Capítulo 122
Foi um tanto engraçado e complicado a presença dele em um meio simples.
Mesmo mantendo o status de acompanhante ou amigo, as pessoas não viam dessa forma. A sorte é que não havia tanta gente onde morava como antigamente.
E quando desceu para o andar debaixo, ao ar livre, resolveu ficar em pé, pois sua fobia gritava para não sentar nas cadeiras metalizadas.
A consulta era às 9h, mas passou dez minutos e, como aviso, manteve ali.
Ouvindo música num fone, esqueceu que estava sob sua presença, mesmo que o olhar dirigido fosse de desejo para beijar e abraçar.
Lentamente, sua presença provoca um sintoma incomodante.
Levantar e envolver para sentir seu cheiro era um dos quereres que não faz mais.
No entanto, precisava delimitar como ficante. Bem, desse modo não é possível, mas qual nomenclatura dar ao que tem?
“Droga, não sei, quero beijar.”
Assim, seus pés não contiveram e bateram de leve no seu calcanhar, explicitando a vontade contida pelo orgulho.
E, por conhecer mais que a si, foi em sua direção e beijou no rosto, pois se fosse à boca daria ‘chilique’ e não queria ter seu mau-humor.
Esse ato acendeu os que estavam ali.
E algumas que olhavam de relance tiveram suas chances dizimadas.
De fato, esse deus pertencia a uma mortal.
Enquanto o beijo sutil deixou um tanto feliz e preenchida com a felicidade não demonstrada.
“Eu te amo.”
Em árabe, e por não entender, achou que fosse alguma bobagem, entretanto, é apenas seu peito gritando.
O sol, como sempre, estava mais quente e a camisa negra começou a pinicar, uma sensação costumeira, e queria muito se aconchegar no gelado e permanecer.
“Bruna Vanessa?”
Quando seu nome foi pronunciado na ala responsável, levantou-se e cumprimentou antes de entrar e, igual a um invasor, penetrou, como se fosse algo dela.
“Senhor?”
A médica, assustada pelo tamanho e beleza ao adentrar assim, imaginou o engano.
“Estou com ela.”
“Tudo bem, Bruna?”
“Não tem como evitar.”
“Ok, pode sentar aqui.”
Só de ver a cadeira azul, queria impedir, como antes tudo parecia tão inadequado e imundo aos seus olhos e extremamente pequeno.
No entanto, o olhar lançado já fez ficar calado e manter a disciplina.
Devido ao atraso, não se estenderia e também não queria, apenas trazer o laudo que ficou sem ser visto desde o ano passado e renovar a receita.
E as perguntas habituais foram lançadas, como estava, o que sente e sobre os sinais de uma possível depressão ou ansiedade. Só que, nada, como faz as coisas direito e, agora com a presença dele, segue uma dieta à la carte.
“Vejo que faltou ao exame preventivo. O que houve?”
“Bem, na verdade, não…. gosto muito.”
Não só as mulheres, mas Mohammad olhou um tanto surpreso pela declaração em repudiar exames preventivos.
“Por quê?”
“Por dois motivos: o primeiro é pelos comentários, e a dor. O segundo está alto, aí dá um certo constrangimento.”
“Ahh… não se preocupe, se estiver com isso. E sobre a dor, na realidade, é mais uma pressão do que dor de fato devido ao bico de pato. Se quiser, podemos fazer agora.”
“…”
O medo invadiu outra vez, e pelo que serve, tem temor de ter câncer e saber que morrerá por ser tarde demais, assim, rejeitou.
“Tudo bem, que tal uma próxima quando estiver menos nervosa?”
“Ok…”
Com a receita em mãos, manteve-se em silêncio e saiu, sentindo um enorme esgotamento.
Ultimamente, isso vem se repetindo.
Acreditando que a fobia esteja no pico a ponto de colocar os pés para fora seja um tormento.
E ao lado dele, sente uma espécie de ‘obrigação’ em sair para cada canto, e não era bem assim, quer relatar sobre esse fato pois prometeu a si mesma não se obrigar ao querer do próximo.
Já Mohammad permaneceu na sala, deixando as duas nervosas.
“Quero fazer algumas perguntas.”
Direto, não gaguejou, as profissionais sabem que não podem relatar nada da paciente, pois há uma proteção que resguarda a privacidade hospitalar.
No entanto, não era isso, em que a partida deixou uma pulga que morde suavemente.
Assim que a viu ao lado de seu carro, soube decifrar antes de abrir os lábios.
“Está cansada?”
“Sim, não sei, tudo parece tão pesado que só penso em ficar na minha casa.”
“Quer andar de carro?”
“Quero.”
O peito lateja, pois aos poucos as suspeitas e o breve relato das profissionais estão caminhando para um ponto certo.
“Ok.”
Nesse espaço pequeno, a pressão e todo cansaço foram esvaindo, e à medida que o automóvel ganha velocidade, sem pedir, caminha em direção à estrada favorita para admirar a paisagem mista.
“Cordeirinho, já pensou em passar outra vez por uma nova avaliação psiquiátrica?”
