.

 

“Acabou, está pago. Não há que se lamentar, só foi uma colheita que se fez há tantos anos. Me desculpe, Marco, não merecia alguém como eu.”

 

E dessa situação, conheceu uma nova palavrinha que acreditava que era ligada à idade.

 

Entretanto, vem dos seus atos e do aprendizado.

 

O amadurecimento não se limitava a números, mas ao reconhecimento das suas ações e à forma de pagamento diante de um universo que funcionava à lei do karma.

 

E, ao contrário das outras paisagens, essa não gravou e seguiu o seu caminho para outros lugares.

 

Mohammad, que não teve sua resposta, questionou esse aparente arrependimento e raiva.

 

Não esqueceu o dia em que confessou algo de que se arrependeu muito.

 

“Por que, quando estamos desesperados e carentes, aguentamos situações humilhantes para sermos queridas e amadas?”

 

Essa fala feita há três dias ainda ronda sobre o que de fato ocorreu para esse comportamento, e hoje só aumentou a curiosidade.

 

O que a fez se sujeitar a ponto de mendigar carinho?

 

Provavelmente, o primeiro relacionamento poderia ter machucado a ponto de agir dessa forma até o último relacionamento.

 

Rodeado pela natureza — que faz parte do espaço geográfico — ainda oferecia aquele resíduo da naturalidade.

 

Em que a investigação aprofundada sobre seu passado revelaria que tipo de caroço tem nessa sopa de palavras.

 

“Aqui, venha! Quero tirar fotos daqui também!”

 

Mudando novamente a emoção, essa volatilidade tremenda fez questionar se Vênus é inferior a Marte.

 

Enquanto caminhava, seus dedos ágeis tecleavam incessantemente para o secretário achar informações do terceiro namorado.

 

Queria saber o que de fato aconteceu entre essa fase para machucar tanto.

 

***

 

“Eu tô com muita sede.”

 

Os dois estavam sentados no canto da escadaria, que dava acesso ao enorme casarão.

 

A Escola de Artes Visuais é um meio onde não só se reúnem os alunos principiantes, mas também artistas convidados e professores que trazem um enriquecimento cultural com algumas de suas exposições.

 

Entretanto, vai além do físico, mas da interação com o público, feedback e até o ingresso nessa carreira.

 

Diante dos leigos, parece ‘bonito’ ou até ‘feio’, porém, na visão de um crítico, entende-se que a arte é subjetiva a ponto de arrancar a alma de um quadro pintado com uma simples maçã vermelha.

 

Bruna, como o resto da nação, não compreende o poder ou mensagem que o artista quer expressar, e para Mohammad, nunca foi tão prazeroso explicar que, ao seu ver, era simples demais.

 

Gradativamente, Mohammad compreende que o Brasil transcende as suas lentes limitadas, sendo tão subjetivo quanto as milhares de artes expostas por aqui.

 

Sentada de pernas estendidas e um tanto abertas, a visão do paraíso estava bloqueada pelo paletó, que não pensou duas vezes em tirar e cobrir.

 

Ainda processava o fato de nunca usar um short por baixo e até contou um passado picante sobre suas aventuras loucas com seu segundo namorado, que o deixou revoltado.

 

Tão, a ponto de estourar uma garrafa plástica lacrada, fazendo espirrar o líquido para todo lado e molhar um pouco sua calça social.

 

Imaginando a saia pequena, que rodava com a força do vento, e uma calcinha pequena, e mãos que não eram suas entrando por debaixo, enfiando seu dedo por dentro de sua cavidade vaginal…

 

Foi o cúmulo, talvez o destino não foi cruel o suficiente, e pensou que deveria ser torturado e quebrar todos os dedos assim, perderá a função de agarrar um copo.

 

Embora a surpresa, outra garrafa foi comprada e nesse instante estava sugando por um canudo.

 

“Que dia bonito, é uma pena que semana que vem vai chover.”

 

“Sim…”

 

“Então não vamos nos ver, né?”

 

“Quem disse isso?”

 

“A frente fria. Vai chover muito, principalmente na zona norte e na baixada. Não vou sair de casa nem morta.”

 

O líquido sugado com força, fazendo um barulho característico, alertava que o recipiente foi posto no corpo do usuário com sucesso.

 

Portanto, mesmo aliviado, ficou com uma certa raiva, porque não a veria.

 

Isso, nas palavras dela, não dele.

 

“Só usar o guarda-chuva.”

 

“Não tenho, e não gosto de usar, quero ficar em casa mexendo no celular debaixo da coberta.”

 

“Por que acha que vai fazer isso?”

 

“Frente fria, muita chuva e o tempo vai esfriar, a praça não consegue comportar esse volume de chuva que ocorrerá durante a semana.”

