Capítulo 100

“Não fode, sabe do que tô falando. O que tá acontecendo aqui? Por que esse homem tá trabalhando em condição que aponta para ficar em repouso?”

 

Todas as palavras jorradas foram usadas na frente de um cara que detém toda a sabedoria e poder o suficiente para esmagar a sua repreensão, mas não fez.

 

Na realidade, achou muito fofo a fúria desse cordeiro defendendo outro que não seja ele, mesmo assim, tinha vontade de bitocar seu rosto todo.

 

“E o que quer que faça?”

 

Essa pergunta tem duas vertentes, podendo significar um deboche de quem não liga para nada que esteja falando, ou simplesmente querer ouvir o pedido para fazer do seu modo.

 

E o secretário presente no meio do furacão soube imediatamente que Mohammad não estava falando zombeteiramente e sim, esperando a ordem dessa que nem troca fluidos corporais.

 

“Vem cá.”

 

Olhando para a vítima da situação, o corpo relaxado momentaneamente tensionou, pois sentia que algo bom não surgiria.

 

O empregado ficou desnorteado pela fala, que pegou até o mais preparado de surpresa.

 

“Ei, por favor, menino, vem cá, quero ver umas coisas.”

 

Sério, firme, mas, ao mesmo tempo, doce, tão quanto a última que foi assim com ele.

 

“Bruna…”

 

“Shh! Fique neném.”

 

Esse pequeno aviso soou como ameaça explícita, fazendo a feição fechar, como se o dia fosse dominado pela escuridão.

 

Mesmo sendo uma criatura noturna e habituada ao caos que as trevas proporcionam, entende que esse sol, que iluminou o mundo sombrio, desapareceu, certamente não soou nada engraçado.

 

E, a vontade de agarrar no pescoço desse inútil, fazer pagar por tudo que estava ouvindo, flutuou a estratosfera.

 

Seu amor sumirá de sua vida sem ao menos deixar recado, e isso era imperdoável.

 

“Venha, por favor.”

 

“Mas…”

 

“Shhhh. Ok.”

 

Liberando todo o ar dos pulmões, foi em direção a ele e, sem tempo para fugir ou remediar, estava muito próximo e a mão tocava o machucado.

 

O cheiro, que era fraco, intensificou, deixando inebriado.

 

Não queria sentir isso, por ser errado, devido à propriedade pertencer ao seu senhor.

 

“Não, senhorita, não faça assim, só me trate como todos, não seja boa ou misericordiosa.”

 

É tarde, e como se nascesse para tal, vestiu seu manto e encheu-se de bondade para aquele sofredor que é mais velho que ela, e como uma santa piedosa, olhou tristemente, como se o ato cometido fosse abominável.

 

O calor, o pouco verdadeiro, que sobrou apenas resquício do que um dia rezou em sentir, acendeu e o tomou por completo.

 

É mágico, e não sabia que poderia vivenciar, não de novo.

 

Inconscientemente, fechou os olhos, aproveitando essa prioridade que somente o presidente tem.

 

Como nada era de graça, o céu só é céu por existir um inferno, se não, seria inútil persegui-lo.

 

Atrás dessa cena, um senhor infernal expelia fogo pelas narinas e seus olhos vermelhos como sangue observavam uma cena que não deveria existir.

 

Só que estava ali, formando o mais bizarro e controverso do mundo.

 

A sua santa estava consolando outro alguém, enxugando a dor e lágrimas de outros, era inadmissível.

 

Queria levantar e parar essa porra, só que foi impedido, com a promessa ameaçadora, nunca viu desse modo, não tão compassiva.

 

E o ciúme o dominou a ponto de matar esse cara.

 

“Não faça isso! Não faça! Vou matar esse filho da puta!”

 

A pele dela está em contato com a dele, como se um inseto asqueroso subisse e invadisse cada metro quadrado de tecido.

 

“Tenho que lavá-la, preciso eliminar essa nojeira, se não…”

 

“Me responda, isso foi o quê?”

 

Interrompeu a ligação de ódio.

 

O empregado apenas suspirou e voltou à realidade, saindo do campo fértil e sendo lançado ao seu inferno.

 

A face de Mohammad deixava-o sem ar, e entende que, depois que sair daqui, sem proteção, a punição o espera.

 

“Eu… eu….”

 

“Sim, fale.”

 

“Senhorita, dor de dente. Arranquei meus sisos de uma vez, e por isso inchou… tudo bem.”

 

O tempo de ser verdadeiro e fazer punir seu algoz se despedaçou quando o defendeu ao mentir por algo que não existe e se arrependeu em não receber a justiça devida.

 

Sorriu, contudo, fora das vistas desse e somente reservado para si, é como voltar àquela área.

 

“Entendo, dor de dente.”