“Huh.. Não sei, no laudo dizia que não precisava por enquanto.”
“Mas, só para ter uma certeza, ou descobrir algo que não saiba.”
“Como?”
Passando pela favela do Lins, essa altitude era sua droga favorita, recheada de desigualdade social e natureza numa velocidade em que a brisa no rosto faz tolerar as questões desse cara.
“Como era o histórico hospitalar da sua família por parte materna?”
Foi aí que a bomba foi lançada.
***
“Mãe, como era quando bebê?”
“Bem, muito boazinha. Quase não chorava, não importa o que sentisse. Isso faz lembrar das vezes que tive que adivinhar para te amamentar, porque se dependesse de você, morreria de fome, pois só gemia baixinho.”
Bruna olha as fotografias do passado e certos relatos que passaram despercebidos. Nunca foi de tirar fotos e, quando fazia, parecia estranha, que aparentemente aos seus olhos eram bem normais.
Foi aí que um outro fato surgiu na mente.
O acidente que teve aos dois anos de vida.
Seus pais trabalhavam muito e necessitavam deixar a pequena com alguém de confiança, o que foi feito com a antiga amiga de confiança, que era casada com seu primeiro marido.
Nisso, levou para outra vizinha que era mãe de sua falecida madrinha para bater um papo.
Sob sua responsabilidade, Bruna praticamente não dava problema, contudo, era pequena e precisava ficar de vigília.
Logo, no meio da conversa, havia algo no forno e, distraídas, esqueceram que perninhas foram até a cozinha e, curiosamente, através de relatos, puseram as duas mãozinhas no vidro temperado do fogão.
Pela alta temperatura, uma reação normal era automaticamente retirar assim que se sentisse o calor do objeto.
Entretanto, não fez, e com as mãos coladas ficou sem soltar um pio num murmúrio extremamente baixo.
Bruna já tinha idade suficiente para responder a certas sensações de perigo e autopreservação.
O que faria gritar caso não conseguisse ter forças para se defender.
Porém, foi o alerta de uma delas que viu o caos instalar e o pavor tomar conta, removendo a garotinha que teve queimadura nas duas palmas das mãos.
Nessa história trágica, ninguém ganhou a culpa, pois essa vizinha sempre cuidou muito bem dela e de sua irmã, tendo um laço de amizade com a falecida mãe que nunca crucificou.
Mas o temor de ter provocado aquilo deve assombrá-la por se cobrar uma maior atenção.
E os anos foram se passando, e essa pequenina cresceu e aprendeu regras sociais nas quais fez-se adaptar ao meio, contudo, num ‘q’ de estranheza.
Em que jamais supôs que supostamente poderia ter esse diagnóstico.
Nem que existissem provas suficientes para repensar sobre a ajuda desse cara.
“Como assim, autismo?”
***
Autismo em adulto é uma barra mais pesada, pois são pessoas que viveram por mais tempo em sociedade e aprenderam diversas regras nas quais ‘faziam’ passar despercebidas.
Além de que, eram tidas como ‘estranhas’, ‘esquisitas’ ou ‘bizarras’, quando se tratava de um grau menor de suporte.
Diferentemente dos que apresentavam um grau maior do espectro e eram colocados no mesmo miolo dos ‘malucos’.
A medicina é uma roda variável que depende das reações em cadeias através das eras.
Porém, não significava uma estagnação dos fatores, sendo necessário esse tipo de resolução, pois é um campo em amplo aprendizado.
E o ‘boom’ das neurodivergências fez a população resistir se era o avanço dos estudos que facilitava o diagnóstico com maior precisão, ou apenas ‘mimimi’ para chamar atenção.
O fato é que adultos tidos como ‘esquisitos’, com acesso aos fatos e laudos, eram, na verdade, uma variação humana no processamento neurológico.
Talvez os acontecimentos — tirando a lacuna do trauma adquirido na infância — o jeito de pensar, agir e até de se colocar como pessoa seja um fator de algum aspecto dessa neurodivergência.
Inclusive correlacionando a sua TAG e até a depressão a esse quadro novo.
Bruna não resistiu em se consultar com uma equipe envolvendo primariamente psiquiatras nessa iniciação do rabisco.
O início sempre será mais difícil, as formas de lidar durante o caminho eram plausíveis.
Roer unhas, mexer sutilmente com os dedos, remover a pele dos lábios e a música alta nos fones de ouvido…
Mohammad não podia participar, pois, além dela não ser menor, não era tutor ou muito menos familiar.
E se contentaria em ficar ao lado de fora enquanto os verdadeiros destrinchariam essa primeira camada.
“Nervosa?”
“Um pouco. Já passei por muitas consultas, mas essa seria definitiva.”
“Estou aqui.”
Encarando, aqueles olhos claros trouxeram a carga necessária para suportar, e caso fosse concreto, se não fosse ele, viveria assim pelo resto da vida.
“Tá.”
Nunca imaginou que um recomeço seria tão novo assim.
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Capítulo 122
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