 

Ria da tentativa fajuta de correr dele.

 

O alerta seria nas primeiras vinte e quatro horas, contudo, durante o resto da semana permanecerá entre o Verde, com riscos mínimos de ir para o Amarelo para zonas da Baixada Fluminense.

 

“Ficaremos no carro, e se quiser, saímos por aí, e deixo no horário que sempre ficamos todos os dias.”

 

Bruna achou a proposta tentadora, quase não anda de carro e sempre gostou de ficar navegando por aí, por isso ama viagens longas.

 

Causando uma sensação ótima, todavia, com ele?

 

Não sabe o certo.

 

“Não quero, se acontecer, tenho que me arrumar e não to afim disso, detesto fazer esse processo.”

 

“Haha.. Quem disse que precisa disso? Vai do jeito que sempre foi, não precisa se preocupar com a vestimenta.”

 

“Tem certeza?”

 

“Tenho, se quiser, vamos ir a um lugar comer bastante doce.”

 

Outra vez, como outro rebranding genérico do conto de Maria e João.

 

Sem precisar gastar um tostão, porém havia um problema: isso não seria contra as regras?

 

“Sem doces, se esqueceu de que tô restrita devido ao antigo hábito alimentar?”

 

“Quem disse que vai ser fora da dieta? Todos esses são diet.”

 

Entregava outra garrafa d’água, comentou sobre essa cafeteria que tinha dentro da sua enorme loja, localizada na Av. das Américas, na Barra da Tijuca.

 

No estilo asiático, mas ligada à saúde, vivendo lotada desde a inauguração. Pensando em abrir outra para intensificar o número de clientes.

 

“Onde?”

 

“Barra da Tijuca.”

 

“Impossível.”

 

“Por quê?”

 

“Meu traje não se adequa a esse tipo de espaço.”

 

O uniforme social só limitava a ir até a Tijuca, e não profundamente como a Conde de Bonfim inteira, e sim até a praça Saens Peña.

 

E, como a Barra é um domínio nobre, sentirá desconforto em ir desse modo, principalmente sabendo que a maior concentração da alta classe é a ‘branquitude Jr.’.

 

Mohammad capitou, e algo real, mesmo trajando o ‘mais simples possível’, seria adequado ir lá ao exalar poder.

 

O oposto da moça que se limitava a uma suburbana.

 

“Nem isso mais.”

 

Contudo, queria levá-la, mesmo que tenha que fantasiá-la para aparentar ‘apresentável’, para uma massa, que nem burguesa era.

 

“Toparia ter outras roupas?”

 

Já sabendo da sua recusa, de imediato, pelo fato de não agradar em ganhar algo dos outros pelo passado, todavia, dessa vez foi diferente, e a resposta foi ‘qual tipo’, e não, ‘não quero’.

 

“Comprar mais blusas nesse estilo, do mesmo tamanho, e algumas calças de moletons iguais às minhas.”

 

“Seria bom, gosto de roupas assim, é confortável. Mas moletom não é só para climas frios?”

 

“Nem todos, existem peças para climas quentes. Especialmente os feitos de algodão, que é um tecido respirável e versátil.”

 

“Hum…”

 

“Então, topa?”

 

“Com cerveja.”

 

Devolveu a garrafa, que só estava um pouco acima da metade, pegou e bebeu o resto do líquido rapidamente.

 

Esse tipo de ação incomum foi uma tentativa de desvendar qual é o sabor de sua boca, basicamente um beijo indireto.

 

E mesmo não aprovando a marca, desceu bem mais doce do que as que costuma consumir.

 

“O que planeja fazer? Quer ir às compras ou continuar o cronograma?”

 

“Não sei, o que acha?”

 

“Não gosta disso?”

 

“Antigamente, sim, quando recebia meu suado dinheiro, a primeira coisa era comprar perfume e roupa. A maioria foi jogada fora, porque não coube em mim, triste.”

 

“Que tal reacender esse desejo consumista?”

 

“Vai pagar, né?”

 

“Óbvio.”

 

O sorriso bonito expressou-se em seus olhos.

 

Essa expressão é muito comum em quem ama gastar o cartão do marido para renovar o guarda-roupa que mal demorou um mês para ser trocado.

 

Jamais pensou que amaria esse olhar, porém, é ela, portanto estava tudo bem.

 

“Vamos!”

 

Ao se levantar subitamente, o paletó escorregou por suas coxas e caiu num degrau abaixo, não se preocupou em pegar do chão e remover o pouco da poeira.

 

Entretanto, queria realizar outro desejo: gravar esse momento em seu celular para ser selado por sete chaves.

 

“Qual?”

 

“Vamos tirar uma foto juntos.”