Capítulo 84

Antes mesmo de ver a primeira parte do relatório, seu tablet, que nunca sofreu nenhuma violência ou dano desde que foi adquirido, se espatifou com a porrada forte de seu adquirente, ao lançar na primeira reta que viu.

 

Depois foram mesas, cadeiras, sofás e até as bebidas do bar particular.

 

O secretário fez o possível para achar a informação desse relacionamento, temeu em silêncio antes de entregar para seu dono.

 

Esse rompante com a doce mistura da possessão, inveja e obsessão nunca foi revelado antes.

 

Já presenciou algumas cenas similares, mas que não chegavam a esse ápice, pois o presidente costuma ser controlado em manter uma condição de racionalidade suprema.

 

A racionalidade sempre foi o carro-chefe para a sede de sangue que completará 36 anos.

 

Mesmo quando matava e torturava outros indivíduos, nunca se deu ao gosto de perder totalmente essa qualidade.

 

[Mô, que dia você vem?]

 

[Não sei, estou vendo a passagem para te visitar.]

 

[Estou tão feliz, comprei até dois anéis para a gente usar, todos vão saber que estamos namorando.]

 

[Eu também, eu te amo muito.]

 

[Eu também, amor.]

 

Essa animação, após um orgasmo intenso de meia hora de estimulação por telefone, devido à distância, deixou-o furioso.

 

Sendo um passado que jamais se repetirá, saber que pode usar esse tom tímido e apaixonado para outro alguém que não seja ele o deixa em cólera.

 

“Ahhh!”

 

Um rugido fez Dmitri e Takano ficarem assustados com o poder gerado de um cara que odiava o descontrole.

 

Agora, com um taco de golfe, destruía o sofá elegante, como se fosse o ex-namorado da sua obsessão.

 

A gravação de várias conversas íntimas é solta, como se fosse profano cometido por uma mulher que deveria se comportar com decoro.

 

Contudo, estava dizendo palavras amorosas e gemidos que deveriam ser reservados para o seu egoísmo, só que nesse instante foram dedicados a outro.

 

Poderia não ligar e aceitar que é um ato natural entre namorados que anseiam um pelo outro, que esperaram ansiosamente por quatro meses.

 

No entanto, não suportou quando escutou as gravações, é errado e impróprio.

 

Por isso a sua fúria, dedicou e removeu sua lã para sujar com o pênis de outro estranho, e mergulhou de cabeça nesse aproveitador.

 

[Uhh…..ah….ugh… ahhh……]

 

“Ahhhhhh!”

 

A mesa de estar, sendo feita de vidro reforçado, foi partida ao meio com a força gerada do taco de golfe na sua mão.

 

[Eu te amo.]

 

Eu te amo, eu te amo, eu te amo! Eu somente amo você.

 

A sonoridade, que nunca teve a chance de experimentar, estava circulando por sua mente, mas o destinatário não é ele, e sim um tal de Josias.

 

O penteado mantido arrumado agora é bagunçado com o exercício vigoroso, seu belo terno está desalinhado e nem parecia o ser elegante de antes.

 

O amoroso, paciente e calmo, é substituído por um animal sanguinário que desejava a morte de um certo alguém.

 

“Tragam para mim.”

 

“…”

 

“Têm 48h para trazer esse tal de Josias Silva.”

 

“Sim presidente.”

 

É claro que essa fúria e ódio nunca seriam descontados nela — jamais — mesmo que adulterasse diversas vezes, não encostaria um único fio de cabelo.

 

Entretanto, aqueles que estavam ao redor sofreriam e queimariam nesse inferno eterno.

 

***

 

Bruna acordou às 4h50, teve um sono pacífico e leve, como nunca experimentou.

 

Essa madrugada, foi recebida por uma intensa chuva iniciada às 1h, tão forte que temeu pelo pai sair debaixo dela. As luzes do lado de fora estavam acesas, como sempre ocorre quando se organiza na sua rotina.

 

Hoje, o encontraria para tomar café, como prometido na sexta, sendo lembrado às 18h de ontem.

 

Pela primeira vez, pode ouvi-lo por áudio no WhatsApp.