 

Seus lábios diziam um, mas seus olhos expressavam a verdade.

 

Compreendendo que foi a mão desse ditador que fez isso, e pescou imediatamente o que aconteceu mesmo desconhecendo o contexto por trás dessa punição, portanto deu o veredito.

 

“Dispense, faça ir ao médico e só ficarei contente ao ver o atestado relatando o afastamento.”

 

“…”

 

“Caso esse suposto médico não dê um único dia, pode acreditar que não vai querer saber o lado quando desprezo alguém.”

 

É tudo que necessitava para pregar o seu caixão.

 

Além do que, a ama muito, tanto que não suportará ficar longe ou ter algum desprezo de sua parte.

 

“Faça o que estou mandando, procure uma unidade e se consulte, não precisa se preocupar caso lhe der mais de 3 dias de afastamento, continue fazendo seu serviço em home office. E notifique o departamento de RH.”

 

Não pode fazer nada, apenas acatou o pedido e ordenou que o cachorro fosse ao médico e trouxesse o atestado que o afastasse pelo menos cinco dias.

 

“Sim, presidente.”

 

“Menino, venha com o atestado, quero ver o que está escrito e ouvir suas palavras, ok?”

 

“Tudo bem.”

 

O pobre ainda analisava se era real ou inventado, pegando suas coisas da mesa e cumprimentando, não deixando de agradecer à jovem que o salvou.

 

E, por um período determinado, se afastará de seu senhorio, o suficiente para diminuir esses machucados horríveis.

 

Não querendo admitir, e que mais para frente será tortuoso, agradeceu pela bondade, como seu grande amor, o viu com preocupação, tão igual aos seus falecidos pais.

 

O ruim, e até odioso, é saber que essa dotada de luz acabará se vinculando à pior criatura dessa terra, que não deveria ter cruzado o caminho, merecendo alguém melhor.

 

Contudo, é tarde demais, o destino está selado com esse demônio que se diz ser um humano.

 

Quando saiu, precisava ser rápido, indo ao médico de confiança e sendo verdadeiro sobre a dor e aparência de seus machucados, para convencer que foi atendido e devidamente cuidado.

 

Para que, lá na frente, não seja punido por descumprir a ordem implícita dessa santa.

 

No quarto, a luz que entrava mostrava com graça duas criaturas que tiveram um pequeno desentendimento, por um ato falho desse tirano.

 

“Até que entende um pouco, pensava que só dormia durante o tempo de ensinamento.”

 

“Sem papinho mole, vamos conversar o que realmente deve ter acontecido. E, quando terminar meu banho, vamos comentar esse ‘acidente’ do siso.”

 

O ambiente gelado, congelou, a sua preciosa estava em fúria com uma face fria igual a um iceberg, deixando-o incapaz.

 

Nunca imaginou que a feição fosse balançar desse modo, e que, por mais que esse pássaro esteja se adaptando ao novo território, é ela que detém a coleira de seu pescoço.

 

Controlando seus instintos habituais e bárbaros, a pura ira de antes virou fagulha com esse olhar calmo, mas que o convidava a navegar nesse furacão.

 

“Bruna…”

 

“Shiiiii. Não.”

 

“…”

 

Como uma mãe, acalma seus nervos pegando as coisas na poltrona e vai se purificar, e isso não agradou de forma alguma.

 

Não queria receber esse castigo, todavia, não pode contrariar sua esposa, por isso, será bonzinho.

 

E, apesar do clima, achou também engraçado.

 

Como um casal em desentendimento que logo resolverá com um pedido de desculpa e uma intensa noite de sexo de reconciliação.

 

Nesse instante, ponderar sobre seus castigos aplicados nesse animal, da próxima vez fará discretamente para não alertá-la.

 

“Talvez nas costas ou costela não alteraria tanto… que desagradável.”

 

Remoendo sobre novos métodos punitivos, deve cortar esse fio, antes que fortaleça e sua tesoura não tenha capacidade de romper qualquer atitude bondosa com outro homem.

 

Em meio a pensamentos de como proceder à correção, a música vinda de um aparelho velho toca alto igual a um estúdio, reverberando e amplificando ainda mais.

 

Ao ouvir, percebeu que está se banhando, fazendo-se criar uma ideia muito maneira e conseguir ver sem ser notado, devido ao blindex fosco, ocultando o que realmente queria presenciar.

 

Sendo tranquilo, o importante é aproveitar o show.

 

“Daqui a pouco, entrarei e apreciarei um show particular.”

 

***

 

Sam foi escolhido para levar o secretário até um hospital confiável e próximo da redondeza.

 

Estava curioso sobre o fato desse hematoma.

 

Isso é um tanto bizarro, pois não costuma acontecer quando há uma correção.