 

Assim como presencialmente, é tão linda que causava uma sensação quente, porém, não havia som externo, igual no meio do nada, no deserto.

 

O que é estranho se tratando da localização, e seu jeito amoroso, chamando de ‘cordeirinho’ a tranquilizando… Como se o mal fosse removido para sempre.

 

O importante é o hoje, depois de muitos anos, retornava lentamente à velha rotina extinta, passando o dia com alguém que não seja sua família, e sim um ser que surgiu do céu, trazendo as boas novas e um tempo longo de paz.

 

[Cordeirinho, espero nunca mais ver sua infelicidade, ficará tudo bem daqui para frente. Só espere.]

 

Ouviu novamente, se tornava um loop infinito, gradualmente acostumava-se a esse novo apelido que não combinava nada, mas que aprendeu a integrar.

 

Portanto, acabou recordando a breve conversa de sua irmã, de dar outro passo.

 

Era sobre o que aconteceu, ficou um tanto sem graça em relatar que beijou seus pés, mas conseguiu expressar rasamente alguns relatos importantes, por isso ela o incentivou a beijá-lo.

 

“Por que não se beijam?”

 

“O quê?”

 

Estavam na janela, olhando a vista do morro tranquilo, o céu ainda era limpo e o vento suave vinha em seus rostos, causando um déjà-vu onde sua mãe e tio paravam para tratar assuntos difusos.

 

Nisso, a fumaça do cigarro guiava esse papo furado.

 

“Para de ser fingida, tu não é adolescente, sabe do que tô falando.”

 

“Não é isso, só que não é cedo demais?”

 

“Quê? Tá de brincadeira, beijar seus pés tá tudo bem, mas agora na boca é proibido? Cara, acorda, não é a primeira ou a última, é super normal.”

 

“É.. Sei lá, acho que não tá sendo rápido demais? E também, fiz mô show, e menos de uma semana to caindo no colo dele, sei lá… é meio hipócrita.”

 

“Três anos… Acorda! Bruna, tu não beija ou faz sexo, deve tá criando teia de aranha aí. Aí cai um delicioso e rico no seu colo, e tu quer bancar a ‘camponesa’? Isso, sim, seria hipocrisia da sua parte.”

 

“Hahaha!”

 

“Seja adulta, amarre do modo certo, hoje em dia não existe ser ‘fácil’ ou ‘difícil’. O diferencial é se esse cara quer algo sério, e se não for, vida que segue, existem muitos dando sopa pra criar laço.”

 

“…“

 

“Eu e o Perninha tivemos isso, claro, no início foi complicado, pois foi bem rápido, mas olhando por cima e tirando alguns arrependimentos, sou feliz e casada.”

 

Mostra a aliança provisória, que comprou no camelô, até conquistarem o sonho da casa própria.

 

E, no meio da conversa, riram, sendo encorajada a engravidar para avivar a residência, após a morte da mãe.

 

Seu pai estava atrás do segundo sofá, de frente para a TV, a viu e perguntou o que fazia acordada.

 

“Tomar banho.”

 

A voz grogue pelo sono foi interrompida para cumprir um dever.

 

“Tem consulta hoje?”

 

“Não, só quero parar de ficar tomando banho tarde, e resolvi mudar.”

 

“Faz bem, ainda assim é muito cedo, espere ficar mais tarde. Volte pra a cama.”

 

“Não…”

 

Continuando seu ritmo, ouvindo as notícias da TV, não prestando atenção até que…

 

[Ontem, no bairro de Taubaté, um incêndio consumiu uma casa, resultando na morte de três pessoas e no desaparecimento de um familiar. Clara Andrade traz mais detalhes ao vivo sobre essa tragédia que abala a comunidade. Clara?]

 

Ao escutar, a jovem que estava na copa mudou seu rumo e foi até a sala para saber mais detalhes com uma leve aflição, pois o epicentro que jamais esqueceu é onde o seu terceiro namorado morava.

 

Ainda recorda da voz ao telefone, falando o endereço, que se assemelhava a um pequeno terreno rural.

 

A imagem da repórter com o microfone esperava toda informação dita pelo âncora para repassar o que de fato aconteceu.

 

À luz do dia, a funcionária se abrigava da chuva rala que cercava essa parte e não reconheceu se de fato era onde vivia.

 

Também, é meio turvo, a chamada de vídeo iniciou perto do final do ano de 2016, o mesmo ano em que o conheceu.

 

[Bom dia, Schmidt, bom dia a todos do Primeiro Horário. O trágico incidente ocorreu em Jardim Santa Tereza, onde um dos moradores desaparecidos é Josias de Oliveira Neto, de 37 anos, que foi visto pela última vez apenas meia hora antes do incêndio devastador. A Polícia Civil está em campo, investigando o caso e analisando câmeras de segurança em busca de pistas, tratando a situação como um possível crime. As vítimas são…]

 

Quanto mais extenso, pior era se sustentar, não era real, não queria acreditar nessa realidade.

 

[Obrigado, Clara Andrade. Que notícia triste, espero que a polícia consiga encontrar esse suspeito o mais rápido possível. Agora, vamos falar do tempo; a frente fria chegou ontem de madrugada e já traz mudanças significativas para a região…]

 

Ninguém conseguia raciocinar sobre a chuva intensa causada por uma frente fria.

 

Seu Paulo recorda sobre esse ex-namorado, só o primeiro nome e o estado onde morava. Mesmo assim, é muita coincidência o nome do seu ex-genro estar estampado num telejornal.

 

“Bruna, onde aquele malandro morava?”

 

“São Paulo, nesse município.”

 

“Será que é o mesmo? Se desapareceu antes de matar a família e está foragido, com certeza deve vir para cá, que droga! Só que me faltava…”

 

Estava aflito ao perceber que o cara poderia ser um assassino, sendo um foragido indo em direção ao RJ.

 

Sem uma única mudança durante esses anos todos, esse cara irá à sua casa e tentará matá-la pelo rompimento depois de quase um ano e meio juntos.

 

A preocupação vinda em forma de repreensão deixou-a um tanto apavorada, mas ainda não sabe se é certamente ele, pois não existe um único Josias no mundo.

 

Contudo, o nome e a cidade, e também os membros que moravam nessa casa, dizem o oposto.

 

Na época, embora não lembre com exatidão e sem uma oportunidade de conhecê-los bem, sabe certos detalhes que podem deixar um tanto com o pé atrás.

 

O pai dele tinha um passado conturbado, no entanto, se livrou e era honesto num emprego legalizado.

 

Mas não tira a suposição, gerando consequências em ser o principal motivo dessa calamidade, em razão de que, desconhece a saída dessa vida, e muito menos sua posição.

 

E por causa disso, e do fato de estar desaparecido, há uma possibilidade de lhe pedir ajuda ou abrigo, sendo que o único local que tem familiaridade é sua casa.

 

“Pai, não foi provado nada. E, como abriu as investigações, vão descobrir o que de fato seja. E mesmo assim, ninguém vai abrir a porta pra ele, ainda mais aqui.”

 

Essa resposta é um intuito de auto tranquilizar, preservando sua sanidade em não crer que seja de fato um criminoso, e por enquanto, precauções são necessárias.

 

Seu pai não colocou muita fé, tentava controlar o medo e o desespero, o que o deixava mais nervoso.

 

Não queria chegar em casa e saber de seu desaparecimento ou, pior, morte, como tantos casos de feminicídio.

 

Além disso, é um esquisito, mesmo o exterior sendo ‘bobalhão’, é um suspeito à vista dele, que não bateu o santo, isso desde a primeira visita.

 

“Não saia de casa, fique aqui, avise sua irmã para não abrir a porta pra ninguém, quando for mais tarde vou ligar pra saber se ocorreu alguma coisa.”

 

“Não se preocupe, não vai ter nada.”

 

“Isso é pra aprender a não se envolver com esses caras de internet, agora esse maluco pode estar aqui, e querendo fazer alguma maldade com vocês. Cara… não acredito que esteja acontecendo isso….”

 

Permanecendo a pedrada, somente refletiu sobre seus erros do passado, estava sentindo o peso do quão perigoso é o ser humano.

 

Entretanto, haverá uma solução.

 

Se for, vão achar e prender caso conste o responsável pelo crime bárbaro.