 

Pois, é proibido ir a um hospital e procurar um tratamento, e pior, pegar um atestado, chegando a ser um insulto ao presidente, que teve todos os motivos para essa ação.

 

Mas, na ordem expedida pelo segundo líder, relatou para acompanhar durante a consulta e até o tratamento para saber se de fato estava sendo feito tal ato.

 

E como Sam e Alex sabem o português, foi escolhido e designado a tarefa.

 

Sabendo que, após feito, terá a situação piorada, bem mais dolorosa que suas repreensões típicas e até ‘suaves’, para qualquer um regido sob seu chicote.

 

No momento da viagem, ninguém tocou no assunto e parecia que não havia ninguém.

 

O secretário mantém uma pose firme e elegante, apenas observando a paisagem.

 

Realmente, não tinha como negar, o Brasil, apesar dos pesares, é um lugar bonito.

 

Enquanto Dubai foi planejada para ter tudo que tem na modernidade, é artificial, aparentando algo belo e próspero.

 

O Brasil era o oposto, tinha todas as condições por si só, mas os administradores que comandam toda essa beleza fazem com que cada canto se torne tão feio quanto um país à beira da extrema pobreza.

 

É assim que enxergava, não odiava ou desprezava a essência e seus cidadãos.

 

É inevitável o povo ser feito de palhaço e sofrer nas mãos de líderes incompetentes e corruptos, mas, de certa forma, pode produzir pessoas boas e de ótima índole.

 

Que olhe o próximo, como a dama que salvou por pouco tempo.

 

O presidente estava errado ao categorizar a nação sul-americana de ratos e step.

 

Não, uma latina brasileira de pele escura e cores que não são um grande destaque, provam que o conceito elitista e xenofóbico dele é equivocado e errado.

 

Talvez viver sob sua presença não seja tão ruim assim.

 

Caso pudesse correr quando estiver tentando fugir do inevitável destino pior que a morte, será para ela que seguirá e sem pensar duas vezes, talvez assim como antes, o enfrente sem ter medo e alivie seu fardo curando suas feridas.

 

“Obrigado, Deus….”

 

Ahmad percebeu que nem sempre foi um cachorro como programado a ser.

 

Pela segunda vez, experimentou o prazer de ser um humano e ser olhado como um que pertence aos demais que completam os quase 7 bilhões.

 

Talvez dessa vez seja diferente…

 

“Seu toque ainda queima minha pele, bem mais que essas feridas.”

 

Tocando levemente o lado esquerdo, entendendo que poderá ser atendido por um médico, ser tratado por profissionais da saúde que cuidam da vida humana, e não por um veterinário, como em casos semelhantes.

 

E esse momento será guardado em sua pasta pessoal, com todas as fotos que sobraram de sua antiga casa destruída, e também de seu grande amor, que morreu por suas mãos.

 

“Layla… sinto tanta sua falta. Foi um ser tão inocente, e não merecia esse destino cruel.”

 

O som da bala era audível, sendo seu assassino, não deveria ter se apaixonado e despertado a ira de seu dono, que, na época, ficou tão cruel depois daquela maldita febre que o atingiu.

 

“Ahmad, acredita que um dia será solto e poderemos ser livres para nos casar?”

 

O pensamento veio como um rojão forte, invadindo o interior e explodindo em milhares de pedaços. Foi algo duro de suportar, hoje é leve, mas presente e difícil.

 

“Faz vinte e seis anos, nem flores pude colocar em seu túmulo.”

 

Recorda-se do último sorriso exibido.

 

Eram crianças que encontraram o amor cedo e no momento errado, principalmente depois que aquele vampiro saiu de seu túmulo reformulado.

 

Enquanto isso, Sam acha esse detalhe pura balela e desnecessário.

 

“Desde que cheguei aqui, só me diverti duas vezes, qual será a próxima?”

 

Pensava, tendo um rock antigo em sua mente, para afastar o tédio que é a cidade maravilhosa, até imaginou pegar uma prostituta para saciar o tédio enquanto estiver por aqui.

 

***

 

“O que acontece quando um homem em pura ebulição apaixonante visse a nudez de seu amor bem diante de seus olhos?”

 

E diante dessa questão, surgida aos 11 anos para entender os sentimentos passionais.

 

Sendo mais complexas que a equação de Navier-Stokes.

 

“Então, lhe dou o poder da fala para defender sua tese em agredir seu funcionário.”

 

O corpo nu, que surgiu do banheiro, cheirava frescamente a sua essência, vestindo a toalha velha, com uma nova envolvida na cabeça, deixou estático na poltrona do réu e seu juiz.

 

Questionando uma ação aplicada naturalmente, só que, diante desses fatores, não havia argumentos.

 

“Explique-se.”

 

A toalha, que ocultava tudo, foi tirada, revelando a nudez que clamou para ser vista.

 

“…”